segunda-feira, 18 de abril de 2011

Um grande especialista revela segredos dos centros bancários offshore

Um grande especialista revela segredos dos centros bancários offshore: "Um grande especialista revela segredos
dos centros bancários offshore
por Entrevista de Michael Hudson
a Standard Schaefer [*]

Michael Hudson.
A indústria petrolífera estabeleceu a prática, há um século atrás, de os navios arvorarem 'bandeiras de conveniência' como meio de evitar impostos sobre o rendimento. Desde a década de 1960 o próprio governo norte-americano tem encorajado bancos americanos a instalar filiais de centros hot-money [NT] no Caribe e em ilhas mais distantes a fim de para atrair dinheiro estrangeiro para o dólar. O objectivo inicial era ajudar a financiar a Guerra do Vietnam tornando os EUA numa nova Suíça para o hot money do mundo.

Esta política teve êxito em transformar os Estados Unidos num centro de capital volátil para ditadores do terceiro mundo, presidentes mexicanos e oligarcas russos. A antiga União Soviética agora financia uma porção substancial do défice da balança de pagamentos dos EUA com o capital volátil que os 'reformadores' neoliberais facilitado pelos cleptocratas da retaguarda. O resultado transformou-se um sistema completo que permite às corporações transnacionais evadirem impostos por toda a parte, incluindo os próprios Estados Unidos. Isto permite a investidores internos globalizarem as suas operações através da montagem de filiais offshore estilo Enron nas Ilhas Cayman, nas Índias Ocidentais Holandesas ou em alguma pequena e agora famosa ilha do Pacífico à sua escolha.

O sistema de regulamentação permissivo relativo a estas cabeças de ponte offshore da evasão fiscal evoluiu para um ponto que permite a investidores americanos e europeus livrarem-se de impostos simplesmente contratando um advogado para montar um escritório num lugar conveniente e descobrir uma firma de contabilidade apta a efectuar os seus registos acriticamente — o que é suficientemente bom para a aceitação das autoridades fiscais nestes dias de operações tributárias reduzidas. O resultante mergulho no ratio das obrigações fiscais das corporações em relação ao rendimento nacional tem sido um factor de grande importância no crescente défice do orçamento federal dos EUA. Negócios — e especialmente o sector financeiro — estabelecem companhias testas-de-ferro e ajustam os seus preços de transferência (exemplo: sobre vendas de matérias-primas a refinarias, e de produtos refinados ou semi-manufacturados para os seus distribuidores finais nos países industriais) de modo a terem todos os seus lucros nestes enclaves livres de impostos.

O capital volátil não deixaria os países se não tivesse algum lugar seguro para ir. Um crescente número de ilhas para evitar impostos aproveitam o facto de que elas são bastante pequenas para adoptarem quaisquer códigos fiscais que pretendam. Advogados a actuarem por conta de lobbies financeiros e de negócios na América do Norte e na Europa redigiram leis que transformam estes centros bancários naquilo que o Prof. Hudson chama anti-Estados.


SS: Em anteriores entrevistas o sr. explicou como a economia tem sido 'financiarizada' de modo a libertar empresas do fisco. Que papel desempenham nisto os paraísos fiscais?

MH: As empresas montam companhias de comércio em ilhas sem impostos e declaram quaisquer rendimentos ou ganhos de capital que obtenham no imobiliário, acções ou outros investimentos como feitos nestas 'cascas' (shells) . Isto levou à ironia de que os impostos tornaram-se puramente voluntários para os negócios modernos.

SS: Como isto afecta a economia interna dos EUA?

MH: Desonerar de impostos os rendimentos dos negócios — e os rendimentos financeiros em particular — faz com que os contribuintes individuais suportem o fardo fiscal através da retenção nos salários da Segurança Social, Medicare e contribuições de fundos de pensão. Os consumidores também suportam um fardo crescente por meios de impostos sobre as vendas e outros impostos locais.

SS: As estatísticas confirmam isto?

MH: Os paraísos fiscais offshore permitem às companhias multinacionais dar a impressão de que não ganham quaisquer rendimentos com os negócios feitos nos países onde os impostos são gravados a taxas europeias ou norte-americanas. A realidade é que as companhias americanas fazem um bocado de dinheiro que não declaram. Entretanto, os centros bancários offshore libertam-nas de terem de pagar impostos sobre estes rendimentos, ou sobre ganhos de capital. É por isso que estamos a incorrer em défices orçamentais tão elevados hoje em dia.

SS: Sei que tem uma experiência de 40 anos em relação a estes centros bancários offshore e enclaves livres de impostos.

MH: Aprendi sobre eles no decorrer do meu trabalho como economista especializado em balança de pagamentos, e posteriormente como administrador de um fundo mútuo. Minha primeira pista sobre como estes enclaves eram montados tive ao trabalhar para o Chase Manhattan Bank em 1965-66 e me foi atribuida a tarefa de redigir um relatório sobre os impacto da indústria petrolífera na balança de pagamentos dos EUA. Depois de ler os livros habituais sobre como o cartel operava em todo o mundo ainda tinha dificuldades em perceber as declarações de rendimentos e despesas da indústria petrolífera e as estatísticas publicadas pelo Departamento de Comércio.

Meu principal problema era descobrir onde as companhias de petróleo faziam os seus lucros. Seria na produção final onde o petróleo bruto era extraído do chão, ou na fase do processamento onde o petróleo era refinado, ou na distribuição final onde era vendido aos seus utilizadores finais para aquecer edifícios, movimentar carros, voar aviões e fabricar produtos petroquímicos e plásticos?

David Rockefeller conseguiu-me um encontro numa tarde com Jack Bennett, o tesoureiro da Standard Oil of New Jersey (a velha Esso antes de ter mudado o seu nome para Exxon). 'Os lucros são feitos exactamente aqui, no gabinete do Tesoureiro', explicou ele, 'onde quer que eu decida'. Ele mostrou-me o vasto espaço de manobra (leeway) que um conglomerado global organizado verticalmente desfruta por ser capaz de assinalar 'preços de transferência' feitos para declarar o lucro global em qualquer ponto em que os impostos sejam mais baixos no estatisticamente labiríntico trajecto do petróleo entre a cabeça do furo e o postos de abastecimento de gasolina.

Os impostos eram mais baixos (de facto, não existentes) no Panamá e na Libéria, onde a indústria regista devidamente os petroleiros sob as suas bandeiras de conveniência. A Standard Oil apreçava baixo o bruto para estes navios filiados, e vendia-o a preço alto, quase a preço de retalho a refinarias e tomadores no mercado dos países industriais consumidores de petróleo.

SS: Como é que alguém poderia utilizar as estatísticas para detectar o que está a acontecer?

