Balaio do Kotscho: "Na luta contra a onda de mau humor
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Sei que é muito difícil remar contra a maré, mas podemos ao menos tentar, antes que não tenha mais jeito. De uns tempos para cá, não sei precisar exatamente o dia e a hora, mas começou a se formar uma onda de mau humor no país, um tsunami de coisa ruim e cara feia que vai atingindo todo mundo em todas as latitudes.
O vento virou de repente. Basta sair á rua, ver as notícias na banca de jornais, entrar no táxi, olhar para as pessoas nos pontos de ônibus, encarar uma fila no banco ou no supermercado. Parece que está todo mundo de cara amarrada, só esperando pelo pior.
Que se passa? Daqui a pouco as pessoas nem vão mais se perguntar se está “tudo bem”, já vão logo soltando os cachorros para mostrar que vai “tudo mal”. Em alguns ambientes, pega até mal dar risada ou querer fazer uma brincadeira. “Está rindo do quê”? São tantas tragédias, crises, desgraças e ameaças que estamos ficando proibidos de sorrir.
Fica difícil saber se o problema é individual ou coletivo ou as duas coisas juntas, mas a culpa certamente deve ser do governo, qualquer governo. O fato é que se tanta gente está insatisfeita, é preciso fazer alguma coisa, sei lá, trocar de roupa, de emprego, de namorado ou namorada, de boteco, de carro ou de prédio.
No meu caso, trocar de prédio já ajudaria muito porque vivo em meio a uma obra interminável de reforma da fachada, fora várias outras nos apartamentos, e com um vizinho de cima que parece estar de mudança todos os dias. O barulho é full-time.
Que fazer? Já estou usando tampão nos ouvidos, já fiz apelos aos sentimentos humanos dos vizinhos, só me resta pedir socorro à sociedade protetora dos animais, quem sabe ajuda.
Boa notícia é coisa tão rara ultimamente que já vão logo nos avisando, mas sempre com uma ressalva: “Boa notícia atrasada”, informa a Folha sobre a abertura da estação Pinheiros do Metrô de São Paulo, no próximo dia 16, mais de cinco anos após o início da obra.
Podem reparar: quando sai uma notícia boa, vem sempre acompanhada de um mas:
“Muito sol nesta quarta feira, mas pode chover à tarde…”.
“Inflação começa a cair, mas pode voltar a subir”.
“Cai o nível de desemprego, mas ainda faltam postos de trabalho”.
“País cresce, mas pode ter problemas nos aeroportos…”, e por aí vai.
Pegue qualquer noticiário de rádio ou TV e veja quanto tempo passa até que se fale de alguma coisa boa, divertida, prazerosa, engraçada ou bonita, que tenha acontecido em algum lugar do mundo.
Esta semana, ainda bem, pelo menos temos o casamento dos príncipes para espantar um pouco o mau humor do noticiário. Mas até disso já tem gente reclamando. “Que exagero!… E o que eu tenho a ver com isso? Nem fui convidado…”.
Ficamos assim, então: o Balaio convoca seus fiéis leitores para entrarmos todos na luta contra o mau humor. Não custa nada, e mal não vai fazer, garanto.
Alguém aí tem uma receita?
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sábado, 30 de abril de 2011
RUDÁ RICCI
RUDÁ RICCI: "Ainda sobre o caso do bafômetro
Parece que Land Rover virou o carro das confusões políticas no Brasil!!
bloco PT-PMDB-PCdoB-PR (MG):
O bloco MINAS SEM CENSURA apresenta graves denúncias acerca do episódio que se inicia com a ocorrência de trânsito no Leblon, RJ, e que desdobra em fortes suspeitas sobre aportes de dinheiro público em empresa de comunicação pertencente a Aécio Neves, Andrea Neves e Inês Maria Neves.
Seguem-se os ESTRANHOS FATOS:
1) A rádio Arco-Íris, franqueada da Jovem Pan, com capital social declarado de 200 mil reais, possui 12 veículos, sendo seis de alto luxo.
2) Trata-se de uma rádio de programação musical, voltada para o público jovem e adolescente, sem estrutura para atividade jornalística, o que torna ESTRANHO essa quantidade de veículos. Empresas jornalísticas bem maiores que essa rádio não tem frota similar.
3) Os veículos, a maioria atípica para a atividade da citada rádio, são:
a) Toyota Fields (statio wagon)
b) Land Rover TDV8 Vogue
c) Toyota Hilux SWR SRV 4X4
d) Land Rover Discovery TD5
e) MMC L200 Sport 4X4 GLS
f) Audi A6
g) Fiat Strada Adventure Flex
h) Micro ônibus Fiat Ducato
i) Micro ônibus M Benz 312 B Sprinter M
j) Uno Mille fire
k) Gol Mil
l) Moto Honda CG 150 Titã (que não é moto por ele assumida como sua)
4) Ao contrário do que afirma a Sra. Andrea Neves, a Land Rover envolvida na ocorrência no Leblon já tem duas multas por excesso de velocidade e a Toyota Fields tem três. Isso só no estado do Rio de Janeiro, este ano. A citada empresa já foi autuada pelo Detran por não identificar condutores infratores. Ressalte-se que a mesma tem autorização para funcionar em Betim e sede em Belo Horizonte.
5) O ex-governador e senador mineiro declarou à justiça eleitoral 617 mil reais de patrimônio. E nessa declaração não há veículo automotor. Ou seja, sendo usuário de veículos da rádio, ou de outras empresas, isso gera suspeita sobre ocultação de propriedades. Até porque, os veículos não são destinados à típica atividade jornalística.
6) Ainda tem uma moto por ele assumida como meio de transporte pessoal, que não consta de sua declaração ao TRE e nem na da rádio. O que gera a suspeita sobre se a mesma estaria registrada como propriedade de outra empresa ou de terceiros.
7) Fato ESTRANHO é que somente depois de terminada a eleição, ele teve transferida ao seu nome parte significativa do capital da rádio. Alerte-se que tal transferência se deu por meio de triangulação: as cotas foram transferidas dia 30 de novembro de Andrea Neves para sua mãe e desta, no dia 28 de dezembro para Aécio Neves.
8) Ainda sobre sua recusa em fazer o teste do bafômetro, a desculpa de que não o fez porque já tinha contratado motorista em condições de conduzir o Land Rover, em segurança e legalidade; contrasta com sua postura de não questionar a multa de 1000 reais.
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Parece que Land Rover virou o carro das confusões políticas no Brasil!!
bloco PT-PMDB-PCdoB-PR (MG):
O bloco MINAS SEM CENSURA apresenta graves denúncias acerca do episódio que se inicia com a ocorrência de trânsito no Leblon, RJ, e que desdobra em fortes suspeitas sobre aportes de dinheiro público em empresa de comunicação pertencente a Aécio Neves, Andrea Neves e Inês Maria Neves.
Seguem-se os ESTRANHOS FATOS:
1) A rádio Arco-Íris, franqueada da Jovem Pan, com capital social declarado de 200 mil reais, possui 12 veículos, sendo seis de alto luxo.
2) Trata-se de uma rádio de programação musical, voltada para o público jovem e adolescente, sem estrutura para atividade jornalística, o que torna ESTRANHO essa quantidade de veículos. Empresas jornalísticas bem maiores que essa rádio não tem frota similar.
3) Os veículos, a maioria atípica para a atividade da citada rádio, são:
a) Toyota Fields (statio wagon)
b) Land Rover TDV8 Vogue
c) Toyota Hilux SWR SRV 4X4
d) Land Rover Discovery TD5
e) MMC L200 Sport 4X4 GLS
f) Audi A6
g) Fiat Strada Adventure Flex
h) Micro ônibus Fiat Ducato
i) Micro ônibus M Benz 312 B Sprinter M
j) Uno Mille fire
k) Gol Mil
l) Moto Honda CG 150 Titã (que não é moto por ele assumida como sua)
4) Ao contrário do que afirma a Sra. Andrea Neves, a Land Rover envolvida na ocorrência no Leblon já tem duas multas por excesso de velocidade e a Toyota Fields tem três. Isso só no estado do Rio de Janeiro, este ano. A citada empresa já foi autuada pelo Detran por não identificar condutores infratores. Ressalte-se que a mesma tem autorização para funcionar em Betim e sede em Belo Horizonte.
5) O ex-governador e senador mineiro declarou à justiça eleitoral 617 mil reais de patrimônio. E nessa declaração não há veículo automotor. Ou seja, sendo usuário de veículos da rádio, ou de outras empresas, isso gera suspeita sobre ocultação de propriedades. Até porque, os veículos não são destinados à típica atividade jornalística.
6) Ainda tem uma moto por ele assumida como meio de transporte pessoal, que não consta de sua declaração ao TRE e nem na da rádio. O que gera a suspeita sobre se a mesma estaria registrada como propriedade de outra empresa ou de terceiros.
7) Fato ESTRANHO é que somente depois de terminada a eleição, ele teve transferida ao seu nome parte significativa do capital da rádio. Alerte-se que tal transferência se deu por meio de triangulação: as cotas foram transferidas dia 30 de novembro de Andrea Neves para sua mãe e desta, no dia 28 de dezembro para Aécio Neves.
8) Ainda sobre sua recusa em fazer o teste do bafômetro, a desculpa de que não o fez porque já tinha contratado motorista em condições de conduzir o Land Rover, em segurança e legalidade; contrasta com sua postura de não questionar a multa de 1000 reais.
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RUDÁ RICCI
RUDÁ RICCI: "Opção pelo emergente
José de Souza Martins*
Publicado em O Estado de S. Paulo
[Caderno Aliás, A Semana Revista],
Domingo, 24 de abril de 2011, p. J3.
Aécio Neves pisou na bola do PSDB, desperdiçando numa contravenção de trânsito o suposto capital político acumulado em cima do muro na recente campanha presidencial. Penalizou o partido inteiro no ato de difícil explicação, porque tocou diretamente nos sentimentos da maioria, que se ressente quando em face de atos dos que se acham mais iguais e acima das obrigações da lei e dos bons costumes. O mais inocente dos políticos dificilmente se recupera, na escala necessária, de deslizes como esse. Não foi melhor para o PSDB a debandada dos vereadores paulistanos que o deixaram nestes dias. Em princípio, não parece nada, dada a pouca relevância que o mandato municipal, seja do PSDB seja do PT, tem tido numa conjuntura política dominada por concepções do grande poder. Os vereadores escaparam para o terreno mais seguro, que lhes é próprio, o do pequeno poder local na lógica de província.
Mas o PT também tem o que temer e penar. A linha ideológica do PT de governo, oposta à do que foi o PT de oposição, vem se revelando gradativamente. Nesta semana, ganhou uma confirmação na posição de Lula, em reunião fechada de seu partido, de que o PT deve buscar alianças à direita, entre os órfãos do malufismo e do quercismo, e deve tentar atrair a “nova classe média”. Uma confirmação de que Fernando Henrique Cardoso, em seu artigo sobre “O papel da oposição”, da semana anterior, acertara na mosca, ao apontar um campo de possibilidades para o PSDB e, portanto, o calcanhar de Aquiles do PT. Lula repõe, assim, na agenda do país, o denso texto de FHC e as ponderações ali contidas, no sentido de que o PSDB deixe de lado a meta de disputar com o PT influência sobre os movimentos sociais, ou o povão. E se dedique à compreensão da nova classe média, a do Brasil que está mudando, e ao diálogo com ela, suas idéias e suas demandas. Na verdade, o artigo do ex-presidente vai muito além da crítica à ação política de conquista do chamado “povão”. Até porque, fica ali claro, “povão” é uma concepção depreciativa da categoria política “povo”. Que Lula não tenha compreendido a distinção subjacente às duas palavras de sentido oposto já é munição para o PSDB enfrentá-lo e enfrentar o PT. “Povo” é categoria relativa ao cidadão, ao sujeito democrático de direito, enquanto “povão”, no subjacente populismo manipulador, é categoria antagônica ao cidadão, porque massa de manobra da demagogia de palanque. É justamente no território dessa diferença que incide, mais do que a opinião de FHC no texto mencionado, a doutrina política que ele encerra e a teoria política que contém. O documento sublinha a centralidade que a vida cotidiana vem crescentemente tendo na política contemporânea e a reformulação do fazer política que ela implica. O terreno da prosperidade ideológica do PT tem sido justamente o do cotidiano e suas carências, cuja rentabilidade eleitoral foi multiplicada pelo acesso ao poder e aos recursos extensamente utilizados para atrelar a sociedade ao Estado e ao partido. Para isso, o PT no governo teve que abdicar progressivamente dos valores de referência que lhe haviam aberto e aplainado o caminho do poder. A diferença na proposição de FHC é que destaca a importância de incorporar o cotidiano, suas necessidades sociais e sua consciência social peculiar, a valores, fazer a articulação que remeta à dimensão histórica do projeto político, isto é, a dimensão transformadora. Portanto, uma trajetória oposta à do PT. Enquanto o PT abre mão dos valores contidos no marco propriamente histórico de sua ascensão política, o PSDB deveria situar sua ação política no marco do que é histórico e dos valores, do que é historicamente possível e necessário, do próprio ponto de vista da consciência popular. O partido como ponte entre a crua realidade das carências do dia a dia e os valores supracotidianos que dão sentido aos anseios sociais de mudança. Enquanto o PT se deixa puxar para baixo nas concessões sem alcance histórico da consciência popular, FHC propõe que o PSDB puxe o povo para cima, para o elenco dos valores que afirmam a realidade e a possibilidade da mudança social e política. Nessa perspectiva, o cotidiano de referência do PT é o cotidiano da mera reprodução social, o da mera repetição, o das carências mínimas da sociedade. Enquanto o que FHC propõe ao PSDB é administrar a tensão histórica entre a repetição e a transformação, entre a permanência e a mudança, superando as carências mínimas em favor das possibilidades máximas do momento histórico. Pode-se dizer que enquanto a orientação do PT no poder se configurou como esquerdista, isto é, ritual e ideológica, a que desafia o PSDB é a propriamente social-democrática, isto é de esquerda, histórica e transformadora na circunstância atual.
No artigo de Cardoso, há um retorno à dialética, ou melhor, à sua explicitação, numa proposta de ruptura, e superação, com as tendências do repetitivo na política brasileira. A questão é saber se o PSDB tem condições de superar suas divisões para superar-se.
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José de Souza Martins*
Publicado em O Estado de S. Paulo
[Caderno Aliás, A Semana Revista],
Domingo, 24 de abril de 2011, p. J3.
Aécio Neves pisou na bola do PSDB, desperdiçando numa contravenção de trânsito o suposto capital político acumulado em cima do muro na recente campanha presidencial. Penalizou o partido inteiro no ato de difícil explicação, porque tocou diretamente nos sentimentos da maioria, que se ressente quando em face de atos dos que se acham mais iguais e acima das obrigações da lei e dos bons costumes. O mais inocente dos políticos dificilmente se recupera, na escala necessária, de deslizes como esse. Não foi melhor para o PSDB a debandada dos vereadores paulistanos que o deixaram nestes dias. Em princípio, não parece nada, dada a pouca relevância que o mandato municipal, seja do PSDB seja do PT, tem tido numa conjuntura política dominada por concepções do grande poder. Os vereadores escaparam para o terreno mais seguro, que lhes é próprio, o do pequeno poder local na lógica de província.
Mas o PT também tem o que temer e penar. A linha ideológica do PT de governo, oposta à do que foi o PT de oposição, vem se revelando gradativamente. Nesta semana, ganhou uma confirmação na posição de Lula, em reunião fechada de seu partido, de que o PT deve buscar alianças à direita, entre os órfãos do malufismo e do quercismo, e deve tentar atrair a “nova classe média”. Uma confirmação de que Fernando Henrique Cardoso, em seu artigo sobre “O papel da oposição”, da semana anterior, acertara na mosca, ao apontar um campo de possibilidades para o PSDB e, portanto, o calcanhar de Aquiles do PT. Lula repõe, assim, na agenda do país, o denso texto de FHC e as ponderações ali contidas, no sentido de que o PSDB deixe de lado a meta de disputar com o PT influência sobre os movimentos sociais, ou o povão. E se dedique à compreensão da nova classe média, a do Brasil que está mudando, e ao diálogo com ela, suas idéias e suas demandas. Na verdade, o artigo do ex-presidente vai muito além da crítica à ação política de conquista do chamado “povão”. Até porque, fica ali claro, “povão” é uma concepção depreciativa da categoria política “povo”. Que Lula não tenha compreendido a distinção subjacente às duas palavras de sentido oposto já é munição para o PSDB enfrentá-lo e enfrentar o PT. “Povo” é categoria relativa ao cidadão, ao sujeito democrático de direito, enquanto “povão”, no subjacente populismo manipulador, é categoria antagônica ao cidadão, porque massa de manobra da demagogia de palanque. É justamente no território dessa diferença que incide, mais do que a opinião de FHC no texto mencionado, a doutrina política que ele encerra e a teoria política que contém. O documento sublinha a centralidade que a vida cotidiana vem crescentemente tendo na política contemporânea e a reformulação do fazer política que ela implica. O terreno da prosperidade ideológica do PT tem sido justamente o do cotidiano e suas carências, cuja rentabilidade eleitoral foi multiplicada pelo acesso ao poder e aos recursos extensamente utilizados para atrelar a sociedade ao Estado e ao partido. Para isso, o PT no governo teve que abdicar progressivamente dos valores de referência que lhe haviam aberto e aplainado o caminho do poder. A diferença na proposição de FHC é que destaca a importância de incorporar o cotidiano, suas necessidades sociais e sua consciência social peculiar, a valores, fazer a articulação que remeta à dimensão histórica do projeto político, isto é, a dimensão transformadora. Portanto, uma trajetória oposta à do PT. Enquanto o PT abre mão dos valores contidos no marco propriamente histórico de sua ascensão política, o PSDB deveria situar sua ação política no marco do que é histórico e dos valores, do que é historicamente possível e necessário, do próprio ponto de vista da consciência popular. O partido como ponte entre a crua realidade das carências do dia a dia e os valores supracotidianos que dão sentido aos anseios sociais de mudança. Enquanto o PT se deixa puxar para baixo nas concessões sem alcance histórico da consciência popular, FHC propõe que o PSDB puxe o povo para cima, para o elenco dos valores que afirmam a realidade e a possibilidade da mudança social e política. Nessa perspectiva, o cotidiano de referência do PT é o cotidiano da mera reprodução social, o da mera repetição, o das carências mínimas da sociedade. Enquanto o que FHC propõe ao PSDB é administrar a tensão histórica entre a repetição e a transformação, entre a permanência e a mudança, superando as carências mínimas em favor das possibilidades máximas do momento histórico. Pode-se dizer que enquanto a orientação do PT no poder se configurou como esquerdista, isto é, ritual e ideológica, a que desafia o PSDB é a propriamente social-democrática, isto é de esquerda, histórica e transformadora na circunstância atual.
No artigo de Cardoso, há um retorno à dialética, ou melhor, à sua explicitação, numa proposta de ruptura, e superação, com as tendências do repetitivo na política brasileira. A questão é saber se o PSDB tem condições de superar suas divisões para superar-se.
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Santayana apóia Lyra: PSDB e PT não são partidos | Conversa Afiada
Santayana apóia Lyra: PSDB e PT não são partidos | Conversa Afiada: "O Conversa Afiada reproduz texto de Mauro Santayana no JB:
Os interesses e os partidos
por Mauro Santayana
Dizia Tancredo que Fernando Lyra tem narinas de cheirar os ventos da política. O pernambucano foi cáustico, mas não lhe faltaram argúcia e coragem, para dizer que não há partidos políticos no Brasil. Poupou, devido a razões aceitáveis, o PSB, hoje liderado, entre outras personalidades, pelo governador de seu estado. É também certo que o PSB teve origem ideológica, tendo nascido da famosa Esquerda Democrática da UDN, que surgiu em Minas, com o Manifesto dos Mineiros. Fundado por João Mangabeira, que não pensava exatamente como seu irmão, o partido era liderado por homens de convicção, como os intelectuais Domingos Velasco e Hermes Lima. Mesmo com essa origem, o PSB sofreu sucessivas crises de identidade, servindo de garupa para notórios oportunistas, como é o caso exemplar do locutor de rádio Garotinho e de sua mulher.
No processo de transição constitucional de 1945-46, contrapôs-se à UDN o PSD (Partido Social Democrático) também fundado em Minas, por iniciativa de Benedito Valadares. O terceiro partido, em ordem de grandeza, o PTB, já nasceu nacional, por ter sido criado por Getúlio Vargas. Por isso mesmo, no Brasil, foram os líderes que fizeram e desfizeram os partidos – e sempre de acordo com as circunstâncias regionais.
O PSDB nasceu de uma ruptura do PMDB, nos dois estados em que o partido de oposição à ditadura era mais forte, em São Paulo e em Minas. Alguns dirigentes, sem apetite para a luta interna, insurgiram-se contra o governador Orestes Quércia, em São Paulo, e Newton Cardoso, em Minas. Não tiveram paciência, essa indispensável virtude política – e sob o pretexto da ética, promoveram a cisão. Enquanto os dissidentes se limitaram ao comando de Minas e de São Paulo, as coisas caminharam. Mas, quando o mineiro Itamar Franco levou Fernando Henrique à presidência da República, os tucanos paulistas se sentiram em condições de transformar sua hegemonia econômica sobre o Brasil em ditadura política sobre o partido nos estados, e, em conseqüência, por intermédio do governo federal. No fundo se trata de uma velha disputa entre as elites de São Paulo, de visão favorável à internacionalização da economia, e os outros brasileiros, de sentimentos nacionalistas, que são mais nítidos em Minas, como se revelou na ruptura de Itamar com Fernando Henrique, na defesa da Cemig e de Furnas. Essa situação se torna mais complicada hoje, quando a presidência da República está ocupada pela mineira Dilma Roussef. Assim como ninguém nasce impunemente em São Paulo, ninguém nasce sem Weltanschauung nacionalista em Minas. Quinta-feira, em Ouro Preto, não só ao evocar Tiradentes, mas ao solidarizar-se com o povo de Ouro Preto que, pela palavra do prefeito Ângelo Oswaldo, denunciou o saqueio de Minas pelas empresas mineradoras, ela reafirmou o seu DNA político montanhês. E não era para menos: na paisagem da região, aos buracos das lavras de ouro se acrescentam as paisagens amputadas e áridas, pela desmedida ânsia de lucro, fácil e rápido, das mineradoras de hoje.
Na base do raciocínio político, há apenas dois partidos: os conservadores e os progressistas. Na confusão semântica de nosso tempo, os conservadores se identificam como liberais, e os liberais políticos do passado se encontram hoje na esquerda.
Como bem apontou Lyra, o PT tampouco chega a ser um partido. Sendo uma federação de tendências, não foi capaz de impor um candidato seu à sucessão de Lula que, para não fragmentar a agremiação, foi buscar Dilma, um quadro recente, vinda do PDT de Brizola, para vencer o pleito presidencial.
A crise do PSDB de São Paulo é o início de nova reconfiguração do quadro político, com o surgimento de novas legendas, sempre chochas de idéias, mas, como de costume, infladas de interesses.
E é com esse leviano simulacro de organizações partidárias que querem instituir o sistema de listas fechadas.
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Os interesses e os partidos
por Mauro Santayana
Dizia Tancredo que Fernando Lyra tem narinas de cheirar os ventos da política. O pernambucano foi cáustico, mas não lhe faltaram argúcia e coragem, para dizer que não há partidos políticos no Brasil. Poupou, devido a razões aceitáveis, o PSB, hoje liderado, entre outras personalidades, pelo governador de seu estado. É também certo que o PSB teve origem ideológica, tendo nascido da famosa Esquerda Democrática da UDN, que surgiu em Minas, com o Manifesto dos Mineiros. Fundado por João Mangabeira, que não pensava exatamente como seu irmão, o partido era liderado por homens de convicção, como os intelectuais Domingos Velasco e Hermes Lima. Mesmo com essa origem, o PSB sofreu sucessivas crises de identidade, servindo de garupa para notórios oportunistas, como é o caso exemplar do locutor de rádio Garotinho e de sua mulher.
No processo de transição constitucional de 1945-46, contrapôs-se à UDN o PSD (Partido Social Democrático) também fundado em Minas, por iniciativa de Benedito Valadares. O terceiro partido, em ordem de grandeza, o PTB, já nasceu nacional, por ter sido criado por Getúlio Vargas. Por isso mesmo, no Brasil, foram os líderes que fizeram e desfizeram os partidos – e sempre de acordo com as circunstâncias regionais.
