sexta-feira, 30 de março de 2018

Toledo: Alckmin estabacou-se ao falar de Lula


Toledo: Alckmin estabacou-se ao falar de Lula

José Roberto de Toledo, a meu ver o melhor analista de pesquisas eleitorais do país, escreve na Piauí, publicada pela Folha, o diagnóstico mais arrasador sobre a tentativa de Geraldo Alckmin de pegar carona do movimento pistoleiro de extrema direita.  O chuchu queimou-se, como cedo se disse  aqui.

Lula, Alckmin e dois canos fumegantes

José Roberto de Toledo
Fora o solitário 1% de intenção de voto espontânea no Datafolha, até que a corrida presidencial estava bem armada para Geraldo Alckmin. O tucano superara o risco de disputar votos com um antipolítico popular tipo Luciano Huck; o rival Jair Bolsonaro havia sido contido pela onda de opinião pública que se seguiu ao assassinato de Marielle Franco; e o favorito da disputa estava prestes a levar a culpa pelo desmonte da Lava Jato e ainda ter a candidatura cassada pela Justiça Eleitoral. Bastava jogar parado e ganhar por falta de oponente, mas Alckmin arriscou dar um pique. Estabacou-se.
Quatro tiros acertaram dois ônibus da caravana de Luiz Inácio Lula Silva enquanto o petista e sua entourage percorriam estradas paranaenses, na terça-feira. Esses quatro tiros não tiveram a mesma precisão dos que mataram Marielle. Nem talvez a mesma intenção assassina. Acertaram apenas as carrocerias – em lados diferentes e ao mesmo tempo, sugerindo que havia dois atiradores. Para azar deles, num dos ônibus atingidos viajavam repórteres que cobrem a caravana. Por isso, a narrativa prevalente do ataque foi ditada sob o ponto de vista dos alvos, e não de quem só colhe aspas, como sói acontecer no império do jornalismo declaratório.
Assim, os primeiros títulos genéricos e que deixam espaço para dúvida – como “tiros atingem ônibus de caravana de Lula, dizem petistas” – logo viraram afirmações categóricas: “Caravana de Lula sofre ataque a tiros no Paraná.” Havia os estampidos, havia os buracos de bala e havia o depoimento dos próprios repórteres.
Entrevistado sobre o ataque logo antes de assistir à pré-estreia da cinebiografia do bispo Edir Macedo – dono da TV Record e da Igreja Universal do Reino de Deus –, Alckmin pareceu ignorar a gravidade de um candidato a presidente da República como ele entrar literalmente na linha de tiro. Atribuiu a culpa aos alvos: “Estão colhendo o que plantaram”, afirmou o tucano sobre os petistas. À repórter Anna Virginia Balloussier, da Folha, acusou o PT de tentar rachar o Brasil. “Acabaram sendo vítimas”, concluiu. Exatamente. Acabaram sendo vítimas. O melhor papel em uma trama eleitoral tão radicalizada quanto a de 2018.
O nome do filme a que Alckmin tinha ido assistir é Nada a Perder. O candidato do PSDB tem pouco a ganhar fazendo uma declaração duplamente desastrada sobre o que a polícia do Paraná (governado pelo tucano Beto Richa) ainda investiga, mas já classifica como tentativa de assassinato. É o contrário de Lula. Ao passar ao papel de vítima – como reconheceu Alckmin –, o petista fica na mesma situação do bispo Macedo na tela. Lula já tinha perdido. Agora, ganhou a chance de recuperar alguma coisa.
Como pode o líder disparado nas pesquisas de intenção de voto (17% na espontânea, e de 34% a 37% nos cenários estimulados pelo Datafolha) não ter nada a perder? Intenção é fumacinha. Lula não pode perder votos que só existiriam se ele conseguisse chegar à urna. Dificilmente chegará. Condenado e sem mais chance de recurso à segunda instância, o ex-presidente caiu no rol dos que a Lei da Ficha Limpa proíbe de disputar eleições. Sua candidatura tem tudo para ser indeferida pelo Tribunal Superior Eleitoral, o TSE. Não só.
Do jeito que o Supremo Tribunal Federal encaminhou a revisão da jurisprudência que determina a prisão imediata dos condenados em segunda instância ficou parecendo que o desmantelamento iminente da Lava Jato é obra de Lula e de mais ninguém.
Presidente do tribunal, Cármen Lúcia pautou o julgamento do habeas corpus em favor do ex-presidente antes da apreciação da ação direta de inconstitucionalidade que pretende derrubar a prisão após a segunda instância. Tivesse sido o inverso, todos os condenados como Lula seriam beneficiados e, juntos, escapariam da cadeia. Mas seria o julgamento de uma ideia e, portanto, despersonalizado. Não teria barba.
Não foi o que aconteceu. Cármen Lúcia não pautou a ação que mudaria a jurisprudência sobre o assunto (prevalecia a estimativa de que, por maioria de 6 a 5, os ministros reverteriam decisão anterior do próprio tribunal). Ao colocar na frente o HC a favor de Lula, o Supremo personificou o julgamento. Se o petista não for preso, quem está na cadeia após condenação em segunda instância será libertado por efeito indireto do habeas corpus que o tribunal vier a conceder a ele. Seria mais um desastre de opinião pública para o PT.
Aí vieram os ataques verbais, depois os ovos, seguidos das pedras e, por fim, as balas. O PT, de acusado, virou acusador. De algoz, vítima. Só falta o Supremo não conceder o habeas corpus e Lula ir parar na cadeia. Seria o fecho de ouro para o processo de vitimização. Nesse cenário, se Alckmin não mudar seu discurso sobre o ataque, correrá risco crescente de seguir patinando e virar uma espécie de candidato a vice de Bolsonaro.

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