Os viciados e os traficantes das redes sociais, por Roger McNamee
SEG, 29/01/2018 - 10:47
Ilustração TecMundo
no Project Syndicate
Os viciados e os traficantes das redes sociais
por Roger McNamee
Tradução de Caiubi Miranda
NOVA IORQUE — Fomos alertados. O investidor de capital de risco e fundador da Netscape, Marc Andreessen, escreveu um ensaio em 2011, intitulado "Why Software Is Eating the World” (Porque razão o software está comendo o mundo). No entanto, não levamos a sério Andreessen; consideramos que se tratava apenas de uma metáfora. Agora, estamos perante o desafio de extrair o mundo das garras dos monopólios das plataformas de Internet.
Eu costumava ser bastante otimista relativamente às tecnologias. Ao longo de uma carreira de 35 anos em que investi nos melhores e mais brilhantes em Silicon Valley, tive a sorte de integrar os setores dos computadores pessoais, das comunicações móveis, da Internet e das redes sociais. Entre os exemplos que se destacam na minha carreira primeiro figuram os investimentos iniciais na Google e na Amazon, bem como o fato de ser mentor de Mark Zuckerberg, o fundador do Facebook, entre 2006 e 2010.
Cada nova onda de tecnologia permitiu aumentar a produtividade e o acesso ao conhecimento. Cada nova plataforma que surgiu foi mais fácil de utilizar e revelou-se mais conveniente. A tecnologia impulsionou a globalização e o crescimento econômico. Durante décadas, tornou o mundo num lugar melhor. Partimos do princípio que seria sempre assim.
Quando chegamos a 2016, a Internet revelou dois “lados obscuros”. Um deles está relacionado com os usuários individuais. Os smartphones com infra-estrutura móvel LTE criaram a primeira plataforma de entrega de conteúdos continuamente disponível, transformando o setor de tecnologias e as vidas de dois bilhões de utilizadores. Sendo alvo de pouca ou nenhuma supervisão regulamentar na maior parte do mundo, as empresas como o Facebook, a Google, a Amazon, a Alibaba e a Tencent e utilizavam técnicas comuns relativamente à propaganda e aos jogos de casino, tais como as notificações constantes e as recompensas variáveis para promover o vício psicológico.
O outro lado obscuro é a geopolítica. Nos EUA, na Europa ocidental e na Ásia, as plataformas de Internet, especialmente o Facebook, permitem que os poderosos causem danos aos que não detêm qualquer poder nas esferas da política, da política externa e do comércio. As eleições em toda a Europa e nos EUA demonstraram repetidas vezes que as redes sociais automatizadas podem ser exploradas para prejudicar a democracia.
O referendo relativo ao Brexit e as eleições presidenciais nos EUA em 2016 também revelaram que o Facebook proporciona vantagens significativas para a primazia das mensagens negativas sobre as positivas. Os governos autoritários podem utilizar o Facebook para promover o apoio público a políticas repressivas, como pode estar a acontecer agora em Mianmar, Camboja, Filipinas, e não só. Em alguns casos, o Facebook presta apoio efectivo a tais governos, do mesmo modo que o faz a todos os grandes clientes.
Estou confiante de que os fundadores do Facebook, da Google e de outras grandes plataformas de Internet não tinham intenção de causar danos quando adotaram os seus modelos de negócio. Eram jovens empresários, sedentos de sucesso. Passaram anos a conquistar grandes audiências, reorganizando o mundo online em torno de um conjunto de aplicações que eram mais personalizadas, convenientes e fáceis de utilizar do que as anteriores. Além disso, não fizeram qualquer tentativa de rentabilizar os seus esforços até muito tempo após os utilizadores estarem “agarrados”. Os modelos de negócio de publicidade que escolheram foram alavancados pela personalização, que permitiu aos anunciantes direcionar as suas mensagens com uma precisão sem precedentes.
Depois, porém, veio o smartphone, que transformou toda a comunicação social e colocou efetivamente o Facebook, a Google e uns quantos outros no controlo do fluxo de informações destinadas aos usuários. Os filtros que dão aos utilizadores "o que eles querem" teve o efeito de polarizar populações e fragilizar a legitimidade das instituições democráticas fundamentais (sobretudo a imprensa livre). A automatização, que tornou as plataformas de Internet tão rentáveis, deixou-as vulneráveis à manipulação por agentes mal-intencionados de todas as partes — e não apenas de governos autoritários hostis à democracia.
Tal como Andreessen no alertou, estas empresas, com a sua ambição e alcance global, estão devorando a economia mundial. Durante este processo, adotam a filosofia empresarial do Facebook — “avançar rapidamente e quebrar códigos” — sem ter em conta o impacto sobre as pessoas, as instituições e a democracia. Uma grande minoria de cidadãos no mundo desenvolvido vive atualmente nas bolhas de filtragem criadas por estas plataformas — as falsas realidades digitais em que as convicções existentes se tornam mais rígidas e extremas.
Nos EUA, cerca de um terço da população adulta tornou-se impermeável a novas ideias, incluindo fatos demonstráveis. Estas pessoas são fáceis de manipular, um conceito que o antigo especialista em assuntos éticos da Google, Tristan Harris, designa como "brain hacking."
As democracias ocidentais não estão preparadas para enfrentar esta ameaça. Os EUA não têm um quadro regulamentar eficaz para as plataformas de Internet, e não têm vontade política para criar tal quadro. A União Europeia tem um quadro regulamentar e a vontade política necessária, mas também não está apta para lidar com o desafio. O recente acórdão da UE contra a Google — uma coima recorde de 2,7 mil milhões de dólares por comportamento anti-concorrencial — foi bem concebido, mas não foi suficientemente dimensionado. A Google recorreu, e seus investidores encolheram os ombros. Pode ser um bom começo, mas foi claramente insuficiente.
Estamos a atravessar um momento crítico. A consciência dos riscos colocados pelas plataformas da Internet está a aumentar a partir de uma base reduzida, mas a conveniência dos produtos e o vício psicológico subjacentes são tais que a mudança pode demorar uma geração a produzir efeitos da parte do utilizador, à semelhança do que aconteceu com as campanhas contra o tabagismo. O reconhecimento do efeito corrosivo dos monopólios das plataformas sobre a concorrência e a inovação é maior na Europa do que nos EUA, mas ninguém encontrou uma estratégia regulamentar eficaz. A consciência de que as plataformas podem ser manipuladas para prejudicar a democracia também é crescente, mas os governos ocidentais ainda têm de conceber uma defesa contra esta manipulação.
Os desafios colocados pelos monopólios das plataformas de Internet exigem novas abordagens, para além da aplicação do direito da concorrência. Importa reconhecer e enfrentar estes desafios como uma ameaça para a saúde pública. Uma possibilidade é tratar as redes sociais de forma análoga ao que foi feito com o tabaco e o álcool, combinando educação e regulamentação.
No Fórum Econômico Mundial de Davos, a ameaça dos monopólios de plataformas de Internet foi um assunto prioritário para os participantes. Para restaurar o equilíbrio nas nossas vidas e a esperança na nossa política, é chego o momento de perturbar os perturbadores.
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