O PSDB nasceu de uma ruptura do PMDB, nos dois estados em que o partido de oposição à ditadura era mais forte, em São Paulo e em Minas. Alguns dirigentes, sem apetite para a luta interna, insurgiram-se contra o governador Orestes Quércia, em São Paulo, e Newton Cardoso, em Minas. Não tiveram paciência, essa indispensável virtude política – e sob o pretexto da ética, promoveram a cisão. Enquanto os dissidentes se limitaram ao comando de Minas e de São Paulo, as coisas caminharam. Mas, quando o mineiro Itamar Franco levou Fernando Henrique à presidência da República, os tucanos paulistas se sentiram em condições de transformar sua hegemonia econômica sobre o Brasil em ditadura política sobre o partido nos estados, e, em conseqüência, por intermédio do governo federal. No fundo se trata de uma velha disputa entre as elites de São Paulo, de visão favorável à internacionalização da economia, e os outros brasileiros, de sentimentos nacionalistas, que são mais nítidos em Minas, como se revelou na ruptura de Itamar com Fernando Henrique, na defesa da Cemig e de Furnas. Essa situação se torna mais complicada hoje, quando a presidência da República está ocupada pela mineira Dilma Roussef. Assim como ninguém nasce impunemente em São Paulo, ninguém nasce sem Weltanschauung nacionalista em Minas. Quinta-feira, em Ouro Preto, não só ao evocar Tiradentes, mas ao solidarizar-se com o povo de Ouro Preto que, pela palavra do prefeito Ângelo Oswaldo, denunciou o saqueio de Minas pelas empresas mineradoras, ela reafirmou o seu DNA político montanhês. E não era para menos: na paisagem da região, aos buracos das lavras de ouro se acrescentam as paisagens amputadas e áridas, pela desmedida ânsia de lucro, fácil e rápido, das mineradoras de hoje.
Na base do raciocínio político, há apenas dois partidos: os conservadores e os progressistas. Na confusão semântica de nosso tempo, os conservadores se identificam como liberais, e os liberais políticos do passado se encontram hoje na esquerda.
Como bem apontou Lyra, o PT tampouco chega a ser um partido. Sendo uma federação de tendências, não foi capaz de impor um candidato seu à sucessão de Lula que, para não fragmentar a agremiação, foi buscar Dilma, um quadro recente, vinda do PDT de Brizola, para vencer o pleito presidencial.
A crise do PSDB de São Paulo é o início de nova reconfiguração do quadro político, com o surgimento de novas legendas, sempre chochas de idéias, mas, como de costume, infladas de interesses.
E é com esse leviano simulacro de organizações partidárias que querem instituir o sistema de listas fechadas.
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Blog do Agenor Bevilacqua Sobrinho: Banco Central é a mãe de rentistas
Blog do Agenor Bevilacqua Sobrinho: Banco Central é a mãe de rentistas:
A verdadeira bolsa famílias!
Atenção para quem não precisa
Alta da taxa de juros - Selic aumenta 0,25% e chega a 12%.
Os impostos são esterilizados pela política do Banco Central de dar atenção para quem não precisa.
O esforço, o suor e o desgaste diário da população é transferido em forma de festas, requintes e luxos nababescos intermináveis para rentistas.
Estes têm no Banco Central a mãe que todos pedem. Aliás não se comemora o dia dessa mãe, mas apenas o de seus filhos endinheirados. Todos os dias.
Os rentistas (cerca de 20.000 famílias detentoras de títulos públicos) recebem R$ 195 bilhões por ano com os juros estratosféricos produzidos pela ortodoxia do Banco Central.
O orçamento do Ministério da Saúde é estimado em R$ 77 bilhões para 2011.
O orçamento do Ministério da Educação é estimado em R$ 69 bilhões para 2011.
O orçamento do Programa Bolsa Família, após o recente reajuste, é estimado em R$ 14 bilhões para 2011.
São R$ 160 bilhões para a grande maioria da população (9.500 vezes maior do que o número de rentistas).
São R$ 195 bilhões para uma ínfima minoria (9.500 vezes menor do que o número da população).
Há algo de completamente estranho nos cálculos do Banco Central para debelar a inflação.
Dá um presente adicional de 0,25% (R$ 4,5 bilhões) aos especuladores.
E encarece o custo do dinheiro para os trabalhadores.
O governo fornece uns caraminguás para programas sociais, educação, saúde etc.
2,83 vezes o orçamento do Ministério da Educação para rentistas. Todo ano. Sorte?
2,54 vezes o orçamento do Ministério da Saúde para rentistas. Todo ano. Sorte? Outra vez?
Vamos refazer as contas. Elas só batem para os parasitas que exploram o suor de brasileiros e brasileiras.
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A verdadeira bolsa famílias!
Atenção para quem não precisa
Alta da taxa de juros - Selic aumenta 0,25% e chega a 12%.
Os impostos são esterilizados pela política do Banco Central de dar atenção para quem não precisa.
O esforço, o suor e o desgaste diário da população é transferido em forma de festas, requintes e luxos nababescos intermináveis para rentistas.
Estes têm no Banco Central a mãe que todos pedem. Aliás não se comemora o dia dessa mãe, mas apenas o de seus filhos endinheirados. Todos os dias.
Os rentistas (cerca de 20.000 famílias detentoras de títulos públicos) recebem R$ 195 bilhões por ano com os juros estratosféricos produzidos pela ortodoxia do Banco Central.
O orçamento do Ministério da Saúde é estimado em R$ 77 bilhões para 2011.
O orçamento do Ministério da Educação é estimado em R$ 69 bilhões para 2011.
O orçamento do Programa Bolsa Família, após o recente reajuste, é estimado em R$ 14 bilhões para 2011.
São R$ 160 bilhões para a grande maioria da população (9.500 vezes maior do que o número de rentistas).
São R$ 195 bilhões para uma ínfima minoria (9.500 vezes menor do que o número da população).
Há algo de completamente estranho nos cálculos do Banco Central para debelar a inflação.
Dá um presente adicional de 0,25% (R$ 4,5 bilhões) aos especuladores.
E encarece o custo do dinheiro para os trabalhadores.
O governo fornece uns caraminguás para programas sociais, educação, saúde etc.
2,83 vezes o orçamento do Ministério da Educação para rentistas. Todo ano. Sorte?
2,54 vezes o orçamento do Ministério da Saúde para rentistas. Todo ano. Sorte? Outra vez?
Vamos refazer as contas. Elas só batem para os parasitas que exploram o suor de brasileiros e brasileiras.
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sexta-feira, 29 de abril de 2011
Tijolaço – O Blog do Brizola Neto
Tijolaço – O Blog do Brizola Neto: "A vergonha desumana de Guantánamo
É frequente vermos acusações sobre a violação de direitos humanos em Cuba. E, hoje, os principais jornais do mundo trazem descrições minuciosas sobre elas. Mas não na Cuba castrista, mas no pedaço de Cuba que é ilegalmente controlado pelos Estados Unidos: Guantánamo.
“Guantanamo criou um sistema policial e penal, sem qualquer garantia, que só se preocupa com dois temas: quanta informação é obtida a partir de prisioneiros, embora eles sejam inocentes, e se poderiam ser perigosos no futuro. ” , diz o El País. “Idosos com demência, jovens, pacientes psiquiátricos graves e professores ou agricultores sem conexão com a Jihad ( guerra santa, em árabe)foram levados para a cadeia e misturados com verdadeiros terroristas, como os responsáveis 11 de setembro.
O El País teve acesso - juntamente com outros meios de comunicação internacionais – e através da Wikileaks, aos registros secretos militares de 759 dos 779 prisioneiros que passaram na prisão, dos quais aproximadamente 170 continuam detidos. A revelação dos segredos de Guantanamo, transformada em prisão por George W. Bush em 2002, à margem das leis nacionais e internacionais, vem em um momento ruim para o presidente Barack Obama. Fechar a prisão foi a sua primeira promessa depois de tomar posse em janeiro de 2009. O anúncio, um mês atrás, que iria retomar os julgamentos da comissão militar foi o reconhecimento de seu fracasso.
Os relatórios, datados entre 2002 e 2009, que na maioria dos casos são destinados a recomendar se o preso deva permanecer na prisão, ser libertados ou transferidos para outro país, documentado pela primeira vez como os EUA no valor de cada internamente eo que sabia deles. Revelam um sistema baseado em acusações de outros detentos, sem regras claras, baseadas na desconfiança e conjecturas, que não necessita de provas: 143 pessoas ficaram presas mais de nove anos sem acusação formal.
Entre os presos, estavam um velho de 89 anos com demência e depressão, um pai que fui à procura de seu filho entre os talebans, um comerciante que viajava sem documentos, um homem que estava pedindo carona para comprar remédios. Pelo menos 150 dos presos em Guantánamo eram afegãos e paquistaneses inocentes, incluindo motoristas, agricultores e cozinheiros, que foram detidos durante operações de inteligência em zonas de guerra.
Muitas vezes, o único crime de que as autoridades os culpam é de o de ter um primo, amigo ou irmão relacionadas com a Jihad, ou viver em uma cidade onde haja guerrilheiros, ou andar em vias de circulação utilizadas por terroristas e portanto, conhecê-los bem.
A reação da Casa Branca foi lamentar que o El País, o The New York Times e o Washington Post tenham publicado dos documentos divulgados “de forma ilegal” pelo Wikileaks.
Não se pode deixar de reconhecer que o Governo americano, responsável pelo campo de concentração, entende bem o que é “de forma ilegal”.
– Enviado usando a Barra de Ferramentas Google"
É frequente vermos acusações sobre a violação de direitos humanos em Cuba. E, hoje, os principais jornais do mundo trazem descrições minuciosas sobre elas. Mas não na Cuba castrista, mas no pedaço de Cuba que é ilegalmente controlado pelos Estados Unidos: Guantánamo.
“Guantanamo criou um sistema policial e penal, sem qualquer garantia, que só se preocupa com dois temas: quanta informação é obtida a partir de prisioneiros, embora eles sejam inocentes, e se poderiam ser perigosos no futuro. ” , diz o El País. “Idosos com demência, jovens, pacientes psiquiátricos graves e professores ou agricultores sem conexão com a Jihad ( guerra santa, em árabe)foram levados para a cadeia e misturados com verdadeiros terroristas, como os responsáveis 11 de setembro.
O El País teve acesso - juntamente com outros meios de comunicação internacionais – e através da Wikileaks, aos registros secretos militares de 759 dos 779 prisioneiros que passaram na prisão, dos quais aproximadamente 170 continuam detidos. A revelação dos segredos de Guantanamo, transformada em prisão por George W. Bush em 2002, à margem das leis nacionais e internacionais, vem em um momento ruim para o presidente Barack Obama. Fechar a prisão foi a sua primeira promessa depois de tomar posse em janeiro de 2009. O anúncio, um mês atrás, que iria retomar os julgamentos da comissão militar foi o reconhecimento de seu fracasso.
Os relatórios, datados entre 2002 e 2009, que na maioria dos casos são destinados a recomendar se o preso deva permanecer na prisão, ser libertados ou transferidos para outro país, documentado pela primeira vez como os EUA no valor de cada internamente eo que sabia deles. Revelam um sistema baseado em acusações de outros detentos, sem regras claras, baseadas na desconfiança e conjecturas, que não necessita de provas: 143 pessoas ficaram presas mais de nove anos sem acusação formal.
Entre os presos, estavam um velho de 89 anos com demência e depressão, um pai que fui à procura de seu filho entre os talebans, um comerciante que viajava sem documentos, um homem que estava pedindo carona para comprar remédios. Pelo menos 150 dos presos em Guantánamo eram afegãos e paquistaneses inocentes, incluindo motoristas, agricultores e cozinheiros, que foram detidos durante operações de inteligência em zonas de guerra.
Muitas vezes, o único crime de que as autoridades os culpam é de o de ter um primo, amigo ou irmão relacionadas com a Jihad, ou viver em uma cidade onde haja guerrilheiros, ou andar em vias de circulação utilizadas por terroristas e portanto, conhecê-los bem.
A reação da Casa Branca foi lamentar que o El País, o The New York Times e o Washington Post tenham publicado dos documentos divulgados “de forma ilegal” pelo Wikileaks.
Não se pode deixar de reconhecer que o Governo americano, responsável pelo campo de concentração, entende bem o que é “de forma ilegal”.
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Tijolaço – O Blog do Brizola Neto
Tijolaço – O Blog do Brizola Neto: "“O dólar tem os dias contados”, diz jornalista suíça
Li agora e achei interessantíssima a matéria publicada pelo site Swissinfo com a jornalista de economia Myret Zaki. Ela apresenta uma visão que, aqui, é muito raro encontrar quem tenha coragem de sustentar. E que é indispensável para entender os movimentos da economia, porque os analista, em geral, continuam sustentando o discurso que a crise de 2008 demonstrou ser insustentável.
As evidências, porém, são muito forte e, por isso, vão começando a surgir as vozes que dizem, como na fábula, o que não se quer ver: o rei está nu.
Transcrevo alguns trechos da matéria e da entrevista de Zaki.
“A moeda americana se transformou na maior bolha especulativa da História e está condenada a uma forte queda. Os ataques contra o euro são apenas uma cortina de fumaça para esconder a falência da economia americana, defende a jornalista suíça Myret Zaki em seu último livro.
“A queda do dólar se prepara. É inevitável. O principal risco no mundo atualmente é uma crise da dívida pública americana. A maior economia mundial não passa de uma grande ilusão. Para produzir 14 trilhões de renda nacional (PIB), os Estados Unidos geraram uma dívida de mais de 50 trilhões que custa 4 trilhões de juros por ano.”
O tom está dado. Ao longo das 223 páginas de seu novo livro, a jornalista Myret Zaki faz uma acusação impiedosa contra o dólar e a economia americana, que considera “tecnicamente falida”.
A jornalista se tornou, nos últimos anos, uma das mais famosas escritoras de economia da Suíça. Em seus últimos livros, ela aborda a situação desastrosa do banco suíço UBS nos Estados Unidos e a guerra comercial no mercado da evasão fiscal. Na entrevista a seguir, Myret Zaki defende a tese de que o ataque contra o euro é para desviar a atenção sobre a gravidade do caso americano.
Swissinfo.ch: A Senhora diz que o crash da dívida americana e o fim do dólar como lastro internacional será o grande acontecimento do século XXI. Não seria um catastrofismo meio exagerado?
Myrette Zaki: Eu entendo que isso possa parecer alarmista, já que os sinais de uma crise tão violenta ainda não são tangíveis. No entanto, estou me baseando em critérios altamente racionais e factuais. Há cada vez mais autores americanos estimando que a deriva da política monetária dos Estados Unidos conduzirá inevitavelmente a tal cenário. É simplesmente impossível que aconteça o contrário.
swissinfo.ch: No entanto, esta constatação não é, de forma alguma, compartilhada pela maioria dos economistas. Por quê?
MZ: É verdade. Existe uma espécie de conspiração do silêncio, pois há muitos interesses em jogo ligados ao dólar. A gigantesca indústria de asset management (investimento) e dos hedge funds (fundos especulativos) está baseada no dólar. Há também interesses políticos óbvios. Se o dólar não mantiver seu estatuto de moeda lastro, as agências de notações tirariam rapidamente a nota máxima da dívida americana. A partir daí começaria um ciclo vicioso que revelaria a realidade da economia americana. Estão tentando manter as aparências a todo custo, mesmo se o verniz não corresponde mais à realidade.
swissinfo.ch: Não é a primeira vez que se anuncia o fim do dólar. O que mudou em 2011?
MZ: O fim do dólar é realmente anunciado desde os anos 70. Mas nunca tivemos tantos fatores reunidos para se prever o pior como agora. O montante da dívida dos EUA atingiu um recorde absoluto, o dólar nunca esteve tão baixo em relação ao franco suíço e as emissões de novas dívidas americanas são compradas principalmente pelo próprio banco central dos EUA.
Há também críticas sem precedentes de outros bancos centrais, que criam uma frente hostil à política monetária americana. O Japão, que é credor dos Estados Unidos em um trilhão de dólares, poderia reivindicar uma parte desta liquidez para sua reconstrução. E o regime dos petrodólares não é mais garantido pela Arábia Saudita.
swissinfo.ch: Mais do que o fim do dólar, a Senhora anuncia a queda da superpotência econômica dos EUA. Mas os Estados Unidos não são grandes demais para falir?
MZ: Todo mundo tem interesse que os Estados Unidos continuem se mantendo e a mentira deve continuar por um tempo. Mas, não indefinidamente. Ninguém poderá salvar os americanos em última instância. São eles quem terão que arcar com o custo da falência. Um período muito longo de austeridade se anuncia. Ele já começou. Quarenta e cinco milhões de americanos perderam suas casas, 20% da população sairam do circuito econômico e não consomem mais, sem contar que um terço dos estados dos EUA estão praticamente falidos. Ninguém mais investe capital no país. Tudo depende exclusivamente da dívida (americana).
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Li agora e achei interessantíssima a matéria publicada pelo site Swissinfo com a jornalista de economia Myret Zaki. Ela apresenta uma visão que, aqui, é muito raro encontrar quem tenha coragem de sustentar. E que é indispensável para entender os movimentos da economia, porque os analista, em geral, continuam sustentando o discurso que a crise de 2008 demonstrou ser insustentável.
As evidências, porém, são muito forte e, por isso, vão começando a surgir as vozes que dizem, como na fábula, o que não se quer ver: o rei está nu.
Transcrevo alguns trechos da matéria e da entrevista de Zaki.
“A moeda americana se transformou na maior bolha especulativa da História e está condenada a uma forte queda. Os ataques contra o euro são apenas uma cortina de fumaça para esconder a falência da economia americana, defende a jornalista suíça Myret Zaki em seu último livro.
“A queda do dólar se prepara. É inevitável. O principal risco no mundo atualmente é uma crise da dívida pública americana. A maior economia mundial não passa de uma grande ilusão. Para produzir 14 trilhões de renda nacional (PIB), os Estados Unidos geraram uma dívida de mais de 50 trilhões que custa 4 trilhões de juros por ano.”
O tom está dado. Ao longo das 223 páginas de seu novo livro, a jornalista Myret Zaki faz uma acusação impiedosa contra o dólar e a economia americana, que considera “tecnicamente falida”.
A jornalista se tornou, nos últimos anos, uma das mais famosas escritoras de economia da Suíça. Em seus últimos livros, ela aborda a situação desastrosa do banco suíço UBS nos Estados Unidos e a guerra comercial no mercado da evasão fiscal. Na entrevista a seguir, Myret Zaki defende a tese de que o ataque contra o euro é para desviar a atenção sobre a gravidade do caso americano.
Swissinfo.ch: A Senhora diz que o crash da dívida americana e o fim do dólar como lastro internacional será o grande acontecimento do século XXI. Não seria um catastrofismo meio exagerado?
Myrette Zaki: Eu entendo que isso possa parecer alarmista, já que os sinais de uma crise tão violenta ainda não são tangíveis. No entanto, estou me baseando em critérios altamente racionais e factuais. Há cada vez mais autores americanos estimando que a deriva da política monetária dos Estados Unidos conduzirá inevitavelmente a tal cenário. É simplesmente impossível que aconteça o contrário.
swissinfo.ch: No entanto, esta constatação não é, de forma alguma, compartilhada pela maioria dos economistas. Por quê?
MZ: É verdade. Existe uma espécie de conspiração do silêncio, pois há muitos interesses em jogo ligados ao dólar. A gigantesca indústria de asset management (investimento) e dos hedge funds (fundos especulativos) está baseada no dólar. Há também interesses políticos óbvios. Se o dólar não mantiver seu estatuto de moeda lastro, as agências de notações tirariam rapidamente a nota máxima da dívida americana. A partir daí começaria um ciclo vicioso que revelaria a realidade da economia americana. Estão tentando manter as aparências a todo custo, mesmo se o verniz não corresponde mais à realidade.
swissinfo.ch: Não é a primeira vez que se anuncia o fim do dólar. O que mudou em 2011?
MZ: O fim do dólar é realmente anunciado desde os anos 70. Mas nunca tivemos tantos fatores reunidos para se prever o pior como agora. O montante da dívida dos EUA atingiu um recorde absoluto, o dólar nunca esteve tão baixo em relação ao franco suíço e as emissões de novas dívidas americanas são compradas principalmente pelo próprio banco central dos EUA.
Há também críticas sem precedentes de outros bancos centrais, que criam uma frente hostil à política monetária americana. O Japão, que é credor dos Estados Unidos em um trilhão de dólares, poderia reivindicar uma parte desta liquidez para sua reconstrução. E o regime dos petrodólares não é mais garantido pela Arábia Saudita.
swissinfo.ch: Mais do que o fim do dólar, a Senhora anuncia a queda da superpotência econômica dos EUA. Mas os Estados Unidos não são grandes demais para falir?
MZ: Todo mundo tem interesse que os Estados Unidos continuem se mantendo e a mentira deve continuar por um tempo. Mas, não indefinidamente. Ninguém poderá salvar os americanos em última instância. São eles quem terão que arcar com o custo da falência. Um período muito longo de austeridade se anuncia. Ele já começou. Quarenta e cinco milhões de americanos perderam suas casas, 20% da população sairam do circuito econômico e não consomem mais, sem contar que um terço dos estados dos EUA estão praticamente falidos. Ninguém mais investe capital no país. Tudo depende exclusivamente da dívida (americana).
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segunda-feira, 18 de abril de 2011
Um grande especialista revela segredos dos centros bancários offshore
Um grande especialista revela segredos dos centros bancários offshore: "Um grande especialista revela segredos
dos centros bancários offshore
por Entrevista de Michael Hudson
a Standard Schaefer [*]
Michael Hudson.
A indústria petrolífera estabeleceu a prática, há um século atrás, de os navios arvorarem 'bandeiras de conveniência' como meio de evitar impostos sobre o rendimento. Desde a década de 1960 o próprio governo norte-americano tem encorajado bancos americanos a instalar filiais de centros hot-money [NT] no Caribe e em ilhas mais distantes a fim de para atrair dinheiro estrangeiro para o dólar. O objectivo inicial era ajudar a financiar a Guerra do Vietnam tornando os EUA numa nova Suíça para o hot money do mundo.
Esta política teve êxito em transformar os Estados Unidos num centro de capital volátil para ditadores do terceiro mundo, presidentes mexicanos e oligarcas russos. A antiga União Soviética agora financia uma porção substancial do défice da balança de pagamentos dos EUA com o capital volátil que os 'reformadores' neoliberais facilitado pelos cleptocratas da retaguarda. O resultado transformou-se um sistema completo que permite às corporações transnacionais evadirem impostos por toda a parte, incluindo os próprios Estados Unidos. Isto permite a investidores internos globalizarem as suas operações através da montagem de filiais offshore estilo Enron nas Ilhas Cayman, nas Índias Ocidentais Holandesas ou em alguma pequena e agora famosa ilha do Pacífico à sua escolha.
O sistema de regulamentação permissivo relativo a estas cabeças de ponte offshore da evasão fiscal evoluiu para um ponto que permite a investidores americanos e europeus livrarem-se de impostos simplesmente contratando um advogado para montar um escritório num lugar conveniente e descobrir uma firma de contabilidade apta a efectuar os seus registos acriticamente — o que é suficientemente bom para a aceitação das autoridades fiscais nestes dias de operações tributárias reduzidas. O resultante mergulho no ratio das obrigações fiscais das corporações em relação ao rendimento nacional tem sido um factor de grande importância no crescente défice do orçamento federal dos EUA. Negócios — e especialmente o sector financeiro — estabelecem companhias testas-de-ferro e ajustam os seus preços de transferência (exemplo: sobre vendas de matérias-primas a refinarias, e de produtos refinados ou semi-manufacturados para os seus distribuidores finais nos países industriais) de modo a terem todos os seus lucros nestes enclaves livres de impostos.
O capital volátil não deixaria os países se não tivesse algum lugar seguro para ir. Um crescente número de ilhas para evitar impostos aproveitam o facto de que elas são bastante pequenas para adoptarem quaisquer códigos fiscais que pretendam. Advogados a actuarem por conta de lobbies financeiros e de negócios na América do Norte e na Europa redigiram leis que transformam estes centros bancários naquilo que o Prof. Hudson chama anti-Estados.
SS: Em anteriores entrevistas o sr. explicou como a economia tem sido 'financiarizada' de modo a libertar empresas do fisco. Que papel desempenham nisto os paraísos fiscais?
MH: As empresas montam companhias de comércio em ilhas sem impostos e declaram quaisquer rendimentos ou ganhos de capital que obtenham no imobiliário, acções ou outros investimentos como feitos nestas 'cascas' (shells) . Isto levou à ironia de que os impostos tornaram-se puramente voluntários para os negócios modernos.
SS: Como isto afecta a economia interna dos EUA?
MH: Desonerar de impostos os rendimentos dos negócios — e os rendimentos financeiros em particular — faz com que os contribuintes individuais suportem o fardo fiscal através da retenção nos salários da Segurança Social, Medicare e contribuições de fundos de pensão. Os consumidores também suportam um fardo crescente por meios de impostos sobre as vendas e outros impostos locais.
SS: As estatísticas confirmam isto?
MH: Os paraísos fiscais offshore permitem às companhias multinacionais dar a impressão de que não ganham quaisquer rendimentos com os negócios feitos nos países onde os impostos são gravados a taxas europeias ou norte-americanas. A realidade é que as companhias americanas fazem um bocado de dinheiro que não declaram. Entretanto, os centros bancários offshore libertam-nas de terem de pagar impostos sobre estes rendimentos, ou sobre ganhos de capital. É por isso que estamos a incorrer em défices orçamentais tão elevados hoje em dia.
