sábado, 27 de outubro de 2012

O ínpigmo e os bodes expiatórios- por Mauro Santayana

Blog do Briguilino

O ínpigmo e os bodes expiatórios


por Mauro Santayana

Levar carneiros e cabritos ao fogo, a fim de expiar os próprios pecados, era uma astúcia dos tempos bíblicos, na negociação com a transcendência. Talvez em razão da banalização do recurso, o Senhor tenha pedido a Abraão que levasse ao holocausto o próprio filho Isaque e, na hora fatal, tenha tolhido a mão que brandia o cutelo. Não houve o sacrifício humano, segundo o relato bíblico, e o próprio Senhor providenciou um cordeiro, a fim de que a pira fosse aproveitada, e a metáfora é ainda válida. Há sempre o recurso de descarregar em alguns os próprios pecados, para que os purguem. Quando se trata do poder, o expediente é rotineiro. Basta lembrar o caso dos alemães com os judeus e do Estado de Israel com os palestinos.

O publicitário foi mais do que um lobista comum, porque, ao que se vê, é dotado de invulgar inteligência e grande ousadia. Na Ação 470 – e há outro processo em que se envolveu – seu objetivo frustrado, de acordo com os autos, era  obter um negócio excepcional para o Banco Rural, tendo como objeto o Banco Mercantil de Pernambuco. Eram todos, no fundo, amadores, até mesmo Valério, não obstante sua audácia. A movimentação de recursos, quase à luz do sol, chega a sugerir  ato deliberado de auto-sacrifício, uma espécie de suicídio político coletivo, aos moldes de Jim Jones, na Guiana.

Tudo bem. O que não se compreende é que Valério seja o bode expiatório da velha corrupção política nacional, logo ele que não se encontrava entre os corruptores, nem entre os corrompidos, e, sim, no meio da ação – como dezenas ou centenas de outros lobistas, menores e maiores, que operam entre as empresas e o poder público no país. Não se pune com pena maior o adultério: recolhe-se o sofá ao guarda-móveis. Um fato é fora de dúvida: os maiores corruptores são os banqueiros, muitos dos quais começam a conhecer a cadeia, como é o caso de Madoff, nos Estados Unidos. Sem eles não haveria intermediários como Valério, como não haveria lavagem de dinheiro nem remessas para o Exterior, como as realizadas pelo Banestado, sob a confessada cobertura do Banco Central. 

Quarenta anos de prisão, conforme a soma das penas a ele cominadas, é  notório exagero. Valério, segundo se sabe, esteve preso e foi espancado pelos outros prisioneiros. Se for colocado em uma prisão comum, como determina a lei, sua sobrevivência estará ameaçada. Ainda que a pena possa ser reduzida, como prevê a legislação, a sua condenação será muito mais dura do que a simples prisão. 

Há os que exultam com os resultados do julgamento. Talvez lhes conviesse colocar as barbas no molho da cautela. Não poderá o STF julgar os outros casos de corrupção em andamento, e outros que fatalmente lhe chegarão, com menos rigor do que o endereçado aos réus da Ação 470. Os  que pedem a cabeça dos envolvidos no denominado mensalão, provavelmente ficarão estarrecidos quando conhecerem os detalhes do processo de privatização das empresas estatais brasileiras, a partir do governo Collor – sob o comando do Sr. Eduardo Modiano – até o ato final de entrega, na administração de Fernando Henrique Cardoso.

Depois de penas tão duras contra os réus da Ação 470, será um estapafúrdio se a Justiça não reabrir o caso da Operação Satiagraha, que o STJ, em decisão escandalosa, decidiu trancar. Afinal, Marcos Valério é apenas um menino de recados, diante de quem obteve seguidos  e estranhos hábeas-corpus, do próprio STF,  e sempre foi amigo e comensal das mais altas autoridades da República, em tempos recentes – o banqueiro Daniel Dantas. 


*Mininistros do stf a serviço do pig

Os oráculos - Míriam Leitão: O Globo

Os oráculos - Míriam Leitão: O Globo

Conjur - Entrevista: Ada Pellegrini Grinover, processualista

Conjur - Entrevista: Ada Pellegrini Grinover, processualista

Última Instância - Os equívocos jurídicos do governador Tarso Genro

Última Instância - Os equívocos jurídicos do governador Tarso Genro

Os equívocos jurídicos do governador Tarso Genro

Luiz Moreira - 25/10/2012 - 18h01

Uma das facetas mais preocupantes do atual constitucionalismo é a tentativa de submeter o real ao jurídico. Essa tentativa de colonização do mundo da vida pelo jurídico se realiza mediante um alargamento do espectro argumentativo, desligando a argumentação jurídica de qualquer vinculação à lei. É a partir desse pressuposto que, em artigo publicado no portal Carta Maior, o Governador Tarso Genro afirma que “todo o Estado de Direito tem espaços normativos amplos para permitir-se, com legitimidade, tanto condenar sem provas como absolver com provas, nos seus Tribunais Superiores”.

Quer dizer então que nas democracias ocidentais a legitimidade decorre das Cortes Constitucionais? Que a democracia emana do direito? Essas duas perguntas convergem para um quadro teórico incapaz de captar o sentido da modernidade.
O sentido da modernidade é o expresso por Newton, na física, e por Kant, na filosofia, ou seja, estabelece-se com a elevação da crise à estrutura racional, tanto no patamar teórico, como no prático. É isso que levou Henrique Lima Vaz a afirmar que na modernidade a racionalidade nomotética é substituída pela hipotética. Essa mesma questão é respondida de modo muito perspicaz por Napoleão Bonaparte ao afirmar que o mundo moderno surge quando a tragédia grega é substituída pela política. Não havendo mais oráculos para consultar, nem sacralidades donde se deduzem respostas, as decisões passam a ser dos cidadãos que, associadamente, são plenipotenciários. Não se trata de simples separação do poder em esferas autônomas, conforme uma organização horizontal, mas de estabelecer uma verticalidade, com a qual o exercício funcional do poder se submete à soberania popular. Para ser legítimo o Estado se submete ao poder dos cidadãos, estabelecendo-se o que se chama  soberania popular, com a qual aos poderes políticos compete a direção dos negócios estatais. Portanto, não havendo Estado legítimo sem democracia, é o governo que asperge legitimidade às manifestações estatais.
Disso decorre uma primeira distinção que os juristas no Brasil teimam em não admitir e que perpassa o artigo do governador Tasso Genro. É que do Estado Democrático de Direito a novidade entre nós é apenas a democracia. Todas as ditaduras brasileiras tiveram ordenamentos jurídicos sofisticados e o Supremo Tribunal Federal conviveu pacificamente com a ausência de democracia no Estado de Direito brasileiro. Suprimiram-se as eleições, houve intervenção nos Parlamentos, mas negócios e obrigações jurídicos foram normalmente celebrados, tudo devidamente chancelado pelo Judiciário brasileiro.
Outro equívoco cometido pelo governador Tasso Genro é a combinação de autores tão distintos como Kelsen e Marx. Explico: o propósito dessa associação é o de conferir ares de vanguarda aos Tribunais Constitucionais. Sabe-se que Marx foi o mais arguto intérprete do capitalismo, sendo também conhecido como um dos “mestres da suspeita”. Se essa análise do capitalismo lhe conferiu lugar junto aos clássicos do pensamento ocidental, do ponto de vista político lhe reservou assento entre os teóricos que rompem com os grilhões que dominam as consciências. Outra é a perspectiva de Kelsen ao formular os tribunais e a de sua institucionalização na Europa continental.
Kelsen propõe a adoção de tribunais constitucionais num contexto europeu entre as duas grandes guerras. Vivia-se a quebra de paradigmas hermenêuticos, sobretudo com a entronização do particular sobre o universal. Essa perspectiva gera a insuscetibilidade de submissão de uma interpretação a outra, mas também garante que não haja supremacia cultural de um país sobre outro, o que se institucionalizava com a supremacia parlamentar, vez que cabia aos parlamentos a representação das distintas visões de mundo. Daí a máxima segundo a qual “cada cabeça uma sentença”. Festeja-se com isso a diversidade cultural e um grau razoável de autonomia da sociedade civil ante o Estado.
Ora, os tribunais constitucionais logram institucionalização por intermédio de um ato político decorrente da vitória norte-americana na segunda grande guerra. A fim de esmagar a diversidade cultural, as distintas visões de mundo e a submeter a todos a uma mesma orientação, passada a guerra os Estados Unidos impuseram aos vencidos a adoção de tribunais constitucionais. O exemplo alemão é marcante. Sem eleições e tampouco sem democracia foi outorgada uma Lei Fundamental e criado o tribunal constitucional na Alemanha. Como compatibilizar a existência de um tribunal dito constitucional se não há Constituição? A resposta é simples: o exercício funcional do poder pode perfeitamente ser jurídico sem ser democrático.
Se o modelo dos tribunais constitucionais é imposto à Europa como conseqüência aos regimes totalitários, houve algo profundamente nazista que sobreviveu à guerra. Trata-se daquilo presente nas cartas do ministro da Justiça do Reich: o apelo ao contorno às leis, às suas prescrições e sua substituição pela concreção dos ideais nazistas que deveriam ser operada pelos juízes. O que se pretendeu com isso? Estabelecer o primado da interpretação judicial sobre a lei. O propósito é claro: trata-se de conferir à interpretação realizada pelo Judiciário supremacia política, operada por uma argumentação sem peias, pela qual ao magistrado é conferido o papel de oráculo.
Nesse contexto, é preciso enfrentar a questão atinente à relação entre direito e política. O governador Tasso Genro defere às Cortes Constitucionais um protagonismo tal que chega a deferir-lhe papel de mediador entre projetos sociais e políticos antagônicos. Nesse sentido, então, o Judiciário seria uma espécie de poder moderador. Essa afirmação contraria profundamente todo o projeto político libertário que a modernidade pode conter. Quer dizer então que a democracia, o poder constituinte permanente existente na sociedade civil, precisa ser domada por uma instituição não popular? Que diferença qualitativa há então entre esse projeto e o do Leviatã de Hobbes?
A única razão de ser que legitima a existência das Cortes Constitucionais é o seu papel de poder contra majoritário, de modo a represar manifestações violentas e arbitrárias da maioria ante minorias, ainda que apenas simbólicas. Por isso, seu poder é circunscrito aos direitos e garantias fundamentais, vinculando-os estritamente a constatar o que foi prescrito pelos poderes políticos (a lei) e pelo que foi produzido pelas partes nos processos judiciais.
Por último, o Governador Tarso Genro assevera que o processo do “mensalão” foi “devido”, “legal” e “legítimo”. No meu entender, equívocos foram cometidos e que levantam questionamentos sobre a correção do julgamento, entre eles: (1) a opção pelo fatiamento do julgamento; (2) a falta de individualização das condutas e sua substituição por blocos e (3) a ausência de provas e a aplicação dos princípios do direito civil ao direito penal.
(1)    Com o propósito de garantir a supremacia de uma ficção foi estabelecida a narração como método em uma ação penal. Como no direito penal exige-se a demonstração cabal das acusações, essa obra de ficção foi utilizada como fundamento penal. Em muitas ocasiões no julgamento foi explicitada a ausência de provas. Falou-se até em um genérico "conjunto probatório", mas nunca se apontou que prova, em que folhas, o dolo foi comprovado. Foi por isso que se partiu para uma narrativa em que se gerou uma verossimilhança entre a ficção e a realidade. Estabelecida a correspondência, passou-se ao passo seguinte que era o de substituir o exame da acusação pela comprovação das teses da defesa. Estava montado assim o método aplicado nesse processo, o de substituir a necessária comprovação das teses da acusação por deduções, próprias ao método narrativo.
(2)    Como se trata de uma ficção, o método narrativo não delimita a acusação a cada um dos réus, nem as provas, limita-se a inseri-los numa narrativa para, após a narrativa, chegar à conclusão de sua condenação em blocos. O direito penal é o direito constitucional do cidadão em ter sua conduta individualizada, saber exatamente qual é a acusação, saber quais são as provas que existem contra ele e ter a certeza de que o juiz não utiliza o mesmo método do acusador. É por isso que cabe à acusação o ônus da prova e que aos cidadãos é garantida a presunção de inocência. Nesse processo, a individualização das condutas e a presunção de inocência foram substituídas por uma peça de ficção que exigiu que os acusados provassem sua inocência.
(3)    Por diversas vezes se disse que as provas eram tênues, que as provas eram frágeis. Como as provas não são suficientes para fundamentar condenações na seara penal, substituíram o dolo penal pela culpa do direito civil. A inexistência de provas gerou uma ficção que se prestou a criar relações entre as partes de modo que se chegava à suspeita de que algo houvera ali. Como essa suspeita nunca se comprovou, atribuíram forma jurídica à suspeita, estabelecendo penas para as deduções. Com isso bastava arguir se uma conduta era possível de ter sido cometida para que lhe fosse atribuída veracidade na seara penal. As deduções realizadas são próprias ao que no direito se chama responsabilidade civil, nunca à demonstração do dolo, exigida no direito penal, e que cabe exclusivamente à acusação.
Publicado originalmente pelo site Luis Nassif Online

