Celulares na mão, jovens empurram Marina; a difícil tarefa diante de Dilma
publicado em 26 de agosto de 2014 às 20:06
pesquisa publicada no Estadão
por Luiz Carlos Azenha
Primeiro, as advertências: em 2012, por um bom tempo, Celso Russomano
acreditava estar a caminho de se eleger prefeito de São Paulo.
Recuando um pouco mais no tempo, nos anos 80, em São Paulo, eu
participei pessoalmente de um dos maiores vexames já dados no Brasil por
uma empresa de pesquisas. Da redação da Folha de S. Paulo, na
Barão de Limeira, anunciei pessoalmente, ao vivo, na TV Manchete, o
resultado da pesquisa de boca-de-urna do Datafolha que dava vitória de
Fernando Henrique Cardoso sobre Jânio Quadros na disputa pela Prefeitura
de São Paulo. Jânio venceu com 4% de vantagem. Narrei este episódio aqui.
O que quero dizer é que os quadros eleitorais são altamente fluidos e
que as pesquisas de opinião, pelo menos as que não são feitas de má fé,
também erram muito. Para ler sobre um pesquisa maldosa, de encomenda, feita para influenciar as eleições na Venezuela, clique aqui.
Dito isso, é preciso considerar que o Brasil é um país extremamente
provinciano. Todas as mais importantes emissoras de televisão do país
estão sediadas no eixo São Paulo-Rio de Janeiro. Assim é com os grandes
jornais. Com a academia, menos agora, mas USP, Unicamp e PUC do Rio
continuam ocupando um espaço desigual na formulação do pensamento
econômico. Os jornalistas dos aquários, porta-vozes dos patrões, formam
uma imensa panela, que fica exposta quando a Veja publica uma resenha elogiosa do livro de um jornalista da Globo, que retribui convidando o jornalista da Veja para uma entrevista na TV.
Todos pontuam desde estes supostos centros irradiadores de opinião
como se não houvesse mais Brasil. Outro Brasil. Muitos Brasis.
O ex-presidente Lula entendeu isso. Derivou da constatação a política
adotada por ele de distribuir para um maior número de veículos, de todo
o país, a publicidade oficial. Foi resultado disso, também, a ênfase
dele e, posteriormente, de Dilma, nas entrevistas às rádios do interior.
O erro dos estrategistas do Planalto foi não considerar que havia e
continua existindo uma matriz a partir da qual as notícias se disseminam
em território nacional: Organizações Globo, grupos Folha, Abril e
Estadão, muitas vezes atuando de forma conjunta. Como já escrevi
anteriormente — nadando contra a corrente, diga-se — as redes sociais
aumentaram, não diminuiram o poder destes grupos. Eles foram capazes,
por seu alcance, de mobilizar milhões de usuários das redes sociais para
reproduzir seu conteúdo, de graça. O contraponto da blogosfera também
se fortaleceu, mas em menor escala.
Há mais de dez anos estas grandes corporações investem no discurso
antipolítica. Este discurso as fortalece, na medida em que os barões da
mídia podem extrair maiores concessões da iniciativa privada e de todos
os poderes da República. Como? Por exemplo, atacando uma empresa que se
negue a fazer campanhas publicitárias. Atacando um governo que contrarie
interesses dos patrocinadores.Promovendo mutirões investigativos — como
o que assistimos contra a Petrobras — com o objetivo de obter lucro
direto ou indireto com a privatização do patrimônio público.
“Política é corrupção, todos os políticos são corruptos, o Congresso
deveria ser bombardeado” — estas ideias foram incorporadas quase que
naturalmente ao discurso dos brasileiros. O objetivo original do
consórcio midiático era, naturalmente, tirar do poder governos voltados
para reduzir a imensa desigualdade social do Brasil — ainda que cheios
de defeitos, montados sobre alianças esdrúxulas e com uma boa dose de
corrupção.
É fundamental, aqui, considerar o tratamento desigual dado aos casos
de corrupção: os mensalões do DEM e do PSDB, hoje, nem parece que
aconteceram, assim como o bilionário desfalque do trensalão em São
Paulo, sem considerar casos mais graves e remotos, como a criminosa
privatização da Companhia Vale do Rio Doce.
O fenômeno de Marina Silva é caudatário disso. Ela é a papisa da
antipolítica, que inclui mas não abrange apenas o antipetismo. A essa
altura, o fenômeno é semelhante à onda que levou Jânio Quadros a
derrotar o favorito pelo controle da Prefeitura de São Paulo, que
descrevi acima. Naquela ocasião, FHC contava com apoio majoritário e
algumas vezes escandaloso da mídia. Jânio não dava entrevistas à Globo,
por exemplo. Abertamente com ele, só a rádio Jovem Pan, que promovia
pesquisas não científicas, com entrevistas de pessoas nas ruas.
Pesquisas que, naturalmente, apontavam o petebista como provável
vencedor.
Ou seja, foi uma onda do boca-a-boca, fora dos meios de comunicação
convencionais, quase um protesto contra o partido que pretendia submeter
São Paulo “ao candidato da Sorbonne”, como dizia Jânio, quando ele era
produto legítimo do bairro de classe média baixa da Vila Maria.
Em 2010, eu estava em Manaus na véspera do primeiro turno das
eleições presidenciais, quando ainda havia dúvidas se Dilma venceria ou
não no primeiro turno. Estava em um lugar público quando testemunhei
jovens engajados em levar a eleição para o segundo turno. Todos falavam
em Marina. Era uma espécie de onda, de febre de última hora.