SS: Sei que tem uma experiência de 40 anos em relação a estes centros bancários offshore e enclaves livres de impostos.
MH: Aprendi sobre eles no decorrer do meu trabalho como economista especializado em balança de pagamentos, e posteriormente como administrador de um fundo mútuo. Minha primeira pista sobre como estes enclaves eram montados tive ao trabalhar para o Chase Manhattan Bank em 1965-66 e me foi atribuida a tarefa de redigir um relatório sobre os impacto da indústria petrolífera na balança de pagamentos dos EUA. Depois de ler os livros habituais sobre como o cartel operava em todo o mundo ainda tinha dificuldades em perceber as declarações de rendimentos e despesas da indústria petrolífera e as estatísticas publicadas pelo Departamento de Comércio.
Meu principal problema era descobrir onde as companhias de petróleo faziam os seus lucros. Seria na produção final onde o petróleo bruto era extraído do chão, ou na fase do processamento onde o petróleo era refinado, ou na distribuição final onde era vendido aos seus utilizadores finais para aquecer edifícios, movimentar carros, voar aviões e fabricar produtos petroquímicos e plásticos?
David Rockefeller conseguiu-me um encontro numa tarde com Jack Bennett, o tesoureiro da Standard Oil of New Jersey (a velha Esso antes de ter mudado o seu nome para Exxon). 'Os lucros são feitos exactamente aqui, no gabinete do Tesoureiro', explicou ele, 'onde quer que eu decida'. Ele mostrou-me o vasto espaço de manobra (leeway) que um conglomerado global organizado verticalmente desfruta por ser capaz de assinalar 'preços de transferência' feitos para declarar o lucro global em qualquer ponto em que os impostos sejam mais baixos no estatisticamente labiríntico trajecto do petróleo entre a cabeça do furo e o postos de abastecimento de gasolina.
Os impostos eram mais baixos (de facto, não existentes) no Panamá e na Libéria, onde a indústria regista devidamente os petroleiros sob as suas bandeiras de conveniência. A Standard Oil apreçava baixo o bruto para estes navios filiados, e vendia-o a preço alto, quase a preço de retalho a refinarias e tomadores no mercado dos países industriais consumidores de petróleo.
SS: Como é que alguém poderia utilizar as estatísticas para detectar o que está a acontecer?
MH: Não é fácil descobrir transações com estes países de bandeira de conveniência nas estatísticas da balança de pagamentos dos EUA. Ao invés de serem listados como países genuínos na África ou na América Latina, eles aparecem ao invés disso sob um obscuro título de coluna chamado 'internacional'. Os que os vêem apressadamente tendem a passar isto por alto, pois não indica um país ou região específica. Algumas pessoas podem imaginar mesmo que isto se refira a veneráveis organizações internacionais como as Nações Unidas, o FMI ou o Banco Mundial. Mas o que 'internacional' significa é, muito simplesmente, 'navios internacionais' registados sob bandeiras de conveniência. Muito adequadamente, eles não pertencem realmente à economia de um país estrangeiro, porque é uma ficção legal de que as companhias dos EUA utilizam simplesmente para produzir pós de impostos numa base irrealista 'como se'.
SS: O sr. está a dizer que as estatísticas são traduzidas numa linguagem de irrealidade.
MH: Uma não realidade cuidadosamente estruturada — e uma não realidade que tem consequências para o mundo real, pode estar certo. A essência deste jogo é que a Esso e outros majors do petróleo foram capazes de 'jogar' os sistemas fiscais mundiais pela venda do seu petróleo bruto a um preço tão baixo às suas companhias de navios petroleiros de modo a deixar pouco rendimento para a Arábia Saudita, Venezuela ou outros países produtores de petróleo. Isto desencorajou-os a assumirem o controle da sua riqueza mineral, especialmente porque eles não têm frotas de petroleiros para movimentar este óleo. As filiais de navegação das corporações deram meia volta e vendem o seu petróleo às suas refinarias a jusante. Estas geralmente foram localizadas seguramente no offshore em diferentes jurisdições políticas (ex.: Trinidad para o petróleo venezuelano). O petróleo era transferido a tão alto preço que apesar do pesado investimento de capital nestas instalações, os refinadores e os distribuidores relatavam perdas ano após ano, década após década.
SS: Como puderam as autoridades fiscais na Europa e nos EUA não entender o que estava a acontecer?
MH: É aqui que o poder de lobbying político dos grandes grupos de interesses entram em cena. A sua capacidade para evitar ter de declarar rendimentos sobre os quais os impostos seriam devidos reflectiu a passividade dos colectores de impostos na Europa e na América do Norte onde estavam localizadas a maior parte das instalações a jusante. Alguém pode pensar que tais governos teriam imputado um imposto mínimo, com base no princípio de que qualquer investimento deve esperar ganhar pelo menos uma taxa normal de retorno, do contrário não seria efectuado ou mantido. Fechando os olhos a esta lógica, os governos aceitaram as declarações de lucros e perdas tal como os contabilistas das companhias as submetiam. Eles permitiram que os lucros da perfuração de petróleo, refinação e marketing desaparecessem no buraco negro da navegação internacional.
As companhias mineiras seguiram uma prática contábil semelhante, com as suas frotas de navios e refinarias. Estas companhias de petróleo e de minerais estavam entre as maiores multinacionais.
SS: O sr. está a dizer que os lucros caíram estatisticamente, mas não realmente. O que significa isto para a teoria de que os preços de mercado estabelecem (allocate) recursos eficientemente ao reflectirem custos de oferta e procura?
MH: O desenvolvimento de abrigos fiscais em países bandeira de conveniência para registar lucros corporativos dificilmente pode ser encarado como um fenómeno meramente marginal. Por aproximadamente um século desempenhou um papel central nas economias americana e europeia. Mas os preços são fictícios ao invés de resultarem de custos reais ou da oferta e procura. Somente o imenso poder político destes sectores extractivos poderia ter induzido os seus governos a permanecerem tão passivos em face do dreno fiscal que eles implicam — um tratamento fiscal favorável negado aos demais contribuintes.
Entretanto, gradualmente outros sectores aprenderam a emular a estratégia de evitar impostos pela utilização de centros bancários offshore.
SS: Além dos preços de transferência eram usados outros truques contábeis?
MH: Companhias mãe consolidaram os seus campos petrolíferos no Extremo Oriente, África e América do Sul dentro dos seus balanços internos americanos por meio da organização das mesmas não como filiais estrangeiras distintas mas sim como 'ramos'. Esta tecnicalidade permitiu-lhes tomar todo o crédito fiscal americano por esgotamento (depletion) em relação ao seu rendimento. O esgotamento de recursos de outros países era tratado como se eles fizessem parte da economia americana — excepto que os lucros eram tomados na Libéria e no Panamá.
SS: O sr. teve quaisquer conflitos ao trabalhar para o Chase e as companhias de petróleo ao produzir este relatório?
MH: Foi-me dada rédea larga. Disseram-se para produzir as melhores estatísticas possíveis. Eles tornaram claro que se as respostas não fossem aquelas que eles e a indústria do óleo esperavam, não publicariam o meu relatório, mas pelo menos queriam saber qual era a situação estatística. Aceitei a encomenda nestes termos.
COMO OS GOVERNOS RUSSO E AMERICANO ALIMENTARAM OS CENTROS OFFSHORE DE CAPITAL VOLÁTIL
SS: Como estes paraísos fiscais evoluíram para centros financeiros offshore independentes das operações de companhias de navegação?
MH: O denominador comum é evitar impostos, mas a proliferação de centros bancários offshore ganhou uma vida própria, com base no capital volátil e no hot money .
SS: Isto também ocorreu em resultado de manobras fiscais corporativas?
MH: Esta não foi a principal motivação. A Suíça e o Liechtenstein teriam bastando para o nível de capital volátil e poupanças criminais que caracterizavam a década de 1950. A fim de os paraísos hot-money de tipo moderno emergirem, teve de ser criada uma configuração institucional para possuir dólares ou outras divisas duras fora dos seus países de origem — algo que proporcionasse o mesmo grau de 'privacidade', 'confidencialidade' e portanto imunidade em relação às autoridades que a Suíça proporcionava com as suas famosas leis do segredo bancário.
As companhias de petróleo e de minérios não infringem as leis nem fazem qualquer coisa ilegal, e portanto não precisam desta espécie de privacidade. Elas simplesmente redigem e emendam as leis fiscais para inserir alçapões (loopholes) em favor de si próprias. O dinheiro real era mantido nas suas sedes. Mas os centros bancários offshore destinavam-se a uma espécie diferente de depósitos — aquele que precisava ser mantido fora do alcance das autoridades americanas ou europeias.
SS: Então como se desenvolveram estes veículos offshore para depósitos de dólares?
MH: Na realidade, o grande catalisador foram os soviéticos e os próprios governos americanos. A história começa com a criação do mercado do eurodólar durante os anos da Guerra Fria.
Em fins da década de 1950 a União Soviética tinha um problema. Precisava de contas bancárias denominadas em dólares americanos para pagar os seus vários programas de despesas no Ocidente. Mas a Guerra Fria aquecia, ela temia que o governo americano pudesse confiscar suas contas bancárias nos EUA (tal como o Chase Manhattan faria com o Irão após o derrube do xá). A Rússia portanto abordou um certo número de bancos britânicos e sugeriu que estabelecessem contas permitindo às agências soviéticas manterem as suas receitas de dólares em contas denominadas em dólares (ao invés de converte-los em libras esterlinas) e utilizar estas contas em dólar para pagar fornecedores no Ocidente. Os bancos britânicos concordaram e assim nasceu o mercado eurodólar — um mercado para depósitos de dólares possuídos fora dos Estados Unidos.
SS: Assim, uma grande inovação no capital financeiro foi estabelecida pelos próprios soviéticos. Percebiam eles o que estavam a fazer? Ao tentarem evadir-se ao controle americano, acabaram por ajudar ou prejudicar os interesses globais dos EUA?
MH: Ninguém captou as implicações a princípio. Como acontece muitas vezes, esta inovação financeira alimentou uma sucessão de consequências inesperadas. As multinacionais americanas consideraram útil manter dólares offshore para facilitar suas próprias transações, especialmente quando elas começaram a comprar firmas europeias e outras estrangeiras e estabelecer os seus próprios ramos além mar.
Os bancos americanos montaram agências (branches) em Londres e outros centros monetários a fim de servir estas companhias. Quando a política monetária foi endurecida, durante o anos da Guerra do Vietnam, estes bancos acharam mais fácil a oferta de dinheiro vinda das suas agências estrangeiras. As agências reguladoras bancárias não haviam previsto este desenvolvimento e não impuseram qualquer exigência de que as matrizes pusessem de lado reservas contra os depósito que vinham destes ramos estrangeiros. Assim, os depósitos eurodólar tornaram-se a grande fonte de depósitos para os grandes bancos internacionais americanos para emprestar quando o dinheiro estava a ficar apertado devido ao dreno da Guerra do Vietnam na balança de pagamentos.
COMO O GOVERNO AMERICANO PRESSIONOU O CHASE A MONTAR AGÊNCIAS NOS CENTROS DE HOT-MONEY
SS: Qual foi a experiência mais notável que teve com estas instituições?
MH: A Guerra do Vietnam estava a empurrar a balança de pagamentos para o défice, drenando a oferta de ouro que suportava a divisa. O ouro fora a alavanca da potência financeira internacional dos EUA desde a Primeira Guerra Mundial, e agora estava a fluir para fora a fim de pagar a guerra no sudeste asiático.
As administrações Johnson e Nixon sabia que se travar a guerra significasse menos consumo interno os eleitores opor-se-iam à guerra. Assim, eles prosseguiram uma política de canhões e manteiga, promovendo um consumo interno pesado e gastos deficitários, deixando pouco para vender para fora. Os Estados Unidos não estavam desejosos de permitir que sectores económicos chaves fossem vendidos a estrangeiros para equilibrar os seus pagamentos internacionais, embora aconselhassem outros países devedores a fazer isso depois de 1980.
Responsáveis americanos procuram atrair divisas estrangeiras de qualquer forma, mas as suas opções eram limitadas. Uma grande possibilidade permanecia: atrair capital volátil estrangeiro. Isto podia ser feito sem ascender as taxas de juros internas, mas proporcionando um paraíso seguro para o hot money estrangeiro. Portanto, os estrategas geopolíticos americanos estavam desejosos de aceitar depósitos bancários estrangeiros, sem importar de onde viessem.
Em termos de balança de pagamentos, o dinheiro estrangeiro ao ser convertido em dólares e mantido em agências estrangeiras de bancos americanos faria isto tão bem como dinheiro em bancos americanos, na medida em que estes depósitos fossem mantidos em dólares e não em divisas estrangeiras.
SS: Isto foi uma política explícita
MH: Bastante explícita. Isto foi no tempo em que tanto hot money estava a ir para a Suíça que o seu franco estava a tornar-se a mais dura divisa do mundo. Os estrategos financeiros americanos procuraram uma política que apoiasse o dólar em grande parte da mesma maneira. O Departamento de Estado e do Tesouro abordaram os principais bancos internacionais do país com uma proposta para fazer algo que eles teriam temido fazer sem o incentivo oficial. Eles deviam estabelecer e expandir as suas próprias agências nos grandes centros de capital volátil do mundo — e talvez ajudar a estabelecer alguns novos. Isto não só atrairia dinheiro volátil estrangeiro como manteria internamente as quantias substanciais que estavam a ser enviadas para o exterior pelos evasores fiscais americanos.
Em 1996 um antigo empregado do Departamento de Estado que se havia tornado responsável do Chase perguntou a minha opinião acerca de um memorando que esboçava o interesse comum entre a diplomacia económica e os bancos internacionais do país em relação ao estabelecimento de agências offshore destinadas a atrair algum do hot money do mundo afastando-o da Suíça e de outros centros de capital volátil.
Os EUA são provavelmente o segundo maior centro volátil no mundo, mas com pouca probabilidade de rivalizar com a Suíça num futuro previsível. Tal como a Suíça, o dinheiro volátil flui para os EUA provavelmente de todos os países do mundo. É manuseado quase exclusivamente pelo grandes brokers de Nova York e Miami, advogados, e principais bancos comerciais. Responsáveis do próprio CMB International Department and Trust Department confirmam que manuseiam uma razoável quantia de dinheiro volátil estrangeiro. Entretanto, isto é insignificante em relação ao total potencialmente disponível.
Há um consenso geral entre responsáveis do CMB e peritos tanto americanos como europeus que entidades com base nos EUA ou controladas pelos EUA são gravemente penalizadas na competição pelo dinheiro volátil com os suíços ou outros centros monetários a longo prazo. Isto se deve aos seguintes factores interrelacionados:
(a) A demonstrada capacidade do Tesouro americano, do Departamento da Justiça, da CIA e do FBI para obterem registos de clientes, congelarem contas de clientes, e forçarem o testemunho de responsáveis americanos em entidades controladas pelos americanos, com apoio adequado nos tribunais americanos.
(b) O investimento restritivo americano e os regulamentos e políticas de corretagem, os quais limitam a flexibilidade e o segredo da actividade de investimento.
(c) O imposto americano sobre património e a retenção fiscal sobre investimentos estrangeiros.
(d) O papel dos EUA como grande contendor na Guerra Fria, e a resultante probabilidade de que investimentos através de uma entidade americana poderiam ser expostos a qualquer hostilidade ou congelamento de activos ocorridos devido à Guerra Fria.
(e) A visão geralmente mantida (e parcialmente incorrecta) de muitos estrangeiros refinados de que os administradores de investimentos americanos são ingénuos e inexperientes na manipulação de fundos estrangeiros, especialmente em mercados estrangeiros.
Apesar destas limitações, os EUA provocaram o interesse de possuidores de dinheiro volátil sob outros aspectos. Isto inclui: Os maiores e mais activos mercados de valores (securities) do mundo, assegurando tanto liquidez como diversificação. Facilidade de transferências e manuseamento mecânico de investimentos, parcialmente através da rede mundial de bancos americanos. A principal reserva de divisas do mundo, o dólar americano. Em anos recentes, inigualada estabilidade financeira e um dos mais altos níveis de crescimento económico entre os principais países industriais. Finalmente, probabilidade desprezível de revolução ou confisco, e baixa probabilidade de inconvertibilidade.
O memorando citava Beirute, Panamá, Suíça e outros centros a partir dos quais os governo americano convidava o Chase a atrair capital volátil internacional através da colocação dos seus serviços à disposição dos ditadores existentes e em perspectiva, traficantes de droga, criminosos e mesmo adversários da Guerra Fria.
O Chase e outros grandes bancos americanos responderam com a montagem de uma rede de centros offshore para converter os EUA numa Suíça de alto nível.
SS: Isto realmente aconteceu, e o governo concordou com isto?
MH: O governo e os bancos estavam bem conscientes do facto de que os delinquentes são as pessoas mais líquidas do mundo, pela simples razão de que eles temem possuir propriedade à plena vista das autoridades — excepto nos caos em que a sua propriedade real pode ser lavada através de um labirinto de companhias fachadas e placas com nomes nas dobras legais dos gabinetes de advogados offshore que ganham a sua vida administrando tais estratagemas financeiros. As grandes firmas de contabilidade americanas, firmas legais e conselheiros de investimento logo entraram no negócio de aconselhar corporações e clientes ricos a montarem contas bancárias offshore em nome de companhias de papel.
SS: Parece uma bomba. Alguma vez já publicou isso?
MH: Mostrei ao professor de ciências económicas e jornalistas canadiano Tom Naylor, o qual reproduziu-o em 1987 no seu livro Hot Money , páginas 33-34. O livro foi traduzido em muitas línguas e reimpresso numerosas vezes. Está para ser reimpresso outra vez este ano pela McGill-Queens University Press, no Canadá, e de facto estou a escrever uma introdução para a próxima edição. Mas realmente não tem havido muita discussão, porque o assunto do hot money continua fora das preocupações da maior parte dos economistas académicos.
SS: Houve algum debate sobre se isto era a coisa certa a fazer?
MH: Sim, uma série de audiências no Congresso foram efectuadas, e muitos relatórios excelentes foram incluídos. Mas a moralidade do certo-ou-errado não desempenhou um grande papel. Uma das principais questões políticas era simplesmente se o governo deveria impor uma retenção impositiva de 15 por cento sobre propriedades (holdings) estrangeiras de títulos do Tesouro, com base em que isso provavelmente seria o único rendimento fiscal que recuperaria. Porta-vozes do governo convenceram o Congresso a não impor o imposto, argumentando que esta desencorajaria o hot money estrangeiro — e também o hot money americano, pois isto importa — de possuir títulos do Tesouro. Os Estados Unidos precisavam de todo mercado que pudessem criar para os seus títulos naquele tempo, para deter a saída de ouro. Assim, o imposto de retenção sobre o estrangeiro foi abolido.
SS: Por outras palavras, o Tesouro permitiu evitar impostos internos americanos a fim de conseguir uma entrada de dólares na balança de pagamentos, e manter baixas taxas de juros internas.
MH: Sim. O IRS já permitira evitar a ocorrência de impostos sob pressão das grandes multinacionais tais como as companhias de petróleo e mineração. A integração vertical permitia-lhes administrar preços de transferência de uma forma que minimizava o seu passivo fiscal global. Privando-se de onerar fiscalmente os juros pagos pelos títulos do Tesouro americano favoreceu o hot money americano.
No fim da década de 1960 os Estados Unidos estavam a caminho de tornar-se o principal paraíso para o capital volátil do mundo. O Citibank, o Chase e outros estabeleceram ou expandiram operações para que as suas subsidiárias de 'private banking' oferecessem 'confidencialidade' a clientes, que vão desde os principais políticos do México até os cleptocratas da Rússia na década de 1990.
SS: Mas o preço foi dar aos infractores da lei internacionais um melhor tratamento fiscal do que aos cumpridores da lei e cidadãos contribuintes.
MH: Sim, e há uma razão para isto. O mais impressionante disso é que a maior parte dos detentores de liquidez na sociedade de hoje são criminosos e evasores fiscais. Eles têm uma boa razão para evitar o imobiliário ou outras propriedades tangíveis. É demasiado visível para acusadores e autoridades fiscais. É por isso que as estatísticas de balança de pagamentos classificam os movimentos de capital como 'invisíveis'. Prestigiosas firmas de contabilidade e parceiros legais ocupam-se em inventar truques para evitar impostos e criar um 'véu de intermediários' ('veil of tiers') para proporcionar um manto de invisibilidade para a riqueza acumulada por desfalcadores, evasores fiscais, uns poucos traficantes de droga, traficantes de armas e agências de inteligência do governo para utilização nas suas operações encobertas.
SS: Assim, tudo isto tornou o capital financeiro mais cosmopolita e menos sujeito à regulamentação nacional e ao controle governamental.
MH: Sim, e no fim da década de 1980 administradores de dinheiro americanos estavam a incorporar fundos mútuos offshore para penetrar nos mercados globais de capitais.
COMO CENTROS HOT-MONEY TRANSFORMARAM O CAPITAL VOLÁTIL NUM MERCADO PARA DÍVIDAS GOVERNAMENTAIS
SS: Qual foi o efeito destes paraísos fiscais e centros bancários sobre as economias dos outros países?
MH: Tal como as autoridades americanas esperavam, o hot money do mundo descobriu ser mais conveniente ir para centros bancários dolarizados offshore.
SS: Pode dar um exemplo de como isto funcionou?
MH: Em 1989 fui contratado pela firma de gestão de dinheiro Scudder, Stevens and Clark, de Boston, a fim de passar uns meses a organizar um fundo de dívida soberana (sovereign-debt fund) , isto é, um fundo que investisse em títulos de governos do terceiro mundo. Foi o primeiro de tais fundos, e começou aquilo que se tornaria uma torrente de emissões na década de 1990. Mas naquele estágio primitivo a Scudder foi incapaz de encontrar clientes americanos desejosos de colocar US$ 75 milhões numa região em que se haviam queimado gravemente na esteira da insolvência do México em 1982.
Por outro lado, aquele evento traumático pressionou as taxas de empréstimo para cima para aproximadamente 45 por cento ao ano em relação a títulos do governo denominados em dólar da Argentina e do Brasil, e a cerca de 25 por cento para os tesobonos a médio prazo denominados em dólar do México. Estas taxas permitiram ao fundo ter mais êxito em encontrar compradores estrangeiros. Incorporada nas Antilhas Holandesas (Dutch Wet Indies) como Sovereign High -Yield Investment Co. N.V., suas acções foram listadas no London Stock Exchange. O subscritor, Merril Lynch, vendeu-os principalmente a famílias argentinas bem conectadas através do seu escritório em Buenos Aires, com o restante tomado principalmente por brasileiros e outros compradores latino-americanos.
O seu dinheiro foi investido em títulos de alto rendimento dos seus próprios governos. A ironia era que os pagamentos exorbitantes de juros feito em 1990 eram devidos em grande parte à fuga de capital argentino e a famílias brasileiras a operarem offshore num 'fundo ianque'. O facto de isto ter sido montado offshore significava que a nenhum investidor americano era permitido comprar as suas acções.
Os maiores investidores foram políticos bem informados que compraram do fundo sabendo que os seus bancos centrais pagariam as suas dívidas em dólar apesar dos altos prémios de risco. Enquanto estes oligarcas legais apareciam nas estatísticas dos seus países como 'credores de dólares' exploradores, demagogos internos culpavam os ianques, o FMI, o Banco Mundial e banqueiros britânicos por aplicarem austeridade financeiras aos seus países. Ainda que a dívida em dólar da Argentina no princípio da década de 1990 fosse possuída principalmente por argentinos a operarem fora a partir de centros bancários offshore. Os maiores beneficiários do serviço da dívida externa foram os seus próprios capitalistas voláteis, não possuidores de títulos na América do Norte e na Europa.
Para a Argentina, um 'estrangeiro' era provavelmente um oligarca local a operar de uma conta offshore invisível para o seu governo (o qual era constituído em grande parte por suas próprias famílias). Pode-se encontrar o mesmo fenómeno na Rússia de hoje, onde um 'investidor estrangeiro' tende a ser um russo com uma conta offshore a operar a partir de Chipre, da Suíça ou do Lichtenstein, talvez em partenariato com um americano ou outro estrangeiro para camuflagem política.
SS: Como actuou o fundo?
MH: No seu primeiro ano de operação tornou-se o segundo maior em termos de desempenho mundial (um fundo imobiliário australiano estava em primeiro lugar). Os investidores globais logo entraram em acção pois observaram a oligarquia financeira latino-americana a reciclar o seu próprio capital volátil dolarizado de volta para os seus países de origem via enclaves offshore.