MH: Não é fácil descobrir transações com estes países de bandeira de conveniência nas estatísticas da balança de pagamentos dos EUA. Ao invés de serem listados como países genuínos na África ou na América Latina, eles aparecem ao invés disso sob um obscuro título de coluna chamado 'internacional'. Os que os vêem apressadamente tendem a passar isto por alto, pois não indica um país ou região específica. Algumas pessoas podem imaginar mesmo que isto se refira a veneráveis organizações internacionais como as Nações Unidas, o FMI ou o Banco Mundial. Mas o que 'internacional' significa é, muito simplesmente, 'navios internacionais' registados sob bandeiras de conveniência. Muito adequadamente, eles não pertencem realmente à economia de um país estrangeiro, porque é uma ficção legal de que as companhias dos EUA utilizam simplesmente para produzir pós de impostos numa base irrealista 'como se'.

SS: O sr. está a dizer que as estatísticas são traduzidas numa linguagem de irrealidade.

MH: Uma não realidade cuidadosamente estruturada — e uma não realidade que tem consequências para o mundo real, pode estar certo. A essência deste jogo é que a Esso e outros majors do petróleo foram capazes de 'jogar' os sistemas fiscais mundiais pela venda do seu petróleo bruto a um preço tão baixo às suas companhias de navios petroleiros de modo a deixar pouco rendimento para a Arábia Saudita, Venezuela ou outros países produtores de petróleo. Isto desencorajou-os a assumirem o controle da sua riqueza mineral, especialmente porque eles não têm frotas de petroleiros para movimentar este óleo. As filiais de navegação das corporações deram meia volta e vendem o seu petróleo às suas refinarias a jusante. Estas geralmente foram localizadas seguramente no offshore em diferentes jurisdições políticas (ex.: Trinidad para o petróleo venezuelano). O petróleo era transferido a tão alto preço que apesar do pesado investimento de capital nestas instalações, os refinadores e os distribuidores relatavam perdas ano após ano, década após década.

SS: Como puderam as autoridades fiscais na Europa e nos EUA não entender o que estava a acontecer?

MH: É aqui que o poder de lobbying político dos grandes grupos de interesses entram em cena. A sua capacidade para evitar ter de declarar rendimentos sobre os quais os impostos seriam devidos reflectiu a passividade dos colectores de impostos na Europa e na América do Norte onde estavam localizadas a maior parte das instalações a jusante. Alguém pode pensar que tais governos teriam imputado um imposto mínimo, com base no princípio de que qualquer investimento deve esperar ganhar pelo menos uma taxa normal de retorno, do contrário não seria efectuado ou mantido. Fechando os olhos a esta lógica, os governos aceitaram as declarações de lucros e perdas tal como os contabilistas das companhias as submetiam. Eles permitiram que os lucros da perfuração de petróleo, refinação e marketing desaparecessem no buraco negro da navegação internacional.

As companhias mineiras seguiram uma prática contábil semelhante, com as suas frotas de navios e refinarias. Estas companhias de petróleo e de minerais estavam entre as maiores multinacionais.

SS: O sr. está a dizer que os lucros caíram estatisticamente, mas não realmente. O que significa isto para a teoria de que os preços de mercado estabelecem (allocate) recursos eficientemente ao reflectirem custos de oferta e procura?

MH: O desenvolvimento de abrigos fiscais em países bandeira de conveniência para registar lucros corporativos dificilmente pode ser encarado como um fenómeno meramente marginal. Por aproximadamente um século desempenhou um papel central nas economias americana e europeia. Mas os preços são fictícios ao invés de resultarem de custos reais ou da oferta e procura. Somente o imenso poder político destes sectores extractivos poderia ter induzido os seus governos a permanecerem tão passivos em face do dreno fiscal que eles implicam — um tratamento fiscal favorável negado aos demais contribuintes.

Entretanto, gradualmente outros sectores aprenderam a emular a estratégia de evitar impostos pela utilização de centros bancários offshore.

SS: Além dos preços de transferência eram usados outros truques contábeis?

MH: Companhias mãe consolidaram os seus campos petrolíferos no Extremo Oriente, África e América do Sul dentro dos seus balanços internos americanos por meio da organização das mesmas não como filiais estrangeiras distintas mas sim como 'ramos'. Esta tecnicalidade permitiu-lhes tomar todo o crédito fiscal americano por esgotamento (depletion) em relação ao seu rendimento. O esgotamento de recursos de outros países era tratado como se eles fizessem parte da economia americana — excepto que os lucros eram tomados na Libéria e no Panamá.

SS: O sr. teve quaisquer conflitos ao trabalhar para o Chase e as companhias de petróleo ao produzir este relatório?

MH: Foi-me dada rédea larga. Disseram-se para produzir as melhores estatísticas possíveis. Eles tornaram claro que se as respostas não fossem aquelas que eles e a indústria do óleo esperavam, não publicariam o meu relatório, mas pelo menos queriam saber qual era a situação estatística. Aceitei a encomenda nestes termos.

COMO OS GOVERNOS RUSSO E AMERICANO ALIMENTARAM OS CENTROS OFFSHORE DE CAPITAL VOLÁTIL

SS: Como estes paraísos fiscais evoluíram para centros financeiros offshore independentes das operações de companhias de navegação?

MH: O denominador comum é evitar impostos, mas a proliferação de centros bancários offshore ganhou uma vida própria, com base no capital volátil e no hot money .

SS: Isto também ocorreu em resultado de manobras fiscais corporativas?

MH: Esta não foi a principal motivação. A Suíça e o Liechtenstein teriam bastando para o nível de capital volátil e poupanças criminais que caracterizavam a década de 1950. A fim de os paraísos hot-money de tipo moderno emergirem, teve de ser criada uma configuração institucional para possuir dólares ou outras divisas duras fora dos seus países de origem — algo que proporcionasse o mesmo grau de 'privacidade', 'confidencialidade' e portanto imunidade em relação às autoridades que a Suíça proporcionava com as suas famosas leis do segredo bancário.

As companhias de petróleo e de minérios não infringem as leis nem fazem qualquer coisa ilegal, e portanto não precisam desta espécie de privacidade. Elas simplesmente redigem e emendam as leis fiscais para inserir alçapões (loopholes) em favor de si próprias. O dinheiro real era mantido nas suas sedes. Mas os centros bancários offshore destinavam-se a uma espécie diferente de depósitos — aquele que precisava ser mantido fora do alcance das autoridades americanas ou europeias.

SS: Então como se desenvolveram estes veículos offshore para depósitos de dólares?

MH: Na realidade, o grande catalisador foram os soviéticos e os próprios governos americanos. A história começa com a criação do mercado do eurodólar durante os anos da Guerra Fria.

Em fins da década de 1950 a União Soviética tinha um problema. Precisava de contas bancárias denominadas em dólares americanos para pagar os seus vários programas de despesas no Ocidente. Mas a Guerra Fria aquecia, ela temia que o governo americano pudesse confiscar suas contas bancárias nos EUA (tal como o Chase Manhattan faria com o Irão após o derrube do xá). A Rússia portanto abordou um certo número de bancos britânicos e sugeriu que estabelecessem contas permitindo às agências soviéticas manterem as suas receitas de dólares em contas denominadas em dólares (ao invés de converte-los em libras esterlinas) e utilizar estas contas em dólar para pagar fornecedores no Ocidente. Os bancos britânicos concordaram e assim nasceu o mercado eurodólar — um mercado para depósitos de dólares possuídos fora dos Estados Unidos.

