Para muitos, o fim do dinheiro em espécie é uma morte anunciada. A
batalha contra os cartões de crédito e débito e as moedas virtuais já
estaria perdida, e resta apenas esperar até que o antiquado papel
naturalmente suma das carteiras para figurar em coleções de museus.
Essa, contudo, não é bem a realidade, alerta Kenneth Rogoff,
ex-economista chefe do FMI (Fundo Monetário Internacional). Em "The
Curse of Cash" (A Maldição do Dinheiro, sem tradução para o português),
ele defende que o dinheiro deve, sim, morrer -mas de morte matada.
Segundo Rogoff, no final de 2015, circulava o equivalente a US$ 1,34
trilhão em espécie nos EUA, sendo que 80% desse montante estava em notas
de US$ 100.
Isso significa que cada americano, adulto e criança, deveria estar
carregando US$ 4.200 na carteira, dos quais ao menos US$ 3.400 em notas
de US$ 100.
Sabendo que não é isso o que acontece, onde está todo esse dinheiro, então?
Pagando salários inferiores ao mínimo a imigrantes ilegais, comprando
drogas, traficando pessoas, subornando políticos e executivos e se
escondendo do fisco, responde o economista.
Essas atividades dependem do anonimato e da liquidez que só o dinheiro,
vivo, consegue garantir. Se depender delas, o cash vai sobreviver
-sobretudo em suas discretas cédulas mais altas.
O argumento policial, porém, não é o mais forte de Rogoff para o fim do
dinheiro, mas sim o econômico. Acabar com o cash libera os bancos para
entrar em território hoje inalcançável: o de taxas de juros negativas.
JUROS ABAIXO DE ZERO
A crise de 2008 fez muitos países sofrerem com a estagnação econômica, mal conhecido há anos pelos japoneses.
Nessa situação, investidores e consumidores, temerosos, não abrem a
carteira nem buscam crédito. Mesmo a redução dos juros a zero não é
capaz de engatar a demanda.
Se os bancos fossem além e passassem a aplicar taxas negativas, em uma
economia ainda habitada por dinheiro em espécie, todos correriam para
sacar o dinheiro depositado, afirma Rogoff.
Mas, se não houver cash, não há escapatória. Assim, acabar com o
dinheiro é dar aos BCs uma arma poderosa para estimular o consumo.
Essa, porém, não é uma tarefa fácil, e é aí que reside a genialidade da
obra. Rogoff vai além da teoria e elabora um passo a passo prático de
como matar o dinheiro vivo.
Em primeiro lugar, não é uma tarefa barata. É preciso bancarizar toda a
população, com a criação de contas subsidiadas para os mais pobres, e
emitir títulos em troca do recolhimento das cédulas.
Segundo cálculos do economista, essa operação poderia piorar a dívida americana em mais de 7% do PIB.
Nesse mundo, cédulas e moedas de menor valor sobreviveriam para evitar
problemas decorrentes da dependência completa do cartão, como uma queda
no sistema, por exemplo.
PARA POUCOS
Nações emergentes não estão preparadas para viver sem dinheiro, diz Rogoff.
O primeiro entrave são os índices de bancarização baixos, aumentando os custos de uma inclusão em massa.
Outro desafio é a informalidade. Retirar o dinheiro de circulação
poderia estrangular um mercado ainda fundamental nessas economias.
Infelizmente, as consequências sobre a economia global de poucos países
viverem sem dinheiro vivo enquanto muitos ainda são dependentes dele não
são exploradas em profundidade.
Essa é uma lacuna importante, especialmente para um egresso do FMI.
A falha, contudo, não derruba a obra. Valendo-se de uma linguagem
acessível, Rogoff apresenta argumentos fortes e, sabendo que essa não é
uma discussão nova, avança ao mostrar um plano para transformar o que é
tratado como ficção em manual de política monetária.
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