Entretanto, o fundo com que estive associado estava limitada a uma duração de apenas cinco anos, porque em 1989 parecia-me que este era todo o espaço de tempo disponível para manter a sucção do rendimento do terceiro mundo até que uma nova crise assomasse. Quando este período de tempo foi ultrapassado, em 1994, os tesobonos do México tornaram-se de tal forma favoritos dos investidores que a sua taxa de juros caiu abaixo dos 10 por cento. O país estava a vender o seu sistema telefónico e outras empresas públicas e os rendimentos das vendas estavam temporariamente a encher as reservas de divisas externas do banco central — foi o último acto da ditadura do PRI no governo antes de perder a presidência.
Mas o México balouçou-se à beira do default na crise do peso naquele ano, apenas uma dúzia de anos depois de ter desencadeado a 'debt bomb' da América Latina em 1982 ao anunciar que não podia cumprir o serviço da sua dívida externa. A administração Clinton 'resgatou' o México, ou melhor, o secretário do Tesouro Robert Rubin resgatou os seus credores.
SS: Assim, finalmente, especuladores com títulos em dólar do terceiro mundo perdem.
MH: Eles não foram os únicos. O processo envolveu fuga capital a ser transformada numa herança da dívida externa oficial. A Argentina estava mesmo convencida a juntar-se às fileiras do Panamá e da Libéria dolarizando a sua economia. Ao invés de criar crédito interno por si própria incorrendo em défices orçamentais, como os outros países fazem, o seu governo emitiu um enorme volume de títulos pagáveis em dólares. As suas taxas de juros caíram abaixo do nível de 10 por cento pois os investidores nos países credores queriam acreditar que o segredo da solvência monetária fora descoberto. Dólares estrangeiros foram emprestados para financiar políticas internas.
Enquanto isso, o declínio nas taxas de juros resultante do aumento na 'confiança' na loucura da Argentina proporcionou ricos ganhos de capital para investidores que haviam comprado os títulos a um preço tão baixo que eles rendiam quatro ou cinco vezes mais em retorno. Mas o que é confiança, depois de tudo, senão uma oportunidade para jogar o jogo da confiança — um jogo em que os subscritores financeiros afiaram as suas qualificações durante séculos! O fundo Scudder e outros investidores iniciais venderam os seus títulos para os novos fundos mútuos e outros compradores inexperientes em relação ao risco internacional durante a efervescência dos anos 90, quando todos tentavam superar os retornos dos outros, pouco importando para onde o longo prazo estava a conduzir.
Isto promoveu um desnecessário endividamento estrangeiro, cujo colapso hoje ameaça apartar a Argentina para longe dos outros países. Então, em 2002, a pirâmide da dívida entrou em colapso, e os títulos agora mergulharam no fundo. Isto limpou uma porção substancial de 'más poupanças' ('bad savings') que eram as contrapartidas contabilísticas destas dívidas más.
ALGUMAS ALTERNATIVAS POLÍTICAS
SS: Quanto dinheiro nestes centros é fuga de capital e dinheiro de evasão fiscal?
MH: A coisa notável é a extensão em que os investidores tem feito uso destes centros legalmente. Ao patrocinar o eurodólar, por exemplo, o governo britânico encorajou a criação de entrepostos para evitar o fisco em algumas das ilhas localizadas no inóspito English Channel e Mar do Norte. Pelo simples acto de registar a propriedade do seu imóvel em uma destas ilhas, permite-se aos proprietários britânicos que evitem pagar impostos sobre ganhos de capital, pois estes não são cobrados aos investidores 'estrangeiros'.
SS: Qual é a diferença entre um esquivador (avoider) fiscal e evasor (evader) fiscal?
MH: É legal utilizar as leis existentes para minimizar um passivo fiscal. Um evasor fiscal é alguém que viola a lei fazendo falsas declarações ou envolve-se em complexas operações financeiras que não tem nenhuma função económica excepto evitar pagar impostos.
SS: Assim, a lógica britânica era a mesma dos EUA na década de 1960: precisava do dinheiro, sem importar de onde viesse. Isto acabou por tornar mais fácil evitar impostos
MH: A lógica era que a libra esterlina precisa de investimento estrangeiro para aguentar sua taxa de câmbio. O efeito principal, entretanto, foi proporcionar favoritismo fiscal para grande investidores internos em oposição aos proprietários de lares ou pequenos investidores que não abriam contas no exterior. Um investidor britânico pode montar uma corporação de fachada nestes enclaves e evitar pagar impostos sobre ganhos de revenda sobre a sua terra e edifícios, acções e títulos ou outros activos.
É tudo perfeitamente legal, pois qualquer país tem o direito de cobrar — ou não cobrar — impostos sobre a riqueza, ganhos de capital ou rendimento. Visto que os ganhos de capital tendem a superar o crescimento do rendimento ganho, o papel económico de tais centros offshore torna-se central para a acumulação global. Como a inflação global dos activos ganhou momento durante as década de 1980 e 90, a atractividade de tais centros aumentou proporcionalmente. Isto significa que os economistas dificilmente poderão analisar o crescimento e polarização da riqueza nacional e global sem levar em conta a teia de obrigações e passivos financeiros associada a estes centros.
SS: Mas há um crescente revestimento de ilegalidade, não é?
MH: Certamente, mas foi fundido nos 'invisíveis' na media em que as estatísticas económicas são afectadas, e a teoria económica também para este assunto. O crime é um dos sectores chave para os quais não são feitas estimativas. Ainda que seja talvez o mais líquido, pois ditadores e cleptocratas, ladrões e traficantes de droga receiam amarrar-se aos seus activos de forma visível. As mais novas adições à classe mundial dos rentistas, eles tornaram-se uma fonte de liquidez para as economias de hoje.
A Rússia sofreu uma fuga de capitais de US$ 25 mil milhões por ano desde 1990. O seu empréstimo de emergência (bailout loan) do FMI de Agosto de 1997 desapareceu num obscuro banco nas Ilhas do Canal britânicas, de onde foi reenviado para Chipre, Suíça e Estados Unidos. A maior dos empréstimos do FMI para a África e América Latina foi plenamente absorvido pelas fugas de capitais, subsídios estes dados sob o eufemismo de 'estabilização da divisa'. O que está a ser estabilizado é sobretudo a taxa a que esta fuga de capitais e cambiada por divisas duras (se alguém ainda pode chamar os dólares de divisas duras).
SS: Como os governos podem conter este truque para taxar este dinheiro?
MH: É o que está a ser debatido na Rússia nestes dias. Parece que a única espécie de imposto que pode ser colectado das multinacionais hoje é o imposto sobre o que é visível, não o que é invisível — isto é, invisível para o estatístico da economia nacional e a repartição de colecta de impostos. Os russos estão a discutir uma medida para cobrar impostos do excesso de lucros aos exportadores de petróleo e minérios.
SS: Se examinarmos as folhas de balanço como elas aparecem, os centros bancários offshore surgem como credores líquidos e o resto dos países do mundo com devedores líquidos?
MH: Não exactamente. Os 'poupadores' que têm contas nestes centros bancários offshore têm direitos sobre eles que, por sua vez, representam os passivos destes enclaves que compensam os seus direitos sobre o resto do mundo. Mas os direitos financeiros possuídos por estes paraísos são possuídos por sua vez pelos seus 'poupadores' offshore.
O que está faltando nos dados que deveriam estar ali são os direitos destes 'poupadores' — os esquivadores fiscais, criminosos e assim por diante — sobre estes paraísos fiscais, classificados em termos de seus países de origem. Estas poupanças sub-reptícias ficam perdidas na linha de 'erros e omissões' do FMI. É por isso que as Índias Ocidentais Holandeses, por exemplo, podem possuir dinheiro numa empresa panamenha, a qual possui dinheiro numa empresa da Ilha do Canal, e assim por diante. Os requerentes (claimants) finais do hot-money são difíceis de identificar. Entradas de depósitos nestes enclaves têm a sua contrapartida na folha de balanço no seu próprio crescente endividamento para com esquivadores de impostos e fujões na Europa, América do Norte e do Sul, Ásia e África. Mas as estatísticas são silenciosas sobre quem são realmente estes 'poupadores' invisíveis e onde eles realmente residem.
Um exportador argentino ou russo vende a preço facturado ficticiamente baixo, pedindo ao comprador que deposite a diferença numa conta bancária offshore. É desnecessário dizer que o argentino ou russo não declarará este haver, assim ele não aparece nas contas oficiais. Mas existe na realidade. É por isso que as dívidas relatadas do mundo excedem as poupanças locais por uma margem de 'erros e omissões'.
SS: Como exactamente funciona esta facturação falsa?
MH: De duas maneiras. A mais simples é os importadores dizerem que pagam mais por importações do que o seu verdadeiro preço económico. Isto é o que fazem as companhias de petróleo quando apreçam o petróleo bruto tão alto para as suas refinarias que estas não têm margem para relatar um lucro, década após década.
A imagem espelho desta fraude ocorre quando os exportadores afirmar receber menos do que eles realmente são pagos. A margem é o que eles são capazes de roubar. O comprador tipicamente pagar a diferença para uma conta 'privada' em um dos centros bancários offshore, facilitados por um dos bancos americanos, britânicos ou canadianos montado para este fim. Este é o significado da 'privacidade' bancária. É como se exportadores russos de petróleo, alumínio e outras matérias-primas ocultassem o seu rendimento real do governo russo. Isto explica a emergência de tantos multi-bilionários pós-soviéticos que se beneficiam de 'enriquecimento inexplicado'.
SS: Isto não quer dizer que o governo russo ainda colecte a maior parte dos seus impostos com o petróleo e outras exportações de matérias-primas?
MH: Sim, mais deixa de aplicar imposto ao rendimento real. Se fizesse isto, o sr. Khodorkovsky e outros cleptocratas não teriam subitamente ascendido para se juntarem às fileiras dos indivíduos mais ricos do mundo em apenas uma única década, e não estaria agora sob processo por evasão fiscal criminosa. É significativo que a imprensa financeira no Ocidente escreva editoriais angustiados a acusar isto de representar nada menos que fascismo com camisas castanhas, nacionalismo e totalitarismo. Falcões da administração Bush, como o secretário de Estado Powell, exprimem publicamente a sua preocupação de que isto ameace os próprios fundamentos da 'empresa privadas'. Isto mostra quão pouco eles pensam em punir a evasão fiscal nos seus próprios países.
SS: Suponho que iremos cobrir estas maquinações com maior pormenor na nossa próxima entrevista sobre a Rússia após a sua eleição presidencial de 14 de Março. Retornando ao tópico dos centros bancários offshore, está o sr. a descrever uma técnica que foi desenvolvida simplesmente por indivíduos, ou foi institucionalizada num plano mais elevado, em escala mundial?
MH: As maiores firmas de contabilidade e de advocacia da América do Norte e da Europa obtêm uma proporção crescente do seu rendimento ministrando conselhos a companhias que procuram utilizar estas tácticas. Os utilizadores primários são gestores de dinheiro e corporações importantes a fim de esconder os seus lucros (ou perdas, no caso da Enron e da Parmalat) da vigilância das autoridades nos seus próprios países. Nos anos 1990, a Enron, a Parmalat e outros gigantes corporativos criminosos foram capazes de organizar as maiores fraudes financeiras da história utilizando finanças estruturadas envolvendo paraísos hot-money.
SS: Não há uma lei americana contra arranjar uma prática de negócios complexos unicamente para o propósito de evadir o fisco?
MH: A lei está realmente nos livros, e os IRS queixou-se especificamente de que a firma KPMG organizou esquemas sistemáticos de evasão fiscal. Mas os neoliberais colocaram os seus próprios administradores ideológicos nestes agências, homens que se vangloriaram para mim do facto de que simplesmente se recusam a regular para 'matar a besta', isto é, o governo, o qual é suposta ser o cérebro guiador da economia. A sua não-acção corrompeu o sistema legal e regulamentar nacional, desactivando-o. O poder está a ser exercido pelos contribuidores da campanha cuja riqueza convenceu os políticos a darem aos evasores fiscais o direito de votar contra qualquer agência regulamentar que se mostre demasiado consciente quanto à aplicação da lei, acima de tudo do código fiscal.
SS: O que há quanto ao Procurador-Geral de Nova York, Eliot Spitzer?
MH: Ele obviamente reconhece o que está em andamento, e parece ter ficado espantado ao descobrir quão longe foi o apodrecimento. O que ele descobriu quando apresentou acusações de crime contra a Arthur Andersen no caso Enron foi que todas as grandes firmas de contabilidade estavam empenhadas nas mesmas práticas fraudulentas. Isto criou um problema prático para ele. Iria ele fechar todas as firmas de contabilidade aplicando-lhes a lei de cabo a rabo?
Se ele tivesse feito isto, quem teria auditado os livros das companhias dos EUA? Isto teria esmagado o mercado de acções e toda a economia. Assim ele contentou-se em penalizar os bancos e as firmas financeiras e de contabilidade numa muito pequena porção dos seus ganhos, deixando seus sócios com a sua confortável aposentadoria conquistada e fazendo-os prometer parar de infringir a lei no futuro.
Por outro lado, penso que mesmo que ele tivesse fechado estas firmas — e, lembro, trabalhei para a Arthur Andersen e descobri que era inteiramente venal já na década de 1960 — o sistema ter-se-ia curado a si próprio quase da noite para o dia. As firmas existentes como tais teriam sido varridas e muitos dos seus principais sócios teriam ido para a cadeia — provavelmente não mais do que umas poucas centenas — ou pelo menos teriam perdido as suas aposentadorias com pagamentos de subornos. Mas a maior parte destes contabilistas remanescentes ter-se-ia reunido para criar novas firmas, livres das manchas de corrupção que caracterizaram a Deloitte Touche no caso Parmalat, a KPMG por seus esquema de evasão fiscal, e outras firmas de contabilidade por aí abaixo,
SS: Quão profundamente os problemas podem ser investigados?
MH: O caminho que conduziu a este estado de coisas foi aberto no fim da Segunda Guerra Mundial. Os diplomatas americanos pressionaram o Fundo Monetário Internacional pela livre movimentação de capitais, num tempo em que era muito claro que a maior parte dos movimentos de fugas de capital seria em direcção ao dólar, para fora das economias que estavam regulamentadas. Eufemizado como 'reforma económica' e 'liberdade de escolha', o movimento em direcção ao descontrole financeiro abriu o caminho para o desenvolvimento de paraísos offshore. Isto fazia parte do viés fatal construído dentro do DNA do sistema Bretton Woods do pós-guerra.
O governo dos EUA permaneceu no controle, e como expliquei anteriormente, quando a Guerra do Vietnam empurrou a balança de pagamentos para o défice, o governo encorajou os grandes bancos a montarem ramos nestes enclaves ilhéus a fim de actuarem como receptadores que facilitassem o roubo global, a fraude global e outras actividades criminosas globais. Tem sido através das suas operações de utilização fácil que o mundo não-criminoso — o mundo de homens e mulheres honestos, indústria, comércio e mesmo governos soberanos — se tem tornado cada vez mais endividado para com os delinquentes, assim como os contribuintes estão cada vez mais endividados com para com os esquivadores de impostos.
Grande parte da dívida externa líquida dos EUA, assim como aquela de países como a Argentina, é possuída por estes centros de capital volátil. Isto já se tornou o significado de 'globalização' na sua dimensão financeira.
Indiquei acima que as entradas de depósitos nestes paraíso são relevadas nas estatísticas oficiais de outros países como 'erros e omissões'. O mais importante fenómeno económico do mundo que determina as taxas de câmbio hoje foi relegado para a economia 'negra' não observável — não apenas o crime, mas o que está a tornar-se a massa dominante de riqueza corporativa e pessoal. É mais invisível hoje do que nunca, a fim de evitar os olhos de acusadores e autoridades fiscais.
É notável que os neoliberais louvem este fenómeno ao invés de denunciá-lo. O resultado tem sido criar uma situação em que, se alguém tem de possuir terra, outros activos tangíveis, ou títulos financeiros, o melhor caminho para evitar os impostos ou a tomada é registá-los em nome de procuradores offshore.
O passo seguinte destas entidades offshore é emprestar este dinheiro de volta para si próprio, cobrando suficientes juros para absorver o anterior rendimento imponível. Operadores suficientemente grandes para montarem a sua própria companhia de seguros podem tratar como perdas o remanescente do seu rendimento como pagamentos de seguros fiscalmente dedutíveis à sua entidade offshore criada para este fim, juntamente com os habituais encargos de desnatamento por taxas administrativas para os proprietários e gestores seniors.
Operadores financeiramente refinados enviam o seu dinheiro offshore e então tomam-no emprestado de volta, pagando suficientes juros, seguros e taxas administrativas para si próprios a fim de absorverem os seus rendimentos e torná-los assim livres de impostos. Estes pagamentos gastos consigo próprios aparecem no rendimento nacional e nas estatísticas fiscais como um custo de fazer negócios, ao passo que as estatísticas de balança de pagamentos mostram-nos como um fluxo internacional por 'serviços' sob a rubrica de 'invisíveis'. Assim as estatísticas tornam-se cada vez mais ficcionais.
SS: O sr. descreveu como o crescimento destes centros tem levado as estatísticas económicas a perderem o seu valor. Como pode a economia ser analisada e quantificada sob tais condições?
MH: Os paraísos financeiros ajudam os rendimentos e os ganhos de capital a desaparecerem das estatísticas das economias nacionais como fuga de capital, só para reaparecerem como dívidas possuídas por economias vitimizadas por operadores 'estrangeiros' fora destes enclaves. As suas transações aparecem na balança de pagamentos como 'erros e omissões'. A maior parte dos economistas sabe que isto é um eufemismo para 'movimentos de capital a curto prazo', expressão que é ela própria um eufemismo para fugas de capitais e evasão fiscal.
A percepção básica é que aquilo que alguém pode evitar declarar às autoridades nacionais não será regulamentado, imponível ou processado. A estratégia de acordo com estas linhas reflecte décadas de lobbying das mais ricas companhias e indivíduos do mundo no sentido de desmontar a capacidade dos seus governos para aplicar-lhes impostos. Firmas de contabilidade, gabinetes de juristas e bancos globais ajudam-nos utilizando 'finança estruturada' para esconder seu rendimento e riqueza — bem como suas dívidas e fraudes financeiras. Quanto mais desonesto o cliente, maior a taxa que pode ser cobrada para que o conselho a ser orquestrado garanta privacidade. Numa sociedade onde o crime rende mais do que a maior parte das profissões honestas, a perícia financeira e bancária é de contratar. Os peritos irão trabalhar satisfeitos para a Enron e a Parmalat, salvando a sua consciência com a crença de que tudo isto é parte do mercado livre que promove a civilização e deixa o comunismo à beira da estrada na luta da economia mundial pela existência entre sistemas competidores.
A simbiose entre centros bancários offshore e riqueza oligárquica, cleptocrática e criminosa pode ser detectada nos processos que têm embelezado as primeiras páginas da imprensa internacional nos últimos anos. As maiores bancarrotas em anos recentes envolveram maquinações através de tais centros. No caso da bancarrota da Parmalat, a defesa legal da parte dos auditores da companhia, Deloitte and Touche, é que eles não tinha maneira razoável de saber que os US$ 4 mil milhões em alegados depósitos numa conta offshore do Bank of America realmente não existiam. Outros personagens deste universo predatório do capital volátil são as entidades offshore criadas pela Arthur Andersen e pelo Citibank para a Enron, os renomados bancos suíços por servirem Idi Amin e outros senhores da guerra, e o Bank of New York e seus irmãos que ajudaram os oligarcas da Rússia a roubarem US$ 250 mil milhões na década de 1990.
Uma vez que estes truques fiscal são explicados em pormenor, os leitores atentos podem reconhecer que o que está a ser descrito é como as multinacionais de hoje são tipicamente estruturadas para extrair rendimentos e minimizar (isto é, evitar) impostos. Economistas desde John Maynard Keynes tem utilizado a palavras 'fuga' ('leakage') para descrever fundos retirados da correntes de rendimentos internos. O termo implica que o dinheiro está a ser perdido, e naturalmente é perdido para o colector dos impostos. Mas ele não desaparece simplesmente. Colocado nos centros anti-governo do mundo, o capital em fuga impõe-se como um poder credor que está a endividar a América do Norte, Europa, Ásia e África, sugando o seu excedente financeiro de maneiras que permanecem invisíveis para a maior parte dos estatísticos e economistas, políticos e eleitores.
SS: O sr. pinta um quadro desencorajador. O que aconteceria se se tentasse cobrar impostos sobre o rendimentos das corporações, das finanças e tudo o mais, se as transações com estas ilhas fossem simplesmente encerradas.
MH: Uma opção está na verdade a ser forçadas. Se estes paraísos da trapaça fiscal não forem fechados, as únicas pessoas deixadas para os impostos serão a classe média e os empregados.
As companhias agora preenchem dois conjuntos de contas anuais. Um para os seus accionistas, e outro para o colector dos impostos. A conta de impostos não mostra lucro, porque as companhias não os querem pagar. O relatório para os accionistas mostra um lucro máximo, porque as companhias querem promover o preço das suas acções. Os votantes têm eleito políticos cujas campanhas eleitorais são pagas pelos lobbies que são contratados para mobilizar apoio a esta política, enquanto as direcções académicas são estimuladas a contratar loucos bem intencionados ou 'idiotas úteis' para ensinar esta filosofia anti-governo como representativa de 'reforma' positiva ao invés de pintá-la como rematado parasitismo.
O público está a ser enganado de duas formas. Antes de tudo, aos governos são dados retornos que mostram lucros a contraírem-se, através de contabilidade artificial que se torna a base para as estatísticas oficiais. Enquanto isso, os accionistas estão a ser ministradas de estórias de altos lucros fictícios, pelo menos nos casos da Enron e da Parmalat.
Os clientes deste mundo desta ilha flutuante mundial utilizam um sistema que tem sido posto em prática pelos pilares da integridade nos negócios representativos do núcleo da economia nuclear, não meramente um grupo do submundo periférico. Estes enclaves pertencem ao centro da análise económica, ainda que eles habitualmente sejam tratados como uma anomalia e não como um órgão integral da acumulação de riqueza moderna.
SS: Como podem estes centros offshore ser fechados? A lei diz que não se pode punir ou penalizar pessoas que seguem as leis que vigoram no momento. Não se pode estabelecer penalidades retroactivamente.
MH: Não é preciso isso. As leis contra fraude, roubo e evasão fiscal tem estado nos livros desde há muitos anos, embora muitas destas leis não tenham sido aplicadas seriamente. Uma das leis mais fáceis de aplicar é o princípio do 'enriquecimento inexplicado'. Isto é, deste modo, como as grandes fortunas do mundo foram criadas — é o que Putin está a aplicar contra o sr. Khodorkovsky.
Os bancos nos Estados Unidos, Canadá, Europa e Ásia concordariam em não reconhecer transferências de depósitos a partir destes centros. As companhias e as casas de corretagem recusariam pagar dividendos endereçados a eles. Os países estabeleceriam regras para legitimar a propriedades destes depósitos, acções corporativos ou outros direitos financeiros.
Uma pergunta padrão seria sem dúvida perguntar como alguém chegou a obter haveres nestes centros. Foi esta riqueza obtida a partir de um rendimento normal? Se não, como?
Uma solução mais ampla seria simplesmente não reconhecer direitos de bancos e credores destes centros. Isto seria um começo de repudio das dívidas más (bad debts) mundiais.
SS: Isto teria ser feito subitamente, com certeza. Será melhor deixar este contexto mais amplo para uma futura entrevista.
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[NT]: Hot money: Expressão que designa as aplicações de curtíssimo prazo em títulos ou em divisas atraídas por taxas de juros elevadas ou diferenças cambiais significativas. Tais apliações podem deslocar-se rapidamente de um mercado para outro e provocar grandes turbulências numa economia nacional, tanto por ocasião da entrada como da saída destas massas de recursos financeiros.
Capa de 'Super imperialismo' [*] O professor Michel Hudson é economista financeiro independente e actua na Wall Street. Depois de trabalhar como economista especializado em balança de pagamentos para o Chase Manhattan Bank e para a Arthur Anderson na década de 1960, lecionou finanças internacionais na New School em Nova York. Actualmente é Distinguished Professor of Economics na Universidade do Missouri (Kansas City). Publicou numerosos trabalhos acerca da dominância financeira dos EUA. Também foi conselheiro económico dos governos canadiano, mexicano, russo e americano. Seus livros incluem Trade, Development, and Foreign Debt (Pluto, 1992, 2 vols.). É autor do livro Super Imperialism — The Origin and Fundamentals of U.S. World Dominance (Pluto Press, 2003, 425 p., ISBN 0-7453-1989-0). O seu sítio web está em http://michael-hudson.com/indexbody.html . Do mesmo autor resistir.info publicou também Irá a Europa sofrer da síndroma suíça?
Standard Schaefer é jornalista económico independente, historiador, crítico literário, poeta e escritor de contos. Ensina no Otis College of Art and Design. É editor de não-ficção da New Review of Literature . Seu email é ssschaefer@earthlink.net .
© 2004 Hudson and Schaefer, from book-in-progress. For fair use only/ pour usage équitable seulement.
O original encontra-se em http://www.globalresearch.ca/articles/HUD403A.html .
Tradução de JF.
– Enviado usando a Barra de Ferramentas Google"
dos centros bancários offshore
por Entrevista de Michael Hudson
a Standard Schaefer [*]
Michael Hudson.
