Blog do Mario: "Financiamento e novos modelos de gestão dominam debate sobre o SUS na Assembléia Legislativa
ASRI/NEMS-PR
A Assembléia Legislativa do Paraná instalou nesta terça feira o “Fórum Permanente em Defesa do SUS”, com um debate sobre o tema “O SUS que temos e o SUS que queremos”. Participaram do evento parlamentares, gestores federais, estaduais e municipais, pesquisadores, diretores de hospitais públicos e privados, conselhos municipais e estadual de saúde, representantes do Ministério Público e de entidades de classe. Os palestristas convidados, o ex-Ministro da Saúde José Gomes Temporão e a pesquisadora Lígia Bahia fizeram uma ampla abordagem sobre os principais problemas enfrentados pelo SUS no momento, destacando aqueles relacionados ao modelos de financiamento e de gestão do sistema.
Segundo o deputado Gilberto Martin, um dos articuladores do Fórum, “há, atualmente, um déficit de cerca de R$ 50 bilhões no investimento em saúde e um caminho para alocar novos recursos passa pelo desafio de regulamentar a Emenda Constitucional 29”.
Já, o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, afirmou que “a regulamentação definirá o que é ou não gasto em saúde e que isso só não ocorreu ainda por falta de vontade política. Temporão lamentou também o fim da CPMF. Para ele, o fim da contribuição trouxe graves prejuízos financeiros para a saúde e só favoreceu os empresários e os setores envolvidos com sonegação e lavagem de dinheiro. Para Temporão, a CPFM só não retornou porque foi demonizada pela mídia. Neste aspecto, o ex-ministro foi contestado por gestores municipais os quais afirmaram que a CPMF perdeu o apoio popular pelo fato de não ter seus recursos integralmente destinados à saúde. Por isso, defendem a criação de um imposto sobre movimentações financeiras com destinação integral dos recursos para as ações de saúde.
A professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e diretora da ABRASCO, Ligia Bahia, afirmou que “a regulamentação da EM 29 não sai porque a área econômica é contra. Este ano deve ser de ajuste e de cortes, então não deve sair em 2011”.
Novos modelos de gestão como parcerias com a iniciativa privada ou fundações estatais estabeleceram outro eixo polêmico para o debate. Temporão entende que “cada conjunto de municípios e estados devem definir o que é melhor para si, já que o modelo ideal pode variar em cada localidade, desde que as opções não conflitem com os princípios pétreos do SUS: universalidade, equidade, controle social, transparência e gratuidade. Isso é o que não pode mudar”.
Ligia Bahia reforçou a necessidade de se lutar contra a privatização do SUS, mas que a forma de contratação dos profissionais de saúde tanto pode ser pelo RGU quanto pela CLT. Entende, entretanto, que os contratados pelo RGU devem assumir o compromisso da dedicação exclusiva. Segundo ela, “a manutenção de outros vínculos também é uma forma de privatização do SUS”.
Lígia também criticou duramente os planos de saúde, afirmando que há muita condescendência governamental com esse setor. Tanto ela quanto Temporão defenderam a proibição dos planos de saúde privados para os servidores públicos em todos os níveis da administração. Lígia destacou que 'na Inglaterra, servidor público não pode ter plano de saúde privado porque há um claro conflito de interesses'.
Falta vontade política para destinar mais verba para a saúde
José Gomes Temporão, ex-ministro da Saúde, em entrevista ao jornal Gazeta do Povo
O ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão criticou ontem, em Curitiba, a criação de um plano de cargos e salários para o Sistema Único de Saúde (SUS) e disse que a Emenda Constitucional n.º 29 (que propõe investimentos em saúde de 10% a partir da arrecadação de impostos pela União, 12% para os estados e 15% para os municípios) não foi regulamentada por falta de vontade política. Temporão participou do 1.º Ciclo de Debates do Fórum Permanente em Defesa do SUS, na Assembleia Legislativa do Paraná. Ele defendeu o modelo de Organizações Sociais de Saúde (OSS), desde que não entre “em conflito com os princípios do SUS, de equidade e gratuidade”.