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Com direita em crise, mídia vira partido político – Escrevinhador

Com direita em crise, mídia vira partido político – Escrevinhador

Com direita em crise, mídia vira partido político

publicada quinta-feira, 25/10/2012 às 15:48 e atualizada sexta-feira, 26/10/2012 às 10:07
Monopólios midiáticos na América Latina
Por Fernando Arellano Ortíz
Tradução: Adital
“Não há erro: os meios de comunicação simplesmente são grandes conglomerados empresariais que têm interesses econômicos e políticos. Na América Latina, os monopólios midiáticos têm um poder fenomenal que vêm cumprindo na função de substituir os partidos políticos de direita que caíram em descrédito e que não têm capacidade de chamar a atenção nem a vontade dos setores conservadores da sociedade. Assim o politólogo e cientista social argentino Atilio Boron caracteriza a denominada canalha midiática.
Nesse sentido, explica, “cumpre-se o que muito bem profetizou Gramsci há quase um século, quando disse que diante da ausência de organizações da direita política, os meios de comunicação, os grandes diários, assumem a representação de seus interesses; e isso está acontecendo na América Latina. Em praticamente todos os países da região, os conglomerados midiáticos converteram-se em “operadores políticos.
A Crise do Capitalismo e o triunfo de Chávez
Boron, que dispensa apresentação por ser um importante referente da teoria política e das ciências sociais em Iberoamérica, foi um dos expositores principais do VI Encontro Internacional de Economia Política e Direitos Humanos, organizado pela Universidad Popular Madres de la Plaza de Mayo, que aconteceu em Buenos Aires, entre os dias 4 e 6 de outubro.
Tópicos como a crise estrutural do capitalismo, o fenômeno da manipulação dos monopólios midiáticos e o que significa para a América Latina o triunfo de Hugo Chávez foram tratados com profundidade por esse destacado politólogo, sociólogo e investigador social, doutorado em Ciências políticas pela Universidade de Harvard e, atualmente, diretor do Programa Latino-americano de Educação a Distância em Ciências Sociais do Centro Cultural da Cooperação Floreal Gorini, na capital argentina.

Para aprofundar sobre alguns desses temas, o Observatorio Sociopolítico Latinoamericano teve a oportunidade de entrevistá-lo no final de sua participação em dito fórum acadêmico internacional.
Rumo a um projeto pós-capitalista
No desenvolvimento de sua exposição no encontro da Universidad Popular de Madres de la Plaza de Mayo, Boron analisou o contexto da crise capitalista.
“Hoje em dia é impossível referir-se à crise e à saída da mesma sem falar do petróleo, da água e das questões meio ambientais. Essa é uma crise estrutural e não produto de uma má administração dos bancos das hipotecas subprime.
Recordou que, recentemente, foram apresentadas propostas por parte dos Prêmios Nobel de Economia para tornar mais suave a débâcle capitalista. Uma, a esboçada por Paul Krugman, que propõe revitalizar o gasto público. O problema é que os Estados Unidos estão quebrados e o nível de endividamento das famílias nos Estados Unidos equivale a 150% dos ingressos anuais. “Krugman propõe dar crédito ao Estado para que estimule a economia. Porém, os Estados Unidos não têm dinheiro porque decidiram salvar os bancos.
A outra proposta é de Amartya Sem, que analisa a situação do capitalismo como uma crise de confiança e é muito difícil restabelecê-la entre os poupadores e os banqueiros devido aos antecedentes desses últimos. Por isso, essas não deixam de ser “pseudo explicações que não levam à questão de fundo. Não explicam porque caem os índices do PIB e sobem as bolsas. Ambos índices estariam desvinculados e as bolsas crescem porque os governos injetaram moeda ao sistema financeiro.
A crise capitalista serviu para acumular riqueza em poucas mãos, uma vez que “o que os democratas capitalistas fizeram no mundo desenvolvido foi salvar os banqueiros, não os endividados, ou seja, as vítimas.
Exemplificou com as seguintes cifras: enquanto o ingresso médio de uma família nos Estados Unidos é de 50.000 dólares ao ano, o daqueles de origem latina é de 37.000 e o de uma família negra é de 32.000, o diretor executivo do Bank of America, resgatado, cobrou um salário de 29 milhões de dólares.
Então, é evidente que cada vez mais há uma tendência mais regressiva de acumular riqueza em poucas mãos. Em trinta anos, o ingresso dos assalariados foi incrementado em 18% e o dos mais ricos cresceu 238%.
“No capitalismo desenvolvido houve uma mutação e os governos democráticos transformaram-se em plutocracias, governos ricos. Porém, além disso, “o capitalismo se baseia na apropriação seletiva dos recursos.
Por isso, citando o economista egípcio Samir Amin, Boron afirma sem medo que “não há saída dentro do capitalismo.
Como alternativa, Boron sustenta que “hoje, pode-se pensar em um salto para o modelo pós-capitalista. Há algo que pode ser feito até que apareçam os sujeitos sociais que darão o tiro de misericórdia no capitalismo. O que se pode fazer é desmercantilizar tudo o que o capitalismo mercantilizou: a saúde, a economia, a educação. Assim, estaremos em condições de ver o amanhecer de um mundo mais justo e mais humano.
A reeleição na Venezuela
Sobre a matriz de opinião que os monopólios midiáticos da direita têm tentado impor no sentido de que a reeleição do presidente Chávez é um sintoma de que ele quer se perpetuar no poder, a análise de Boron foi contundente:
“Há um grau de hipocrisia enorme nesse tema, porque os mesmos que se preocupam com o fato de Chávez estar por 20 anos no governo, aplaudiam fervorosamente a Helmut Kohl, que permaneceu no poder por 18 anos, na Alemanha; ou Felipe González, por 14 anos, na Espanha; ou Margaret Thatcher, por 12 anos, na Inglaterra.
“Há um argumento racista que diz que somos uma raça de corruptos e imbecis; que não podemos deixar que as pessoas mantenham-se muito tempo no poder; ou há uma conveniência política, que é o que acontece ao tentarem limar as perspectivas de poder de líderes políticos que não são de seu agrado. Agora, se Chávez instaurasse uma dinastia onde seu filho e seu neto herdassem o poder, eu estaria em desacordo. Porém, o que Chávez faz é dizer ao povo que eleja; e, em âmbito nacional, por um período de 13 anos, convocou o povo venezuelano para 15 eleições, das quais ganhou 14 e perdeu uma por menos de um ponto; e, rapidamente, reconheceu sua derrota. Então, não está dito em nenhum lugar serio da teoria democrática que tem que haver alternância de lideranças, na medida que essa liderança seja ratificada em eleições limpas e pela soberania popular.
Confira a entrevista:
Hoje, no debate da teoria política, fala-se de “pósdemocracia, para significar o esgotamento dos partidos políticos, a irrupção dos movimentos sociais e a incidência dos meios de comunicação na opinião pública. Que alcance você dá a esse novo conceito?
Eu analiso como uma expressão da capitulação do pensamento burguês que, em uma determinada fase do desenvolvimento histórico do capitalismo, fundamentalmente a partir do final da I Guerra Mundial, apropriou-se de uma bandeira -que era a da democracia- e a assumiu. De alguma maneira, alguns setores da esquerda consentiram nisso. Por quê? Bom, porque estávamos um pouco na defensiva e, além disso, o capitalismo havia feito uma série de mudanças muito importantes. Por isso, a ideia de democracia ficou como se fosse uma ideia própria da tradição liberal burguesa, apesar de que nunca houve um pensador dessa corrente política que fizesse uma apologia do regime democrático. Estudavam sobre isso, possivelmente, a partir de Thorbecke ou de John Stuart Mill; porém, nunca propunham um regime democrático; isso vem da tradição socialista e marxista. No entanto, apropriaram-se dessa ideia; passaram todo o século XX atualizando-a. Agora, dadas as novas contradições do capitalismo e ao fato de que as grandes empresas assumiram a concepção democrática, a corromperam e a desvirtuaram até o ponto de torná-la irreconhecível, perceberam que não tem sentido continuar falando de democracia. Então, utilizam o discurso resignado que diz que o melhor da vida democrática já passou; um pouco a análise de Colin Crouch: o que resta agora é o aborrecimento, a resignação, o domínio a cargo das grandes transnacionais; os mercados sequestraram a democracia e, portanto, temos que nos acostumar a viver em um mundo pós-democrático. Nós, como socialistas, e, mais, como marxistas jamais podemos aceitar essa ideia. Creio que a democracia é a culminação de um projeto socialista, da socialização da riqueza, da cultura e do poder. Porém, para o pensamento burguês, a democracia é uma conveniência ocasional que durou uns 80 ou 90 anos; depois, decidiram livrar-se dela.
Mesmo em uma situação anômala mundial e levando-se em conta que a propriedade dos grandes meios de comunicação está concentrada em uns poucos monopólios do grande capital, como você analisa o fenômeno da canalha midiática na América Latina? Parece que, paulatinamente, vão perdendo a credibilidade…?
O que bem qualificas como canalha midiática tem um poder fenomenal, que vem substituindo os partidos políticos da direita que caíram no descrédito e que não têm capacidade de prender a atenção nem a vontade dos setores conservadores da sociedade. Nesse sentido, cumpre-se o que, Gramsci muito bem profetizou há quase um século, quando disse que diante da ausência de organizações da direita política, os meios de comunicação, os grandes diários, assumem a representação de seus interesses e isso está acontecendo na América Latina. Em alguns países, a direita conserva certa capacidade de expressão orgânica, creio que é o caso da Colômbia; porém, na Argentina, não, porque nesse país não existem dois partidos, como o Liberal e o Conservador colombianos; e o mesmo acontece no Uruguai e no Brasil. O caso colombiano revela a sobrevivência de organizações clássicas do século XIX da direita que se mantiveram incólumes ao longo de 150 anos. É parte do anacronismo da vida política colombiana que se expressa através de duas formações políticas decimonônicas [do século XIX], quando a sociedade colombiana está muito mais evoluída. É uma sociedade que tem uma capacidade de expressão através de diferentes organizações, mobilizações e iniciativas populares que não encontram eco no caráter absolutamente arcaico do sistema de partidos legais na Colômbia.
Com essa descrição que encaixa perfeitamente na realidade política colombiana, o que poderíamos falar, então de seus meios de comunicação…
Os meios de comunicação naqueles países em que os partidos desapareceram ou debilitaram-se são o substituto funcional dos setores de direita.
O que significa para a América Latina o triunfo do presidente venezuelano Hugo Chávez?
Significa continuar em uma senda que se iniciou há 13 anos, um caminho que, progressivamente, ocasionado algumas derrotas muito significativas ao imperialismo norte-americano na região, entre elas, a mais importante, a derrota do projeto da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), que era a atualização da Doutrina Monroe para o século XXI e isso foi varrido basicamente pela enorme capacidade de Chávez de formar uma coalizão com presidentes que, não sendo propriamente de esquerda, eram sensíveis a um projeto progressista, como poderia ser o caso de Lula, no Brasil e de Néstor Kirchner, na Argentina. Ou seja, de alguma maneira, Chávez foi o marechal de campo na batalha contra o imperialismo; é um homem que tem a visão geopolítica estratégica continental que ninguém mais tem na América do Sul. O outro que tem essa mesma visão é Fidel Castro; porém, ele já não é chefe de Estado, apesar de que eu sempre digo que o líder cubano é o grande estrategista da luta pela segunda e definitiva independência, enquanto que Hugo Chávez é o que leva as grandes ideias aos campos de batalha, e, com isso, avançamos muito. Inclusive, agora, com a entrada da Venezuela ao Mercosul, conseguiu-se criar uma espécie de blindagem contra tentativas de golpe de Estado. Caso a Venezuela permanecesse isolada, considerado um Estado paria, teria sido presa muito mais fácil da direita desse país e do império norte-americano. Agora, não será tão fácil.
Você vê algumas nuvens cinzentas no horizonte do processo revolucionário da Venezuela?
Creio que sim, porque a direita é muito poderosa na América Latina e tem capacidade de enganar as pessoas. E os grandes meios de comunicação têm a capacidade de manipular, enganar, deformar a opinião pública; vemos isso muito claramente na Colômbia. Boa parte dos colombianos compraram o bilhete da Segurança Democrática com uma ingenuidade, como aqui na Argentina compramos o bilhete de ganhar a Guerra das Malvinas. Portanto, temos que levar em consideração que, sim, existem nuvens no horizonte porque o imperialismo não ficará de braços cruzados e tentará fazer algo como, por exemplo, impulsionar uma tentativa de sublevação popular, tentar desestabilizar o governo de Chávez e derrubá-lo.
Buenos Aires, octubre de 2012.
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TICO, TECO E O MENSALÃO - castorphoto - Blogoosfero