A indústria petrolífera estabeleceu a prática, há um século atrás, de os navios arvorarem 'bandeiras de conveniência' como meio de evitar impostos sobre o rendimento. Desde a década de 1960 o próprio governo norte-americano tem encorajado bancos americanos a instalar filiais de centros hot-money [NT] no Caribe e em ilhas mais distantes a fim de para atrair dinheiro estrangeiro para o dólar. O objectivo inicial era ajudar a financiar a Guerra do Vietnam tornando os EUA numa nova Suíça para o hot money do mundo.
Esta política teve êxito em transformar os Estados Unidos num centro de capital volátil para ditadores do terceiro mundo, presidentes mexicanos e oligarcas russos. A antiga União Soviética agora financia uma porção substancial do défice da balança de pagamentos dos EUA com o capital volátil que os 'reformadores' neoliberais facilitado pelos cleptocratas da retaguarda. O resultado transformou-se um sistema completo que permite às corporações transnacionais evadirem impostos por toda a parte, incluindo os próprios Estados Unidos. Isto permite a investidores internos globalizarem as suas operações através da montagem de filiais offshore estilo Enron nas Ilhas Cayman, nas Índias Ocidentais Holandesas ou em alguma pequena e agora famosa ilha do Pacífico à sua escolha.
O sistema de regulamentação permissivo relativo a estas cabeças de ponte offshore da evasão fiscal evoluiu para um ponto que permite a investidores americanos e europeus livrarem-se de impostos simplesmente contratando um advogado para montar um escritório num lugar conveniente e descobrir uma firma de contabilidade apta a efectuar os seus registos acriticamente — o que é suficientemente bom para a aceitação das autoridades fiscais nestes dias de operações tributárias reduzidas. O resultante mergulho no ratio das obrigações fiscais das corporações em relação ao rendimento nacional tem sido um factor de grande importância no crescente défice do orçamento federal dos EUA. Negócios — e especialmente o sector financeiro — estabelecem companhias testas-de-ferro e ajustam os seus preços de transferência (exemplo: sobre vendas de matérias-primas a refinarias, e de produtos refinados ou semi-manufacturados para os seus distribuidores finais nos países industriais) de modo a terem todos os seus lucros nestes enclaves livres de impostos.
O capital volátil não deixaria os países se não tivesse algum lugar seguro para ir. Um crescente número de ilhas para evitar impostos aproveitam o facto de que elas são bastante pequenas para adoptarem quaisquer códigos fiscais que pretendam. Advogados a actuarem por conta de lobbies financeiros e de negócios na América do Norte e na Europa redigiram leis que transformam estes centros bancários naquilo que o Prof. Hudson chama anti-Estados.
SS: Em anteriores entrevistas o sr. explicou como a economia tem sido 'financiarizada' de modo a libertar empresas do fisco. Que papel desempenham nisto os paraísos fiscais?
MH: As empresas montam companhias de comércio em ilhas sem impostos e declaram quaisquer rendimentos ou ganhos de capital que obtenham no imobiliário, acções ou outros investimentos como feitos nestas 'cascas' (shells) . Isto levou à ironia de que os impostos tornaram-se puramente voluntários para os negócios modernos.
SS: Como isto afecta a economia interna dos EUA?
MH: Desonerar de impostos os rendimentos dos negócios — e os rendimentos financeiros em particular — faz com que os contribuintes individuais suportem o fardo fiscal através da retenção nos salários da Segurança Social, Medicare e contribuições de fundos de pensão. Os consumidores também suportam um fardo crescente por meios de impostos sobre as vendas e outros impostos locais.
SS: As estatísticas confirmam isto?
MH: Os paraísos fiscais offshore permitem às companhias multinacionais dar a impressão de que não ganham quaisquer rendimentos com os negócios feitos nos países onde os impostos são gravados a taxas europeias ou norte-americanas. A realidade é que as companhias americanas fazem um bocado de dinheiro que não declaram. Entretanto, os centros bancários offshore libertam-nas de terem de pagar impostos sobre estes rendimentos, ou sobre ganhos de capital. É por isso que estamos a incorrer em défices orçamentais tão elevados hoje em dia.
SS: Sei que tem uma experiência de 40 anos em relação a estes centros bancários offshore e enclaves livres de impostos.
MH: Aprendi sobre eles no decorrer do meu trabalho como economista especializado em balança de pagamentos, e posteriormente como administrador de um fundo mútuo. Minha primeira pista sobre como estes enclaves eram montados tive ao trabalhar para o Chase Manhattan Bank em 1965-66 e me foi atribuida a tarefa de redigir um relatório sobre os impacto da indústria petrolífera na balança de pagamentos dos EUA. Depois de ler os livros habituais sobre como o cartel operava em todo o mundo ainda tinha dificuldades em perceber as declarações de rendimentos e despesas da indústria petrolífera e as estatísticas publicadas pelo Departamento de Comércio.
Meu principal problema era descobrir onde as companhias de petróleo faziam os seus lucros. Seria na produção final onde o petróleo bruto era extraído do chão, ou na fase do processamento onde o petróleo era refinado, ou na distribuição final onde era vendido aos seus utilizadores finais para aquecer edifícios, movimentar carros, voar aviões e fabricar produtos petroquímicos e plásticos?
David Rockefeller conseguiu-me um encontro numa tarde com Jack Bennett, o tesoureiro da Standard Oil of New Jersey (a velha Esso antes de ter mudado o seu nome para Exxon). 'Os lucros são feitos exactamente aqui, no gabinete do Tesoureiro', explicou ele, 'onde quer que eu decida'. Ele mostrou-me o vasto espaço de manobra (leeway) que um conglomerado global organizado verticalmente desfruta por ser capaz de assinalar 'preços de transferência' feitos para declarar o lucro global em qualquer ponto em que os impostos sejam mais baixos no estatisticamente labiríntico trajecto do petróleo entre a cabeça do furo e o postos de abastecimento de gasolina.
Os impostos eram mais baixos (de facto, não existentes) no Panamá e na Libéria, onde a indústria regista devidamente os petroleiros sob as suas bandeiras de conveniência. A Standard Oil apreçava baixo o bruto para estes navios filiados, e vendia-o a preço alto, quase a preço de retalho a refinarias e tomadores no mercado dos países industriais consumidores de petróleo.
SS: Como é que alguém poderia utilizar as estatísticas para detectar o que está a acontecer?
MH: Não é fácil descobrir transações com estes países de bandeira de conveniência nas estatísticas da balança de pagamentos dos EUA. Ao invés de serem listados como países genuínos na África ou na América Latina, eles aparecem ao invés disso sob um obscuro título de coluna chamado 'internacional'. Os que os vêem apressadamente tendem a passar isto por alto, pois não indica um país ou região específica. Algumas pessoas podem imaginar mesmo que isto se refira a veneráveis organizações internacionais como as Nações Unidas, o FMI ou o Banco Mundial. Mas o que 'internacional' significa é, muito simplesmente, 'navios internacionais' registados sob bandeiras de conveniência. Muito adequadamente, eles não pertencem realmente à economia de um país estrangeiro, porque é uma ficção legal de que as companhias dos EUA utilizam simplesmente para produzir pós de impostos numa base irrealista 'como se'.
SS: O sr. está a dizer que as estatísticas são traduzidas numa linguagem de irrealidade.
MH: Uma não realidade cuidadosamente estruturada — e uma não realidade que tem consequências para o mundo real, pode estar certo. A essência deste jogo é que a Esso e outros majors do petróleo foram capazes de 'jogar' os sistemas fiscais mundiais pela venda do seu petróleo bruto a um preço tão baixo às suas companhias de navios petroleiros de modo a deixar pouco rendimento para a Arábia Saudita, Venezuela ou outros países produtores de petróleo. Isto desencorajou-os a assumirem o controle da sua riqueza mineral, especialmente porque eles não têm frotas de petroleiros para movimentar este óleo. As filiais de navegação das corporações deram meia volta e vendem o seu petróleo às suas refinarias a jusante. Estas geralmente foram localizadas seguramente no offshore em diferentes jurisdições políticas (ex.: Trinidad para o petróleo venezuelano). O petróleo era transferido a tão alto preço que apesar do pesado investimento de capital nestas instalações, os refinadores e os distribuidores relatavam perdas ano após ano, década após década.
SS: Como puderam as autoridades fiscais na Europa e nos EUA não entender o que estava a acontecer?
MH: É aqui que o poder de lobbying político dos grandes grupos de interesses entram em cena. A sua capacidade para evitar ter de declarar rendimentos sobre os quais os impostos seriam devidos reflectiu a passividade dos colectores de impostos na Europa e na América do Norte onde estavam localizadas a maior parte das instalações a jusante. Alguém pode pensar que tais governos teriam imputado um imposto mínimo, com base no princípio de que qualquer investimento deve esperar ganhar pelo menos uma taxa normal de retorno, do contrário não seria efectuado ou mantido. Fechando os olhos a esta lógica, os governos aceitaram as declarações de lucros e perdas tal como os contabilistas das companhias as submetiam. Eles permitiram que os lucros da perfuração de petróleo, refinação e marketing desaparecessem no buraco negro da navegação internacional.
As companhias mineiras seguiram uma prática contábil semelhante, com as suas frotas de navios e refinarias. Estas companhias de petróleo e de minerais estavam entre as maiores multinacionais.
SS: O sr. está a dizer que os lucros caíram estatisticamente, mas não realmente. O que significa isto para a teoria de que os preços de mercado estabelecem (allocate) recursos eficientemente ao reflectirem custos de oferta e procura?
MH: O desenvolvimento de abrigos fiscais em países bandeira de conveniência para registar lucros corporativos dificilmente pode ser encarado como um fenómeno meramente marginal. Por aproximadamente um século desempenhou um papel central nas economias americana e europeia. Mas os preços são fictícios ao invés de resultarem de custos reais ou da oferta e procura. Somente o imenso poder político destes sectores extractivos poderia ter induzido os seus governos a permanecerem tão passivos em face do dreno fiscal que eles implicam — um tratamento fiscal favorável negado aos demais contribuintes.
Entretanto, gradualmente outros sectores aprenderam a emular a estratégia de evitar impostos pela utilização de centros bancários offshore.
SS: Além dos preços de transferência eram usados outros truques contábeis?
MH: Companhias mãe consolidaram os seus campos petrolíferos no Extremo Oriente, África e América do Sul dentro dos seus balanços internos americanos por meio da organização das mesmas não como filiais estrangeiras distintas mas sim como 'ramos'. Esta tecnicalidade permitiu-lhes tomar todo o crédito fiscal americano por esgotamento (depletion) em relação ao seu rendimento. O esgotamento de recursos de outros países era tratado como se eles fizessem parte da economia americana — excepto que os lucros eram tomados na Libéria e no Panamá.
SS: O sr. teve quaisquer conflitos ao trabalhar para o Chase e as companhias de petróleo ao produzir este relatório?
MH: Foi-me dada rédea larga. Disseram-se para produzir as melhores estatísticas possíveis. Eles tornaram claro que se as respostas não fossem aquelas que eles e a indústria do óleo esperavam, não publicariam o meu relatório, mas pelo menos queriam saber qual era a situação estatística. Aceitei a encomenda nestes termos.
COMO OS GOVERNOS RUSSO E AMERICANO ALIMENTARAM OS CENTROS OFFSHORE DE CAPITAL VOLÁTIL
SS: Como estes paraísos fiscais evoluíram para centros financeiros offshore independentes das operações de companhias de navegação?
MH: O denominador comum é evitar impostos, mas a proliferação de centros bancários offshore ganhou uma vida própria, com base no capital volátil e no hot money .
SS: Isto também ocorreu em resultado de manobras fiscais corporativas?
MH: Esta não foi a principal motivação. A Suíça e o Liechtenstein teriam bastando para o nível de capital volátil e poupanças criminais que caracterizavam a década de 1950. A fim de os paraísos hot-money de tipo moderno emergirem, teve de ser criada uma configuração institucional para possuir dólares ou outras divisas duras fora dos seus países de origem — algo que proporcionasse o mesmo grau de 'privacidade', 'confidencialidade' e portanto imunidade em relação às autoridades que a Suíça proporcionava com as suas famosas leis do segredo bancário.
As companhias de petróleo e de minérios não infringem as leis nem fazem qualquer coisa ilegal, e portanto não precisam desta espécie de privacidade. Elas simplesmente redigem e emendam as leis fiscais para inserir alçapões (loopholes) em favor de si próprias. O dinheiro real era mantido nas suas sedes. Mas os centros bancários offshore destinavam-se a uma espécie diferente de depósitos — aquele que precisava ser mantido fora do alcance das autoridades americanas ou europeias.
SS: Então como se desenvolveram estes veículos offshore para depósitos de dólares?
MH: Na realidade, o grande catalisador foram os soviéticos e os próprios governos americanos. A história começa com a criação do mercado do eurodólar durante os anos da Guerra Fria.
Em fins da década de 1950 a União Soviética tinha um problema. Precisava de contas bancárias denominadas em dólares americanos para pagar os seus vários programas de despesas no Ocidente. Mas a Guerra Fria aquecia, ela temia que o governo americano pudesse confiscar suas contas bancárias nos EUA (tal como o Chase Manhattan faria com o Irão após o derrube do xá). A Rússia portanto abordou um certo número de bancos britânicos e sugeriu que estabelecessem contas permitindo às agências soviéticas manterem as suas receitas de dólares em contas denominadas em dólares (ao invés de converte-los em libras esterlinas) e utilizar estas contas em dólar para pagar fornecedores no Ocidente. Os bancos britânicos concordaram e assim nasceu o mercado eurodólar — um mercado para depósitos de dólares possuídos fora dos Estados Unidos.
SS: Assim, uma grande inovação no capital financeiro foi estabelecida pelos próprios soviéticos. Percebiam eles o que estavam a fazer? Ao tentarem evadir-se ao controle americano, acabaram por ajudar ou prejudicar os interesses globais dos EUA?
MH: Ninguém captou as implicações a princípio. Como acontece muitas vezes, esta inovação financeira alimentou uma sucessão de consequências inesperadas. As multinacionais americanas consideraram útil manter dólares offshore para facilitar suas próprias transações, especialmente quando elas começaram a comprar firmas europeias e outras estrangeiras e estabelecer os seus próprios ramos além mar.
Os bancos americanos montaram agências (branches) em Londres e outros centros monetários a fim de servir estas companhias. Quando a política monetária foi endurecida, durante o anos da Guerra do Vietnam, estes bancos acharam mais fácil a oferta de dinheiro vinda das suas agências estrangeiras. As agências reguladoras bancárias não haviam previsto este desenvolvimento e não impuseram qualquer exigência de que as matrizes pusessem de lado reservas contra os depósito que vinham destes ramos estrangeiros. Assim, os depósitos eurodólar tornaram-se a grande fonte de depósitos para os grandes bancos internacionais americanos para emprestar quando o dinheiro estava a ficar apertado devido ao dreno da Guerra do Vietnam na balança de pagamentos.
COMO O GOVERNO AMERICANO PRESSIONOU O CHASE A MONTAR AGÊNCIAS NOS CENTROS DE HOT-MONEY
SS: Qual foi a experiência mais notável que teve com estas instituições?
MH: A Guerra do Vietnam estava a empurrar a balança de pagamentos para o défice, drenando a oferta de ouro que suportava a divisa. O ouro fora a alavanca da potência financeira internacional dos EUA desde a Primeira Guerra Mundial, e agora estava a fluir para fora a fim de pagar a guerra no sudeste asiático.
As administrações Johnson e Nixon sabia que se travar a guerra significasse menos consumo interno os eleitores opor-se-iam à guerra. Assim, eles prosseguiram uma política de canhões e manteiga, promovendo um consumo interno pesado e gastos deficitários, deixando pouco para vender para fora. Os Estados Unidos não estavam desejosos de permitir que sectores económicos chaves fossem vendidos a estrangeiros para equilibrar os seus pagamentos internacionais, embora aconselhassem outros países devedores a fazer isso depois de 1980.
Responsáveis americanos procuram atrair divisas estrangeiras de qualquer forma, mas as suas opções eram limitadas. Uma grande possibilidade permanecia: atrair capital volátil estrangeiro. Isto podia ser feito sem ascender as taxas de juros internas, mas proporcionando um paraíso seguro para o hot money estrangeiro. Portanto, os estrategas geopolíticos americanos estavam desejosos de aceitar depósitos bancários estrangeiros, sem importar de onde viessem.
Em termos de balança de pagamentos, o dinheiro estrangeiro ao ser convertido em dólares e mantido em agências estrangeiras de bancos americanos faria isto tão bem como dinheiro em bancos americanos, na medida em que estes depósitos fossem mantidos em dólares e não em divisas estrangeiras.
SS: Isto foi uma política explícita
MH: Bastante explícita. Isto foi no tempo em que tanto hot money estava a ir para a Suíça que o seu franco estava a tornar-se a mais dura divisa do mundo. Os estrategos financeiros americanos procuraram uma política que apoiasse o dólar em grande parte da mesma maneira. O Departamento de Estado e do Tesouro abordaram os principais bancos internacionais do país com uma proposta para fazer algo que eles teriam temido fazer sem o incentivo oficial. Eles deviam estabelecer e expandir as suas próprias agências nos grandes centros de capital volátil do mundo — e talvez ajudar a estabelecer alguns novos. Isto não só atrairia dinheiro volátil estrangeiro como manteria internamente as quantias substanciais que estavam a ser enviadas para o exterior pelos evasores fiscais americanos.
Em 1996 um antigo empregado do Departamento de Estado que se havia tornado responsável do Chase perguntou a minha opinião acerca de um memorando que esboçava o interesse comum entre a diplomacia económica e os bancos internacionais do país em relação ao estabelecimento de agências offshore destinadas a atrair algum do hot money do mundo afastando-o da Suíça e de outros centros de capital volátil.
Os EUA são provavelmente o segundo maior centro volátil no mundo, mas com pouca probabilidade de rivalizar com a Suíça num futuro previsível. Tal como a Suíça, o dinheiro volátil flui para os EUA provavelmente de todos os países do mundo. É manuseado quase exclusivamente pelo grandes brokers de Nova York e Miami, advogados, e principais bancos comerciais. Responsáveis do próprio CMB International Department and Trust Department confirmam que manuseiam uma razoável quantia de dinheiro volátil estrangeiro. Entretanto, isto é insignificante em relação ao total potencialmente disponível.
Há um consenso geral entre responsáveis do CMB e peritos tanto americanos como europeus que entidades com base nos EUA ou controladas pelos EUA são gravemente penalizadas na competição pelo dinheiro volátil com os suíços ou outros centros monetários a longo prazo. Isto se deve aos seguintes factores interrelacionados:
(a) A demonstrada capacidade do Tesouro americano, do Departamento da Justiça, da CIA e do FBI para obterem registos de clientes, congelarem contas de clientes, e forçarem o testemunho de responsáveis americanos em entidades controladas pelos americanos, com apoio adequado nos tribunais americanos.
(b) O investimento restritivo americano e os regulamentos e políticas de corretagem, os quais limitam a flexibilidade e o segredo da actividade de investimento.
(c) O imposto americano sobre património e a retenção fiscal sobre investimentos estrangeiros.
(d) O papel dos EUA como grande contendor na Guerra Fria, e a resultante probabilidade de que investimentos através de uma entidade americana poderiam ser expostos a qualquer hostilidade ou congelamento de activos ocorridos devido à Guerra Fria.
(e) A visão geralmente mantida (e parcialmente incorrecta) de muitos estrangeiros refinados de que os administradores de investimentos americanos são ingénuos e inexperientes na manipulação de fundos estrangeiros, especialmente em mercados estrangeiros.
Apesar destas limitações, os EUA provocaram o interesse de possuidores de dinheiro volátil sob outros aspectos. Isto inclui: Os maiores e mais activos mercados de valores (securities) do mundo, assegurando tanto liquidez como diversificação. Facilidade de transferências e manuseamento mecânico de investimentos, parcialmente através da rede mundial de bancos americanos. A principal reserva de divisas do mundo, o dólar americano. Em anos recentes, inigualada estabilidade financeira e um dos mais altos níveis de crescimento económico entre os principais países industriais. Finalmente, probabilidade desprezível de revolução ou confisco, e baixa probabilidade de inconvertibilidade.
O memorando citava Beirute, Panamá, Suíça e outros centros a partir dos quais os governo americano convidava o Chase a atrair capital volátil internacional através da colocação dos seus serviços à disposição dos ditadores existentes e em perspectiva, traficantes de droga, criminosos e mesmo adversários da Guerra Fria.
O Chase e outros grandes bancos americanos responderam com a montagem de uma rede de centros offshore para converter os EUA numa Suíça de alto nível.
SS: Isto realmente aconteceu, e o governo concordou com isto?
MH: O governo e os bancos estavam bem conscientes do facto de que os delinquentes são as pessoas mais líquidas do mundo, pela simples razão de que eles temem possuir propriedade à plena vista das autoridades — excepto nos caos em que a sua propriedade real pode ser lavada através de um labirinto de companhias fachadas e placas com nomes nas dobras legais dos gabinetes de advogados offshore que ganham a sua vida administrando tais estratagemas financeiros. As grandes firmas de contabilidade americanas, firmas legais e conselheiros de investimento logo entraram no negócio de aconselhar corporações e clientes ricos a montarem contas bancárias offshore em nome de companhias de papel.
SS: Parece uma bomba. Alguma vez já publicou isso?
MH: Mostrei ao professor de ciências económicas e jornalistas canadiano Tom Naylor, o qual reproduziu-o em 1987 no seu livro Hot Money , páginas 33-34. O livro foi traduzido em muitas línguas e reimpresso numerosas vezes. Está para ser reimpresso outra vez este ano pela McGill-Queens University Press, no Canadá, e de facto estou a escrever uma introdução para a próxima edição. Mas realmente não tem havido muita discussão, porque o assunto do hot money continua fora das preocupações da maior parte dos economistas académicos.
SS: Houve algum debate sobre se isto era a coisa certa a fazer?
MH: Sim, uma série de audiências no Congresso foram efectuadas, e muitos relatórios excelentes foram incluídos. Mas a moralidade do certo-ou-errado não desempenhou um grande papel. Uma das principais questões políticas era simplesmente se o governo deveria impor uma retenção impositiva de 15 por cento sobre propriedades (holdings) estrangeiras de títulos do Tesouro, com base em que isso provavelmente seria o único rendimento fiscal que recuperaria. Porta-vozes do governo convenceram o Congresso a não impor o imposto, argumentando que esta desencorajaria o hot money estrangeiro — e também o hot money americano, pois isto importa — de possuir títulos do Tesouro. Os Estados Unidos precisavam de todo mercado que pudessem criar para os seus títulos naquele tempo, para deter a saída de ouro. Assim, o imposto de retenção sobre o estrangeiro foi abolido.
SS: Por outras palavras, o Tesouro permitiu evitar impostos internos americanos a fim de conseguir uma entrada de dólares na balança de pagamentos, e manter baixas taxas de juros internas.
MH: Sim. O IRS já permitira evitar a ocorrência de impostos sob pressão das grandes multinacionais tais como as companhias de petróleo e mineração. A integração vertical permitia-lhes administrar preços de transferência de uma forma que minimizava o seu passivo fiscal global. Privando-se de onerar fiscalmente os juros pagos pelos títulos do Tesouro americano favoreceu o hot money americano.
No fim da década de 1960 os Estados Unidos estavam a caminho de tornar-se o principal paraíso para o capital volátil do mundo. O Citibank, o Chase e outros estabeleceram ou expandiram operações para que as suas subsidiárias de 'private banking' oferecessem 'confidencialidade' a clientes, que vão desde os principais políticos do México até os cleptocratas da Rússia na década de 1990.
SS: Mas o preço foi dar aos infractores da lei internacionais um melhor tratamento fiscal do que aos cumpridores da lei e cidadãos contribuintes.
MH: Sim, e há uma razão para isto. O mais impressionante disso é que a maior parte dos detentores de liquidez na sociedade de hoje são criminosos e evasores fiscais. Eles têm uma boa razão para evitar o imobiliário ou outras propriedades tangíveis. É demasiado visível para acusadores e autoridades fiscais. É por isso que as estatísticas de balança de pagamentos classificam os movimentos de capital como 'invisíveis'. Prestigiosas firmas de contabilidade e parceiros legais ocupam-se em inventar truques para evitar impostos e criar um 'véu de intermediários' ('veil of tiers') para proporcionar um manto de invisibilidade para a riqueza acumulada por desfalcadores, evasores fiscais, uns poucos traficantes de droga, traficantes de armas e agências de inteligência do governo para utilização nas suas operações encobertas.
SS: Assim, tudo isto tornou o capital financeiro mais cosmopolita e menos sujeito à regulamentação nacional e ao controle governamental.
MH: Sim, e no fim da década de 1980 administradores de dinheiro americanos estavam a incorporar fundos mútuos offshore para penetrar nos mercados globais de capitais.