Por estar “desencarnando do cargo”, Temporão afirmou que não poderia “colocar o dedo na ferida” nas discussões sobre o SUS. O ex-ministro ressaltou também que o “Dr. Google” impõe novos desafios aos médicos. “O paciente chega com o diagnóstico. Há uma nova visão do cidadão comum sobre a saúde. Ele cobra mais qualidade, o que cria uma nova dinâmica”. Confira trechos da entrevista à Gazeta do Povo:
O senhor afirmou que houve vários avanços na saúde brasileira. Quais?
Os macroindicadores são muito positivos. A mortalidade infantil segue em queda e a expectativa de vida ao nascer vem aumentando. Mortes por doenças cardiovasculares caíram 15% nos últimos 10 anos. Avançamos na questão da prevenção, com grandes campanhas de vacinação como a da rubéola congênita e da gripe H1N1. No mundo inteiro, ninguém queria tomar a vacina contra a nova gripe. No Brasil, vacinamos metade da população.
A regulamentação da Emenda 29 é uma reivindicação antiga. Ela resolveria os problemas na área da saúde?
Se durante 11 anos não foi regulamentada é porque não houve interesse nem dos estados nem da esfera federal. Estados investem 8%, 7% e maquiam gastos. A bola está agora com o Congresso Nacional. Durante quase quatro anos lutei pela regulamentação. É uma preocupação da Frente Parlamentar da Saúde e da própria presidente Dilma Rousseff, que colocou que essa é uma preocupação dela. Quem sabe agora vai.
O senhor disse ser contra a criação de um plano de cargos e salários para os médicos e funcionários do SUS. Por qual motivo?
Alguns setores apresentam isso como mágica. Eu vejo mais um problema do que uma solução. As dificuldades regionais, as diferenças do mercado e a disponibilidade dos profissionais são realidades completamente distintas. Eu não posso usar o mesmo modelo de organização dos serviços e do trabalho em saúde de São Paulo e da Amazônia Legal. Não me agradam essas soluções macros, apostaria mais em soluções regionais.
E sobre os modelos de Organizações Sociais de Saúde (que regulamentam parcerias com entidades filantrópicas), algo que tem gerado polêmica. O senhor acredita que podem funcionar?
Temos que abrir esse debate de maneira franca, não pode ficar com monopólio de ninguém. Muitas vezes há uma apropriação deste tema por questões corporativas de classes, que colocam os seus interesses específicos. Sou a favor de que cada estado e município defina seu caminho, desde que não se tenha conflitos com os princípios do SUS de equidade, transparência e gratuidade. Muitos governadores, como os da Bahia e Sergipe optaram por modelo da fundação estatal, que eu defendo.
O senhor disse que a perda da CPMF foi um retrocesso. Qual seria a solução?
São discussões que precisam continuar. Concordo que a CPMF teve um vício de origem. Ela foi vendida para a sociedade brasileira como uma solução para a saúde e foi desviada. O que nós estávamos defendendo naquele momento [em 2007] foi a manutenção da CPMF 100% alocada à saúde. Isso teria sido muito bom. Perdemos, página virada. Agora a conjuntura é outra. Se há necessidades de mais recursos financeiros, de onde sairá? Da criação de um novo imposto? Diretamente para a saúde ou não? Precisa de debate. A taxação maior de produtos como álcool e cigarro é o que eu defendo, vejo como uma boa solução.
O SUS que ainda não foi implementado
Raquel Júnia
'O SUS jamais chegou a ser constituído apesar de estar na Constituição'. A frase da professora Ligia Bahia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sintetiza um balanço dos 23 anos do SUS.
De acordo com Lígia, no Brasil temos um Sistema Nacional de Saúde, o que possibilitou uma modificação na relação entre o estado e a sociedade e que, das inúmeras tentativas de modificação deste sistema, em certa medida se conseguiu preservá-lo. 'Este processo foi longo e não foi uma evolução linear. 20 anos depois, nós não temos o SUS como queríamos', ressaltou.
Reler a história
Ligia Bahia aposta que a história do SUS 'deve sair dos gabinetes oficiais e passar a ser assumida pela sociedade'. A professora ressalta que assim como outras histórias, a do SUS também é permeada de mitos e, inclusive, de vilões. Um dos mitos levantados é o de que a Constituição de 1988, que criou o SUS, foi um grande consenso. Ela lembrou, por exemplo, que o Partido dos Trabalhadores (PT) não assinou a Constituição por não considerar na época que a Carta respondia às reivindicações populares. 'No Brasil parece existir um céu de brigadeiro no qual se projeta a narrativa de uma evolução linear do SUS', criticou Ligia.