TICO, TECO E O MENSALÃO - castorphoto - Blogoosfero

TICO, TECO E O MENSALÃO

26 de Outubro de 2012, por Castor Filho - Sem comentários ainda




Enviado por Vera Pasquale e Beatrice



Meus dois neurônios raramente concordam um com o outro. São como o Joaquim Barbosa e o Lewandovski.

Assim, meu Neurônio Relator entende a decisão do STF e acredita que o Mensalão era mesmo uma dinheirama usada para comprar a BASE ALIADA e fazer dela a MAIORIA na Câmara Federal.

Já o meu Neurônio Revisor, que é meio retardado, não entende direito a matemática dessa história.

Como pode existir uma montanha de dinheiro manipulada por 14 RÉUS COMPRADORES (José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos, Kátia Rabelo, José Roberto Salgado, Vinicius Samarane, Henrique Pizzolato, Enivaldo Quadrado, Breno Fischberg), BANCOS, CORRETORAS E EMPRESAS, e serem apenas e tão somente 7 os DEPUTADOS COMPRADOS dentre os 513 integrantes da Câmara Federal?

Se para a obtenção de MAIORIA SIMPLES são necessários 257 deputados, e para haver QUORUM ESPECIAL são precisos 308 deputados, como uma quadrilha atuante, com dinheiro abundante, e esquema gigante comprou apenas e tão somente 7 deputados ? 

O Reality Show do STF e o último capítulo do NOVELÃO, exibidos pela TV tem um enredo mal contado, segundo o meu NEURÔNIO REVISOR (Dr. Teco).

No entanto, para o meu NEURÔNIO RELATOR (Dr. Tico), o final do NOVELÃO está correto! 

E foi proclamada a “ética”, e consagrada a “moralidade nacional”. Daqui pra frente, tudo vai ser diferente... 

P.S. São 12 os deputados condenados. Mas como 5 são do PT esses já eram da base aliada e votavam com o Governo. Por isso, o número é 7, conta de mentiroso!

Outro P.S. Meus neurônios são democráticos e aceitam todas as opiniões divergentes, além das convergentes.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Blog do Merval - blog do jornalista Merval Pereira - Merval Pereira: O Globo

Blog do Merval - blog do jornalista Merval Pereira - Merval Pereira: O Globo
Merval Pereira 24.10.2012 10h00m
Mais uma vez os ministros do Supremo bateram cabeça ao vivo e a cores, dando uma demonstração evidente de que não têm uma organização que lhes permita ordenar minimamente uma sessão na qual o fundamental é ter critérios claros para basear as condenações dos réus.
Houve momentos em que a situação chegou a ser caricata, como quando o relator Joaquim Barbosa perguntou se ele e o revisor Ricardo Lewandowski não estariam tratando de questões distintas (e não estavam), ou quando o relator travou o seguinte diálogo com o revisor:
Joaquim Barbosa: Eu gostaria de perguntar, a análise de Vossa Excelência diz respeito a qual réu?
Ricardo Lewandowski: Valério, em outro peculato. Eu inocentei Valério em relação aos peculatos que dizem respeito à Câmara.
Joaquim Barbosa: Vossa Excelência não tem voto neste caso.
Não tinha mesmo, mas para não ficar vencido na discussão de outros peculatos, com uma decisão da qual não participou por ter absolvido Marcos Valério naquele caso específico, Lewandowski antecipou seu voto, provocando mais confusão no plenário, a ponto de o presidente Ayres Britto ter suspendido a sessão para tentar organizar a discussão, que àquela altura estava caótica.
O relator Joaquim Barbosa em diversas ocasiões demonstrou de que não se preparou adequadamente para a sessão de ontem. Deu uma pena para Marcos Valério por formação de quadrilha e ainda por cima aplicou uma multa: “Eu torno definitiva a pena de dois anos de 11 meses e duzentos e noventa e um dias de multas para Valério, com valor de dez salários mínimos por dia levando em conta a situação financeira do réu. É o que conta dos autos. Esta é a pena para Valério em relação ao crime de quadrilha”, proclamou.
O ministro Luiz Fux tentou acudir, comentando baixinho: “Eu tenho a impressão de que não há previsão de multas”. Joaquim Barbosa insistiu, chamando a atenção para seu próprio erro: “A previsão de multa é genérica”. Não era não, e os ministros Celso de Mello e Ayres Britto, consultando o Código, alertaram que naquele artigo não havia previsão de multa. O relator não se fez de rogado: “Nesse caso eu mudo meu voto eliminando a imposição de multa”.
O relator cometeria outro erro ao tratar do caso de corrupção ativa de Marcos Valério em relação ao diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolatto.
Ele baseou sua condenação em uma legislação de novembro de 2003, que aumentou a pena para esse tipo de crime, mas o revisor Ricardo Lewandowski chamou na atenção para o fato de que o crime acontecera antes, sob a vigência de uma lei mais branda.
Barbosa ainda argumentou que a propina recebida por Pizzolatto fora paga em janeiro de 2004, mas vários ministros lembraram-lhe que pela legislação, o crime acontece quando se promete vantagem indevida a funcionários ou se oferece, e não quando a propina é entregue.
Ainda tentando manter a pena mais dura, alegando que pelo Código Penal a pena é aumentada de um terço se, em razão de vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou pratica um ato infringindo o dever funcional, Joaquim Barbosa alegou: “Eu não contemplei”. O presidente do STF perguntou: “Então Vossa Excelência vai aumentar?” Joaquim Barbosa disse que não, tentando convencer os colegas que uma coisa contrabalançava a outra.
Quando o item foi colocado em votação, a primeira ministra a votar foi Rosa Weber, que acompanhou o revisor justamente por ele ter dado a pena com base na legislação adequada. Barbosa, que já dissera que Lewandowski estava “barateando” o crime com uma pena mais leve, tentou retomar a discussão, lembrando que o montante desviado “é extremamente considerável”.
Propôs aplicar a cláusula de aumento da pena, mas foi aparteado pelo presidente Ayres Britto: “Partindo da legislação penal vigente no momento”. Como a situação estava novamente confusa, Britto suspendeu definitivamente a sessão de ontem e pediu que a ministra Rosa Weber retirasse seu voto, para que o relator pudesse refazer o seu e reapresentá-lo na sessão de hoje.
Se os ministros não se reunirem antes da sessão de hoje para tentar um entendimento mínimo sobre os critérios a serem adotados, a definição da dosimetria não apenas não terminará amanhã, como estava previsto, como os advogados de defesa terão base para muitos embargos infringentes e de declaração.