COMO CENTROS HOT-MONEY TRANSFORMARAM O CAPITAL VOLÁTIL NUM MERCADO PARA DÍVIDAS GOVERNAMENTAIS
SS: Qual foi o efeito destes paraísos fiscais e centros bancários sobre as economias dos outros países?
MH: Tal como as autoridades americanas esperavam, o hot money do mundo descobriu ser mais conveniente ir para centros bancários dolarizados offshore.
SS: Pode dar um exemplo de como isto funcionou?
MH: Em 1989 fui contratado pela firma de gestão de dinheiro Scudder, Stevens and Clark, de Boston, a fim de passar uns meses a organizar um fundo de dívida soberana (sovereign-debt fund) , isto é, um fundo que investisse em títulos de governos do terceiro mundo. Foi o primeiro de tais fundos, e começou aquilo que se tornaria uma torrente de emissões na década de 1990. Mas naquele estágio primitivo a Scudder foi incapaz de encontrar clientes americanos desejosos de colocar US$ 75 milhões numa região em que se haviam queimado gravemente na esteira da insolvência do México em 1982.
Por outro lado, aquele evento traumático pressionou as taxas de empréstimo para cima para aproximadamente 45 por cento ao ano em relação a títulos do governo denominados em dólar da Argentina e do Brasil, e a cerca de 25 por cento para os tesobonos a médio prazo denominados em dólar do México. Estas taxas permitiram ao fundo ter mais êxito em encontrar compradores estrangeiros. Incorporada nas Antilhas Holandesas (Dutch Wet Indies) como Sovereign High -Yield Investment Co. N.V., suas acções foram listadas no London Stock Exchange. O subscritor, Merril Lynch, vendeu-os principalmente a famílias argentinas bem conectadas através do seu escritório em Buenos Aires, com o restante tomado principalmente por brasileiros e outros compradores latino-americanos.
O seu dinheiro foi investido em títulos de alto rendimento dos seus próprios governos. A ironia era que os pagamentos exorbitantes de juros feito em 1990 eram devidos em grande parte à fuga de capital argentino e a famílias brasileiras a operarem offshore num 'fundo ianque'. O facto de isto ter sido montado offshore significava que a nenhum investidor americano era permitido comprar as suas acções.
Os maiores investidores foram políticos bem informados que compraram do fundo sabendo que os seus bancos centrais pagariam as suas dívidas em dólar apesar dos altos prémios de risco. Enquanto estes oligarcas legais apareciam nas estatísticas dos seus países como 'credores de dólares' exploradores, demagogos internos culpavam os ianques, o FMI, o Banco Mundial e banqueiros britânicos por aplicarem austeridade financeiras aos seus países. Ainda que a dívida em dólar da Argentina no princípio da década de 1990 fosse possuída principalmente por argentinos a operarem fora a partir de centros bancários offshore. Os maiores beneficiários do serviço da dívida externa foram os seus próprios capitalistas voláteis, não possuidores de títulos na América do Norte e na Europa.
Para a Argentina, um 'estrangeiro' era provavelmente um oligarca local a operar de uma conta offshore invisível para o seu governo (o qual era constituído em grande parte por suas próprias famílias). Pode-se encontrar o mesmo fenómeno na Rússia de hoje, onde um 'investidor estrangeiro' tende a ser um russo com uma conta offshore a operar a partir de Chipre, da Suíça ou do Lichtenstein, talvez em partenariato com um americano ou outro estrangeiro para camuflagem política.
SS: Como actuou o fundo?
MH: No seu primeiro ano de operação tornou-se o segundo maior em termos de desempenho mundial (um fundo imobiliário australiano estava em primeiro lugar). Os investidores globais logo entraram em acção pois observaram a oligarquia financeira latino-americana a reciclar o seu próprio capital volátil dolarizado de volta para os seus países de origem via enclaves offshore.
Entretanto, o fundo com que estive associado estava limitada a uma duração de apenas cinco anos, porque em 1989 parecia-me que este era todo o espaço de tempo disponível para manter a sucção do rendimento do terceiro mundo até que uma nova crise assomasse. Quando este período de tempo foi ultrapassado, em 1994, os tesobonos do México tornaram-se de tal forma favoritos dos investidores que a sua taxa de juros caiu abaixo dos 10 por cento. O país estava a vender o seu sistema telefónico e outras empresas públicas e os rendimentos das vendas estavam temporariamente a encher as reservas de divisas externas do banco central — foi o último acto da ditadura do PRI no governo antes de perder a presidência.
Mas o México balouçou-se à beira do default na crise do peso naquele ano, apenas uma dúzia de anos depois de ter desencadeado a 'debt bomb' da América Latina em 1982 ao anunciar que não podia cumprir o serviço da sua dívida externa. A administração Clinton 'resgatou' o México, ou melhor, o secretário do Tesouro Robert Rubin resgatou os seus credores.
SS: Assim, finalmente, especuladores com títulos em dólar do terceiro mundo perdem.
MH: Eles não foram os únicos. O processo envolveu fuga capital a ser transformada numa herança da dívida externa oficial. A Argentina estava mesmo convencida a juntar-se às fileiras do Panamá e da Libéria dolarizando a sua economia. Ao invés de criar crédito interno por si própria incorrendo em défices orçamentais, como os outros países fazem, o seu governo emitiu um enorme volume de títulos pagáveis em dólares. As suas taxas de juros caíram abaixo do nível de 10 por cento pois os investidores nos países credores queriam acreditar que o segredo da solvência monetária fora descoberto. Dólares estrangeiros foram emprestados para financiar políticas internas.
Enquanto isso, o declínio nas taxas de juros resultante do aumento na 'confiança' na loucura da Argentina proporcionou ricos ganhos de capital para investidores que haviam comprado os títulos a um preço tão baixo que eles rendiam quatro ou cinco vezes mais em retorno. Mas o que é confiança, depois de tudo, senão uma oportunidade para jogar o jogo da confiança — um jogo em que os subscritores financeiros afiaram as suas qualificações durante séculos! O fundo Scudder e outros investidores iniciais venderam os seus títulos para os novos fundos mútuos e outros compradores inexperientes em relação ao risco internacional durante a efervescência dos anos 90, quando todos tentavam superar os retornos dos outros, pouco importando para onde o longo prazo estava a conduzir.
Isto promoveu um desnecessário endividamento estrangeiro, cujo colapso hoje ameaça apartar a Argentina para longe dos outros países. Então, em 2002, a pirâmide da dívida entrou em colapso, e os títulos agora mergulharam no fundo. Isto limpou uma porção substancial de 'más poupanças' ('bad savings') que eram as contrapartidas contabilísticas destas dívidas más.
ALGUMAS ALTERNATIVAS POLÍTICAS
SS: Quanto dinheiro nestes centros é fuga de capital e dinheiro de evasão fiscal?
MH: A coisa notável é a extensão em que os investidores tem feito uso destes centros legalmente. Ao patrocinar o eurodólar, por exemplo, o governo britânico encorajou a criação de entrepostos para evitar o fisco em algumas das ilhas localizadas no inóspito English Channel e Mar do Norte. Pelo simples acto de registar a propriedade do seu imóvel em uma destas ilhas, permite-se aos proprietários britânicos que evitem pagar impostos sobre ganhos de capital, pois estes não são cobrados aos investidores 'estrangeiros'.
SS: Qual é a diferença entre um esquivador (avoider) fiscal e evasor (evader) fiscal?
MH: É legal utilizar as leis existentes para minimizar um passivo fiscal. Um evasor fiscal é alguém que viola a lei fazendo falsas declarações ou envolve-se em complexas operações financeiras que não tem nenhuma função económica excepto evitar pagar impostos.
SS: Assim, a lógica britânica era a mesma dos EUA na década de 1960: precisava do dinheiro, sem importar de onde viesse. Isto acabou por tornar mais fácil evitar impostos
MH: A lógica era que a libra esterlina precisa de investimento estrangeiro para aguentar sua taxa de câmbio. O efeito principal, entretanto, foi proporcionar favoritismo fiscal para grande investidores internos em oposição aos proprietários de lares ou pequenos investidores que não abriam contas no exterior. Um investidor britânico pode montar uma corporação de fachada nestes enclaves e evitar pagar impostos sobre ganhos de revenda sobre a sua terra e edifícios, acções e títulos ou outros activos.
É tudo perfeitamente legal, pois qualquer país tem o direito de cobrar — ou não cobrar — impostos sobre a riqueza, ganhos de capital ou rendimento. Visto que os ganhos de capital tendem a superar o crescimento do rendimento ganho, o papel económico de tais centros offshore torna-se central para a acumulação global. Como a inflação global dos activos ganhou momento durante as década de 1980 e 90, a atractividade de tais centros aumentou proporcionalmente. Isto significa que os economistas dificilmente poderão analisar o crescimento e polarização da riqueza nacional e global sem levar em conta a teia de obrigações e passivos financeiros associada a estes centros.
SS: Mas há um crescente revestimento de ilegalidade, não é?
MH: Certamente, mas foi fundido nos 'invisíveis' na media em que as estatísticas económicas são afectadas, e a teoria económica também para este assunto. O crime é um dos sectores chave para os quais não são feitas estimativas. Ainda que seja talvez o mais líquido, pois ditadores e cleptocratas, ladrões e traficantes de droga receiam amarrar-se aos seus activos de forma visível. As mais novas adições à classe mundial dos rentistas, eles tornaram-se uma fonte de liquidez para as economias de hoje.
A Rússia sofreu uma fuga de capitais de US$ 25 mil milhões por ano desde 1990. O seu empréstimo de emergência (bailout loan) do FMI de Agosto de 1997 desapareceu num obscuro banco nas Ilhas do Canal britânicas, de onde foi reenviado para Chipre, Suíça e Estados Unidos. A maior dos empréstimos do FMI para a África e América Latina foi plenamente absorvido pelas fugas de capitais, subsídios estes dados sob o eufemismo de 'estabilização da divisa'. O que está a ser estabilizado é sobretudo a taxa a que esta fuga de capitais e cambiada por divisas duras (se alguém ainda pode chamar os dólares de divisas duras).
SS: Como os governos podem conter este truque para taxar este dinheiro?
MH: É o que está a ser debatido na Rússia nestes dias. Parece que a única espécie de imposto que pode ser colectado das multinacionais hoje é o imposto sobre o que é visível, não o que é invisível — isto é, invisível para o estatístico da economia nacional e a repartição de colecta de impostos. Os russos estão a discutir uma medida para cobrar impostos do excesso de lucros aos exportadores de petróleo e minérios.
SS: Se examinarmos as folhas de balanço como elas aparecem, os centros bancários offshore surgem como credores líquidos e o resto dos países do mundo com devedores líquidos?
MH: Não exactamente. Os 'poupadores' que têm contas nestes centros bancários offshore têm direitos sobre eles que, por sua vez, representam os passivos destes enclaves que compensam os seus direitos sobre o resto do mundo. Mas os direitos financeiros possuídos por estes paraísos são possuídos por sua vez pelos seus 'poupadores' offshore.
O que está faltando nos dados que deveriam estar ali são os direitos destes 'poupadores' — os esquivadores fiscais, criminosos e assim por diante — sobre estes paraísos fiscais, classificados em termos de seus países de origem. Estas poupanças sub-reptícias ficam perdidas na linha de 'erros e omissões' do FMI. É por isso que as Índias Ocidentais Holandeses, por exemplo, podem possuir dinheiro numa empresa panamenha, a qual possui dinheiro numa empresa da Ilha do Canal, e assim por diante. Os requerentes (claimants) finais do hot-money são difíceis de identificar. Entradas de depósitos nestes enclaves têm a sua contrapartida na folha de balanço no seu próprio crescente endividamento para com esquivadores de impostos e fujões na Europa, América do Norte e do Sul, Ásia e África. Mas as estatísticas são silenciosas sobre quem são realmente estes 'poupadores' invisíveis e onde eles realmente residem.
Um exportador argentino ou russo vende a preço facturado ficticiamente baixo, pedindo ao comprador que deposite a diferença numa conta bancária offshore. É desnecessário dizer que o argentino ou russo não declarará este haver, assim ele não aparece nas contas oficiais. Mas existe na realidade. É por isso que as dívidas relatadas do mundo excedem as poupanças locais por uma margem de 'erros e omissões'.
SS: Como exactamente funciona esta facturação falsa?
MH: De duas maneiras. A mais simples é os importadores dizerem que pagam mais por importações do que o seu verdadeiro preço económico. Isto é o que fazem as companhias de petróleo quando apreçam o petróleo bruto tão alto para as suas refinarias que estas não têm margem para relatar um lucro, década após década.
A imagem espelho desta fraude ocorre quando os exportadores afirmar receber menos do que eles realmente são pagos. A margem é o que eles são capazes de roubar. O comprador tipicamente pagar a diferença para uma conta 'privada' em um dos centros bancários offshore, facilitados por um dos bancos americanos, britânicos ou canadianos montado para este fim. Este é o significado da 'privacidade' bancária. É como se exportadores russos de petróleo, alumínio e outras matérias-primas ocultassem o seu rendimento real do governo russo. Isto explica a emergência de tantos multi-bilionários pós-soviéticos que se beneficiam de 'enriquecimento inexplicado'.
SS: Isto não quer dizer que o governo russo ainda colecte a maior parte dos seus impostos com o petróleo e outras exportações de matérias-primas?
MH: Sim, mais deixa de aplicar imposto ao rendimento real. Se fizesse isto, o sr. Khodorkovsky e outros cleptocratas não teriam subitamente ascendido para se juntarem às fileiras dos indivíduos mais ricos do mundo em apenas uma única década, e não estaria agora sob processo por evasão fiscal criminosa. É significativo que a imprensa financeira no Ocidente escreva editoriais angustiados a acusar isto de representar nada menos que fascismo com camisas castanhas, nacionalismo e totalitarismo. Falcões da administração Bush, como o secretário de Estado Powell, exprimem publicamente a sua preocupação de que isto ameace os próprios fundamentos da 'empresa privadas'. Isto mostra quão pouco eles pensam em punir a evasão fiscal nos seus próprios países.
SS: Suponho que iremos cobrir estas maquinações com maior pormenor na nossa próxima entrevista sobre a Rússia após a sua eleição presidencial de 14 de Março. Retornando ao tópico dos centros bancários offshore, está o sr. a descrever uma técnica que foi desenvolvida simplesmente por indivíduos, ou foi institucionalizada num plano mais elevado, em escala mundial?
MH: As maiores firmas de contabilidade e de advocacia da América do Norte e da Europa obtêm uma proporção crescente do seu rendimento ministrando conselhos a companhias que procuram utilizar estas tácticas. Os utilizadores primários são gestores de dinheiro e corporações importantes a fim de esconder os seus lucros (ou perdas, no caso da Enron e da Parmalat) da vigilância das autoridades nos seus próprios países. Nos anos 1990, a Enron, a Parmalat e outros gigantes corporativos criminosos foram capazes de organizar as maiores fraudes financeiras da história utilizando finanças estruturadas envolvendo paraísos hot-money.
SS: Não há uma lei americana contra arranjar uma prática de negócios complexos unicamente para o propósito de evadir o fisco?
MH: A lei está realmente nos livros, e os IRS queixou-se especificamente de que a firma KPMG organizou esquemas sistemáticos de evasão fiscal. Mas os neoliberais colocaram os seus próprios administradores ideológicos nestes agências, homens que se vangloriaram para mim do facto de que simplesmente se recusam a regular para 'matar a besta', isto é, o governo, o qual é suposta ser o cérebro guiador da economia. A sua não-acção corrompeu o sistema legal e regulamentar nacional, desactivando-o. O poder está a ser exercido pelos contribuidores da campanha cuja riqueza convenceu os políticos a darem aos evasores fiscais o direito de votar contra qualquer agência regulamentar que se mostre demasiado consciente quanto à aplicação da lei, acima de tudo do código fiscal.
SS: O que há quanto ao Procurador-Geral de Nova York, Eliot Spitzer?
MH: Ele obviamente reconhece o que está em andamento, e parece ter ficado espantado ao descobrir quão longe foi o apodrecimento. O que ele descobriu quando apresentou acusações de crime contra a Arthur Andersen no caso Enron foi que todas as grandes firmas de contabilidade estavam empenhadas nas mesmas práticas fraudulentas. Isto criou um problema prático para ele. Iria ele fechar todas as firmas de contabilidade aplicando-lhes a lei de cabo a rabo?
Se ele tivesse feito isto, quem teria auditado os livros das companhias dos EUA? Isto teria esmagado o mercado de acções e toda a economia. Assim ele contentou-se em penalizar os bancos e as firmas financeiras e de contabilidade numa muito pequena porção dos seus ganhos, deixando seus sócios com a sua confortável aposentadoria conquistada e fazendo-os prometer parar de infringir a lei no futuro.
Por outro lado, penso que mesmo que ele tivesse fechado estas firmas — e, lembro, trabalhei para a Arthur Andersen e descobri que era inteiramente venal já na década de 1960 — o sistema ter-se-ia curado a si próprio quase da noite para o dia. As firmas existentes como tais teriam sido varridas e muitos dos seus principais sócios teriam ido para a cadeia — provavelmente não mais do que umas poucas centenas — ou pelo menos teriam perdido as suas aposentadorias com pagamentos de subornos. Mas a maior parte destes contabilistas remanescentes ter-se-ia reunido para criar novas firmas, livres das manchas de corrupção que caracterizaram a Deloitte Touche no caso Parmalat, a KPMG por seus esquema de evasão fiscal, e outras firmas de contabilidade por aí abaixo,
SS: Quão profundamente os problemas podem ser investigados?
MH: O caminho que conduziu a este estado de coisas foi aberto no fim da Segunda Guerra Mundial. Os diplomatas americanos pressionaram o Fundo Monetário Internacional pela livre movimentação de capitais, num tempo em que era muito claro que a maior parte dos movimentos de fugas de capital seria em direcção ao dólar, para fora das economias que estavam regulamentadas. Eufemizado como 'reforma económica' e 'liberdade de escolha', o movimento em direcção ao descontrole financeiro abriu o caminho para o desenvolvimento de paraísos offshore. Isto fazia parte do viés fatal construído dentro do DNA do sistema Bretton Woods do pós-guerra.
O governo dos EUA permaneceu no controle, e como expliquei anteriormente, quando a Guerra do Vietnam empurrou a balança de pagamentos para o défice, o governo encorajou os grandes bancos a montarem ramos nestes enclaves ilhéus a fim de actuarem como receptadores que facilitassem o roubo global, a fraude global e outras actividades criminosas globais. Tem sido através das suas operações de utilização fácil que o mundo não-criminoso — o mundo de homens e mulheres honestos, indústria, comércio e mesmo governos soberanos — se tem tornado cada vez mais endividado para com os delinquentes, assim como os contribuintes estão cada vez mais endividados com para com os esquivadores de impostos.
Grande parte da dívida externa líquida dos EUA, assim como aquela de países como a Argentina, é possuída por estes centros de capital volátil. Isto já se tornou o significado de 'globalização' na sua dimensão financeira.
Indiquei acima que as entradas de depósitos nestes paraíso são relevadas nas estatísticas oficiais de outros países como 'erros e omissões'. O mais importante fenómeno económico do mundo que determina as taxas de câmbio hoje foi relegado para a economia 'negra' não observável — não apenas o crime, mas o que está a tornar-se a massa dominante de riqueza corporativa e pessoal. É mais invisível hoje do que nunca, a fim de evitar os olhos de acusadores e autoridades fiscais.
É notável que os neoliberais louvem este fenómeno ao invés de denunciá-lo. O resultado tem sido criar uma situação em que, se alguém tem de possuir terra, outros activos tangíveis, ou títulos financeiros, o melhor caminho para evitar os impostos ou a tomada é registá-los em nome de procuradores offshore.
O passo seguinte destas entidades offshore é emprestar este dinheiro de volta para si próprio, cobrando suficientes juros para absorver o anterior rendimento imponível. Operadores suficientemente grandes para montarem a sua própria companhia de seguros podem tratar como perdas o remanescente do seu rendimento como pagamentos de seguros fiscalmente dedutíveis à sua entidade offshore criada para este fim, juntamente com os habituais encargos de desnatamento por taxas administrativas para os proprietários e gestores seniors.
Operadores financeiramente refinados enviam o seu dinheiro offshore e então tomam-no emprestado de volta, pagando suficientes juros, seguros e taxas administrativas para si próprios a fim de absorverem os seus rendimentos e torná-los assim livres de impostos. Estes pagamentos gastos consigo próprios aparecem no rendimento nacional e nas estatísticas fiscais como um custo de fazer negócios, ao passo que as estatísticas de balança de pagamentos mostram-nos como um fluxo internacional por 'serviços' sob a rubrica de 'invisíveis'. Assim as estatísticas tornam-se cada vez mais ficcionais.
SS: O sr. descreveu como o crescimento destes centros tem levado as estatísticas económicas a perderem o seu valor. Como pode a economia ser analisada e quantificada sob tais condições?
MH: Os paraísos financeiros ajudam os rendimentos e os ganhos de capital a desaparecerem das estatísticas das economias nacionais como fuga de capital, só para reaparecerem como dívidas possuídas por economias vitimizadas por operadores 'estrangeiros' fora destes enclaves. As suas transações aparecem na balança de pagamentos como 'erros e omissões'. A maior parte dos economistas sabe que isto é um eufemismo para 'movimentos de capital a curto prazo', expressão que é ela própria um eufemismo para fugas de capitais e evasão fiscal.
A percepção básica é que aquilo que alguém pode evitar declarar às autoridades nacionais não será regulamentado, imponível ou processado. A estratégia de acordo com estas linhas reflecte décadas de lobbying das mais ricas companhias e indivíduos do mundo no sentido de desmontar a capacidade dos seus governos para aplicar-lhes impostos. Firmas de contabilidade, gabinetes de juristas e bancos globais ajudam-nos utilizando 'finança estruturada' para esconder seu rendimento e riqueza — bem como suas dívidas e fraudes financeiras. Quanto mais desonesto o cliente, maior a taxa que pode ser cobrada para que o conselho a ser orquestrado garanta privacidade. Numa sociedade onde o crime rende mais do que a maior parte das profissões honestas, a perícia financeira e bancária é de contratar. Os peritos irão trabalhar satisfeitos para a Enron e a Parmalat, salvando a sua consciência com a crença de que tudo isto é parte do mercado livre que promove a civilização e deixa o comunismo à beira da estrada na luta da economia mundial pela existência entre sistemas competidores.
A simbiose entre centros bancários offshore e riqueza oligárquica, cleptocrática e criminosa pode ser detectada nos processos que têm embelezado as primeiras páginas da imprensa internacional nos últimos anos. As maiores bancarrotas em anos recentes envolveram maquinações através de tais centros. No caso da bancarrota da Parmalat, a defesa legal da parte dos auditores da companhia, Deloitte and Touche, é que eles não tinha maneira razoável de saber que os US$ 4 mil milhões em alegados depósitos numa conta offshore do Bank of America realmente não existiam. Outros personagens deste universo predatório do capital volátil são as entidades offshore criadas pela Arthur Andersen e pelo Citibank para a Enron, os renomados bancos suíços por servirem Idi Amin e outros senhores da guerra, e o Bank of New York e seus irmãos que ajudaram os oligarcas da Rússia a roubarem US$ 250 mil milhões na década de 1990.
Uma vez que estes truques fiscal são explicados em pormenor, os leitores atentos podem reconhecer que o que está a ser descrito é como as multinacionais de hoje são tipicamente estruturadas para extrair rendimentos e minimizar (isto é, evitar) impostos. Economistas desde John Maynard Keynes tem utilizado a palavras 'fuga' ('leakage') para descrever fundos retirados da correntes de rendimentos internos. O termo implica que o dinheiro está a ser perdido, e naturalmente é perdido para o colector dos impostos. Mas ele não desaparece simplesmente. Colocado nos centros anti-governo do mundo, o capital em fuga impõe-se como um poder credor que está a endividar a América do Norte, Europa, Ásia e África, sugando o seu excedente financeiro de maneiras que permanecem invisíveis para a maior parte dos estatísticos e economistas, políticos e eleitores.
SS: O sr. pinta um quadro desencorajador. O que aconteceria se se tentasse cobrar impostos sobre o rendimentos das corporações, das finanças e tudo o mais, se as transações com estas ilhas fossem simplesmente encerradas.
MH: Uma opção está na verdade a ser forçadas. Se estes paraísos da trapaça fiscal não forem fechados, as únicas pessoas deixadas para os impostos serão a classe média e os empregados.
As companhias agora preenchem dois conjuntos de contas anuais. Um para os seus accionistas, e outro para o colector dos impostos. A conta de impostos não mostra lucro, porque as companhias não os querem pagar. O relatório para os accionistas mostra um lucro máximo, porque as companhias querem promover o preço das suas acções. Os votantes têm eleito políticos cujas campanhas eleitorais são pagas pelos lobbies que são contratados para mobilizar apoio a esta política, enquanto as direcções académicas são estimuladas a contratar loucos bem intencionados ou 'idiotas úteis' para ensinar esta filosofia anti-governo como representativa de 'reforma' positiva ao invés de pintá-la como rematado parasitismo.
