sexta-feira, 30 de março de 2018

Delegado que investigava atentado a Lula aponta ingerência política


Delegado que investigava atentado a Lula aponta ingerência política


A crise política pode ter contaminado as investigações sobre o atentado contra a caravana em que estava o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Pelo menos é o que indica o delegado Wikinson Fabiano Oliveira de Arruda que foi substituído por decisão da Secretaria de Segurança do Paraná, comandada pelo rtucano Beto Richa.


“Retirar a investigação da minha mão fere o critério de distribuição dos inquéritos no Estado. Assume o inquérito o delegado que estiver de plantão na semana, e esta semana quem está de plantão sou eu”, disse Fabiano a um colega policial que perguntou se o afastamento dele tinha razões políticas, segundo matéria publicada por Joaquim de Carvalho, do Diário do Centro do Mundo.

“É claro que tem razões políticas. Não gostaram das declarações que dei sobre como vejo o crime. Foi uma tentativa de homicídio”, disse.

No lugar de Fabiano entrou o delegado Hélder Lauria que já entrou no caso afirmando que o atentado não pode ser enquadrado como tentativa de homicídio, mas apenas como disparo de arma de fogo com dano provocado, crimes de menor potencial ofensivo, considerados pela lei como contravenções e, por isso, com penas insignificantes

Hélder disse ainda que as informações foram dadas de maneira desencontrada. "As informações são superficiais e não condizem com a realidade da investigação", declarou ele em entrevista ao G1.

Mas o delegado Fabiano, que inciou as primeiras dirigências, disse que o crime é tipificado como dolo alternativo. "Quem atira contra um ônibus está querendo matar alguém. Não estou dizendo que era para matar o Lula. Mas quem faz isso, atirar em um ônibus, quer, sim, matar alguém”, declarou ele.

“Dizem que o PT pode usar politicamente a declaração de que foi tentativa de homicídio. Pode, assim como o PSDB também pode usar essa ocorrência de maneira política. Para mim, por exemplo, desqualificar o crime, tirando o evidente característica de tentativa de homicídio, é politizar. Estou dizendo que, se na caravana, em vez do Lula estivesse o papa Francisco ou a Xuxa ou o pipoqueiro, eu trataria da mesma forma: tentativa de homicídio. Por que com o Lula tem que ser diferente?”, argumentou.

Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o governador do Paraná, Beto Richa, também minimizou o ataque a tiros contra a caravana de um ex-presdiente da República na terça (27). Para ele, “parece que foi uma coisa muito localizada”.

Questionado se a polícia subestimou o policiamento, Richa disse que não. "Não sei o que houve exatamente naquele momento", afirmou o governador.

A mudança da linha de investigação, além de minimizar o crime, pode levar ao arquivamento do caso. Para Fabiano, a cúpula da Secretaria desrespeitou a sua independência funcional e violou a regra de distribuição de inquéritos.

“Eu não estudei, me preparei e me tornei delegado para aceitar ser desrespeitado dessa forma. Estou apenas esperando ter acesso à nota da Secretaria para fazer a minha nota e me manifestar publicamente”, salientou ao colega.

Fabiano emitiu a nota e disse que não foi afastado de suas funções ou sofreu qualquer retaliação por parte da Polícia Civil ou outros órgãos governamentais em razão do enquadramento legal dado ao caso.

Mas afirmou também que o enquadramento legal dado a um caso deve se fundamentar exclusivamente em critérios técnicos, jamais em critérios políticos, "pois Polícia é neutra".

Ele destaca também que o delegado que estava de plantão na noite do fato era ele, embora, diante da gravidade do fato, ambos os delegados tenham se dirigido ao local.

"Efetuar disparos de arma de fogo em direção a um veículo é, na opinião jurídica e fundamentada desta Autoridade Policial, tentativa de homicídio, o que não impede, com o avançar das investigações, novo enquadramento legal, mediante aditamento à Portaria inaugural do Inquérito, se necessário", frisou.

E acrescenta: "Enquadramento legal, em regra, é feito com base nos fatos e não nas pessoas atingidas".

Diferentemente do que disse o delegado Hélder, ele reforça que não é precipitado concluir que houve disparo de arma de fogo em direção a diversas pessoas em um ônibus.

"Isso será considerado, em um primeiro momento, tentativa de homicídio, aqui e em qualquer lugar do mundo, embora se respeite opiniões diversas, desde que juridicamente fundamentadas", defendeu.

O delegado Fabiano salientou ainda que o cumprimento da lei deve ser feito sem a ingerência de questões políticas, "posto que isso sim seria um atentado à ordem jurídica em vigor e à função de Delegado de Polícia".

Ele acrescenta que adotará as devidas medidas legais e administrativas "contra qualquer pessoa que interfira no livre exercício do seu múnus público de defender a tão sofrida sociedade do interior paranaense".

Sucateamento das delegacias

A nota ainda aponta as precárias condições a que estão submetidos os profissionais da segurança pública.

"A demora na chegada de peritos ao local deu-se em razão da extrema precariedade a que está submetido o Instituto de Criminalística do Estado do Paraná, uma vez que o perito foi obrigado a se deslocar de Guarapuava até o local onde estavam os ônibus (aproximadamente 120Km), o que é práxis no Estado do Paraná e poderia ter demorado muito mais, se estivesse atendendo a uma outra ocorrência", relata o delegado em um trecho da nota.

Segundo ele, a infraestrutura da delegacias do estado encontram-se extremamente deficitárias. "Hoje o Paraná possui menos Delegados do que municípios e que a nomeação efetuada no dia de ontem pelo Governo de apenas 20 Delegados suprem quase que apenas as Comarcas vagas (cerca de 11 Comarcas)", afirmou.

Fabiano disse que a delegacia a qual é responsável já possuiu seis escrivães e hoje possui apenas três.

"Somente nesta Subdivisão, encontram-se fechadas as Delegacias de Polícia Civil de Porto Barreiro, Laranjal, Goioxim, Rio Bonito do Iguaçu, Nova Laranjeiras etc., por falta de efetivo policial", denunciou.

E concluiu: "Essa desestruturação e sucateamento da Polícia Civil do Estado do Paraná é fruto de, no mínimo, 20 anos de investimentos insuficientes e/ou inexistentes e contratações meramente pontuais, que praticamente repõem aposentadorias e exonerações de servidores, fazendo com que a ocupação dos cargos efetivos da PCPR esteja hoje na ordem de 50%".

Apesar dos dados contundentes, o governador Beto Richa disse que Fabiano "mente".

"Mentira dele, mentira. Liga para o diretor-geral da Polícia Científica. Ele vai dizer que nunca houve tanto investimento na Polícia Científica quanto no nosso governo. Inaugurei dois IMLs nas duas últimas semanas, Londrina e Curitiba. Liberei a contratação de 28 técnicos, médicos legistas e tudo. Sabe como é funcionário público. Alguns têm mania de querer o paraíso. Pergunta quanto é o salário dele", atacou o governador incomodado.

Segundo Richa, o delegado "está aproveitando o incidente para fazer críticas ao governo".

Nenhum comentário:

Postar um comentário