sexta-feira, 13 de outubro de 2017

A dívida pública como poder de chantagem do capital

A dívida pública como poder de chantagem do capital | Brasil 24/7






A dívida pública como poder de chantagem do capital







Marcello Casal Jr/Agência Brasil










A dívida pública não é apenas expressão do poder
financeiro do setor privado sobre o Estado, mas, sobretudo, a âncora do
poder do capital sobre a orientação da política econômica geral dos
governos. O poder financeiro conferido pela dívida pública é quase
intuitivo: a escola neoliberal ensina que a origem da dívida é a demanda
do setor público por dinheiro, e esse dinheiro deve ser pago com juros
pois do contrário o Estado ficará desacreditado.


Portanto, como expressão do poder financeiro, a dívida pública é um
instrumento de pressão poderoso do setor privado por aumento das taxas
de juros básicas que a remuneram. No Brasil, a Selic. O raciocínio
implícito é que o setor privado, como titular da dívida, pode exigir do
governo sua liquidação, provocando um total desequilíbrio no mercado
financeiro. Para evitá-lo, o Estado é "obrigado" a manter taxas de juros
desejadas pelo mercado.


Ao lado do poder financeiro, a dívida pública confere ao setor
privado um poder quase absoluto sobre a política econômica. De fato,
para manter o valor financeiro da dívida, é necessário articular as
políticas monetária e fiscal de maneira adequada. O governo não deve
expandir a moeda, independentemente das necessidades da economia e da
geração de emprego, pois do contrário haverá uma pressão de baixa da
taxa de juros da dívida.


A política fiscal, por sua vez, deve conciliar emissão de títulos
públicos com emissão de moeda no sentido de evitar a emissão monetária
para o pagamento dos juros/rolagem da dívida numa escala que pressione
para baixo a taxa de juros. Em uma palavra, a essência da política
econômica, que no Brasil é ainda mais travada que nos países
desenvolvidos, fica atrelada às pressões políticas do setor privado para
manter e ampliar a dívida pública.


Entretanto, vejamos essas relações de uma outra forma – para lembrar
Abba Lerner, sob a ótica de finanças funcionais. Primeiro, vamos
considerar que dívida pública não tem nenhuma relação com a demanda de
dinheiro pelo setor público, mesmo quando em situação de gastos
deficitários. O governo pode simplesmente emitir dinheiro em lugar de
emitir dívida, sobretudo se a economia estiver em recessão, depressão ou
contração, como agora.


Nessa hipótese, não haveria nenhuma necessidade de dívida pública. A
necessidade surge do próprio setor privado que precisa ter instrumentos
financeiros seguros para neles aplicar seus lucros e suas sobras de
caixa. Em última palavra, é o setor privado que precisa da dívida, não o
setor público. E tão logo tenha um instrumento de dívida onde aplicar
seus lucros o setor privado passa a exigir taxas de juros maiores para
rolar toda a dívida.


Tão logo se "liberte" da necessidade de ter dívida, o Estado pode
aplicar a política monetária – taxa de juros e expansão da moeda –
indispensável à retomada do crescimento. Vimos que nos Estados Unidos,
na Europa e no Japão a taxa de juros foi reduzida e aí mantida por anos
na faixa do zero por cento. Nós, que copiamos tudo dos países
desenvolvidos, não copiamos isso. Deles, em matéria econômica, copiamos
apenas ideologia neoliberal.


Em termos práticos, não é o valor absoluto da dívida que deve
preocupar, mas seu custo. Amigos meus falam em forçar a "transformação"
da dívida pública em investimento. É uma bobagem bem intencionada.
Primeiro, são quase R$ 3,5 trilhões de dívida; não há como
operacionalizar sua conversão de forma ordenada. Segundo, se a Selic for
reduzida a níveis nipo-europeus, desaparece o custo da dívida, e seu
estoque será gradualmente diminuído.


A zeragem dos juros da dívida tem implicações monetárias: seus
titulares privados podem querer liquidar os títulos e mandar o dinheiro
para fora. Podemos impedi-los com as reservas em dólar, e sobretudo com
controle de capitais, como já admitido pelo próprio FMI. Finalmente, não
devemos fazer uma segunda bobagem, a conversão da dívida "externa" em
investimento, exceto na margem necessária para cobrir despesas de
investimento em dólar.


É que as reservas são um ativo do Estado em dólar. Se tomamos, por
exemplo, US$ 100 milhões das reservas para fazer investimentos em reais,
teremos duas alternativas para internalizá-los: ou criamos uma
contrapartida em real, ou emitimos títulos da dívida pública para
comprar os dólares. Os dólares ficarão no mesmo lugar. No meu entender, a
alternativa mais razoável seria manter os dólares como "garantia" para
simples emissão monetária interna, descolando esta última da política
econômica atrelada à dívida pública.

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