O público está a ser enganado de duas formas. Antes de tudo, aos governos são dados retornos que mostram lucros a contraírem-se, através de contabilidade artificial que se torna a base para as estatísticas oficiais. Enquanto isso, os accionistas estão a ser ministradas de estórias de altos lucros fictícios, pelo menos nos casos da Enron e da Parmalat.
Os clientes deste mundo desta ilha flutuante mundial utilizam um sistema que tem sido posto em prática pelos pilares da integridade nos negócios representativos do núcleo da economia nuclear, não meramente um grupo do submundo periférico. Estes enclaves pertencem ao centro da análise económica, ainda que eles habitualmente sejam tratados como uma anomalia e não como um órgão integral da acumulação de riqueza moderna.
SS: Como podem estes centros offshore ser fechados? A lei diz que não se pode punir ou penalizar pessoas que seguem as leis que vigoram no momento. Não se pode estabelecer penalidades retroactivamente.
MH: Não é preciso isso. As leis contra fraude, roubo e evasão fiscal tem estado nos livros desde há muitos anos, embora muitas destas leis não tenham sido aplicadas seriamente. Uma das leis mais fáceis de aplicar é o princípio do 'enriquecimento inexplicado'. Isto é, deste modo, como as grandes fortunas do mundo foram criadas — é o que Putin está a aplicar contra o sr. Khodorkovsky.
Os bancos nos Estados Unidos, Canadá, Europa e Ásia concordariam em não reconhecer transferências de depósitos a partir destes centros. As companhias e as casas de corretagem recusariam pagar dividendos endereçados a eles. Os países estabeleceriam regras para legitimar a propriedades destes depósitos, acções corporativos ou outros direitos financeiros.
Uma pergunta padrão seria sem dúvida perguntar como alguém chegou a obter haveres nestes centros. Foi esta riqueza obtida a partir de um rendimento normal? Se não, como?
Uma solução mais ampla seria simplesmente não reconhecer direitos de bancos e credores destes centros. Isto seria um começo de repudio das dívidas más (bad debts) mundiais.
SS: Isto teria ser feito subitamente, com certeza. Será melhor deixar este contexto mais amplo para uma futura entrevista.
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[NT]: Hot money: Expressão que designa as aplicações de curtíssimo prazo em títulos ou em divisas atraídas por taxas de juros elevadas ou diferenças cambiais significativas. Tais apliações podem deslocar-se rapidamente de um mercado para outro e provocar grandes turbulências numa economia nacional, tanto por ocasião da entrada como da saída destas massas de recursos financeiros.
Capa de 'Super imperialismo' [*] O professor Michel Hudson é economista financeiro independente e actua na Wall Street. Depois de trabalhar como economista especializado em balança de pagamentos para o Chase Manhattan Bank e para a Arthur Anderson na década de 1960, lecionou finanças internacionais na New School em Nova York. Actualmente é Distinguished Professor of Economics na Universidade do Missouri (Kansas City). Publicou numerosos trabalhos acerca da dominância financeira dos EUA. Também foi conselheiro económico dos governos canadiano, mexicano, russo e americano. Seus livros incluem Trade, Development, and Foreign Debt (Pluto, 1992, 2 vols.). É autor do livro Super Imperialism — The Origin and Fundamentals of U.S. World Dominance (Pluto Press, 2003, 425 p., ISBN 0-7453-1989-0). O seu sítio web está em http://michael-hudson.com/indexbody.html . Do mesmo autor resistir.info publicou também Irá a Europa sofrer da síndroma suíça?
Standard Schaefer é jornalista económico independente, historiador, crítico literário, poeta e escritor de contos. Ensina no Otis College of Art and Design. É editor de não-ficção da New Review of Literature . Seu email é ssschaefer@earthlink.net .
© 2004 Hudson and Schaefer, from book-in-progress. For fair use only/ pour usage équitable seulement.
O original encontra-se em http://www.globalresearch.ca/articles/HUD403A.html .
Tradução de JF.
– Enviado usando a Barra de Ferramentas Google"
A hegemonia do dólar e a ascensão da China
A hegemonia do dólar e a ascensão da China: "A hegemonia do dólar e a ascensão da China
por Michael Hudson [*]
Renminbi. 15 de Março de 2010.
Caro Primeiro-ministro Wen Jiabao,
Escrevo esta carta para contestar algumas das soluções que políticos ocidentais estão a recomendar à China para enfrentar a sua acumulação excessiva de reservas de divisas externas. Elevar a taxa de câmbio do renminbi contra o dólar não sanará o desequilíbrio de pagamentos entre a China e os EUA. A super-abundância de dólares continuará, assim como a flutuação de divisas entre o dólar, o euro e a libra esterlina, não permitindo qualquer armazenagem estável de valor. A causa desta instabilidade é que as áreas de cada uma destas três divisas tornaram-se instáveis (top heavy) devido ao excesso de dívidas em relação à capacidade de pagar.
O que então a China deveria fazer com a sua acumulação de reservas excessivas, se não reciclar estes influxos em títulos seus? Têm sido sugeridas quatro possibilidades: (1) reavaliar o renminbi; (2) inundar a economia da China com crédito (como fez o Japão após o Acordo Plaza de 1985); (3) comprar recursos e activos estrangeiros e (4) utilizar o excesso de dólares para comprar de volta investimentos estrangeiros na China, dada a relutância dos EUA em permitir investimento chinês nos sectores mais promissores da América.
Eu explico abaixo porque a melhor rota para a China é evitar acumular ainda mais reservas de divisas estrangeiras. A solução mais factível é utilizar as suas reservas oficiais para recomprar investimentos dos EUA e de outros estrangeiros no sistema financeiro da China e em outros sectores chave. Esta política parecerá mais natural como uma resposta a uma escalada de movimentos proteccionistas dos EUA para impedir importações chinesas ou impedir fundos de riqueza soberana da China de comprarem activos chave nos EUA.
O excesso de reservas da China imporá uma perda cambial (avaliada em renminbi)
Todo país precisa de reservas de divisas estrangeiras para repelir raids contra a sua divisa, como mostrou a crise asiática de 1997. A espécie habitual de raid força a divisa a baixar. Especuladores vêem um banco central com grandes haveres de divisas externas e procuram esvaziá-lo tomando emprestado somas cada vez maiores, vendendo short a divisa alvo para deitar abaixo o seu preço. Esta é a táctica em que George Soros foi pioneiro contra a libra britânica quando quebrou o Banco da Inglaterra.
A contra-táctica da Malásia foi não deixar os especuladores cobrirem as suas apostas através da compra da divisa alvo. O êxito da Malásia em resistir àquela crise mostrou que controles de divisa impedem especuladores de 'encaixarem' ('cashing out') sobre as suas apostas na taxa de câmbio, impedindo a sua tentativa de deitar abaixo o valor da divisa.
O caso da China é o oposto. Especuladores estão a tentar forçar a subida da taxa de câmbio do renminbi. Influxos estrangeiros para bancos da China – especialmente aqueles possuídos por estado-unidenses, britânicos ou outras companhias estrangeiras – estão a inundar a China com divisas externas. O seu banco central acha-se obrigado ou a reciclar este influxo outra vez para o estrangeiro ou a deixar o renminbi ascender – e finalmente assumir uma perda (quando medida em yuan) quando a sua divisa elevar-se contra os seus haveres em dólares, libras esterlinas e euros. Especuladores e outros estrangeiros que possuem activos chineses obterão uma flutuação ascendente e gratuita da divisa.
O efeito dentro da economia da China será carregá-la com dívida, enquanto a obriga a comprar títulos estrangeiros denominados em dólares que estão a cair de preço. Assim, a pergunta é: como pode a China enfrentar melhor o fluxo de divisas estrangeiras para dentro da sua economia?
A principal resposta da China tem sido investir em recursos minerais e outras importações de que precisará para sustentar o seu crescimento a longo prazo. Mas esta opção é limitada pelo proteccionismo estrangeiro contra investimentos de além mar em minerais e terras agrícolas, assim como pelos especuladores de países estrangeiros a utilizarem o seu próprio crédito livre para comprarem estes recursos. Assim, o excesso de divisas estrangeiras continua a acumular-se.
Tradicionalmente, os bancos centrais têm utilizado seus excedentes de pagamentos para comprar ouro, o 'dinheiro do mundo'. O ouro tem a vantagem de servir como reserva de valor, permitindo aos bancos centrais (em princípio) evitarem assumir uma perda sobre os seus haveres em dólar. Liquidar défices de pagamentos em ouro também tem a vantagem global de limitar a capacidade de outros países para incidirem em défices crónicos de pagamentos – especialmente despesas de guerra ao longo da história. Esta é a razão porque os diplomatas dos EUA se opõem a um retorno ao ouro.
Na década de 1960 governos estrangeiros pediram ao Tesouro dos EUA que proporcionasse uma garantia ouro. O excesso de dólares lançado para fora pelos gastos militares da América no Sudeste Asiático e na Europa acabavam nos bancos centrais da França (a qual dominava a banco da Indochina), da Alemanha (como exportador e hospedeiro das principais bases militares europeias) e do Japão (para descanso). A França e a Alemanha encaixavam estes dólares em troca de ouro, cujo preço ficou sob pressão quando os stocks de ouro monetário dos EUA ficaram esgotados. Para impedir os bancos centrais da França (sob o general De Gaulle), da Alemanha e de outros países de encaixarem os seus dólares em troca de ouro, o Tesouro dos EUA deu uma garantia ouro de modo a que se o dólar perdesse valor estes bancos centrais não perderiam.
Hoje, é improvável que os Estados Unidos dêem uma garantia ouro, ou esperar que o Congresso concorde com uma tal disposição. (Muitas vezes no passado, presidentes dos EUA e o Ramo Executivo fizeram acordos sobre comércio externo e finanças que o Congresso se recusou a confirmar.) Ele poderia garantir os haveres de dólares da China em relação a um cabaz ou seja o que for em que o Governo da China preferisse manter suas reservas, desde euros até um novo mix de divisas pós-Yekaterinburg. Mas hoje nenhuma divisa é estável. Todas as principais divisas ocidentais estão a render-se ao fardo de grandes dívidas impagáveis. O Tesouro dos EUA deve US$4 milhões de milhões (trillion) a bancos centrais estrangeiros, mas não há modo previsível pelo qual ele possa tornar boa a sua dívida externa, dado o seu défice crónico estrutural com despesas militares no estrangeiro, dependência de importações e saídas de capitais. Eis porque tantos países estão a tratar o dólar como uma 'batata quente' e a tentar esvaziá-los dos seus haveres. E manter euros ou libras esterlinas não proporciona uma melhor alternativa.
A maior parte dos bancos centrais contém as suas taxas de câmbio pela reciclagem dos seus influxos de dólares com a compra de IOUs [NT] do Tesouro dos EUA. Esta reciclagem permite aos Estados Unidos financiarem suas despesas militares além-mar e também o seu défice orçamental interno (em grande medida de carácter militar) desde a década de 1950. Assim, a Europa e a Ásia têm utilizado os seus ganhos de divisas estrangeiras para financiarem uma acumulação unipolar de bases militares dos EUA em torno de si.
Esta situação é instável por natureza e portanto fadada a terminar. Está a acabar a era em que as reservas internacionais são baseadas sobre elevadas dívidas impagáveis de qualquer governo único, especialmente quando estas dívidas são acrescidas para finalidades militares. Os EUA certamente não podem continuar a cumprir este papel, dado o crónico défice de pagamentos estado-unidense. Durante a maior parte dos anos desde 1951, os gastos militares além-mar dos EUA (principalmente na Ásia) têm representado a maior parte deste défice. E cada vez mais a balança comercial dos EUA tem caído no défice (excepto para agricultura, entretenimento e armas militares). Mais recentemente, têm-se acelerado saídas de capital dos Estados Unidos, especialmente para a China e países do Terceiro Mundo. Os administradores da moeda estado-unidense concluíram que os EUA e outras economias ocidentais estão a entrar num período de sobrecarga de dívida, com crescimento permanentemente mais lento. De modo que estão a olhar para a China, esperando obter os seus excedentes para si próprios pela compra da sua banca e da sua indústria.
Este relacionamento é demasiado unilateral para continuar por muito tempo. A questão é: como pode ele ser resolvido? Qualquer solução envolverá o evitar da China de acumulação ulterior de divisas estrangeiras na medida em que isto assume a forma de 'empréstimos gratuitos' de retorno para os EUA e governos europeus.
A taxa de câmbio da China em relação ao dólar
Delinquentes americanos culpam a China por ser demasiado forte. Eles exortam-na a elevar a taxa de câmbio do renminbi a fim de que se torne menos competitiva. E na verdade, ao longo dos últimos três meses a divisa da China elevou-se mais de 10% contra o euro e a libra esterlina quando os governos que utilizam o euro enfrentam a insolvência um após o outro.
O recente fortalecimento do dólar não reflecte factores intrínsecos, mas simplesmente o facto de que o euro e a libra esterlina estão ainda mais altamente alavancados. As principais áreas problema até à data tem sido a Grécia, Irlanda, Espanha, Itália e Portugal, mas problemas muito maiores estão para vir dos estados bálticos, da Hungria e de outras economias pós-soviéticas. Durante uma década eles financiaram os seus défices estruturais de comércio com a tomada de empréstimos de divisas estrangeiras para alimentarem uma bolha imobiliária. Este influxo de divisas estrangeiras (de bancos austríacos para a Hungria e Roménia, de bancos suecos para os estados bálticos) inflacionou os preços dos seus edifícios de habitação e escritórios. Mas agora que as suas bolhas imobiliárias estouraram, não há empréstimos estrangeiros que suportem as suas divisas. Quando o seu imobiliário afunda em situação líquida negativa, os sistemas bancários da Suécia e da Áustria confrontam-se com incumprimentos generalizados.
A UE e o FMI pressionaram governos pós-soviéticos a tomarem emprestados para salvar bancos da UE. Esta comutação da bancarrota do sector privado para o sector público ('contribuintes') impôs uma severa depressão económica sobre estes países. Governos estão a retalhar despesas em educação, cuidados de saúde e infraestrutura tão profundamente que chegam ao ponto de provocar incumprimentos de hipotecas pessoais e de negócios, emigração e mesmo abreviação de expectativas de vida.
Esta contracção é o resultado final do Consenso neoliberal de Washington imposto a estes países desde 1991, agravado pela bolha financeira global desde 2000. Isto é um objecto de lição daquilo que a China precisa evitar.
Os Estados Unidos, pelo seu lado, estão a manipular a sua divisa a fim de manter o dólar baixo, inundando a sua economia com crédito a juro baixo. Esta manipulação vai contra a prática normal dos últimos cinco séculos. Qualquer economia incorrendo num défice tradicional de balança de pagamentos tem de elevar taxas de juros para atrair empréstimos externos e arrefecer os gastos internos. Mas o US Federal Reserve está a fazer exactamente o oposto. Taxas de juro baixas para impedir que a bolha imobiliária estoure outra vez têm o efeito de agravar ao invés de sanar o défice comercial e a saída de capital.
Mas mais dólares acabam por parar nas mãos de bancos centrais estrangeiros. Espera-se que as economias estrangeiras reciclem estes influxos com ainda mais compras de títulos do Tesouro dos EUA, salvando os contribuintes e investidores estado-unidenses de terem de financiar por este défice por si mesmos.
Reavaliar o renminbi exacerbaria o problema financeiro da China, não estabilizaria o seu comércio
Diplomatas económicos dos EUA argumentam que elevar a taxa de câmbio do renminbi ajudará a restaurar o equilíbrio da balança de pagamentos da China com os Estados Unidos. Mas o défice de pagamentos dos EUA é estrutural e portanto não responde a mudanças de preços. Como observado acima, uma das principais saídas de pagamentos é a despesa militar além-mar. Uma outra saída crescente é na conta de capital, para comprar companhias, acções e títulos estrangeiros. Os próprios investidores dos EUA estão a abandonar a economia estado-unidense, a olhar principalmente para a China em busca de rendimentos mais elevados – e por um ganho inesperado de câmbio estrangeiro.
A estratégia dos EUA é comprar activos chineses que rendam 20% ou mais ao ano, enquanto a China recicla estes dólares para Washington e a Wall Street a taxas de juro de apenas cerca de 1% (para títulos do Tesouro) e absorve perdas em muitos investimentos do sector privado. (Esta foi a estratégia que 'funcionou' com o Japão depois de 1985.) Revalorizar o renminbi proporcionaria um ganho inesperado para hedge funds e especuladores dos EUA. Expectativas de revalorização já estão a incitar saídas de capital mais altas para a China.
Uma taxa de câmbio mais alta para o renminbi também resultaria em ainda mais saídas de dólares dos Estados Unidos para a Ásia na rubrica comércio, obrigando consumidores americanos a pagarem um preço do dólar mais elevado. Ao contrário da maior parte das suposições do 'comércio livre', o facto é que a maior parte do comércio não responde a pequenas mudanças em valores de divisas. (O jargão económico chama a isto 'inelasticidade de preço.')
Isto tornou-se claro na década de 1980 quando uma taxa de câmbio ascendente do yen do Japão não reduziu a balança comercial daquele país. Os consumidores dos EUA simplesmente pagaram mais. Esta é a razão porque, apesar da recente apreciação em 21% do renminbi, a balança comercial da China aumentou ao invés de se contrair. Da mesma forma, o yen do Japão tem-se elevado desde o Outuno de 2009, mas ainda está a acumular reservas.
Mesmo que a China revalorize o renminbi, seus preços de exportação não se elevarão proporcionalmente. Isto acontece porque importações de matérias-primas, grande parte da maquinaria e outros componentes da maior parte das exportações têm um preço mundial comum (tipicamente denominado em dólares). Assim, um renminbi mais elevado reduzirá o preço em dólar destas importações.
Cerca da metade do preço recebido pelas exportações cobre o preço e a margem gasta com estas importações com um preço mundial comum. Assim, se a divisa da China se elevar em 10% contra o dólar, o preço das importações incorporado nestas exportações (quando valorizadas em renminbi) cairá em 10%. Metade do preço de exportações não será afectada, de modo que no todo os preços de exportação podem elevar-se em 5%.
Dado o facto de que os padrões comerciais estão profundamente arraigados, seria necessário um salto enorme na revalorização do renminbi para reduzir o excedente comercial da China. Pequenas revalorizações não 'resolveriam' o problema que os diplomatas dos EUA pedem. A menos que a revalorização fosse 'enorme' – na vizinhança dos 40% – a elevação da taxa de câmbio tenderia portanto a aumentar ao invés de reduzir o excedente comercial da China. A moral é que se o objectivo é realmente mudar os padrões de exportação, não há razão para desvalorizar excepto em excesso (isto é, cerca de 40%). Este foi o princípio seguido pelo presidente Franklin Roosevelt nos EUA, em 1933.
Criar mais crédito interno a taxas de juro baixas desestabilizaria a China
As consequências de uma revalorização de renminbi seriam provavelmente aquelas dos acordos de Plaza e do Louvre a que os diplomatas americanos forçaram o Japão após 1985. Espera-se que economias com excedentes de pagamentos restaurem o 'equilíbrio' ao facilitar crédito para estimular uma saída na balança de pagamentos.
O efeito é criar uma bolha financeira, descarrilando a competitividade industrial e deixando o sistema bancário num pandemónio assolado por dívida. O Japão aceitou inundar a sua economia com bastante crédito para desestabilizar a sua indústria e mercados imobiliários com dívidas que permaneceram durante os vinte anos após o estouro da bolha em 1990. A China deveria evitar esta espécie de política a todo custo. Para evitar a sobrecarga de dívida que agora oprime as economias ocidentais, deveria minimizar a alavancagem da dívida e limitar a capacidade do sistema bancário para criar crédito ao comprar activos já existentes. Os bancos de propriedade estrangeira, em particular, precisam ser restringidos de ajudar a especulação com divisas do seu país de origem e da relacionada extracção financeira de rendimento da economia da China.
Equilibrar os pagamentos internacionais da China pela compra de recursos e activos estrangeiros
Neste momento a China já procura comprar minerais, combustíveis e recursos agrícolas no estrangeiro para abastecer-se com os produtos de que precisa para o seu próprio crescimento. Mas estes esforços ainda deixam excedentes de divisas externas substanciais. A maior parte dos países tem utilizado estes excedentes para comprar sectores chave de economias estrangeiras. Isto é o que a Grã-Bretanha, os Estados Unidos e a França têm feito durante mais de um século.
Quando a economia dos EUA incide em excedentes de pagamentos com países estrangeiros, insiste em que paguem pelas suas dívidas externas e défices comerciais em curso através da abertura dos seus mercados e pela 'restauração do equilíbrio' através da venda da sua infraestrutura pública chave, indústrias, direitos minerais e elevadas encomendas a investidores estado-unidenses. Mas o governo dos EUA tem impedido países estrangeiros de fazerem o mesmo com os Estados Unidos. Esta assimetria tem sido o factor principal a provocar a desigualdade entre os altos retornos do sector privado dos EUA e os baixos retornos oficiais do estrangeiro sobre os seus haveres em dólares.
A recusa do governo dos EUA a comportar-se simetricamente ao não deixar a China comprar companhias chave estado-unidenses com os influxos de dólares que entram na China para comprar as suas próprias companhias, acima de tudo seu sector financeiro e bancário, é em grande medida responsável pela situação assimétrica observada acima, na qual investidores dos EUA ganham 20% na China, mas a China ganha apenas 1% nos EUA.
Recomprar investimentos estrangeiros na China
A onda do futuro é evitar de todo uma acumulação de divisas externas. O meio principal para isto é uma opção que governos europeus têm discutido: utilizar seu excesso de dólares para comprar os haveres de investimentos dos EUA nos seus países, ao valor registado na contabilidade. Com efeito, a China diria aos Estados Unidos:
'Nós vos deixámos investir nas nossas próprias fábricas e mesmo nos nossos bancos, e vos deixámos participar nos nossos sectores chave mesmo quando estes têm privilégios internos especiais. Os vossos economistas aconselharam-nos dizendo que este é o modo mais eficiente de dirigir a economia. Mas não é avisado que os próprios Estados Unidos o sigam. Vocês não estão a deixar-nos utilizar os dólares que investiram aqui – e os dólares que a China ganha ao exportar os produtos do seu trabalho – para comprar investimentos correspondentes no vosso país'.
'É naturalmente do direito soberano de todo país determinar quem possuirá e controlará a sua indústria, os privilégios bancários de criação de crédito e outros recursos. Aceitamos este princípio do direito internacional. Assim, analogamente, estamos a utilizar o excedente de dólares para comprar investimentos dos EUA e de outros países na China. Estamos desejosos de fazer isto de acordo com o direito internacional e a pagar o valor registado na contabilidade com que os vossos próprios contabilistas relatam ser o valor dos seus investimentos na China'.
'Isto estabilizará as taxas de câmbio internacionais ao restaurar o equilíbrio dos pagamentos internacionais. É especialmente natural visto que entendemos que o mercado de bens de consumo dos EUA está a contrair-se, obrigando-nos a nos voltarmos para o nosso próprio mercado interno'.
Obviamente, os detentores estado-unidenses de investimentos na China queixar-se-iam de que os seus haveres estão a valor mais do que o valor registado na contabilidade que declararam. Na verdade, esta é a principal razão porque os actuais investidores na China estão a tentar impedir o governo dos EUA de se empenhar mais em políticas proteccionistas anti-chinesas. Mas caso os governos rejeitem o seu conselho e 'avancem sozinhos' tomando medidas anti-China, a China estaria em posição de responder a uma iniciativa dos EUA ao invés de actuar independentemente. E certamente teria o apoio de outros países numa posição semelhante em relação às tentativas dos EUA de politizar o investimento estrangeiro.
Este problema surgiu nas décadas de 1960 e 70, quando o governo dos EUA direccionou filiais estrangeiras de firmas estado-unidenses a adoptarem políticas da Guerra-fria para evitar comércio com a China, a União Soviética e outras economias alvo. Governos estrangeiros salientaram, quanto às directivas dos EUA de como filiais em países estrangeiros podiam actuar, que as filiais estavam sujeitas às leis do país hospedeiro e não àquelas dos Estados Unidos.
Esta questão está a ser ressuscitada hoje em relação às sanções contra o Irão e outros países. O direito internacional há muito tem há muito apoiado países hospedeiros em relação a comércio e política de investimento, política de crédito e assim por diante. Espero que isto se torne um factor importante nas recompras estrangeiras de investimentos dos EUA no exterior – na Europa e em outros países asiáticas, inclusive a China.
Talvez venha a ser necessária uma comissão para debater um preço justo para estas compras futuras. Mas tais casos habitualmente levam um tempo considerável para resolver. Há implicações desta política que preferiria discutir oralmente num momento apropriado ao invés de elaborar mais na presente carta.