Como exemplo do processo que ela ‘denunciou' como a tentativa de se criar uma outra narrativa para a história do SUS, Ligia lembrou o filme Políticas de Saúde no Brasil: um Século de Luta pelo Direito à Saúde, produzido pela Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde em 2007. Segundo ela, o documentário conta a história do SUS a partir desta perspectiva linear e o apresenta como uma conquista do movimento social. 'Havia um contexto de lutas com as Diretas Já, entre outras mobilizações, e o movimento sanitário, na verdade, pegou carona no movimento social', disse. Para a palestrante, o filme retira de cena, por exemplo, o sanitarista Sergio Arouca, expoente da Reforma Sanitária brasileira que ela classificou elogiosamente como uma 'liderança desinteressada'. Ligia destacou que, diferente do que a história fez parecer, Arouca, que era ligado ao PCB, integrava o grupo que, naquela época, acreditava que as reformas deveriam ser implantadas de cima para baixo, a partir do Estado - do outro lado, segundo a palestrante, estava o grupo ligado ao PT, que apostava na reforma a partir da base, de baixo para cima.
Outra narrativa produzida sobre o SUS foi, segundo a palestrante, a comparação com o período anterior ao da sua vigência. 'Existe uma ideia errônea de que antes do SUS havia o zero, as trevas, que os brasileiros não tinham direito nenhum. Mas não era assim, havia hospitais municipais, serviços na previdência que eram universais e atendiam também os brasileiros que não tinham carteira assinada', descreveu. Para Ligia, o objetivo é criar uma baixa expectativa em relação ao SUS. 'Não vamos querer muito mais do que isso, porque afinal, por esta visão, saímos das trevas. Para quem sai das trevas, qualquer feixinho de luz está bom', ironizou, dizendo que este tipo de pensamento na verdade é um discurso conveniente. Destacando o fato de que o SUS é apoiado por todos, produzindo um 'consenso vazio', ela alertou para a necessidade de se ter clareza 'de que SUS estamos falando hoje', para que isso se traduza em ações concretas.
A saúde nos programas de governo
Para Ligia, essa mitificação da história do SUS e dos seus resultados dá uma pista de por que a saúde não é prioridade como área que requer reformas ou investimentos estruturais. Um exemplo trazido por ela foram os programas dos três candidatos mais populares à Presidência da República. 'Um programa fala em aumentar o subsídio dos medicamentos de 90% para 100%; o outro em fazer mutirões para operação de catarata, próstata e varize. E os candidatos são pessoas experientes, figuras públicas que conhecem muito o Brasil. Mas então, por que propostas tão modestas? Porque parece que está tudo muito bem', analisou.
Contrapondo-se a essa visão de que o Brasil é um 'céu de brigadeiro' e de que com o SUS saiu-se das trevas para a luz, a palestrante citou os resultados de uma pesquisa recente em que 41% dos entrevistados apontam a saúde como o maior problema. 'Na Europa, a saúde aparece em 5º lugar. Lá, o principal problema é o desemprego. É claro que nós temos desemprego aqui também, mas a saúde é apontada em primeiro lugar. E nossos candidatos não querem mudar completamente nada, só um pouquinho mais do mesmo', observou. Ligia considera que como resultado dessa ideia de que o SUS já é uma grande conquista consolidada, 'estamos concedendo muitos abatimentos ao nosso direito'. Ela defendeu que a aceitação de 'subsistemas', de ambulâncias ou de medicamentos, no lugar de um sistema nacional de saúde como um direito de verdade, é um retrocesso.
Privatização da saúde e formação para o SUS
A pesquisadora destacou que enquanto militantes e dirigentes sindicais continuam acreditando que a questão da saúde está resolvida, a privatização do SUS aumentou muito nesses mais de 20 anos. Ela lembrou que uma parte dos sindicalistas aderiu aos planos privados de saúde como reivindicação. Com isso, destacou, é preciso refletir sobre o que a população almejará daqui em diante, sobretudo as parcelas que de alguma forma tiveram acesso a programas sociais, como o Bolsa família. 'Essas pessoas quererão o SUS ou um sistema barato de saúde?', provocou.
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