SS: Assim, uma grande inovação no capital financeiro foi estabelecida pelos próprios soviéticos. Percebiam eles o que estavam a fazer? Ao tentarem evadir-se ao controle americano, acabaram por ajudar ou prejudicar os interesses globais dos EUA?

MH: Ninguém captou as implicações a princípio. Como acontece muitas vezes, esta inovação financeira alimentou uma sucessão de consequências inesperadas. As multinacionais americanas consideraram útil manter dólares offshore para facilitar suas próprias transações, especialmente quando elas começaram a comprar firmas europeias e outras estrangeiras e estabelecer os seus próprios ramos além mar.

Os bancos americanos montaram agências (branches) em Londres e outros centros monetários a fim de servir estas companhias. Quando a política monetária foi endurecida, durante o anos da Guerra do Vietnam, estes bancos acharam mais fácil a oferta de dinheiro vinda das suas agências estrangeiras. As agências reguladoras bancárias não haviam previsto este desenvolvimento e não impuseram qualquer exigência de que as matrizes pusessem de lado reservas contra os depósito que vinham destes ramos estrangeiros. Assim, os depósitos eurodólar tornaram-se a grande fonte de depósitos para os grandes bancos internacionais americanos para emprestar quando o dinheiro estava a ficar apertado devido ao dreno da Guerra do Vietnam na balança de pagamentos.

COMO O GOVERNO AMERICANO PRESSIONOU O CHASE A MONTAR AGÊNCIAS NOS CENTROS DE HOT-MONEY

SS: Qual foi a experiência mais notável que teve com estas instituições?

MH: A Guerra do Vietnam estava a empurrar a balança de pagamentos para o défice, drenando a oferta de ouro que suportava a divisa. O ouro fora a alavanca da potência financeira internacional dos EUA desde a Primeira Guerra Mundial, e agora estava a fluir para fora a fim de pagar a guerra no sudeste asiático.

As administrações Johnson e Nixon sabia que se travar a guerra significasse menos consumo interno os eleitores opor-se-iam à guerra. Assim, eles prosseguiram uma política de canhões e manteiga, promovendo um consumo interno pesado e gastos deficitários, deixando pouco para vender para fora. Os Estados Unidos não estavam desejosos de permitir que sectores económicos chaves fossem vendidos a estrangeiros para equilibrar os seus pagamentos internacionais, embora aconselhassem outros países devedores a fazer isso depois de 1980.

Responsáveis americanos procuram atrair divisas estrangeiras de qualquer forma, mas as suas opções eram limitadas. Uma grande possibilidade permanecia: atrair capital volátil estrangeiro. Isto podia ser feito sem ascender as taxas de juros internas, mas proporcionando um paraíso seguro para o hot money estrangeiro. Portanto, os estrategas geopolíticos americanos estavam desejosos de aceitar depósitos bancários estrangeiros, sem importar de onde viessem.

Em termos de balança de pagamentos, o dinheiro estrangeiro ao ser convertido em dólares e mantido em agências estrangeiras de bancos americanos faria isto tão bem como dinheiro em bancos americanos, na medida em que estes depósitos fossem mantidos em dólares e não em divisas estrangeiras.

SS: Isto foi uma política explícita

MH: Bastante explícita. Isto foi no tempo em que tanto hot money estava a ir para a Suíça que o seu franco estava a tornar-se a mais dura divisa do mundo. Os estrategos financeiros americanos procuraram uma política que apoiasse o dólar em grande parte da mesma maneira. O Departamento de Estado e do Tesouro abordaram os principais bancos internacionais do país com uma proposta para fazer algo que eles teriam temido fazer sem o incentivo oficial. Eles deviam estabelecer e expandir as suas próprias agências nos grandes centros de capital volátil do mundo — e talvez ajudar a estabelecer alguns novos. Isto não só atrairia dinheiro volátil estrangeiro como manteria internamente as quantias substanciais que estavam a ser enviadas para o exterior pelos evasores fiscais americanos.

Em 1996 um antigo empregado do Departamento de Estado que se havia tornado responsável do Chase perguntou a minha opinião acerca de um memorando que esboçava o interesse comum entre a diplomacia económica e os bancos internacionais do país em relação ao estabelecimento de agências offshore destinadas a atrair algum do hot money do mundo afastando-o da Suíça e de outros centros de capital volátil.

Os EUA são provavelmente o segundo maior centro volátil no mundo, mas com pouca probabilidade de rivalizar com a Suíça num futuro previsível. Tal como a Suíça, o dinheiro volátil flui para os EUA provavelmente de todos os países do mundo. É manuseado quase exclusivamente pelo grandes brokers de Nova York e Miami, advogados, e principais bancos comerciais. Responsáveis do próprio CMB International Department and Trust Department confirmam que manuseiam uma razoável quantia de dinheiro volátil estrangeiro. Entretanto, isto é insignificante em relação ao total potencialmente disponível.

Há um consenso geral entre responsáveis do CMB e peritos tanto americanos como europeus que entidades com base nos EUA ou controladas pelos EUA são gravemente penalizadas na competição pelo dinheiro volátil com os suíços ou outros centros monetários a longo prazo. Isto se deve aos seguintes factores interrelacionados:

(a) A demonstrada capacidade do Tesouro americano, do Departamento da Justiça, da CIA e do FBI para obterem registos de clientes, congelarem contas de clientes, e forçarem o testemunho de responsáveis americanos em entidades controladas pelos americanos, com apoio adequado nos tribunais americanos.

(b) O investimento restritivo americano e os regulamentos e políticas de corretagem, os quais limitam a flexibilidade e o segredo da actividade de investimento.

(c) O imposto americano sobre património e a retenção fiscal sobre investimentos estrangeiros.

(d) O papel dos EUA como grande contendor na Guerra Fria, e a resultante probabilidade de que investimentos através de uma entidade americana poderiam ser expostos a qualquer hostilidade ou congelamento de activos ocorridos devido à Guerra Fria.

(e) A visão geralmente mantida (e parcialmente incorrecta) de muitos estrangeiros refinados de que os administradores de investimentos americanos são ingénuos e inexperientes na manipulação de fundos estrangeiros, especialmente em mercados estrangeiros.

Apesar destas limitações, os EUA provocaram o interesse de possuidores de dinheiro volátil sob outros aspectos. Isto inclui: Os maiores e mais activos mercados de valores (securities) do mundo, assegurando tanto liquidez como diversificação. Facilidade de transferências e manuseamento mecânico de investimentos, parcialmente através da rede mundial de bancos americanos. A principal reserva de divisas do mundo, o dólar americano. Em anos recentes, inigualada estabilidade financeira e um dos mais altos níveis de crescimento económico entre os principais países industriais. Finalmente, probabilidade desprezível de revolução ou confisco, e baixa probabilidade de inconvertibilidade.

