Os dez mandamentos das maldades liberais
Tarso Genro (*)
A ladainha neoliberal é sempre a mesma, em todos os lugares do mundo, sem variações significativas. Este ritual pode sofrer algumas modificações secundárias, em cada país, mas é certo que – no mínimo – oito dessas dez características que ora alinho, são encontráveis em cada país subjugado pelo mundo reformista liberal-rentista, que nos foi dado viver. Nossos governos de esquerda ou progressistas, que ocorreram na América Latina no último período, na verdade não se prepararam para uma pressão do capital financeiro global, tanto sobre o Estado como sobre extensas bases empresariais dependentes do mercado global, para a possibilidade de que estas se deslocassem para a direita ou à extrema-direita, como ocorreu para a derrubada ilegal e imoral da Presidenta Dilma.
A “naturalização” do fascista, como protagonista político dentro da democracia, é uma arma secundária do neoliberalismo. Não adquire hoje, o fascista, um papel principal, embora possa fazê-lo no futuro, porque os fascistas, como são dotados de uma certa patologia motivada pelo ódio ao diferente, tanto na sua noção de política como no que refere à diferença que possam imaginar, que o outro tenha de si, em outros terrenos -sexuais, culturais e políticos – não é confiável ao grande empresariado, que o instrumentaliza em momentos que precisa de ira e irracionalidade para combater seus inimigos. O capitalismo atual tem, hoje, meios científicos, estruturais e comunicacionais, capazes de fazer com que bilhões de homens e mulheres se comportem como “escravos na paz”, mas com a submissão aos negócios do mercado mundial e ao lucro privado, embora não sendo jurídica e formalmente escravos.
O fascista só considera realmente “humano” e respeitável, aquilo que ele próprio pensa que é -na sua aparência imediata manipulada- por isso pode usar a força extrema e o ódio permanente, contra os diferente de si mesmo, mas não sabe governar com a mínima sofisticação que exige, hoje, o capitalismo da era digital, disseminado como forma de vida nas diferentes nações e culturas. Sua visão bruta do mundo e do humano pode, porém, compatibilizar-se com algo análogo à escravidão, independentemente de quem comanda o espetáculo, mais – ou menos – corruptos, mais – ou menos – nacionalistas, mais – ou menos – autoritários. Não podemos esquecer, que hoje os que governam a Humanidade, em geral, tem a impunidade e a desfaçatez suficientes, para apresentar vendedores de picolé nas praias, guardadores de automóveis e simples pipoqueiros e vendedores de refresco, como novas” oportunidades de trabalho e renda.
O grande roteiro do liberal-rentismo reformista é o seguinte: Primeiro, diz-se que o Estado está “quebrado”. Segundo, diz-se que o “custo” dos serviços públicos é o culpado disso. Terceiro, afirma-se que o “Estado é corrupto”, os grandes empresários é que são honestos e que a sonegação é ” legítima defesa”. Quarto, alardeia-se que o Estado “é pesado” e que as empresas públicas e outras instituições do Estado – eficientes ou não – devem ser privatizadas, para que eles, os grandes empresários -além dos subsídios estatais com os quais fizeram as suas fortunas- também abocanhem mais esta fatia da renda pública. Quinto, informa-se, pela mídia tradicional “companheira”, que os principais entraves econômicos do país estão na “legislação trabalhista arcaica” e nos “excessivos” direitos que os trabalhadores dispõem. Até aqui, parece receita comum.
Prossigamos: sexto lugar, culpa-se o comunismo, a social-democracia ou as políticas sociais “paternalistas”, pelo “excesso” dos gastos públicos. Sétimo, outorga-se à esquerda e ao campo reformista progressista o “monopólio da corrupção”. Oitavo, torna-se a recessão uma necessidade “técnica”, pois, quando a economia chegar ao fundo do poço – depois de mais fome, miséria, crimes, crianças nas esquinas, doentes ao relento – haverá uma pequena reação no crescimento, que será apresentada como início da “recuperação”. Nono, integram a mídia tradicional no seu projeto, para explicar que “todos podem ser patrões de si mesmos” e que as coisas já “estão melhorando”. E décimo: escondem o fato que de que eles, os neoliberais tem uma aliança carnal com a corrupção, porque sem essa aliança não derrubariam um Governo legítimo, nem formariam a base, no Congresso, para fazer as suas reformas predatórias. Até aqui também parece receita comum!
Carlos Nelson Coutinho, falando sobre o conceito de “revolução passiva”, que – de certa forma – aconteceu na modernização do país com base na era Vargas, viu o fortalecimento do Estado em detrimento da sociedade civil, de um lado e, de outro lado, consignou a prática do “transformismo” – sem iniciativa das massas populares – “como modalidade do desenvolvimento histórico que implica(ou) na exclusão das massas populares”. E o transformismo prosseguiu – agrego eu – ora (mais raramente) progressista e democrático, ora (mais frequentemente) conservador, reacionário e autoritário. O ciclo atual poderá ser testado nos seus limites mais ousados com a prisão de Lula, o maior líder popular da nação, depois de Vargas, que já disse que não foge nem se suicida. O que resta saber é se os nossos surtos modernizantes continuarão na forma das revoluções passivas até o país acabar, lentamente, ou seguirá -dolorosamente – até quem sabe explodir.
(*) Tarso Genro foi Governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça, Ministro da Educação e Ministro das Relações Institucionais do Brasil.
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