Sumário: A iniquidade do défice do dólar
A China, o resto da Ásia e a Rússia têm estado a financiar os gastos em dólares dos EUA no estrangeiro para pagar pelo cerco militar da América do Hemisfério Leste e para investidores dos EUA comprarem as jóias da coroa da indústria, instituições financeiras e infraestrutura pública asiática. Esta situação é assimétrica não só economicamente como também politicamente. Em 1823, a Doutrina Monroe dos EUA dizia à Europa para manter-se afastada do Hemisfério Ocidental, acabando com o colonialismo e a hegemonia política europeia na América Latina. Os Estados Unidos substituíram as principais potências europeias como investidor e influência política e militar.
Hoje, muitas pessoas nos Estados Unidos, Canadá e Europa pretendem ver o desarmamento global num mundo multi-polar ao invés de num mundo unipolar. Elas acreditam que nenhum país deveria obter um benefício sem custo ou dominar o mundo militarmente. Isto não seria um mercado livre. No fim, relações económicas, políticas e militares tendem a estabelecer-se com regras comuns simétricas para todas as partes. Uma geração atrás, o economista de Harvard Albert Hirschman apelou ao desinvestimento dos EUA na América Latina e países do terceiro mundo argumentando com o próprio interesse económico dos EUA. Hoje, a economia dos EUA está a sofrer de défices crónicos do orçamento interno que em grande medida são de carácter militar, e défices de pagamentos crónicos. Desescalar gastos militares libertaria recursos para utilização na sua própria economia, enquanto permitiria às economias estrangeiras tornar menos intensos os seus próprios orçamentos militares.
Esta lógica é endossada por muitos cidadãos e economistas dos EUA. Ela pode ser promovida por um sistema no qual nenhuma economia nacional permaneça num sistema monetários baseado nos gastos militares de um país militarizado em défice crónico e dívida em ascensão para além da sua previsível capacidade de pagar. Esta espécie de benefício gratuito caracterizou os impérios de tempos passados, mas o presente século promete um mundo mais justo, equitativo e (esperançosamente) menos militarizado.
12/Julho/2010
[NT] IOUs: I owe you, acordo para a devolução de uma dívida
[*] Professor emérito de Ciências Económicas, Universidade do Missouri (Kansas City), Professor honorário da Huazhong University of Science and Technology (Wuhan)
– Enviado usando a Barra de Ferramentas Google"
por Michael Hudson [*]
Renminbi. 15 de Março de 2010.
Caro Primeiro-ministro Wen Jiabao,
Escrevo esta carta para contestar algumas das soluções que políticos ocidentais estão a recomendar à China para enfrentar a sua acumulação excessiva de reservas de divisas externas. Elevar a taxa de câmbio do renminbi contra o dólar não sanará o desequilíbrio de pagamentos entre a China e os EUA. A super-abundância de dólares continuará, assim como a flutuação de divisas entre o dólar, o euro e a libra esterlina, não permitindo qualquer armazenagem estável de valor. A causa desta instabilidade é que as áreas de cada uma destas três divisas tornaram-se instáveis (top heavy) devido ao excesso de dívidas em relação à capacidade de pagar.
O que então a China deveria fazer com a sua acumulação de reservas excessivas, se não reciclar estes influxos em títulos seus? Têm sido sugeridas quatro possibilidades: (1) reavaliar o renminbi; (2) inundar a economia da China com crédito (como fez o Japão após o Acordo Plaza de 1985); (3) comprar recursos e activos estrangeiros e (4) utilizar o excesso de dólares para comprar de volta investimentos estrangeiros na China, dada a relutância dos EUA em permitir investimento chinês nos sectores mais promissores da América.
Eu explico abaixo porque a melhor rota para a China é evitar acumular ainda mais reservas de divisas estrangeiras. A solução mais factível é utilizar as suas reservas oficiais para recomprar investimentos dos EUA e de outros estrangeiros no sistema financeiro da China e em outros sectores chave. Esta política parecerá mais natural como uma resposta a uma escalada de movimentos proteccionistas dos EUA para impedir importações chinesas ou impedir fundos de riqueza soberana da China de comprarem activos chave nos EUA.
O excesso de reservas da China imporá uma perda cambial (avaliada em renminbi)
Todo país precisa de reservas de divisas estrangeiras para repelir raids contra a sua divisa, como mostrou a crise asiática de 1997. A espécie habitual de raid força a divisa a baixar. Especuladores vêem um banco central com grandes haveres de divisas externas e procuram esvaziá-lo tomando emprestado somas cada vez maiores, vendendo short a divisa alvo para deitar abaixo o seu preço. Esta é a táctica em que George Soros foi pioneiro contra a libra britânica quando quebrou o Banco da Inglaterra.
A contra-táctica da Malásia foi não deixar os especuladores cobrirem as suas apostas através da compra da divisa alvo. O êxito da Malásia em resistir àquela crise mostrou que controles de divisa impedem especuladores de 'encaixarem' ('cashing out') sobre as suas apostas na taxa de câmbio, impedindo a sua tentativa de deitar abaixo o valor da divisa.
O caso da China é o oposto. Especuladores estão a tentar forçar a subida da taxa de câmbio do renminbi. Influxos estrangeiros para bancos da China – especialmente aqueles possuídos por estado-unidenses, britânicos ou outras companhias estrangeiras – estão a inundar a China com divisas externas. O seu banco central acha-se obrigado ou a reciclar este influxo outra vez para o estrangeiro ou a deixar o renminbi ascender – e finalmente assumir uma perda (quando medida em yuan) quando a sua divisa elevar-se contra os seus haveres em dólares, libras esterlinas e euros. Especuladores e outros estrangeiros que possuem activos chineses obterão uma flutuação ascendente e gratuita da divisa.
O efeito dentro da economia da China será carregá-la com dívida, enquanto a obriga a comprar títulos estrangeiros denominados em dólares que estão a cair de preço. Assim, a pergunta é: como pode a China enfrentar melhor o fluxo de divisas estrangeiras para dentro da sua economia?
A principal resposta da China tem sido investir em recursos minerais e outras importações de que precisará para sustentar o seu crescimento a longo prazo. Mas esta opção é limitada pelo proteccionismo estrangeiro contra investimentos de além mar em minerais e terras agrícolas, assim como pelos especuladores de países estrangeiros a utilizarem o seu próprio crédito livre para comprarem estes recursos. Assim, o excesso de divisas estrangeiras continua a acumular-se.
Tradicionalmente, os bancos centrais têm utilizado seus excedentes de pagamentos para comprar ouro, o 'dinheiro do mundo'. O ouro tem a vantagem de servir como reserva de valor, permitindo aos bancos centrais (em princípio) evitarem assumir uma perda sobre os seus haveres em dólar. Liquidar défices de pagamentos em ouro também tem a vantagem global de limitar a capacidade de outros países para incidirem em défices crónicos de pagamentos – especialmente despesas de guerra ao longo da história. Esta é a razão porque os diplomatas dos EUA se opõem a um retorno ao ouro.
Na década de 1960 governos estrangeiros pediram ao Tesouro dos EUA que proporcionasse uma garantia ouro. O excesso de dólares lançado para fora pelos gastos militares da América no Sudeste Asiático e na Europa acabavam nos bancos centrais da França (a qual dominava a banco da Indochina), da Alemanha (como exportador e hospedeiro das principais bases militares europeias) e do Japão (para descanso). A França e a Alemanha encaixavam estes dólares em troca de ouro, cujo preço ficou sob pressão quando os stocks de ouro monetário dos EUA ficaram esgotados. Para impedir os bancos centrais da França (sob o general De Gaulle), da Alemanha e de outros países de encaixarem os seus dólares em troca de ouro, o Tesouro dos EUA deu uma garantia ouro de modo a que se o dólar perdesse valor estes bancos centrais não perderiam.
Hoje, é improvável que os Estados Unidos dêem uma garantia ouro, ou esperar que o Congresso concorde com uma tal disposição. (Muitas vezes no passado, presidentes dos EUA e o Ramo Executivo fizeram acordos sobre comércio externo e finanças que o Congresso se recusou a confirmar.) Ele poderia garantir os haveres de dólares da China em relação a um cabaz ou seja o que for em que o Governo da China preferisse manter suas reservas, desde euros até um novo mix de divisas pós-Yekaterinburg. Mas hoje nenhuma divisa é estável. Todas as principais divisas ocidentais estão a render-se ao fardo de grandes dívidas impagáveis. O Tesouro dos EUA deve US$4 milhões de milhões (trillion) a bancos centrais estrangeiros, mas não há modo previsível pelo qual ele possa tornar boa a sua dívida externa, dado o seu défice crónico estrutural com despesas militares no estrangeiro, dependência de importações e saídas de capitais. Eis porque tantos países estão a tratar o dólar como uma 'batata quente' e a tentar esvaziá-los dos seus haveres. E manter euros ou libras esterlinas não proporciona uma melhor alternativa.
A maior parte dos bancos centrais contém as suas taxas de câmbio pela reciclagem dos seus influxos de dólares com a compra de IOUs [NT] do Tesouro dos EUA. Esta reciclagem permite aos Estados Unidos financiarem suas despesas militares além-mar e também o seu défice orçamental interno (em grande medida de carácter militar) desde a década de 1950. Assim, a Europa e a Ásia têm utilizado os seus ganhos de divisas estrangeiras para financiarem uma acumulação unipolar de bases militares dos EUA em torno de si.
Esta situação é instável por natureza e portanto fadada a terminar. Está a acabar a era em que as reservas internacionais são baseadas sobre elevadas dívidas impagáveis de qualquer governo único, especialmente quando estas dívidas são acrescidas para finalidades militares. Os EUA certamente não podem continuar a cumprir este papel, dado o crónico défice de pagamentos estado-unidense. Durante a maior parte dos anos desde 1951, os gastos militares além-mar dos EUA (principalmente na Ásia) têm representado a maior parte deste défice. E cada vez mais a balança comercial dos EUA tem caído no défice (excepto para agricultura, entretenimento e armas militares). Mais recentemente, têm-se acelerado saídas de capital dos Estados Unidos, especialmente para a China e países do Terceiro Mundo. Os administradores da moeda estado-unidense concluíram que os EUA e outras economias ocidentais estão a entrar num período de sobrecarga de dívida, com crescimento permanentemente mais lento. De modo que estão a olhar para a China, esperando obter os seus excedentes para si próprios pela compra da sua banca e da sua indústria.
Este relacionamento é demasiado unilateral para continuar por muito tempo. A questão é: como pode ele ser resolvido? Qualquer solução envolverá o evitar da China de acumulação ulterior de divisas estrangeiras na medida em que isto assume a forma de 'empréstimos gratuitos' de retorno para os EUA e governos europeus.
A taxa de câmbio da China em relação ao dólar
Delinquentes americanos culpam a China por ser demasiado forte. Eles exortam-na a elevar a taxa de câmbio do renminbi a fim de que se torne menos competitiva. E na verdade, ao longo dos últimos três meses a divisa da China elevou-se mais de 10% contra o euro e a libra esterlina quando os governos que utilizam o euro enfrentam a insolvência um após o outro.
O recente fortalecimento do dólar não reflecte factores intrínsecos, mas simplesmente o facto de que o euro e a libra esterlina estão ainda mais altamente alavancados. As principais áreas problema até à data tem sido a Grécia, Irlanda, Espanha, Itália e Portugal, mas problemas muito maiores estão para vir dos estados bálticos, da Hungria e de outras economias pós-soviéticas. Durante uma década eles financiaram os seus défices estruturais de comércio com a tomada de empréstimos de divisas estrangeiras para alimentarem uma bolha imobiliária. Este influxo de divisas estrangeiras (de bancos austríacos para a Hungria e Roménia, de bancos suecos para os estados bálticos) inflacionou os preços dos seus edifícios de habitação e escritórios. Mas agora que as suas bolhas imobiliárias estouraram, não há empréstimos estrangeiros que suportem as suas divisas. Quando o seu imobiliário afunda em situação líquida negativa, os sistemas bancários da Suécia e da Áustria confrontam-se com incumprimentos generalizados.
A UE e o FMI pressionaram governos pós-soviéticos a tomarem emprestados para salvar bancos da UE. Esta comutação da bancarrota do sector privado para o sector público ('contribuintes') impôs uma severa depressão económica sobre estes países. Governos estão a retalhar despesas em educação, cuidados de saúde e infraestrutura tão profundamente que chegam ao ponto de provocar incumprimentos de hipotecas pessoais e de negócios, emigração e mesmo abreviação de expectativas de vida.
Esta contracção é o resultado final do Consenso neoliberal de Washington imposto a estes países desde 1991, agravado pela bolha financeira global desde 2000. Isto é um objecto de lição daquilo que a China precisa evitar.
Os Estados Unidos, pelo seu lado, estão a manipular a sua divisa a fim de manter o dólar baixo, inundando a sua economia com crédito a juro baixo. Esta manipulação vai contra a prática normal dos últimos cinco séculos. Qualquer economia incorrendo num défice tradicional de balança de pagamentos tem de elevar taxas de juros para atrair empréstimos externos e arrefecer os gastos internos. Mas o US Federal Reserve está a fazer exactamente o oposto. Taxas de juro baixas para impedir que a bolha imobiliária estoure outra vez têm o efeito de agravar ao invés de sanar o défice comercial e a saída de capital.
Mas mais dólares acabam por parar nas mãos de bancos centrais estrangeiros. Espera-se que as economias estrangeiras reciclem estes influxos com ainda mais compras de títulos do Tesouro dos EUA, salvando os contribuintes e investidores estado-unidenses de terem de financiar por este défice por si mesmos.
Reavaliar o renminbi exacerbaria o problema financeiro da China, não estabilizaria o seu comércio
Diplomatas económicos dos EUA argumentam que elevar a taxa de câmbio do renminbi ajudará a restaurar o equilíbrio da balança de pagamentos da China com os Estados Unidos. Mas o défice de pagamentos dos EUA é estrutural e portanto não responde a mudanças de preços. Como observado acima, uma das principais saídas de pagamentos é a despesa militar além-mar. Uma outra saída crescente é na conta de capital, para comprar companhias, acções e títulos estrangeiros. Os próprios investidores dos EUA estão a abandonar a economia estado-unidense, a olhar principalmente para a China em busca de rendimentos mais elevados – e por um ganho inesperado de câmbio estrangeiro.
A estratégia dos EUA é comprar activos chineses que rendam 20% ou mais ao ano, enquanto a China recicla estes dólares para Washington e a Wall Street a taxas de juro de apenas cerca de 1% (para títulos do Tesouro) e absorve perdas em muitos investimentos do sector privado. (Esta foi a estratégia que 'funcionou' com o Japão depois de 1985.) Revalorizar o renminbi proporcionaria um ganho inesperado para hedge funds e especuladores dos EUA. Expectativas de revalorização já estão a incitar saídas de capital mais altas para a China.
Uma taxa de câmbio mais alta para o renminbi também resultaria em ainda mais saídas de dólares dos Estados Unidos para a Ásia na rubrica comércio, obrigando consumidores americanos a pagarem um preço do dólar mais elevado. Ao contrário da maior parte das suposições do 'comércio livre', o facto é que a maior parte do comércio não responde a pequenas mudanças em valores de divisas. (O jargão económico chama a isto 'inelasticidade de preço.')
Isto tornou-se claro na década de 1980 quando uma taxa de câmbio ascendente do yen do Japão não reduziu a balança comercial daquele país. Os consumidores dos EUA simplesmente pagaram mais. Esta é a razão porque, apesar da recente apreciação em 21% do renminbi, a balança comercial da China aumentou ao invés de se contrair. Da mesma forma, o yen do Japão tem-se elevado desde o Outuno de 2009, mas ainda está a acumular reservas.
Mesmo que a China revalorize o renminbi, seus preços de exportação não se elevarão proporcionalmente. Isto acontece porque importações de matérias-primas, grande parte da maquinaria e outros componentes da maior parte das exportações têm um preço mundial comum (tipicamente denominado em dólares). Assim, um renminbi mais elevado reduzirá o preço em dólar destas importações.
Cerca da metade do preço recebido pelas exportações cobre o preço e a margem gasta com estas importações com um preço mundial comum. Assim, se a divisa da China se elevar em 10% contra o dólar, o preço das importações incorporado nestas exportações (quando valorizadas em renminbi) cairá em 10%. Metade do preço de exportações não será afectada, de modo que no todo os preços de exportação podem elevar-se em 5%.
Dado o facto de que os padrões comerciais estão profundamente arraigados, seria necessário um salto enorme na revalorização do renminbi para reduzir o excedente comercial da China. Pequenas revalorizações não 'resolveriam' o problema que os diplomatas dos EUA pedem. A menos que a revalorização fosse 'enorme' – na vizinhança dos 40% – a elevação da taxa de câmbio tenderia portanto a aumentar ao invés de reduzir o excedente comercial da China. A moral é que se o objectivo é realmente mudar os padrões de exportação, não há razão para desvalorizar excepto em excesso (isto é, cerca de 40%). Este foi o princípio seguido pelo presidente Franklin Roosevelt nos EUA, em 1933.
Criar mais crédito interno a taxas de juro baixas desestabilizaria a China
As consequências de uma revalorização de renminbi seriam provavelmente aquelas dos acordos de Plaza e do Louvre a que os diplomatas americanos forçaram o Japão após 1985. Espera-se que economias com excedentes de pagamentos restaurem o 'equilíbrio' ao facilitar crédito para estimular uma saída na balança de pagamentos.
O efeito é criar uma bolha financeira, descarrilando a competitividade industrial e deixando o sistema bancário num pandemónio assolado por dívida. O Japão aceitou inundar a sua economia com bastante crédito para desestabilizar a sua indústria e mercados imobiliários com dívidas que permaneceram durante os vinte anos após o estouro da bolha em 1990. A China deveria evitar esta espécie de política a todo custo. Para evitar a sobrecarga de dívida que agora oprime as economias ocidentais, deveria minimizar a alavancagem da dívida e limitar a capacidade do sistema bancário para criar crédito ao comprar activos já existentes. Os bancos de propriedade estrangeira, em particular, precisam ser restringidos de ajudar a especulação com divisas do seu país de origem e da relacionada extracção financeira de rendimento da economia da China.
Equilibrar os pagamentos internacionais da China pela compra de recursos e activos estrangeiros
Neste momento a China já procura comprar minerais, combustíveis e recursos agrícolas no estrangeiro para abastecer-se com os produtos de que precisa para o seu próprio crescimento. Mas estes esforços ainda deixam excedentes de divisas externas substanciais. A maior parte dos países tem utilizado estes excedentes para comprar sectores chave de economias estrangeiras. Isto é o que a Grã-Bretanha, os Estados Unidos e a França têm feito durante mais de um século.
Quando a economia dos EUA incide em excedentes de pagamentos com países estrangeiros, insiste em que paguem pelas suas dívidas externas e défices comerciais em curso através da abertura dos seus mercados e pela 'restauração do equilíbrio' através da venda da sua infraestrutura pública chave, indústrias, direitos minerais e elevadas encomendas a investidores estado-unidenses. Mas o governo dos EUA tem impedido países estrangeiros de fazerem o mesmo com os Estados Unidos. Esta assimetria tem sido o factor principal a provocar a desigualdade entre os altos retornos do sector privado dos EUA e os baixos retornos oficiais do estrangeiro sobre os seus haveres em dólares.
A recusa do governo dos EUA a comportar-se simetricamente ao não deixar a China comprar companhias chave estado-unidenses com os influxos de dólares que entram na China para comprar as suas próprias companhias, acima de tudo seu sector financeiro e bancário, é em grande medida responsável pela situação assimétrica observada acima, na qual investidores dos EUA ganham 20% na China, mas a China ganha apenas 1% nos EUA.
Recomprar investimentos estrangeiros na China
A onda do futuro é evitar de todo uma acumulação de divisas externas. O meio principal para isto é uma opção que governos europeus têm discutido: utilizar seu excesso de dólares para comprar os haveres de investimentos dos EUA nos seus países, ao valor registado na contabilidade. Com efeito, a China diria aos Estados Unidos:
'Nós vos deixámos investir nas nossas próprias fábricas e mesmo nos nossos bancos, e vos deixámos participar nos nossos sectores chave mesmo quando estes têm privilégios internos especiais. Os vossos economistas aconselharam-nos dizendo que este é o modo mais eficiente de dirigir a economia. Mas não é avisado que os próprios Estados Unidos o sigam. Vocês não estão a deixar-nos utilizar os dólares que investiram aqui – e os dólares que a China ganha ao exportar os produtos do seu trabalho – para comprar investimentos correspondentes no vosso país'.
'É naturalmente do direito soberano de todo país determinar quem possuirá e controlará a sua indústria, os privilégios bancários de criação de crédito e outros recursos. Aceitamos este princípio do direito internacional. Assim, analogamente, estamos a utilizar o excedente de dólares para comprar investimentos dos EUA e de outros países na China. Estamos desejosos de fazer isto de acordo com o direito internacional e a pagar o valor registado na contabilidade com que os vossos próprios contabilistas relatam ser o valor dos seus investimentos na China'.
'Isto estabilizará as taxas de câmbio internacionais ao restaurar o equilíbrio dos pagamentos internacionais. É especialmente natural visto que entendemos que o mercado de bens de consumo dos EUA está a contrair-se, obrigando-nos a nos voltarmos para o nosso próprio mercado interno'.
Obviamente, os detentores estado-unidenses de investimentos na China queixar-se-iam de que os seus haveres estão a valor mais do que o valor registado na contabilidade que declararam. Na verdade, esta é a principal razão porque os actuais investidores na China estão a tentar impedir o governo dos EUA de se empenhar mais em políticas proteccionistas anti-chinesas. Mas caso os governos rejeitem o seu conselho e 'avancem sozinhos' tomando medidas anti-China, a China estaria em posição de responder a uma iniciativa dos EUA ao invés de actuar independentemente. E certamente teria o apoio de outros países numa posição semelhante em relação às tentativas dos EUA de politizar o investimento estrangeiro.
Este problema surgiu nas décadas de 1960 e 70, quando o governo dos EUA direccionou filiais estrangeiras de firmas estado-unidenses a adoptarem políticas da Guerra-fria para evitar comércio com a China, a União Soviética e outras economias alvo. Governos estrangeiros salientaram, quanto às directivas dos EUA de como filiais em países estrangeiros podiam actuar, que as filiais estavam sujeitas às leis do país hospedeiro e não àquelas dos Estados Unidos.
Esta questão está a ser ressuscitada hoje em relação às sanções contra o Irão e outros países. O direito internacional há muito tem há muito apoiado países hospedeiros em relação a comércio e política de investimento, política de crédito e assim por diante. Espero que isto se torne um factor importante nas recompras estrangeiras de investimentos dos EUA no exterior – na Europa e em outros países asiáticas, inclusive a China.
Talvez venha a ser necessária uma comissão para debater um preço justo para estas compras futuras. Mas tais casos habitualmente levam um tempo considerável para resolver. Há implicações desta política que preferiria discutir oralmente num momento apropriado ao invés de elaborar mais na presente carta.
Sumário: A iniquidade do défice do dólar
A China, o resto da Ásia e a Rússia têm estado a financiar os gastos em dólares dos EUA no estrangeiro para pagar pelo cerco militar da América do Hemisfério Leste e para investidores dos EUA comprarem as jóias da coroa da indústria, instituições financeiras e infraestrutura pública asiática. Esta situação é assimétrica não só economicamente como também politicamente. Em 1823, a Doutrina Monroe dos EUA dizia à Europa para manter-se afastada do Hemisfério Ocidental, acabando com o colonialismo e a hegemonia política europeia na América Latina. Os Estados Unidos substituíram as principais potências europeias como investidor e influência política e militar.
Hoje, muitas pessoas nos Estados Unidos, Canadá e Europa pretendem ver o desarmamento global num mundo multi-polar ao invés de num mundo unipolar. Elas acreditam que nenhum país deveria obter um benefício sem custo ou dominar o mundo militarmente. Isto não seria um mercado livre. No fim, relações económicas, políticas e militares tendem a estabelecer-se com regras comuns simétricas para todas as partes. Uma geração atrás, o economista de Harvard Albert Hirschman apelou ao desinvestimento dos EUA na América Latina e países do terceiro mundo argumentando com o próprio interesse económico dos EUA. Hoje, a economia dos EUA está a sofrer de défices crónicos do orçamento interno que em grande medida são de carácter militar, e défices de pagamentos crónicos. Desescalar gastos militares libertaria recursos para utilização na sua própria economia, enquanto permitiria às economias estrangeiras tornar menos intensos os seus próprios orçamentos militares.
Esta lógica é endossada por muitos cidadãos e economistas dos EUA. Ela pode ser promovida por um sistema no qual nenhuma economia nacional permaneça num sistema monetários baseado nos gastos militares de um país militarizado em défice crónico e dívida em ascensão para além da sua previsível capacidade de pagar. Esta espécie de benefício gratuito caracterizou os impérios de tempos passados, mas o presente século promete um mundo mais justo, equitativo e (esperançosamente) menos militarizado.
12/Julho/2010
[NT] IOUs: I owe you, acordo para a devolução de uma dívida
[*] Professor emérito de Ciências Económicas, Universidade do Missouri (Kansas City), Professor honorário da Huazhong University of Science and Technology (Wuhan)
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