O memorando citava Beirute, Panamá, Suíça e outros centros a partir dos quais os governo americano convidava o Chase a atrair capital volátil internacional através da colocação dos seus serviços à disposição dos ditadores existentes e em perspectiva, traficantes de droga, criminosos e mesmo adversários da Guerra Fria.

O Chase e outros grandes bancos americanos responderam com a montagem de uma rede de centros offshore para converter os EUA numa Suíça de alto nível.

SS: Isto realmente aconteceu, e o governo concordou com isto?

MH: O governo e os bancos estavam bem conscientes do facto de que os delinquentes são as pessoas mais líquidas do mundo, pela simples razão de que eles temem possuir propriedade à plena vista das autoridades — excepto nos caos em que a sua propriedade real pode ser lavada através de um labirinto de companhias fachadas e placas com nomes nas dobras legais dos gabinetes de advogados offshore que ganham a sua vida administrando tais estratagemas financeiros. As grandes firmas de contabilidade americanas, firmas legais e conselheiros de investimento logo entraram no negócio de aconselhar corporações e clientes ricos a montarem contas bancárias offshore em nome de companhias de papel.

SS: Parece uma bomba. Alguma vez já publicou isso?

MH: Mostrei ao professor de ciências económicas e jornalistas canadiano Tom Naylor, o qual reproduziu-o em 1987 no seu livro Hot Money , páginas 33-34. O livro foi traduzido em muitas línguas e reimpresso numerosas vezes. Está para ser reimpresso outra vez este ano pela McGill-Queens University Press, no Canadá, e de facto estou a escrever uma introdução para a próxima edição. Mas realmente não tem havido muita discussão, porque o assunto do hot money continua fora das preocupações da maior parte dos economistas académicos.

SS: Houve algum debate sobre se isto era a coisa certa a fazer?

MH: Sim, uma série de audiências no Congresso foram efectuadas, e muitos relatórios excelentes foram incluídos. Mas a moralidade do certo-ou-errado não desempenhou um grande papel. Uma das principais questões políticas era simplesmente se o governo deveria impor uma retenção impositiva de 15 por cento sobre propriedades (holdings) estrangeiras de títulos do Tesouro, com base em que isso provavelmente seria o único rendimento fiscal que recuperaria. Porta-vozes do governo convenceram o Congresso a não impor o imposto, argumentando que esta desencorajaria o hot money estrangeiro — e também o hot money americano, pois isto importa — de possuir títulos do Tesouro. Os Estados Unidos precisavam de todo mercado que pudessem criar para os seus títulos naquele tempo, para deter a saída de ouro. Assim, o imposto de retenção sobre o estrangeiro foi abolido.

SS: Por outras palavras, o Tesouro permitiu evitar impostos internos americanos a fim de conseguir uma entrada de dólares na balança de pagamentos, e manter baixas taxas de juros internas.

MH: Sim. O IRS já permitira evitar a ocorrência de impostos sob pressão das grandes multinacionais tais como as companhias de petróleo e mineração. A integração vertical permitia-lhes administrar preços de transferência de uma forma que minimizava o seu passivo fiscal global. Privando-se de onerar fiscalmente os juros pagos pelos títulos do Tesouro americano favoreceu o hot money americano.

No fim da década de 1960 os Estados Unidos estavam a caminho de tornar-se o principal paraíso para o capital volátil do mundo. O Citibank, o Chase e outros estabeleceram ou expandiram operações para que as suas subsidiárias de 'private banking' oferecessem 'confidencialidade' a clientes, que vão desde os principais políticos do México até os cleptocratas da Rússia na década de 1990.

SS: Mas o preço foi dar aos infractores da lei internacionais um melhor tratamento fiscal do que aos cumpridores da lei e cidadãos contribuintes.

MH: Sim, e há uma razão para isto. O mais impressionante disso é que a maior parte dos detentores de liquidez na sociedade de hoje são criminosos e evasores fiscais. Eles têm uma boa razão para evitar o imobiliário ou outras propriedades tangíveis. É demasiado visível para acusadores e autoridades fiscais. É por isso que as estatísticas de balança de pagamentos classificam os movimentos de capital como 'invisíveis'. Prestigiosas firmas de contabilidade e parceiros legais ocupam-se em inventar truques para evitar impostos e criar um 'véu de intermediários' ('veil of tiers') para proporcionar um manto de invisibilidade para a riqueza acumulada por desfalcadores, evasores fiscais, uns poucos traficantes de droga, traficantes de armas e agências de inteligência do governo para utilização nas suas operações encobertas.

SS: Assim, tudo isto tornou o capital financeiro mais cosmopolita e menos sujeito à regulamentação nacional e ao controle governamental.

MH: Sim, e no fim da década de 1980 administradores de dinheiro americanos estavam a incorporar fundos mútuos offshore para penetrar nos mercados globais de capitais.

COMO CENTROS HOT-MONEY TRANSFORMARAM O CAPITAL VOLÁTIL NUM MERCADO PARA DÍVIDAS GOVERNAMENTAIS

SS: Qual foi o efeito destes paraísos fiscais e centros bancários sobre as economias dos outros países?

MH: Tal como as autoridades americanas esperavam, o hot money do mundo descobriu ser mais conveniente ir para centros bancários dolarizados offshore.

SS: Pode dar um exemplo de como isto funcionou?

MH: Em 1989 fui contratado pela firma de gestão de dinheiro Scudder, Stevens and Clark, de Boston, a fim de passar uns meses a organizar um fundo de dívida soberana (sovereign-debt fund) , isto é, um fundo que investisse em títulos de governos do terceiro mundo. Foi o primeiro de tais fundos, e começou aquilo que se tornaria uma torrente de emissões na década de 1990. Mas naquele estágio primitivo a Scudder foi incapaz de encontrar clientes americanos desejosos de colocar US$ 75 milhões numa região em que se haviam queimado gravemente na esteira da insolvência do México em 1982.

Por outro lado, aquele evento traumático pressionou as taxas de empréstimo para cima para aproximadamente 45 por cento ao ano em relação a títulos do governo denominados em dólar da Argentina e do Brasil, e a cerca de 25 por cento para os tesobonos a médio prazo denominados em dólar do México. Estas taxas permitiram ao fundo ter mais êxito em encontrar compradores estrangeiros. Incorporada nas Antilhas Holandesas (Dutch Wet Indies) como Sovereign High -Yield Investment Co. N.V., suas acções foram listadas no London Stock Exchange. O subscritor, Merril Lynch, vendeu-os principalmente a famílias argentinas bem conectadas através do seu escritório em Buenos Aires, com o restante tomado principalmente por brasileiros e outros compradores latino-americanos.