domingo, 14 de outubro de 2012

Rendição pragmática - suplementos - alias - Estadão

Rendição pragmática - suplementos - alias - Estadão

Pela 'governabilidade', PT e PSDB sacrificaram seus programas de esquerda ou centro-esquerda

14 de outubro de 2012 | 3h 08

ROBERTO ROMANO É PROFESSOR DE ÉTICA E FILOSOFIA NA UNICAMP, AUTOR DE O CALDEIRÃO DE MEDEIA (PERSPECTIVA) - O Estado de S.Paulo
O segundo turno das eleições paulistanas retoma o dramalhão dos Montecchios contra os Capuletos, sem casal inocente para ser lamentado. PT e PSDB têm origens próximas e fontes comuns de pensamento. Ambos surgem como alternativas de esquerda ao "socialismo real", seus programas pretendem mudar as formas capitalistas no âmbito e limites do Estado democrático. Os dois partidos foram e são próximos da social-democracia europeia, com variantes próprias à cultura política brasileira.
O PT retoma três paradigmas de sociedade e de Estado. O primeiro é a doutrina clássica do poder político que deve ser colhido eleitoralmente. Mas para a representação marxista radical o Estado é ilegítimo, mesmo com eleições e demais ritos burgueses. Representantes dessas tendências estão no PT. Existem também os trotskistas, que postulam a luta revolucionária no plano internacional. Daí sua suspeita contra o PT e o sindicalismo nacionalista que o inspira. Alguns remanescentes da Quarta Internacional desconfiam de Lula: ele seria um líder pré-fabricado (José Nêumanne Pinto esclarece o tema em O que Sei de Lula). Os herdeiros de Trotski representam setores críticos contra os dirigentes partidários. PSTU e PSOL formalizam expulsões ou rupturas com o partido. Mas não poucos trotskistas, a exemplo de Palocci, se acomodam à burocracia partidária. Tal fusão heteróclita é relevante na construção do poder interno do petismo.
Também na origem do PT estão as formas da cultura católica de esquerda. Boa parte desse setor se forma nos anos 1960, quando a Igreja modifica seus elos com a sociedade capitalista nas encíclicas sociais e no Vaticano 2, sobretudo a declaração conciliar Gaudium et Spes. Nos inícios daquela década surge a Ação Popular (AP), inspirada nas ideias de Teilhard de Chardin e de Hegel, lidos pelo jesuíta Henrique Vaz. Ela opera com as ações juvenis católicas especializadas (JEC, JUC, JOC). A máxima expansão do movimento dá-se antes de 1964, quando a presidência da UNE é conquistada por José Serra. Após o golpe a Ação Católica sofre uma "intervenção branca" da CNBB e a AP perde seu elemento de mobilização política. Após o Congresso da UNE em Ibiúna, e com as guerrilhas, a AP deixa de ser estratégica para os religiosos. Com seu desaparecimento os católicos não estabelecem partido próprio, anseio que vem desde o Império. Os militantes e intelectuais cristãos encontraram no PT a oportunidade de agir num coletivo político não comunista e livre da Igreja, que na época sofre o Termidor dirigido por João Paulo II.
O PT é uma bricolagem de segmentos diferentes, um campo de lutas interno e externo. O equilíbrio de vários modelos, desejos, paixões, idiossincrasias, é nele muito difícil. A luta entre tendências conduz a direção ao uso do segredo contra as bases, aos atos impostos verticalmente, às alianças alheias ao espectro ideológico indicado no programa. O PT foi produzido como alternativa política para setores da esquerda, dos antigos comunistas aos católicos. Conduzir um programa unitário com tantas divergências doutrinárias e imaginários distintos é um desafio.
O PSDB teve sua origem no PMDB e foi liderado por setores políticos da esquerda marxista, mas também acolhendo intelectuais católicos de origem (caso de José Serra) e acadêmicos cuja produção teórica se desenvolveu fora dos parâmetros filosóficos do chamado "materialismo histórico e dialético". Já na ditadura civil-militar foi instaurado o Cebrap, think tank que até hoje possui relativa força na orientação programática tucana. Espécie de laboratório social e universitário, ele gera ideias, táticas e estratégias do partido. Sua figura maior é Fernando Henrique Cardoso, político hábil e pesquisador com ideias próprias. Sua colaboração para a "teoria da dependência"o tornou conhecido nacional e internacionalmente, dando-lhe credenciais para a carreira de governante.
Os dois partidos, na Presidência da República, se renderam à lógica do conservadorismo que rege os tratos entre o poder central e as regiões brasileiras, dominadas por oligarquias truculentas e corrompidas. Ambos precisaram rasgar os alvos éticos em proveito da "arte do possível" (o termo é de Bismark). Nas alianças pela "governabilidade", as duas agremiações sacrificaram no altar do realismo político seus programas anteriores, de esquerda ou centro-esquerda. Oligarcas notórios (ACM, Sarney, Jader Barbalho, Quércia, Maluf, para citar apenas alguns) serviram aos dois partidos e deles se serviram ao longo dos 16 anos de administração tucano-petista. Ficam os eleitores paulistanos com a tarefa de fornecer alento suplementar para as duas siglas. Essas, em nome do poder, desfiguraram suas propostas originais para a sociedade. Esperemos que, depois do aperto sofrido por ambas, elas repensem táticas e estratégias, tornando-se menos dependentes das raposas que ainda dominam a política nacional e paulista.

Comparato e os juízes do STF: são culpados ! | Conversa Afiada

Comparato e os juízes do STF: são culpados ! | Conversa Afiada

Comparato e os juízes
do STF: são culpados !

E o mensalão mais antigo ? E os empresários ? E a reeleição do FHC ? E o Daniel Dantas ?


O Conversa Afiada recebeu este artigo do professor Fábio Konder Comparato:

PARA ENTENDER O JULGAMENTO DO “MENSALÃO”


Fábio Konder Comparato

Ao se encerrar o processo penal de maior repercussão pública dos últimos anos, é preciso dele tirar as necessárias conclusões ético-políticas.

Comecemos por focalizar aquilo que representa o nervo central da vida humana em sociedade, ou seja, o poder.

No Brasil, a esfera do poder sempre se apresentou dividida em dois níveis, um oficial e outro não-oficial, sendo o último encoberto pelo primeiro.

O nível oficial de poder aparece com destaque, e é exibido a todos como prova de nosso avanço político. A Constituição, por exemplo, declara solenemente que todo poder emana do povo. Quem meditar, porém, nem que seja um instante, sobre a realidade brasileira, percebe claramente que o povo é, e sempre foi, mero figurante no teatro político.

Ainda no escalão oficial, e com grande visibilidade, atuam os órgãos clássicos do Estado: o Executivo, o Legislativo, o Judiciário e outros órgãos auxiliares. Finalmente, completando esse nível oficial de poder e com a mesma visibilidade, há o conjunto de todos aqueles que militam nos partidos políticos.

Para a opinião pública e os observadores menos atentos, todo o poder político concentra-se aí.

É preciso uma boa acuidade visual para enxergar, por trás dessa fachada brilhante, um segundo nível de poder, que na realidade quase sempre suplanta o primeiro. É o grupo formado pelo grande empresariado: financeiro, industrial, comercial, de serviços e do agronegócio.

No exercício desse poder dominante (embora sempre oculto), o grande empresariado conta com alguns aliados históricos, como a corporação militar e a classe média superior. Esta, aliás, tem cada vez mais sua visão de mundo moldada pela televisão, o rádio e a grande imprensa, os quais estão, desde há muito, sob o controle de um oligopólio empresarial. Ora, a opinião – autêntica ou fabricada – da classe média conservadora sempre influenciou poderosamente a mentalidade da grande maioria dos membros do nosso Poder Judiciário.

Tentemos, agora, compreender o rumoroso caso do “mensalão”.

Ele nasceu, alimentou-se e chegou ao auge exclusivamente no nível do poder político oficial. A maioria absoluta dos réus integrava o mesmo partido político; por sinal, aquele que está no poder federal há quase dez anos. Esse partido surgiu, e permaneceu durante alguns poucos anos, como uma agremiação política de defesa dos trabalhadores contra o empresariado. Depois, em grande parte por iniciativa e sob a direção de José Dirceu, foi aos poucos procurando amancebar-se com os homens de negócio.

Os grandes empresários permaneceram aparentemente alheios ao debate do “mensalão”, embora fazendo força nos bastidores para uma condenação exemplar de todos os acusados. Essa manobra tática, como em tantas outras ocasiões, teve por objetivo desviar a atenção geral sobre a Grande Corrupção da máquina estatal, por eles, empresários, mantida constantemente em atividade magistralmente desde Pedro Álvares Cabral.

Quanto à classe média conservadora, cujas opiniões influenciam grandemente os magistrados, não foi preciso grande esforço dos meios de comunicação de massa para nela suscitar a fúria punitiva dos políticos corruptos,  e para saudar o relator do processo do “mensalão” como herói nacional. É que os integrantes dessa classe, muito embora nem sempre procedam de modo honesto em suas relações com as autoridades – bastando citar a compra de facilidades na obtenção de licenças de toda sorte, com ou sem despachante; ou a não-declaração de rendimentos ao Fisco –, sempre esteve convencida de que a desonestidade pecuniária dos políticos é muito pior para o povo do que a exploração empresarial dos trabalhadores e dos consumidores.

E o Judiciário nisso tudo?

Sabe-se, tradicionalmente, que nesta terra somente são condenados os 3 Ps: pretos, pobres e prostitutas. Agora, ao que parece, estas últimas (sobretudo na high society) passaram a ser substituídas pelos políticos, de modo a conservar o mesmo sistema de letra inicial.

Pouco se indaga, porém, sobre a razão pela qual um “mensalão” anterior ao do PT, e que serviu de inspiração para este, orquestrado em outro partido político (por coincidência, seu atual opositor ferrenho), ainda não tenha sido julgado, nem parece que irá sê-lo às vésperas das próximas eleições. Da mesma forma, não causou comoção, à época, o fato de que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tivesse sido publicamente acusado de haver comprado a aprovação da sua reeleição no Congresso por emenda constitucional, e a digna Procuradoria-Geral da República permanecesse muda e queda.

