domingo, 22 de outubro de 2017

Em questões de gênero, ciência mostra que os extremos estão errados

Em questões de gênero, ciência mostra que os extremos estão errados - 22/10/2017 - Reinaldo José Lopes - Colunistas - Folha de S.Paulo




Que o leitor perdoe a franqueza, mas dá desgosto ver como as pessoas –em
ambas as pontas do espectro ideológico– surtam com esse negócio de
ideologia de gênero e outras questões candentes relacionadas à
sexualidade.





Que tal colocar um pouco de ponderação e rigor científico na história?
Eis uma brevíssima lista de ferramentas conceituais que vale a pena ter à
mão antes de sair se descabelando "em defesa da família" ou "contra o
patriarcado".





1) Pessoas são indivíduos, não médias estatísticas.





A complexidade dos corpos e das mentes é gigantesca e depende de
fatores, tanto inatos (como a genética) quanto externos (família,
educação etc.), que são individualizados, em larga medida.





A implicação que isso tem para qualquer afirmação de natureza
essencialista –que enxerga uma essência imutável– sobre o comportamento e
os papéis de homens e mulheres deveria ser clara. Existem, por exemplo,
algumas evidências científicas de que, em média (eis uma expressão
crucial!), os membros de cada sexo começam a vida com vieses cognitivos e
interesses ligeiramente diferentes entre si, e que isso pode ser
reforçado ao longo do crescimento.





Meninas, pelo que sabemos, são um pouco mais fluentes verbalmente e mais
espertas na hora de captar as emoções alheias, enquanto os garotos se
viram melhor em tarefas que envolvem o raciocínio espacial. Mas, de
novo, tudo isso é média estatística –não um destino inescapável
decretado pelo Olimpo.





Eu me viro razoavelmente bem com palavras e sou capaz de me perder
dentro do meu próprio banheiro, embora seja portador de um cromossomo Y,
a marca genética da masculinidade em humanos. Aliás, se eu fosse uma
média populacional, e não um indivíduo, eu seria metade homem e metade
mulher, o que não parece ser o caso, pelo que me lembro da última vez
que fui ao banheiro. Esse princípio vale para quase tudo o que importa
em nível individual.





2) Seres humanos são entidades biológicas e culturais ao mesmo tempo, o tempo todo.





Somos seres vivos, mamíferos e primatas, produtos de um processo
evolutivo de bilhões de anos, tal como os outros animais da Terra. Isso
significa que é improvável que o nosso comportamento não tenha bases
biológicas, ainda que estejamos longe de elucidá-las totalmente.





Outros animais, aliás, também têm tradições culturais –embora só nós
tenhamos levado tão longe a capacidade de dar significado a elas e de
transformá-las numa espécie de universo paralelo que nossas mentes
habitam.





Na prática, portanto, os papéis de cada gênero são modificados o tempo
todo pelas mutações da cultura –mas eles dependem do "molde" biológico
inicial para tomar forma. Ignorar qualquer um dos lados da equação é uma
receita para simplificar demais a realidade.





3) Existe, existiu e sempre existirá variabilidade natural.





Os dados de outras espécies animais e as comparações entre diferentes
sociedades humanas que o relacionamento entre indivíduos do mesmo sexo e
aparentes inversões de papéis de gênero são parte da variabilidade
natural.





Essa variação pode ser influenciada por aspectos sociais e culturais,
mas dificilmente seria criada por eles. Versões extremas da ideologia de
gênero segundo as quais absolutamente tudo é construção social são
apenas má ciência –mas temê-las como o bicho-papão que transformará
todos nós em andróginos futuristas é infundado. Até hoje, todos os que
apostaram numa natureza humana infinitamente maleável perderam feio.

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