O seu dinheiro foi investido em títulos de alto rendimento dos seus próprios governos. A ironia era que os pagamentos exorbitantes de juros feito em 1990 eram devidos em grande parte à fuga de capital argentino e a famílias brasileiras a operarem offshore num 'fundo ianque'. O facto de isto ter sido montado offshore significava que a nenhum investidor americano era permitido comprar as suas acções.

Os maiores investidores foram políticos bem informados que compraram do fundo sabendo que os seus bancos centrais pagariam as suas dívidas em dólar apesar dos altos prémios de risco. Enquanto estes oligarcas legais apareciam nas estatísticas dos seus países como 'credores de dólares' exploradores, demagogos internos culpavam os ianques, o FMI, o Banco Mundial e banqueiros britânicos por aplicarem austeridade financeiras aos seus países. Ainda que a dívida em dólar da Argentina no princípio da década de 1990 fosse possuída principalmente por argentinos a operarem fora a partir de centros bancários offshore. Os maiores beneficiários do serviço da dívida externa foram os seus próprios capitalistas voláteis, não possuidores de títulos na América do Norte e na Europa.

Para a Argentina, um 'estrangeiro' era provavelmente um oligarca local a operar de uma conta offshore invisível para o seu governo (o qual era constituído em grande parte por suas próprias famílias). Pode-se encontrar o mesmo fenómeno na Rússia de hoje, onde um 'investidor estrangeiro' tende a ser um russo com uma conta offshore a operar a partir de Chipre, da Suíça ou do Lichtenstein, talvez em partenariato com um americano ou outro estrangeiro para camuflagem política.

SS: Como actuou o fundo?

MH: No seu primeiro ano de operação tornou-se o segundo maior em termos de desempenho mundial (um fundo imobiliário australiano estava em primeiro lugar). Os investidores globais logo entraram em acção pois observaram a oligarquia financeira latino-americana a reciclar o seu próprio capital volátil dolarizado de volta para os seus países de origem via enclaves offshore.

Entretanto, o fundo com que estive associado estava limitada a uma duração de apenas cinco anos, porque em 1989 parecia-me que este era todo o espaço de tempo disponível para manter a sucção do rendimento do terceiro mundo até que uma nova crise assomasse. Quando este período de tempo foi ultrapassado, em 1994, os tesobonos do México tornaram-se de tal forma favoritos dos investidores que a sua taxa de juros caiu abaixo dos 10 por cento. O país estava a vender o seu sistema telefónico e outras empresas públicas e os rendimentos das vendas estavam temporariamente a encher as reservas de divisas externas do banco central — foi o último acto da ditadura do PRI no governo antes de perder a presidência.

Mas o México balouçou-se à beira do default na crise do peso naquele ano, apenas uma dúzia de anos depois de ter desencadeado a 'debt bomb' da América Latina em 1982 ao anunciar que não podia cumprir o serviço da sua dívida externa. A administração Clinton 'resgatou' o México, ou melhor, o secretário do Tesouro Robert Rubin resgatou os seus credores.

SS: Assim, finalmente, especuladores com títulos em dólar do terceiro mundo perdem.

MH: Eles não foram os únicos. O processo envolveu fuga capital a ser transformada numa herança da dívida externa oficial. A Argentina estava mesmo convencida a juntar-se às fileiras do Panamá e da Libéria dolarizando a sua economia. Ao invés de criar crédito interno por si própria incorrendo em défices orçamentais, como os outros países fazem, o seu governo emitiu um enorme volume de títulos pagáveis em dólares. As suas taxas de juros caíram abaixo do nível de 10 por cento pois os investidores nos países credores queriam acreditar que o segredo da solvência monetária fora descoberto. Dólares estrangeiros foram emprestados para financiar políticas internas.

Enquanto isso, o declínio nas taxas de juros resultante do aumento na 'confiança' na loucura da Argentina proporcionou ricos ganhos de capital para investidores que haviam comprado os títulos a um preço tão baixo que eles rendiam quatro ou cinco vezes mais em retorno. Mas o que é confiança, depois de tudo, senão uma oportunidade para jogar o jogo da confiança — um jogo em que os subscritores financeiros afiaram as suas qualificações durante séculos! O fundo Scudder e outros investidores iniciais venderam os seus títulos para os novos fundos mútuos e outros compradores inexperientes em relação ao risco internacional durante a efervescência dos anos 90, quando todos tentavam superar os retornos dos outros, pouco importando para onde o longo prazo estava a conduzir.

Isto promoveu um desnecessário endividamento estrangeiro, cujo colapso hoje ameaça apartar a Argentina para longe dos outros países. Então, em 2002, a pirâmide da dívida entrou em colapso, e os títulos agora mergulharam no fundo. Isto limpou uma porção substancial de 'más poupanças' ('bad savings') que eram as contrapartidas contabilísticas destas dívidas más.

ALGUMAS ALTERNATIVAS POLÍTICAS

SS: Quanto dinheiro nestes centros é fuga de capital e dinheiro de evasão fiscal?

MH: A coisa notável é a extensão em que os investidores tem feito uso destes centros legalmente. Ao patrocinar o eurodólar, por exemplo, o governo britânico encorajou a criação de entrepostos para evitar o fisco em algumas das ilhas localizadas no inóspito English Channel e Mar do Norte. Pelo simples acto de registar a propriedade do seu imóvel em uma destas ilhas, permite-se aos proprietários britânicos que evitem pagar impostos sobre ganhos de capital, pois estes não são cobrados aos investidores 'estrangeiros'.

SS: Qual é a diferença entre um esquivador (avoider) fiscal e evasor (evader) fiscal?

MH: É legal utilizar as leis existentes para minimizar um passivo fiscal. Um evasor fiscal é alguém que viola a lei fazendo falsas declarações ou envolve-se em complexas operações financeiras que não tem nenhuma função económica excepto evitar pagar impostos.

SS: Assim, a lógica britânica era a mesma dos EUA na década de 1960: precisava do dinheiro, sem importar de onde viesse. Isto acabou por tornar mais fácil evitar impostos

MH: A lógica era que a libra esterlina precisa de investimento estrangeiro para aguentar sua taxa de câmbio. O efeito principal, entretanto, foi proporcionar favoritismo fiscal para grande investidores internos em oposição aos proprietários de lares ou pequenos investidores que não abriam contas no exterior. Um investidor britânico pode montar uma corporação de fachada nestes enclaves e evitar pagar impostos sobre ganhos de revenda sobre a sua terra e edifícios, acções e títulos ou outros activos.

É tudo perfeitamente legal, pois qualquer país tem o direito de cobrar — ou não cobrar — impostos sobre a riqueza, ganhos de capital ou rendimento. Visto que os ganhos de capital tendem a superar o crescimento do rendimento ganho, o papel económico de tais centros offshore torna-se central para a acumulação global. Como a inflação global dos activos ganhou momento durante as década de 1980 e 90, a atractividade de tais centros aumentou proporcionalmente. Isto significa que os economistas dificilmente poderão analisar o crescimento e polarização da riqueza nacional e global sem levar em conta a teia de obrigações e passivos financeiros associada a estes centros.