Tampouco houve o menor esboço de revolta popular diante da criminosa façanha de privatização de empresas estatais, sob a presidência de Fernando Henrique Cardoso. As poucas ações intentadas contra esse gravíssimo atentado ao patrimônio nacional, em particular a ação popular visando a anular a venda da Vale do Rio Doce na bacia das almas, jamais chegaram a ser julgadas definitivamente pelo Poder Judiciário.

Mas aí vem a pergunta indiscreta: – E os grandes empresários? Bem, estes parecem merecer especial desvelo por parte dos magistrados.

Ainda recentemente, a condenação em primeira instância por vários crimes econômicos de um desses privilegiados, provocou o imediato afastamento do Chefe da Polícia Federal, e a concessão de habeas-corpus diretamente pelo presidente do Supremo Tribunal, saltando por cima de todas as instâncias intermediárias.

Estranho também, para dizer o mínimo, o caso do ex-presidente Fernando Collor. Seu impeachment foi decidido por “atentado à dignidade do cargo” (entenda-se, a organização de uma empresa de corrupção pelo seu fac-totum, Paulo Cezar Farias). Alguns “contribuintes” para a caixinha presidencial, entrevistados na televisão, declararam candidamente terem sido constrangidos a pagar, para obter decisões governamentais que estimavam lícitas, em seu favor. E o Supremo Tribunal Federal, aí sim, chamado a decidir, não vislumbrou crime algum no episódio.

Vou mais além. Alguns Ministros do Supremo Tribunal Federal, ao votarem no processo do “mensalão”, declararam que os crimes aí denunciados eram “gravíssimos”. Ora, os mesmos Ministros que assim se pronunciaram, chamados a votar no processo da lei de anistia, não consideraram como dotados da mesma gravidade os crimes de terrorismo praticados pelos agentes da repressão, durante o regime empresarial-militar: a saber, a sistemática tortura de presos políticos, muitas vezes até à morte, ou a execução sumária de opositores ao regime, com o esquartejamento e a ocultação dos cadáveres.

Com efeito, ao julgar em abril de 2010 a ação intentada pelo Conselho Federal da OAB, para que fosse reinterpretada, à luz da nova Constituição e do sistema internacional de direitos humanos, a lei de anistia de 1979, o mesmo Supremo Tribunal, por ampla maioria, decidiu que fora válido aquele apagamento dos crimes de terrorismo de Estado, estabelecido como condição para que a corporação militar abrisse mão do poder supremo. O severíssimo relator do “mensalão”, alegando doença, não compareceu às duas sessões de julgamento.

Pois bem, foi preciso, para vergonha nossa, que alguns meses depois a Corte Interamericana de Direitos Humanos reabrisse a discussão sobre a matéria, e julgasse insustentável essa decisão do nosso mais alto tribunal.

Na verdade, o que poucos entendem – mesmo no meio jurídico – é que o julgamento de casos com importante componente político ou religioso não se faz por meio do puro silogismo jurídico tradicional: a interpretação das normas jurídicas pertinentes ao caso, como premissa maior; o exame dos fatos, como premissa menor, seguindo logicamente a conclusão.

O procedimento mental costuma ser bem outro. De imediato, em casos que tais, salvo raras e honrosas exceções, os juízes fazem interiormente um pré-julgamento, em função de sua mentalidade própria ou visão de mundo; vale dizer, de suas preferências valorativas, crenças, opiniões, ou até mesmo preconceitos. É só num segundo momento, por razões de protocolo, que entra em jogo o raciocínio jurídico-formal. E aí, quando se trata de um colegiado julgador, a discussão do caso pelos seus integrantes costuma assumir toda a confusão de um diálogo de surdos.

Foi o que sucedeu no julgamento do “mensalão”.

Conjur - Senso Incomum: Aqui se faz, aqui se paga ou "o que atesta Malatesta"

Conjur - Senso Incomum: Aqui se faz, aqui se paga ou "o que atesta Malatesta"

