domingo, 15 de janeiro de 2017

“Não há inocentes na cadeia”

“Não há inocentes na cadeia”



“Não há inocentes na cadeia”

Leonardo Sakamoto

Um
homem foi espancado até a morte e teve a casa incendiada e o bar
destruído após ser acusado de ser o responsável pela morte de uma
adolescente no interior do Estado de São Paulo há algum tempo. A
investigação na época, contudo, não havia confirmado que ele era o
responsável.

O povaréu envolvido no linchamento, que aumentou a
bola de neve de rumores, fofocas e maldizeres, não quis saber e decidiu
que ele era culpado. Ao final, questionado pela barbárie, um dos
participantes da loucura declarou: “Se a gente fez, ele deve. Alguma
coisa ele deve''.

Nas últimas semanas, brigas entre o Primeiro
Comando da Capital, o Comando Vermelho e outras facções levaram à morte
de mais de 100 encarcerados em cadeias do país. Muitos dos quais, conforme relevaram boas reportagens de colegas, eram presos provisórios, que não tinham sido julgados ou condenados – parte dos quais, réus primários.

Quantos
inocentes, que estavam lá por erro do sistema judiciário ou da polícia,
podem ter sido assassinados devido à incompetência ou incapacidade do
Estado brasileiro em garantir a vida de pessoas sob sua custódia e da
própria Justiça em analisar, em um curto espaço de tempo, os casos de
prisões provisórias? Lembrando que mais de um terço das pessoas que
estão em prisões não foram declaradas culpadas pela Justiça nem em
primeira instância. E que outros já cumpriram sua pena e não foram
libertados.

Essa é uma situação angustiante. Ser preso por um
crime que não se cometeu e morrer enquanto busca se provar a própria
inocência.

Mais angustiante ainda é verificar, através de
postagens em comentários de redes sociais, opiniões em blogs e textos em
sites, que uma parte da sociedade não se importa com isso. E comemora
como se fosse gol da seleção em final de Copa do Mundo a morte
indiscriminada de presos.

Afinal de contas, para essas pessoas “se a gente colocou o sujeito na cadeia, ele deve. Alguma coisa ele deve''.

Parte
da população, em momentos de comoção, feito uma horda desgovernada,
pede sangue. Afinal de contas, ''aquele bando de bandidos não são seres
humanos porque desrespeitaram a lei''. E mesmo ''os que não mataram ou
estupraram, matariam se pudessem'', não é mesmo? ''Devem apodrecer por
lá''. ''Inocentes? Não há inocentes na cadeia. Se estão na cadeia é que
são culpados.''

Tenho medo desse ponto de vista. Ele está presente
em turbas ensandecidas que ignoram a lei e fazem Justiça por conta
própria. Mas também em uma população com tanto medo de si mesma que
acaba por ignorar as leis e se guiar por discursos que prometem o
impossível: garantir a paz promovendo a guerra. Pois, no final das
contas, essa guerra com ares de inquisição se estenderá a todos, sem
exceção.

O que me lembra sempre de Oscar Wilde: ''Há três tipos de
déspotas. Aquele que tiraniza o corpo, aquele que tiraniza a alma e o
que tiraniza, ao mesmo tempo, o corpo e a alma. O primeiro é chamado de
príncipe. O segundo de papa. O terceiro de povo''.

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