SS: Mas há um crescente revestimento de ilegalidade, não é?

MH: Certamente, mas foi fundido nos 'invisíveis' na media em que as estatísticas económicas são afectadas, e a teoria económica também para este assunto. O crime é um dos sectores chave para os quais não são feitas estimativas. Ainda que seja talvez o mais líquido, pois ditadores e cleptocratas, ladrões e traficantes de droga receiam amarrar-se aos seus activos de forma visível. As mais novas adições à classe mundial dos rentistas, eles tornaram-se uma fonte de liquidez para as economias de hoje.

A Rússia sofreu uma fuga de capitais de US$ 25 mil milhões por ano desde 1990. O seu empréstimo de emergência (bailout loan) do FMI de Agosto de 1997 desapareceu num obscuro banco nas Ilhas do Canal britânicas, de onde foi reenviado para Chipre, Suíça e Estados Unidos. A maior dos empréstimos do FMI para a África e América Latina foi plenamente absorvido pelas fugas de capitais, subsídios estes dados sob o eufemismo de 'estabilização da divisa'. O que está a ser estabilizado é sobretudo a taxa a que esta fuga de capitais e cambiada por divisas duras (se alguém ainda pode chamar os dólares de divisas duras).

SS: Como os governos podem conter este truque para taxar este dinheiro?

MH: É o que está a ser debatido na Rússia nestes dias. Parece que a única espécie de imposto que pode ser colectado das multinacionais hoje é o imposto sobre o que é visível, não o que é invisível — isto é, invisível para o estatístico da economia nacional e a repartição de colecta de impostos. Os russos estão a discutir uma medida para cobrar impostos do excesso de lucros aos exportadores de petróleo e minérios.

SS: Se examinarmos as folhas de balanço como elas aparecem, os centros bancários offshore surgem como credores líquidos e o resto dos países do mundo com devedores líquidos?

MH: Não exactamente. Os 'poupadores' que têm contas nestes centros bancários offshore têm direitos sobre eles que, por sua vez, representam os passivos destes enclaves que compensam os seus direitos sobre o resto do mundo. Mas os direitos financeiros possuídos por estes paraísos são possuídos por sua vez pelos seus 'poupadores' offshore.

O que está faltando nos dados que deveriam estar ali são os direitos destes 'poupadores' — os esquivadores fiscais, criminosos e assim por diante — sobre estes paraísos fiscais, classificados em termos de seus países de origem. Estas poupanças sub-reptícias ficam perdidas na linha de 'erros e omissões' do FMI. É por isso que as Índias Ocidentais Holandeses, por exemplo, podem possuir dinheiro numa empresa panamenha, a qual possui dinheiro numa empresa da Ilha do Canal, e assim por diante. Os requerentes (claimants) finais do hot-money são difíceis de identificar. Entradas de depósitos nestes enclaves têm a sua contrapartida na folha de balanço no seu próprio crescente endividamento para com esquivadores de impostos e fujões na Europa, América do Norte e do Sul, Ásia e África. Mas as estatísticas são silenciosas sobre quem são realmente estes 'poupadores' invisíveis e onde eles realmente residem.

Um exportador argentino ou russo vende a preço facturado ficticiamente baixo, pedindo ao comprador que deposite a diferença numa conta bancária offshore. É desnecessário dizer que o argentino ou russo não declarará este haver, assim ele não aparece nas contas oficiais. Mas existe na realidade. É por isso que as dívidas relatadas do mundo excedem as poupanças locais por uma margem de 'erros e omissões'.

SS: Como exactamente funciona esta facturação falsa?

MH: De duas maneiras. A mais simples é os importadores dizerem que pagam mais por importações do que o seu verdadeiro preço económico. Isto é o que fazem as companhias de petróleo quando apreçam o petróleo bruto tão alto para as suas refinarias que estas não têm margem para relatar um lucro, década após década.

A imagem espelho desta fraude ocorre quando os exportadores afirmar receber menos do que eles realmente são pagos. A margem é o que eles são capazes de roubar. O comprador tipicamente pagar a diferença para uma conta 'privada' em um dos centros bancários offshore, facilitados por um dos bancos americanos, britânicos ou canadianos montado para este fim. Este é o significado da 'privacidade' bancária. É como se exportadores russos de petróleo, alumínio e outras matérias-primas ocultassem o seu rendimento real do governo russo. Isto explica a emergência de tantos multi-bilionários pós-soviéticos que se beneficiam de 'enriquecimento inexplicado'.

SS: Isto não quer dizer que o governo russo ainda colecte a maior parte dos seus impostos com o petróleo e outras exportações de matérias-primas?

MH: Sim, mais deixa de aplicar imposto ao rendimento real. Se fizesse isto, o sr. Khodorkovsky e outros cleptocratas não teriam subitamente ascendido para se juntarem às fileiras dos indivíduos mais ricos do mundo em apenas uma única década, e não estaria agora sob processo por evasão fiscal criminosa. É significativo que a imprensa financeira no Ocidente escreva editoriais angustiados a acusar isto de representar nada menos que fascismo com camisas castanhas, nacionalismo e totalitarismo. Falcões da administração Bush, como o secretário de Estado Powell, exprimem publicamente a sua preocupação de que isto ameace os próprios fundamentos da 'empresa privadas'. Isto mostra quão pouco eles pensam em punir a evasão fiscal nos seus próprios países.

SS: Suponho que iremos cobrir estas maquinações com maior pormenor na nossa próxima entrevista sobre a Rússia após a sua eleição presidencial de 14 de Março. Retornando ao tópico dos centros bancários offshore, está o sr. a descrever uma técnica que foi desenvolvida simplesmente por indivíduos, ou foi institucionalizada num plano mais elevado, em escala mundial?

MH: As maiores firmas de contabilidade e de advocacia da América do Norte e da Europa obtêm uma proporção crescente do seu rendimento ministrando conselhos a companhias que procuram utilizar estas tácticas. Os utilizadores primários são gestores de dinheiro e corporações importantes a fim de esconder os seus lucros (ou perdas, no caso da Enron e da Parmalat) da vigilância das autoridades nos seus próprios países. Nos anos 1990, a Enron, a Parmalat e outros gigantes corporativos criminosos foram capazes de organizar as maiores fraudes financeiras da história utilizando finanças estruturadas envolvendo paraísos hot-money.

SS: Não há uma lei americana contra arranjar uma prática de negócios complexos unicamente para o propósito de evadir o fisco?

MH: A lei está realmente nos livros, e os IRS queixou-se especificamente de que a firma KPMG organizou esquemas sistemáticos de evasão fiscal. Mas os neoliberais colocaram os seus próprios administradores ideológicos nestes agências, homens que se vangloriaram para mim do facto de que simplesmente se recusam a regular para 'matar a besta', isto é, o governo, o qual é suposta ser o cérebro guiador da economia. A sua não-acção corrompeu o sistema legal e regulamentar nacional, desactivando-o. O poder está a ser exercido pelos contribuidores da campanha cuja riqueza convenceu os políticos a darem aos evasores fiscais o direito de votar contra qualquer agência regulamentar que se mostre demasiado consciente quanto à aplicação da lei, acima de tudo do código fiscal.