A coluna do Merval
Lenio Luiz Streck

Não é fácil fazer crítica jurídica. Advirto desde logo: quem achar que a crítica filosófica à dogmática jurídica é uma perda de tempo e que “o direito-não-tem-nada-a-ver-com-a-filosofia”, não continue a leitura. Peço que o leitor suspenda seus pré-juízos. Na verdade, iria escrever esta Coluna apenas depois do julgamento do mensalão. Mas, lendo a coluna de Merval Pereira, no jornal O Globo do dia 6 de outubro de 2012 (clique aqui para ler), senti-me na obrigação de fazer algumas considerações sobre o andar da carruagem. Pois o imortal Merval (para quem não sabe, ele é da Academia Brasileira de Letras) fez uma espécie de “crítica moral-fundamental” — estou sendo irônico — ao estado d’arte do julgamento. Ou seja, parem as máquinas, patuleus de terrae brasilis, que Merval falará.
Não tenho procuração para defender o ministro Lewandowski. Nem posso... Não sou advogado. Não tenho interesse na causa (assim como o Merval). Aliás, tenho escrito duros artigos tratando do mensalão [por exemplo, O Supremo, o contramajoritarismo e o “Pomo de ouro”e o O Direito AM-DM (antes e depois do mensalão)]. Minha tese, que não vale (e que não deve valer) só para o mensalão, é a seguinte: juízes (sempre) devem decidir por princípios e não por políticas (falo no sentido da hermenêutica que eu professo e de Dworkin). Isto é: sou um hermeneuta que faz imbricação das teses da hermenêutica filosófica com a teoria integracionista de Ronald Dworkin, o que significa dizer que todas as decisões devem ter um DNA.
Livre convencimento?
Qual é o cerne daquilo que defendo? Simples. Sou um dos poucos juristas de terrae brasilis que sustentam — com veemência — que juízes não possuem poder discricionário. Também, por consequência, sustento que não possuem “livre convencimento” e tampouco podem fazer “livre apreciação da prova”. Aliás, um importante professor de Processo Penal, querido amigo, advertiu-me: “Não tem aparecido bem você atacar o livre convencimento pelo nome, coisa que se superou há muito tempo, em função da evolução teórica, ou seja, para além da lei ou da íntima convicção.” Perguntei-lhe: Superado? Onde? No Brasil? Ah, agora tem o nome de “livre convencimento motivado” e isso teria respaldo no artigo 93, IX, da CF... Mas — reforço a pergunta — por que os livros de Processo Penal continuam falando disso? E por que as expressões “livre convencimento” ou “livre apreciação” aparecem tanto nos votos dos tribunais e nos livros doutrinários? Não vou desenvolver isso aqui, em face do espaço e de oportunidade (já escrevi mais de duas mil páginas sobre isso. Infelizmente, é algo que não dá pra ser simplificado ou resumido).
Minhas teses — de que juízes não devem decidir por políticas e, sim, por princípios, aliado ao meu antidiscricionarismo — têm acarretado interessantes debates: de um lado, alguns me acusam de ser um positivista exegético-pandectista, na medida em que minha tese “proibiria os juízes de interpretar” (meu estimado amigo ex-ministro Eros Grau, por exemplo, é um dos que me acusa disso — aqui remeto os leitores à coluna E a professora disse: “Você é um positivista”). Já, por outro lado, há os que “acham” que o que escrevo proporciona uma irracionalidade na interpretação, pelo qual os juízes interpreta(ria)m de qualquer jeito (Dimitri Dimoulis escreveu que eu “defendo o subjetivismo”). Vejam: alguns acham que sou o Angelo I do Medida por Medida, de Shakespeare; outros têm certeza que sou o Angelo II (assista aqui). Não sei qual das críticas é a mais injusta e/ou equivocada. Difícil de dizer.
De todo modo, quero dizer que não faço Filosofia do Direito e, sim, Filosofia no Direito, especialmente no Direito Constitucional e na jurisdição constitucional, circunstância que é reconhecida e atestada por filósofos do porte de Ernildo Stein. Para ser mais simples: juízes e tribunais não devem nem podem julgar segundo a consciência ou segundo seus sentimentos. Isso não é democrático nem republicano, pelo simples fato de que o que se passa na “consciência” do juiz pode não coincidir com a estrutura legal-constitucional do país... (aliás, nesse sentido, bastaria chamar à colação um autor como Jürgen Habermas, inimigo figadal do discricionarismo; por que será que Habermas é contra a ponderação?).
Exemplificando: quando o aborto é judicializado, não estamos perguntando ao juiz “qual a sua opinião pessoal”. Quando perguntamos sobre o aborto, perguntamos acerca de como o Direito[1] proporciona uma resposta sobre o case. Também nunca perguntamos em abstrato. Pela hermenêutica que sustento, não há respostas antes das perguntas. Para fazer uma blague: não existe um conceito de picanha em abstrato; também não existe uma corrupção em abstrato; o Direito não trabalha com “conceitos sem coisas”. Por isso, o Direito não cabe na lei; por isso, o Direito é maior que uma súmula. Não está errado dizer que a corrupção é um dos piores crimes; mas pode não ser verdadeiro que alguém — em um caso concreto — tenha comprovado seu ato de corrupção. Pode até ter cometido, mas, como não possuímos o dom de encontrar a essência das coisas (pelo menos acho que já ultrapassamos o realismo filosófico, pois não?) e temos que nos contentar com o que a intersubjetividade nos proporciona. Anselmo, da Novela de Um Curioso Impertinente, de Cervantes, é que queria encontrar uma verdade essencialista... Queria encontrar uma espécie de “traição fundamental”.
O ordinário se presume?
O acadêmico e jornalista Merval Pereira acusa o ministro Lewandowski de estar prestando um desserviço (sic) à nação e ao STF. Ao mesmo tempo — e dá para ver que ele (Merval) não é do ramo — enaltece frases ditas por outros julgadores que corresponderiam ao seu anseio (dele, Merval, e da maioria do povo). Assim, por exemplo, Merval gosta muito da tese de que a admissão das provas pode “sofrer elasticidade”... (desde que ele não seja o acusado, é claro!). Gostou também — mas não só ele — da citação atribuída à Malatesta, dita em 1894, de que o ordinário se presume; só o extraordinário se prova.
Aqui, uma pequena parada: confesso que não entendi essa enunciação constante em um dos votos. Se no “ordinário” alguém é um mau motorista (presumivelmente, é claro), no dia em que ele se envolve em um novo acidente não é necessário provar a sua culpa? Caberia a esse motorista provar a sua inocência, que, no caso, seria “um fato extraordinário”? É isso que Malatesta queria dizer? Posso presumir que fulano, por ter comprado uma arma, está preparando um crime? Posso presumir que, pelo fato de que um juiz ou um promotor jantar com determinadas pessoas regularmente, isso seria o “ordinário”, que suas decisões serão a favor daquelas pessoas? Alguém que costume ir a eventos sociais igualmente frequentados por empresários que não recolhem os devidos tributos deve ser presumido sonegador? Ou, para utilizar um acórdão do Tribunal Constitucional Espanhol — posso presumir que o fato de alguien cargar ganzúas y otros instrumentos propios para robo é suficiente para condená-lo pelo tipo penal correspondente, que culmina em pena de 1 a 5 anos àquele que for pego carregando ganzúas? Pois o TC Espanhol aplicou, in casu, uma Teilnichtigerklärung ohne Normtextreduzierung — decisão redutiva, mostrando que não há responsabilidade objetiva em Direito Penal, o qual não se contenta com presunções (o ordinário, no caso, não se presume), problemática que analiso amiúde em Verdade e Consenso, 4. ed., p. 311. O TC Espanhol foi bem anti-malatesta, pois não?
O que (bem ou mal)atesta Malatesta?
Na verdade, não entendo essa reverência a (esse confuso) livro “a Lógica das Provas”, escrito por Nicola Dei Malatesta no final do século XIX. Vejamos: ao mesmo tempo em que Malatesta diz que “o ordinário se presume; só o extraordinário se prova”, ele mesmo diz, mais adiante, que “o ordinário no homem é a inocência, por isso ela se presume e é ao acusador que cabe a obrigação no juízo penal” (p. 143). E, na p. 144, arremata: “A experiência mostra-nos que são, felizmente, em número muito maior os homens que não cometem crimes, do que aqueles que os cometem; a experiência afirma-nos por isso que o homem ordinariamente não comete ações criminosas, isto é, que o homem ordinariamente é inocente: e como o ordinário se presume, a inocência por isso presume-se”.
E o que dizer dessa outra passagem de Malatesta: “Se se pudesse condenar em consequência de juízos simplesmente prováveis, a justiça punitiva, já o dissemos, perturbaria mais a consciência social, que o próprio delito: os cidadãos pacíficos achar-se-iam expostos, não só às agressões dos delinquentes particulares, como às mais temíveis, por isso que mais irresistíveis, da denominada justiça social. É sempre a certeza, e não pode ser senão a certeza como estado do espírito, que deve servir de base à condenação (Lógica das Provas, p.63). E, então?
Na verdade, Malatesta — sim, dei-me a pachorra de lê-lo — até disse o que o voto da ministra do STF disse que ele disse. Mas ele — o Nicola Dei Malatesta — também disse, lá no longínquo século retrasado, o que acabei de citar acima. O problema é o contexto. Dizer que a água ferve a 100º pode estar certo ou errado; depende do contexto em que é dita. Noutros termos: Malatesta é uma espécie de “ponderação”,[2] que serve para qualquer lado.
Sigo. Merval também gostou muito de enunciados como o de que “os juízes se valem da regra da experiência”. Só que isso é uma máxima do processo civil (art. 335 que, mesmo sendo do CPC, é incompatível com o contemporâneo Estado Democrático de Direito).
O quero dizer com tudo isso? Quero apenas dizer que julgamentos não podem ser analisados como se fosse um Fla-Flu ou um Gre-Nal. Uma turma a favor e outra contra. Só porque o voto do ministro Lewandowski não foi a favor do que desejava Merval não quer dizer que ele esteja “prestando um desserviço”. Não seria tão duro assim. Até porque “aqui se faz, aqui se paga”. Comportamo-nos como torcedores: enquanto o árbitro apita a nosso favor, é o melhor do mundo; quando dá um pênalti contra o nosso time, queremos esfolá-lo. Minha tese é a de que o árbitro não deve aparecer. Ele deve “apitar” sempre de acordo com as regras, doa a quem doer. Caso contrário, o “jogo” deixa de ser o já conhecido “jogo” e passa a ser o jogo criado pelo árbitro, como já nos alertava Hart. Muitos dos julgadores que hoje são apontados como “vilões”, ontem eram enaltecidos pelos jornalistas e jornaleiros; e muitos que hoje são “heróis”, ontem eram criticados por outras decisões. Rememoro, a título de exemplo que, à época do julgamento da constitucionalidade da festejada Lei da Ficha Limpa, estampavam-se diversas capas dos maiores periódicos nacionais, sempre associando a notícia a adjetivos de ética e moralidade... Pois bem. O presidente do TSE, devidamente enaltecido, era justamente o ministro Lewandowski...
Qual é o problema? Já disse, em outro artigo, que não se pode culpar o Supremo Tribunal Federal. Ele está apenas seguindo uma linha de julgamentos que vinha fazendo. Apenas agora fez aquilo que nos meus tempos de faculdade se dizia: uma simples lei derruba uma biblioteca. Pois o Supremo Tribunal, com o julgamento do mensalão, derruba várias bibliotecas. As “várias bibliotecas” são representadas pela dogmática jurídica. E ela — a dogmática jurídica — é um queijo suíço “paradigmático”, porque serve para dar qualquer resposta em Direito.
O que sustenta (todos) os votos do STF? Nada mais, nada menos do que aquilo que a dogmática jurídica vem pregando e ensinando historicamente: a tese de que os juízes possuem “livre convencimento” e/ou que podem fazer “livre apreciação a prova”, e que sentença vem de sentire etc. No fundo, a dogmática (em geral) é refém do normativismo kelseniano, ou seja, grosso modo, juiz produz norma jurídica; estando ela mais ou menos na moldura, vale (não esqueçamos que, em Kelsen, está o ovo da serpente do decisionismo). O papel da operacionalidade (doutrina e jurisprudência) é apenas o de “expungir” as bizarrices. Ora, se o Direito serve apenas para isso e se qualquer decisão vale, então não temos muito a fazer. Se o Direito é aquilo que os tribunais dizem que é, temos que dar razão ao ex-presidente do STJ, ministro Humberto Gomes de Barros, recentemente falecido, que foi enfático: Não me importa o que dizem os doutrinadores.... Talvez ele estivesse certo... Bingo.
No campo do processo penal, não conseguimos sequer fazer valer um artigo do CPP que diz que a prova deverá ser feita pelas partes e que “o juiz só pode fazer perguntas complementares”. Pois é. Graças a Guilherme Nucci, Luiz Flávio Gomes (mas não só eles) e a recepção de suas teses pelo STJ (e por uma das Turmas do STF — HC 103.525), o artigo 212 virou letra morta. Surpresos? Ora, o STF apenas faz o que diz a doutrina, embora seja a doutrina que esteja sempre se amoldando a ele, STF.
Aqui se faz, aqui se paga
Mas há algo que, retoricamente, não foi o STF que inventou. Sabem o que foi? Aquilo que está nos principais livros de processo penal do Brasil, dos mais antigos e tradicionais aos mais recentes escritos por jovens processualistas... O que é mesmo? Ah, lembrei: a tese de que os juízes possuem livre convencimento (claro, contemporaneamente, dá-se uma adoçada na tese, dizendo que o “livre convencimento é motivado”...[3] — ah bom, se é motivado, tudo bem! Como se isso se sustentasse no plano filosófico). Se não é o livre convencimento, há um mix entre livre convencimento e livre apreciação da prova (há inúmeros julgamentos com a incidência dessa fenomenologia). Várias vezes esses dois mantras — livre convencimento e livre apreciação da prova – aparece(ra)m no julgamento do mensalão. Entretanto, não culpem o STF de nada. Ele está só dando azo e vazão ao que a doutrina sempre sustentou. Só que agora parte dela parece não ter gostado.
É. Pois é. Aqui se faz, aqui se paga. Quando o ministro Lewandowski diz que não concorda com outros ministros — sem que precisemos nos imiscuir no mérito acerca do acerto ou erro de seus votos — setores do jornalismo e do Direito querem crucificá-lo. Ora, não tem ele também livre convencimento? Segundo a dogmática jurídica, não tem ele também o poder de “livre apreciação da prova”? “Livre apreciação da prova” é só para um lado? Viram? Entrei no jogo. Repito: aqui se faz... aqui... se paga! Vejam: nem é necessário entrar no mérito de qualquer dos votos proferidos. Basta fazer uma anamnese do discurso proferido pelo STF, pela acusação e pelos defensores. Aliás, venho guardando a necessária equidistância do triângulo processual. Da Teoria do Domínio do Fato ao uso de Malatesta, tenho também feito críticas ao modo como a defesa se comportou no julgamento do mensalão, mormente porque muitos dos advogados confiaram em uma espécie de “hermenêutica pequeno-estamental”, ou seja, uma hermenêutica “que-sempre-vinha-dando-certo-mas-que-no-mensalão...”.
Quem sabe, então, repensemos o processo (penal) brasileiro? A dogmática tradicional está indo à bancarrota. Se é que já não foi. Basta ver o estado d’arte do ensino jurídico... Quem sabe trabalhemos para que a doutrina volte a doutrinar e não mais fique caudatária de decisões tribunalícias? Aliás, embora as palavras não reflitam a essência das coisas (afinal, a palavra borboleta não voa, a palavra bomba não explode e o tipo penal “estupro” não tem a essência de “estuprez”), “doutrina” quer dizer que “deve doutrinar” e não ficar repetindo os que os tribunais dizem. Sou um chato por ficar repetindo isso. Mas, como já disse, trata-se de uma “chatice epistêmica”. Quando me pré-ocupo com as decisões dos tribunais, também me preocupo com as decisões do dia seguinte.
Isto é: Como se comportará o STF nos próximos julgamentos? E os juízes de primeiro grau? Eles poderão (ou deverão) utilizar essa posição do STF? A doutrina continuará a dizer que, no processo penal, os juízes tem livre convencimento ou livre apreciação da prova?[4] Os juízes de primeiro grau adotarão a tese de que “o ordinário se presume; só o extraordinário se prova”? Preocupo-me porque, em um país em que o caso concreto não passa de um álibi teórico, onde não se respeita a cadeia decisional e se encaixa o caso a fórceps em teses previamente escolhidas, o que mais se utilizará do acórdão da AP 470 serão frases (ou verbetes) descontextualizadas. E nisso mora o perigo do bullying hermenêutico que poderá ocorrer a partir desse uso fora de contexto.
Dois exemplos bem recentes sobre “O que é isto — o livre convencimento?”. Vejamos. Um juiz decreta a preventiva em caso de furto e outro determina a soltura de dois assaltantes que praticaram tentativa de latrocínio.... Pois bem. Inquiridos acerca das decisões, respondem: a decisão foi fruto do livre convencimento ou liberdade de consciência na apreciação do caso concreto. Ou seja, a doutrina — pelo menos aquela que sempre trilhou por um caminho “protagonista-solipsista” — não pode se queixar. De nada.
Que fique claro: o juiz, em um regime democrático, não é livre. Há, antes dele, o Direito.
Minha crença
Os alunos me perguntam: O que é decidir por princípio? Respondo invocando o grande Victor Hugo e seu Os Últimos Dias de um Condenado. E explico: o livro trata de um condenado à morte, sem que Victor Hugo revele o crime e as circunstâncias do acusado ser culpado ou inocente. Ele, Victor Hugo, simplesmente, por princípio, é contra a pena de morte. Por princípio. Não importa o crime. Ele era contra. E sua luta foi importante para acabar com a guilhotina na França e com a pena de morte em Portugal. Isso é “princípio”. No princípio, era o princípio. Simples, pois. No exemplo, devemos ser contra a pena de morte por princípio e não porque alguém cometeu um crime hediondo. Compreende(ra)m? Essa é a minha mensagem. And I rest my case. Mais claro que isso não posso ser!
Numa palavra final, alio-me a Santo Anselmo: fides quaerens intellectum. A minha crença no Direito precisa de entendimento (aqui parafraseio Rubem Alves e seu Pimentas). Preciso entender os mistérios que cercam a tese do “livre convencimento”... Preciso entender esse mistério: Por que a dogmática jurídica aposta em algo — o livre convencimento — que pode ser utilizado (veja-se o case mensalão), a qualquer momento, contra ela mesma? Não fosse por convicção filosófica, ela deveria ser contra para a sua própria sobrevivência... Mistério. Grande mistério.
Se eu tenho alguma esperança? Respondo com uma frase recolhida por aí, de Mia Couto: “Vantagem de pobre é saber esperar. Esperar sem dor. Porque é espera sem esperança...”

