Bombas de ódio
Marcelo Zero (*)
Virou tradição. Mal se acerca o período eleitoral e surgem as bolinhas de papel que se transmutam em tijolos autoritários, quando não
em bombas terroristas.
Em 2010, a sutil aterrissagem de bolinha em insigne calva lustrosa
transmutou-se em gravíssimo atentado político, com direito a tomografia e
amplíssimo espaço na mídia. Faltou pouco para transformarem Rio de
Janeiro em Sarajevo e José Serra no arquiduque Francisco Fernando (Franz
Ferdinand). Felizmente, a bolinha não serviu de estopim para a Primeira
Guerra Civil brasileira.
Em 2014, já temos várias bolinhas.
A de Pasadena quer transformar um bom negócio, que virou mau negócio com
a crise, e que agora voltou a ser um bom negócio, num negócio
escabroso. É uma bolinha com ares de grande importância, que tem até a
sua própria CPI. Rende dividendos para quem quer botar a mão no Pré-Sal,
mas atinge a Petrobras, maior empresa do país. A bolinha pouco se
importa, pois não é papel dela defender o Brasil.
Temos também a bolinha da “troca de figurinhas” entre a Petrobras e a
assessoria do PT no Senado. Essa é uma espécie de bolinha falsamente
ingênua: finge desconhecer o que todo o mundo sabe. Que a situação e a
oposição, numa CPI, trocam informações e combinam estratégias com seus
depoentes.
É também uma bolinha muito mal informada. Um mês antes dela aparecer, o
Painel da Folha publicou a informação de que o governo de São Paulo
vinha treinando parlamentares para defendê-lo na CPI do “trensalão”.
Todo o mundo achou banal. Mas depois a bolinha se escandalizou com a
mesma banalidade, no caso da CPI da Petrobras, e gritou “fraude”. Fraude
mesmo é essa bolinha muito seletiva.
Em tempos recentes, surgiu a bolinha da Wikipédia, uma bastante
ridícula. E olha que o páreo é duro! Querem transformar a “rede de
informática do Planalto”, uma rede acessada por milhares de
computadores, tablets e smartphones, inclusive de muitos visitantes, em
“Planalto” e “Dilma”. Querem transmutar um ato isolado em “política”
contra a “liberdade de imprensa”.
Ora, seria necessário um grau extremo de parvoíce para se fazer uma
política desse tipo com base em alguns perfis da Wikipédia, uma bagunça
informativa, elaborada com fontes anônimas, que ninguém leva muito a
sério. No caso em questão, as informações críticas, gotas num generoso
oceano de elogios, passaram despercebidas por mais de um ano. Mas a
bolinha, muito oportuna, decolou, deixando para trás e para o olvido mal
explicados aeroportos.
Nos últimos dias, apareceu, no chorume digital em que se transformaram
as redes sociais, a bolinha de suspeitas sobre a trágica morte do
candidato Eduardo Campos. Uma lei que surgiu da CPI do Apagão Aéreo, em
2007, elaborada pela Aeronáutica com base na Convenção de Chicago sobre
Aviação Civil, foi apresentada como evidência do atentado, por prever a
proteção das fontes de informação ao longo da investigação de acidentes
aéreos. Essa bolinha patética sequer se deu o trabalho de ler a lei
sancionada em maio. Se tivesse, teria visto que o art.88-D da lei prevê
que, em caso de indício de delito, os investigadores da Aeronáutica são
obrigados de comunicar o fato à autoridade policial competente. Além
disso, os relatórios da investigação, bastante detalhados, são públicos.
Só um forte ódio e uma débil cabeça podem explicar especulações desse
tipo.
Entretanto, se as bolinhas são, em si, pequenas e ridículas, o dano que
elas causam é substancial. O dano maior, imensurável, é o dano à
democracia.
Pois elas distorcem a informação e contaminam o clima político do país. Elas são verdadeiras bombas de ódio.
Na falta de propostas, para além das prometidas “medidas impopulares”,
só resta à oposição e a sua mídia atacar o governo e sua base com
fantasmas morais, evocados por um neoudenismo tardio. Na ausência de
agenda estratégica, apela-se para a agenda mesquinha e baixa das
delegacias de polícia. Na falta de fatos a seu favor, cria-se o factoide
contra o governo. Na falta de esperança, busca-se instilar o ódio
contra o governo. Na ausência de grandes ideias, apela-se para a
pequenez das banalidades. Na falta de informação veraz, equilibrada e
ampla, lançam-se as bolinhas de papel.
Afinal, o importante é derrotar o “lulopetismo”, seja de que forma for, seja com que candidato(a) for.
Democracias precisam de imprensa atuante e crítica, mas também de
imprensa responsável, que cumpra seu dever de bem informar a população.
Veículos de informação que não informam e se dedicam a fabricar
escândalos com fins eleitoreiros e a incitar o ódio não contribuem para a
democracia. Contribuem para a crescente degradação do clima político do
Brasil.
Por isso, hoje não há mais debates, há discussões acaloradas entre
surdos. Não há mais adversários, há inimigos a serem destruídos. Não há
mais tolerância, há um ódio espesso que se infiltra nas redes sociais e
se espalha pelas ruas. Não há mais política, há uma guerra insensata que
ameaça a governabilidade e o futuro do país. Nessa guerra, não há
“terceira via” e “nova política”. A oposição, e seus candidatos, só têm
um lado: o lado do antipetismo. A agenda básica é uma só: acabar com o
PT e com o “bolivarianismo que tomou conta do Brasil”, como assinalou,
de forma sincera e cândida, a nova tábua de salvação da direita
brasileira.
No Brasil atual, precisaríamos que a informação fosse respeitada como
direito fundamental, cujo proprietário é o cidadão, o qual também tem o
direito relacionado de demandar que a informação oferecida pelos
jornalistas seja verdadeira, no caso das notícias, e honesta, no caso
das opiniões, sem interferências externas, tanto das autoridades
públicas quanto do setor privado.
Em vez disso, temos uma espécie de lodo político que impede a circulação
do oxigênio da democracia, a informação veraz, ameaçando sufocá-la. Com
efeito, esse lodo político criado por veículos de comunicação que
apostam no ódio e na desinformação ameaça engolir não apenas os suínos
que nele chafurdam, mas a democracia brasileira e a todos nós.
E esse, meus caros, é um mal que dista muito de ser banal. Essas
bolinhas são bombas que explodem todos os dias no coração da democracia
do Brasil.
(*) Marcelo Zero é formado em Ciências Sociais pela UnB e assessor parlamentar do Partido dos Trabalhadores
Nenhum comentário:
Postar um comentário