SS: O que há quanto ao Procurador-Geral de Nova York, Eliot Spitzer?

MH: Ele obviamente reconhece o que está em andamento, e parece ter ficado espantado ao descobrir quão longe foi o apodrecimento. O que ele descobriu quando apresentou acusações de crime contra a Arthur Andersen no caso Enron foi que todas as grandes firmas de contabilidade estavam empenhadas nas mesmas práticas fraudulentas. Isto criou um problema prático para ele. Iria ele fechar todas as firmas de contabilidade aplicando-lhes a lei de cabo a rabo?

Se ele tivesse feito isto, quem teria auditado os livros das companhias dos EUA? Isto teria esmagado o mercado de acções e toda a economia. Assim ele contentou-se em penalizar os bancos e as firmas financeiras e de contabilidade numa muito pequena porção dos seus ganhos, deixando seus sócios com a sua confortável aposentadoria conquistada e fazendo-os prometer parar de infringir a lei no futuro.

Por outro lado, penso que mesmo que ele tivesse fechado estas firmas — e, lembro, trabalhei para a Arthur Andersen e descobri que era inteiramente venal já na década de 1960 — o sistema ter-se-ia curado a si próprio quase da noite para o dia. As firmas existentes como tais teriam sido varridas e muitos dos seus principais sócios teriam ido para a cadeia — provavelmente não mais do que umas poucas centenas — ou pelo menos teriam perdido as suas aposentadorias com pagamentos de subornos. Mas a maior parte destes contabilistas remanescentes ter-se-ia reunido para criar novas firmas, livres das manchas de corrupção que caracterizaram a Deloitte Touche no caso Parmalat, a KPMG por seus esquema de evasão fiscal, e outras firmas de contabilidade por aí abaixo,

SS: Quão profundamente os problemas podem ser investigados?

MH: O caminho que conduziu a este estado de coisas foi aberto no fim da Segunda Guerra Mundial. Os diplomatas americanos pressionaram o Fundo Monetário Internacional pela livre movimentação de capitais, num tempo em que era muito claro que a maior parte dos movimentos de fugas de capital seria em direcção ao dólar, para fora das economias que estavam regulamentadas. Eufemizado como 'reforma económica' e 'liberdade de escolha', o movimento em direcção ao descontrole financeiro abriu o caminho para o desenvolvimento de paraísos offshore. Isto fazia parte do viés fatal construído dentro do DNA do sistema Bretton Woods do pós-guerra.

O governo dos EUA permaneceu no controle, e como expliquei anteriormente, quando a Guerra do Vietnam empurrou a balança de pagamentos para o défice, o governo encorajou os grandes bancos a montarem ramos nestes enclaves ilhéus a fim de actuarem como receptadores que facilitassem o roubo global, a fraude global e outras actividades criminosas globais. Tem sido através das suas operações de utilização fácil que o mundo não-criminoso — o mundo de homens e mulheres honestos, indústria, comércio e mesmo governos soberanos — se tem tornado cada vez mais endividado para com os delinquentes, assim como os contribuintes estão cada vez mais endividados com para com os esquivadores de impostos.

Grande parte da dívida externa líquida dos EUA, assim como aquela de países como a Argentina, é possuída por estes centros de capital volátil. Isto já se tornou o significado de 'globalização' na sua dimensão financeira.

Indiquei acima que as entradas de depósitos nestes paraíso são relevadas nas estatísticas oficiais de outros países como 'erros e omissões'. O mais importante fenómeno económico do mundo que determina as taxas de câmbio hoje foi relegado para a economia 'negra' não observável — não apenas o crime, mas o que está a tornar-se a massa dominante de riqueza corporativa e pessoal. É mais invisível hoje do que nunca, a fim de evitar os olhos de acusadores e autoridades fiscais.

É notável que os neoliberais louvem este fenómeno ao invés de denunciá-lo. O resultado tem sido criar uma situação em que, se alguém tem de possuir terra, outros activos tangíveis, ou títulos financeiros, o melhor caminho para evitar os impostos ou a tomada é registá-los em nome de procuradores offshore.

O passo seguinte destas entidades offshore é emprestar este dinheiro de volta para si próprio, cobrando suficientes juros para absorver o anterior rendimento imponível. Operadores suficientemente grandes para montarem a sua própria companhia de seguros podem tratar como perdas o remanescente do seu rendimento como pagamentos de seguros fiscalmente dedutíveis à sua entidade offshore criada para este fim, juntamente com os habituais encargos de desnatamento por taxas administrativas para os proprietários e gestores seniors.

Operadores financeiramente refinados enviam o seu dinheiro offshore e então tomam-no emprestado de volta, pagando suficientes juros, seguros e taxas administrativas para si próprios a fim de absorverem os seus rendimentos e torná-los assim livres de impostos. Estes pagamentos gastos consigo próprios aparecem no rendimento nacional e nas estatísticas fiscais como um custo de fazer negócios, ao passo que as estatísticas de balança de pagamentos mostram-nos como um fluxo internacional por 'serviços' sob a rubrica de 'invisíveis'. Assim as estatísticas tornam-se cada vez mais ficcionais.

SS: O sr. descreveu como o crescimento destes centros tem levado as estatísticas económicas a perderem o seu valor. Como pode a economia ser analisada e quantificada sob tais condições?

MH: Os paraísos financeiros ajudam os rendimentos e os ganhos de capital a desaparecerem das estatísticas das economias nacionais como fuga de capital, só para reaparecerem como dívidas possuídas por economias vitimizadas por operadores 'estrangeiros' fora destes enclaves. As suas transações aparecem na balança de pagamentos como 'erros e omissões'. A maior parte dos economistas sabe que isto é um eufemismo para 'movimentos de capital a curto prazo', expressão que é ela própria um eufemismo para fugas de capitais e evasão fiscal.

A percepção básica é que aquilo que alguém pode evitar declarar às autoridades nacionais não será regulamentado, imponível ou processado. A estratégia de acordo com estas linhas reflecte décadas de lobbying das mais ricas companhias e indivíduos do mundo no sentido de desmontar a capacidade dos seus governos para aplicar-lhes impostos. Firmas de contabilidade, gabinetes de juristas e bancos globais ajudam-nos utilizando 'finança estruturada' para esconder seu rendimento e riqueza — bem como suas dívidas e fraudes financeiras. Quanto mais desonesto o cliente, maior a taxa que pode ser cobrada para que o conselho a ser orquestrado garanta privacidade. Numa sociedade onde o crime rende mais do que a maior parte das profissões honestas, a perícia financeira e bancária é de contratar. Os peritos irão trabalhar satisfeitos para a Enron e a Parmalat, salvando a sua consciência com a crença de que tudo isto é parte do mercado livre que promove a civilização e deixa o comunismo à beira da estrada na luta da economia mundial pela existência entre sistemas competidores.