[1]Direito não é moral. Direito não é sociologia. Direito é um conceito interpretativo e é aquilo que é emanado pelas instituições jurídicas, sendo que as questões e ele relativas encontram, necessariamente, respostas nas leis, nos princípios constitucionais, nos regulamentos e nos precedentes que tenham DNA constitucional, e não na vontade individual do aplicador.
[2] Alguém diria: mas Nicola Dei Malatesta é um homem do seu tempo. Pois bem. É só nesse sentido que Malatesta pode ser reverenciado. Depois dele, o mundo mudou. A filosofia mudou. O direito mudou. E, convenhamos, não podemos sequestrar o tempo. Como bem disse Gadamer, a distância temporal é um aliado, jamais um inimigo. Por exemplo, não se pode defender a inferioridade das mulheres com base em um texto de Platão ou a escravidão com base em um texto de Aristóteles... E nem colocar defeitos na obra de Monteiro Lobato. Eles escreveram sobre uma série de coisas, mas... naquela época.
[3] Diz-se que, superada a intimação convicção, chega-se ao “livre convencimento motivado” (sic), onde “o magistrado tem liberdade na seleção e valoração dos elementos de prova”... É preciso dizer mais?
[4] Um jurista importante que faz a perfeita imbricação entre a academia e as práticas judiciárias, como o Professor Aury Lopes Júnior – e espero estar interpretando bem o que ele escreve e diz - já não aceita a tese do livre convencimento (motivado ou não). Sabe bem ele que o art. 93, IX, da CF, não resolve o problema da fundamentação. Como bem diz Aury, “tudo isso exige uma revisão da 'ambição de verdade' no processo penal, pois sem dúvida o peso da 'verdade' nos ancora no modelo inquisitório e serve de base para a manutenção do 'livre' convencimento, colocando o juiz como alguém apto a 'revelar a verdade'”. Portanto, o “furo” é mais embaixo. Temos discutido essa problemática a fundo (com mais alguns juristas, como Francisco Motta, Adalberto Hommerding, Georges Abboud, Rafael Oliveira, André Karam Trindade, Jânia Saldanha, Fausto Morais, Mauricio Ramires, Marcelo Cattoni, Dierle Nunes e tantos outros). Estamos de acordo com o fato de que, na democracia, há um algo anterior do que simplesmente motivar, conforme explicito em Verdade e Consenso e O que é Isto – Decido Conforme Minha Consciência. Estamos de acordo de que não podemos concordar com a máxima de que “se sou livre para escolher, motivo de qualquer jeito. Se quero condenar, condeno... e depois busco o fundamento. E vice e versa”. Não. Não pode ser assim. Uma sentença não é um ato teleológico. O ato de decidir é deontológico.
Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.
Revista Consultor Jurídico, 11 de outubro de 2012

Elmir Duclerc | Direito e Sociedade.

Elmir Duclerc | Direito e Sociedade.

GRANDES E PEQUENOS NO JULGAMENTO DO “MENSALÃO”

Na capa da última edição da revista Veja está estampada, como sabemos, uma foto de infância do Ministro Joaquim Barbosa com a legenda: “O menino pobre que mudou o Brasil”.
Não que eu dê muita importância ao que Veja estampa na sua capa (a única parte que leio hoje, por inevitabilidade, quando vou numa banca de revistas). O problema, na verdade, é que essa pérola (mais uma) da estupidez fascista não brota de qualquer sensibilidade ou inteligência especial dos seus editores, mas apenas capta e reproduz um senso comum perigosíssimo e infelizmente disseminado no inconsciente coletivo do povo brasileiro, carente de tudo, inclusive de educação, e por isso totalmente vulnerável a manipulações ideológicas e fantasias autoritárias de toda ordem.
O fato é que Joaquim Barbosa não mudou e não mudará coisa alguma.
Primeiro (para aproveitar a moda) por uma questão de causalidade. Toda fantasia de herói, é bem verdade, exige a construção de um personagem imaculado. Assim é desde a imaculada concepção de Maria até o índio extraterrestre de Caetano Veloso, que virá…impávido que nem Muhammed Ali, apaixonadamente como Peri, tranquilo e infalível como Bruce Lee. Mas o fato é que, fora do mundo da fantasia, Joaquim Barbosa foi apenas o sorteado para a relatoria do processo. E como qualquer servidor, recebe um salário para realizar o seu ofício. Se o seu julgamento repercutiria para mudar o Brasil ou não, pouco importa: fez apenas aquilo que era a (bem remunerada) obrigação de qualquer um que estivesse no seu lugar. Como se vê, na re-pública não há espaço para algo tão infungível como um herói.
Além disso, o certo é que o nosso herói não poderia fazer nada se não fossem: os outros ministros que o têm acompanhado nos seus votos; O Ministério Público, que ofereceu a denúncia; a polícia federal, responsável pelo inquérito; o próprio Congresso Nacional (ah, esse eterno anti-herói!) que instalou e conduziu a CPI. Aliás, de todos os agentes que poderiam estar dando causa à mudança do Brasil, quem poderia ser apontado como o cabeça e detentor do domínio funcional do fato é justamente o autor original da notícia de crime, réu confesso, delator, e condenado pelo próprio Joaquim.
Por outro lado, acredito sinceramente, que nem mesmo os próprios editores de Veja apostem um centavo em qualquer mudança nos níveis de corrupção do país como consequência do julgamento no STF. Para aproveitar, também aqui, o jargão da teoria do delito, poderíamos falar de um resultado impossível por absoluta impropriedade do meio.
A final, quem pode ser tão ingênuo a ponto de esperar qualquer mudança no Brasil depois da condenação dos ditos mensaleiros? É curioso perceber como nos escandalizamos tão facilmente com as notícias sobre corrupção, mas não nos escandalizamos com a outra face dessa moeda, isto é, os financiamentos privados de campanhas eleitorais. Toda grande empresa, inclusive grandes grupos de comunicação, como aqueles a que pertencem Veja, Globo etc., financiam candidatos a fundo perdido. Para que? Por mera simpatia ou afinidade ideológica? No capitalismo (é preciso tomar consciência disso de vez por todas) há uma verdadeira confusão entre os ambientes público e privado, e ninguém “doa” nada para ninguém. A Lei de mercado impõe isso, sobretudo num país tão desigual e carente de educação. Para sobreviver no mercado, preciso vencer meus concorrentes. Se eu não corromper, não sonegar, não fizer lobby, meu concorrente o fará e eu vou perder o meu negócio. Simples assim. A lógica do mensalão é a lógica da relação público-privado no capitalismo. É a lógica do mensalinho tucano de Minas, do impeachtment de Collor, da emenda da reeleição de Fernando Henrique Cardoso (lembram?), do dinheiro na meia de José Roberto Arruda, da jogatina de Demóstenes (o último de tantos heróis decaídos), enfim, da obra pública licitada para a construção de Salvador, nos anos 1500, pela equipe de assessores de Tomé de Souza! Nesses 500 anos, os que foram pegos são somente aqueles que foram pegos, pois essa é a lógica do sistema.
Não precisamos nos conformar com isso, mas, por Deus, também não podemos mais crer que o sacrifício de alguns “bois de piranha” seja capaz de impedir que toda a manada atravesse o rio na direção do pasto verdejante do dinheiro fácil.
Mais uma vez, Joaquim Barbosa não mudou e não mudará o Brasil. Pelo contrário.
O mito do herói só aprofunda nossa incapacidade para atacar as raízes do mal, e é justamente a fantasia infantil e solitária que ele incorpora que imobiliza a sociedade para a construção coletiva e sistêmica de soluções reais e adultas para seus problemas.
Nesse passo, o mito acaba sendo a marca de sociedades moralistas e autoritárias. Temos um histórico de autoritarismo que não pode ser apagado facilmente. Como nação, surgimos de uma invasão que resultou no extermínio de quase toda a população nativa e no sequestro e escravização de milhões de estrangeiros de pele negra. Desde então, vivemos, em sequência: um império escravagista; um arremedo de república oligárquica; o fascismo travestido de Estado Novo; uma ditadura militar de 20 anos e alguns míseros aninhos (perdidos entre outros quase 500) de uma débil democracia política. Gostemos ou não, somos autoritários. Cultuamos a autoridade da carteirada, do “você sabe com quem está falando”, e por isso nos agrada tanto imaginar que o ministro negro (aquele menino pobrezinho da capa de Veja) está salvando o Brasil de capa e espada na mão, quando não está fazendo mais do que a sua obrigação.
Ao que parece, aliás, o próprio Ministro Joaquim Barbosa, certamente com as melhores intenções, vê-se muito à vontade no papel de herói. Não é à toa que as marcas registradas de sua atuação nas sessões plenárias têm sido o total menosprezo pelas teses defensivas (abobrinhas, nas suas palavras) e as virulentas reações contra os próprios pares que divergem da verdade absoluta que brota dos seus lábios. Afinal, como ousam discordar do herói negro, menino pobre que está mudando o Brasil?
Perdoe-me ministro Joaquim Barbosa, mas prefiro ficar com Fernando Pessoa e seu Poema em Linha Reta:
“Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos tem sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho.
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda
Eu, que tenho sido cômico às criadas do hotel
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisso tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida…
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma covardia!
Não, são todos o ideal, se os ouço e me falam.
Quem há, neste largo mundo, que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semi-deuses! Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos – mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza”
Perdoe-me grande Ministro Joaquim, mas, gostemos ou não, se há algum menino que deveria ter sua foto na capa da pequena revista Veja, esse seria o pequeno Roberto Jefferson!