Em minha opinião, “fenômenos” como as manifestações de 2013 e ondas
eleitorais como a deste momento continuam pegando de surpresa os
próprios partidos, os “especialistas” e a “opinião publicada” por conta
da desconexão entre os Brasis a que me referi acima.
A mídia que nos “forma e informa”, com seus repórteres e articulistas
extremamente concentrados no eixo do Rio-São Paulo-Brasília, não
conhece ou demora a reconhecer o país dos jovens brasileiros, conectados
entre si por seus telefones celulares e facebooks, mas desconectados de
partidos, sindicatos e outras instituições.
Cerca de 35% do eleitorado brasileiro tem menos de 30 anos de idade. É
gente que não experimentou a ditadura militar na pele, tem vaga
lembrança da inflação descontrolada dos tempos de José Sarney no
Planalto, não viveu o desastre resultante da aventura de Fernando Collor
e seu Partido da Reconstrução Nacional (PRN). É gente que, ainda que
tenha tirado proveito dos programas sociais do governo Lula — que
reduziram a desigualdade e promoveram o consumismo — fez isso de forma
despolitizada, em contato com as eleições quando muito através daquela
“chatice” que consideram a propaganda eleitoral obrigatória, de dois em
dois anos.
Estes jovens são politicamente voláteis, querem mudanças e, por conta
da habilidade com as redes sociais, exercem uma influência sobre o
eleitorado que nunca exerceram no passado. Na casa de dona Irla, em
Itapajé, no interior do Ceará — modesta, de três cômodos, que sempre
teve TV mas só agora tem geladeira de verdade — são os filhos conectados
à internet que trazem as informações para dentro de casa, para os mais
velhos da família. São eles que ensinam os pais a lidar com o celular e a
montar uma página no Facebook. São eles que trocam mensagens, links,
indicam vídeos e dizem que o filho do Lula é o dono da Friboi.
Estes jovens foram intensamente bombardeados pela propaganda
“antipolítica” em anos recentes. Talvez não saibam absolutamente nada
sobre os planos e projetos de Marina Silva, mas pouco importa. Ela é de
origem humilde, evangélica — sinal, para muitos, de que leva a religião a
sério — e, acima de tudo, “nova”, ainda não contaminada. É o voto de
protesto. É o “Cacareco” do século 21, aquele rinoceronte do zoológico
de São Paulo que recebeu um recorde de votos para a Câmara Municipal, no
final dos anos 50.
O curioso é que, diante de tantas pesquisas qualitativas,
milionárias, Dilma apareça com estes jovens de forma quase institucional
em sua propaganda, separada por grades, embora rompa a barreira
geracional com os selfies em que posa ao lado de muitos deles. Também é
curioso que Aécio Neves, que se pretende candidato da mudança, tenha
sido mostrado em seu primeiro programa de terno escuro, distante,
oficial, como se precisasse antes de tudo provar sua seriedade.
Quando convidei petistas a refletirem profundamente sobre a irupção
das ruas em 2013 — e não a criminalizá-la, atribuindo tudo a “coxinhas” —
era justamente no sentido de tentar entender o que move estes jovens.
Com certeza, é uma resposta complexa e repleta de nuances. Talvez nem a
propaganda eleitoral, nem os debates entre os candidatos, nesta campanha
de 2014, sejam suficientes para movê-los de forma maciça em outra
direção. Duvido que muitos deles estejam na audiência.
A eleição de 2014, como alertei no primeiro parágrafo, está longe de
ser definida. Quando muito, há tendências fortes: Dilma x Marina no
segundo turno parece uma forte possibilidade.
Nos Estados Unidos, em 2008, quando Barack Obama se elegeu pela
primeira vez, as novas tecnologias foram essenciais para promover a
“mudança na qual se pode confiar”, especialmente com a arrecadação de
campanha e a arregimentação de milhares de voluntários. Obama apostou
quase todas as fichas no entusiasmo e no idealismo da molecada.
Lembro-me que Obama fez mais de um evento de campanha em que se reunia
num anfiteatro, cercado por jovens, para compartilhar ideias e sugestões
com eles. Desceu da tribuna. Arregaçou as mangas. Ouviu. A ideia era se
desfazer da tradicional hierarquia que tanto afasta os mais jovens da
política institucional. Obama certamente frustrou muitos de seus
apoiadores iniciais. Mais tarde, revelou-se mais do mesmo.
No Brasil, o que me parece extremamente curioso é que nem Dilma, nem
Aécio, que exerceram cargos executivos simultaneamente, tenham se dado
conta das mudanças que, cada um a seu jeito, ajudaram a promover no
país, mudanças que alimentaram o desejo do novo dos que foram às ruas em
2013. Como disse Lula, sabiamente, quem experimenta mudanças quer mais e
melhor. É natural.
Às vezes parece que ambos, Dilma e Aécio, se acostumaram com ou foram consumidos pela política dos bastidores.
Temos, ainda, um longo mês de campanha pela frente. Quase com
certeza, outro tanto antecedendo o segundo turno. Pelo menos hoje, Dilma
e Aécio são candidatos a reviver, do lado perdedor, 1989. Para o
Brasil, com os mesmos riscos envolvidos 25 anos atrás.
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