A simbiose entre centros bancários offshore e riqueza oligárquica, cleptocrática e criminosa pode ser detectada nos processos que têm embelezado as primeiras páginas da imprensa internacional nos últimos anos. As maiores bancarrotas em anos recentes envolveram maquinações através de tais centros. No caso da bancarrota da Parmalat, a defesa legal da parte dos auditores da companhia, Deloitte and Touche, é que eles não tinha maneira razoável de saber que os US$ 4 mil milhões em alegados depósitos numa conta offshore do Bank of America realmente não existiam. Outros personagens deste universo predatório do capital volátil são as entidades offshore criadas pela Arthur Andersen e pelo Citibank para a Enron, os renomados bancos suíços por servirem Idi Amin e outros senhores da guerra, e o Bank of New York e seus irmãos que ajudaram os oligarcas da Rússia a roubarem US$ 250 mil milhões na década de 1990.

Uma vez que estes truques fiscal são explicados em pormenor, os leitores atentos podem reconhecer que o que está a ser descrito é como as multinacionais de hoje são tipicamente estruturadas para extrair rendimentos e minimizar (isto é, evitar) impostos. Economistas desde John Maynard Keynes tem utilizado a palavras 'fuga' ('leakage') para descrever fundos retirados da correntes de rendimentos internos. O termo implica que o dinheiro está a ser perdido, e naturalmente é perdido para o colector dos impostos. Mas ele não desaparece simplesmente. Colocado nos centros anti-governo do mundo, o capital em fuga impõe-se como um poder credor que está a endividar a América do Norte, Europa, Ásia e África, sugando o seu excedente financeiro de maneiras que permanecem invisíveis para a maior parte dos estatísticos e economistas, políticos e eleitores.

SS: O sr. pinta um quadro desencorajador. O que aconteceria se se tentasse cobrar impostos sobre o rendimentos das corporações, das finanças e tudo o mais, se as transações com estas ilhas fossem simplesmente encerradas.

MH: Uma opção está na verdade a ser forçadas. Se estes paraísos da trapaça fiscal não forem fechados, as únicas pessoas deixadas para os impostos serão a classe média e os empregados.

As companhias agora preenchem dois conjuntos de contas anuais. Um para os seus accionistas, e outro para o colector dos impostos. A conta de impostos não mostra lucro, porque as companhias não os querem pagar. O relatório para os accionistas mostra um lucro máximo, porque as companhias querem promover o preço das suas acções. Os votantes têm eleito políticos cujas campanhas eleitorais são pagas pelos lobbies que são contratados para mobilizar apoio a esta política, enquanto as direcções académicas são estimuladas a contratar loucos bem intencionados ou 'idiotas úteis' para ensinar esta filosofia anti-governo como representativa de 'reforma' positiva ao invés de pintá-la como rematado parasitismo.

O público está a ser enganado de duas formas. Antes de tudo, aos governos são dados retornos que mostram lucros a contraírem-se, através de contabilidade artificial que se torna a base para as estatísticas oficiais. Enquanto isso, os accionistas estão a ser ministradas de estórias de altos lucros fictícios, pelo menos nos casos da Enron e da Parmalat.

Os clientes deste mundo desta ilha flutuante mundial utilizam um sistema que tem sido posto em prática pelos pilares da integridade nos negócios representativos do núcleo da economia nuclear, não meramente um grupo do submundo periférico. Estes enclaves pertencem ao centro da análise económica, ainda que eles habitualmente sejam tratados como uma anomalia e não como um órgão integral da acumulação de riqueza moderna.

SS: Como podem estes centros offshore ser fechados? A lei diz que não se pode punir ou penalizar pessoas que seguem as leis que vigoram no momento. Não se pode estabelecer penalidades retroactivamente.

MH: Não é preciso isso. As leis contra fraude, roubo e evasão fiscal tem estado nos livros desde há muitos anos, embora muitas destas leis não tenham sido aplicadas seriamente. Uma das leis mais fáceis de aplicar é o princípio do 'enriquecimento inexplicado'. Isto é, deste modo, como as grandes fortunas do mundo foram criadas — é o que Putin está a aplicar contra o sr. Khodorkovsky.

Os bancos nos Estados Unidos, Canadá, Europa e Ásia concordariam em não reconhecer transferências de depósitos a partir destes centros. As companhias e as casas de corretagem recusariam pagar dividendos endereçados a eles. Os países estabeleceriam regras para legitimar a propriedades destes depósitos, acções corporativos ou outros direitos financeiros.

Uma pergunta padrão seria sem dúvida perguntar como alguém chegou a obter haveres nestes centros. Foi esta riqueza obtida a partir de um rendimento normal? Se não, como?

Uma solução mais ampla seria simplesmente não reconhecer direitos de bancos e credores destes centros. Isto seria um começo de repudio das dívidas más (bad debts) mundiais.

SS: Isto teria ser feito subitamente, com certeza. Será melhor deixar este contexto mais amplo para uma futura entrevista.

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[NT]: Hot money: Expressão que designa as aplicações de curtíssimo prazo em títulos ou em divisas atraídas por taxas de juros elevadas ou diferenças cambiais significativas. Tais apliações podem deslocar-se rapidamente de um mercado para outro e provocar grandes turbulências numa economia nacional, tanto por ocasião da entrada como da saída destas massas de recursos financeiros.

Capa de 'Super imperialismo' [*] O professor Michel Hudson é economista financeiro independente e actua na Wall Street. Depois de trabalhar como economista especializado em balança de pagamentos para o Chase Manhattan Bank e para a Arthur Anderson na década de 1960, lecionou finanças internacionais na New School em Nova York. Actualmente é Distinguished Professor of Economics na Universidade do Missouri (Kansas City). Publicou numerosos trabalhos acerca da dominância financeira dos EUA. Também foi conselheiro económico dos governos canadiano, mexicano, russo e americano. Seus livros incluem Trade, Development, and Foreign Debt (Pluto, 1992, 2 vols.). É autor do livro Super Imperialism — The Origin and Fundamentals of U.S. World Dominance (Pluto Press, 2003, 425 p., ISBN 0-7453-1989-0). O seu sítio web está em http://michael-hudson.com/indexbody.html . Do mesmo autor resistir.info publicou também Irá a Europa sofrer da síndroma suíça?

Standard Schaefer é jornalista económico independente, historiador, crítico literário, poeta e escritor de contos. Ensina no Otis College of Art and Design. É editor de não-ficção da New Review of Literature . Seu email é ssschaefer@earthlink.net .

© 2004 Hudson and Schaefer, from book-in-progress. For fair use only/ pour usage équitable seulement.
O original encontra-se em http://www.globalresearch.ca/articles/HUD403A.html .
Tradução de JF.

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