Folha de S.Paulo - Poder - A mesada e o mensalão - 14/10/2012

Folha de S.Paulo - Poder - A mesada e o mensalão - 14/10/2012
Janio de Freitas
A mesada e o mensalão
Passados sete anos, ainda não se sabe quanto houve de mentira na denúncia inicial de Roberto Jefferson A mentira foi a geradora de todas as verdades, meias verdades, indícios desprezados e indícios manipulados que deram a dimensão do escândalo e o espírito do julgamento do "mensalão".
Por ora, o paradoxo irônico está soterrado no clima odiento que, das manifestações antidemocráticas de jornalistas e leitores às agressões verbais no Supremo, restringe a busca de elucidação de todo o episódio. Pode ser que mais tarde contribua para compreenderem o nosso tempo de brasileiros.
Estava lá, na primeira página de celebração das condenações de José Dirceu e José Genoino, a reprodução da primeira página da Folha em 6 de junho de 2005. Primeiro passo para a recente manchete editorializada -CULPADOS-, a estonteante denúncia colhida pela jornalista Renata Lo Prete: "PT dava mesada de R$ 30 mil a parlamentares, diz Jefferson". O leitor não tinha ideia de que Jefferson era esse.
Era mentira a mesada de R$ 30 mil. Nem indício apareceu desse pagamento de montante regular e mensal, apesar da minúcia com que as investigações o procuraram. Passados sete anos, ainda não se sabe quanto houve de mentira, além da mensalidade, na denúncia inicial de Roberto Jefferson. A tão citada conversa com Lula a respeito de mesada é um exemplo da ficção continuada.
A mentira central deu origem ao nome -mensalão- que não se adapta à trama hoje conhecida. Torna-se, por isso, ele também uma mentira. E, como apropriado, o deputado Miro Teixeira diz ser mentira a sua autoria do batismo, cujo jeito lembra mesmo o do próprio Jefferson.
Nada leva, porém, à velha ideia de alguém que atirou no que viu e acertou no que não viu. A mentira da denúncia de Roberto Jefferson era de quem sabia haver dinheiro, mas dinheiro grosso: ele o recebera. E não há sinal de que o tenha repassado ao PTB, em nome do qual colheu mais de R$ 4 milhões e, admitiria mais tarde, esperava ainda R$ 15 milhões. A mentira de modestos R$ 30 mil era prudente e útil.
Prudente por acobertar, eventualmente até para companheiros petebistas, a correnteza dos milhões que também o inundava. E útil por bastar para a vingança ou chantagem pela falta dos R$ 15 milhões, paralela à demissão de gente sua por corrupção no Correio. Como diria mais tarde, Jefferson supôs que o flagrante de corrupção, exibido nas TVs, fosse coisa de José Dirceu para atingi-lo. O que soa como outra mentira, porque presidia o PTB e o governo não hostilizaria um partido necessário à sua base na Câmara.
Da mentira vieram as verdades, as meias verdades e nem isso. Mas a condenação de Roberto Jefferson, por corrupção passiva, ainda não é a verdade que aparenta. Nem é provável que venha a sê-lo.
MAIS DEDUÇÃO
Em sua mais recente dedução para voto condenatório, o presidente do Supremo, Ayres Britto, deu como certo que as ações em julgamento visaram a "continuísmo governamental.
Golpe, portanto, nesse conteúdo da democracia que é o republicanismo, que postula renovação dos quadros de dirigentes".
Desde sua criação e no mundo todo, alcançar o poder, e, se alcançado, nele permanecer o máximo possível, é a razão de ser dos partidos políticos. Os que não se organizem por tal razão, são contrafações, fraudes admitidas, não são partidos políticos.
Sergio Motta, que esteve politicamente para Fernando Henrique como José Dirceu para Lula, informou ao país que o projeto do PSDB era continuar no poder por 20 anos.
Não há por que supor que, nesse caso, o ministro Ayres Britto tenha deduzido haver golpe ou plano golpista. Nem mesmo depois que o projeto se iniciou com a compra de deputados para aprovar a reeleição.

A novela do mensalão - | Observatório da Imprensa | Observatório da Imprensa - Você nunca mais vai ler jornal do mesmo jeito

A novela do mensalão - | Observatório da Imprensa | Observatório da Imprensa - Você nunca mais vai ler jornal do mesmo jeito
Por Alice Martins Morais em 09/10/2012 na edição 715
Em um país no qual pelo menos 70% das conversas entre pessoas são voltadas a este assunto banal chamado “novela” [dados fictícios, baseados apenas no que acho, pelo que vejo], não é de se estranhar quando se percebe uma transgressão dessa ficção para o mundo real, ou seja, quando vemos que alguns tentam transformar a vida em uma novela, fazendo de outras pessoas personagens que desempenham papéis específicos e comuns desse gênero televisivo: o vilão e o herói, por exemplo. É o que está acontecendo atualmente com o caso mensalão – e a imprensa, é claro, não poderia perder essa oportunidade para “colocar lenha na fogueira”.
É sempre aquela história de superação do mocinho coitadinho que ascende socialmente e vira um herói, enquanto tem um vilão à espreita tentando impedi-lo de ter sucesso e tornar o mundo um lugar pior para viver. Pois é, eu disse “aquela história”, com “h” minúsculo e não “aquela História”, com “H” maiúsculo. Ou seja, é coisa de ficção. Vamos ser sinceros: a vida não é tão fácil de se analisar assim. Não mesmo. Mas é assim que muita gente está achando que é, a ponto de forçar a barra e começar a ficar preocupante.
O “grande caso do ano”, “maior julgamento político de todos os tempos” e outras hipérboles que muitos estão utilizando para caracterizar o caso que atualmente está sendo julgado na capital do país, o mensalão trouxe à tona um dos maiores motivos de reclamação do povo brasileiro: a corrupção. Sim, trouxe à tona, mas não o quanto a grande mídia deste país queria. Foi, então, necessário se valer de um plano B: a forçação de barra. E nada melhor para ter êxito neste segundo plano que apelar para o emocional da população. Foi aí que começou essa abstração do real que se percebe agora. Foi então que escolheram Joaquim Barbosa, relator do mensalão, como o alvo da vez, a isca para atrair o público para o caso que acusaria políticos do partido que a mídia mais odeia – o PT (“finalmente”, eles disseram) –, mas que a maioria das pessoas nem estava se importando muito.
Fatos relevantes
Com um esquema de marketing e um plano de publicidade surpreendente para o qual bato palmas em pé, essa grande imprensa resolveu dar o golpe de Cinderela, transformando o comum em encantado, transformando o ministro Barbosa em herói ministro Barbosa. Ele seria, portanto, aquele que salvaria a política nacional do monstro chamado corrupção (um possível apelo para a ideia religiosa de salvação cristã tão conhecida no Brasil?). Não demorou para que o plano desse resultado: rapidamente, começaram as disseminações da “fantasia” na internet e no bate-papo casual da população.
São inúmeras as fotos e montagens vistas por qualquer um que utilize a rede social Facebook tratando Joaquim Barbosa como herói nacional, relacionando-o, inclusive, ao super-herói dos quadrinhos Batman (cujo filme foi um dos maiores sucessos de bilheteria há poucos meses – outra coincidência, ou não). E, para todo herói, há de ter um vilão. É neste momento que o outro ministro, o Ricardo Lewandowski, revisor do caso, entra na história. E a novela está pronta para começar. O tempo que deveria estar sendo usado para avaliar claramente a situação, o público está gastando para avaliar o comportamento dos dois personagens-chave da trama criada pela imprensa: “Será que eles vão se enfrentar hoje? Será que vão concordar?” É uma lástima tanto tempo e sinapses perdidos.
Deixo aqui claro que pouco me importa quem vai ganhar essa batalha primeiramente imposta pela mídia e agora desempenhada pelos protagonistas e torcida pelo povo. Pouco me importa qual dos “times” vai ganhar, o que haverá de ser decidido ao fim do julgamento não depende exclusivamente dos dois ministros e tampouco do público. Além do que, indiferentemente dos resultados, o Brasil não vai simplesmente mudar, nem será uma revolução histórica. Não será, aceite. O que me preocupa é essa manipulação evidente da imprensa sobre suas marionetes, primordialmente cidadãos. Preocupa-me essa divisão de águas e a submissão de fatos realmente relevantes, preocupa-me o andamento dessa torcida.
Fantasias ideológicas
Não se pode pensar, no entanto, que o que estamos presenciando é algo novo ou devido, restritamente, ao incentivo competitivo da mídia e à fácil propagação proporcionada pela internet. A construção de heróis é um fenômeno visto muitas vezes e muito antes. Foi o que houve, por exemplo, na Proclamação da República com a construção do “herói” Tiradentes – e o pior foi o que houve no nazismo, com a construção do “salvador” Hitler. Mas a população, uma hora, acorda desse hipnotismo.
O caso-novela mensalão é um reflexo de uma imprensa centralizada em uma rede que faz de tudo para que seus telespectadores não percam um episódio sequer da novela que, de cinco notícias transmitidas em seus jornais, duas são das próprias novelas, uma do elenco da novela, uma argumentando o quanto nosso país é, teoricamente, ruim e uma mostrando como o mundo fora dele é bem melhor. Mídia essa que cria todo um carnaval para garantir o “direito de elite” ameaçado pela ascensão social que muitos vêm ganhando na última década e, por isso, voltam a falar de novela, para desviar a atenção do público das notícias positivas do país, fazendo assim uma “política do pão-e-circo” às avessas. E, no mais das vezes, vence – pelo cansaço.
Brasileiros e brasileiras começam a sofrer de uma síndrome de Dom Quixote coletiva, acreditando que no mundo real existem heróis e vilões. Só espero que não comecem a sair com espadas e declarem guerra por seus ídolos, agindo como os verdadeiros vassalos da imprensa que estão sendo. É o que acontece quando um povo lê apenas quatro livros, em média, por ano, mas acompanha seis novelas simultaneamente, em apenas uma parte do ano. Um povo que já sabe o que vai acontecer no próximo episódio do programa, mas desconhece sua própria realidade e, por isso, vive através de fantasias ideológicas.
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[Alice Martins Morais é estudante de Jornalismo, Castanhal, PA]