Dois veteranos do jornalismo analisam as particularidades do julgamento do mensalão pelo STF
É preciso render homenagem aos grandes.
Carlos Heitor Cony e Janio de Freitas têm muita bala na agulha.
Janio tem sido o melhor analista do julgamento do mensalão pelo STF desde o primeiro dia.
Não cai no ideologismo nem na análise folhetinesca de heróis e vilões ao estilo Veja.
Cony destila a sua leve ironia.
Ambos cravam o olho nas cantradições.
Note-se a sutileza e o equilíbrio de tom, marcados por um suave ceticismo, no melhor estilo machadiano, e uma boa dose de sabedoria de quem já viu de tudo e de todos os lados, quando comparados com a truculência dogmática de lacerdinhas como Reinaldo Azevedo ou de antas babando ideologia como o quilométrico global Merval Pereira.
*
Janio de Freitas
A mesada e o mensalão
Passados sete anos, ainda não se sabe quanto houve de mentira na denúncia inicial de Roberto Jefferson
A mentira foi a geradora de todas as verdades, meias verdades, indícios desprezados e indícios manipulados que deram a dimensão do escândalo e o espírito do julgamento do “mensalão”.
Por ora, o paradoxo irônico está soterrado no clima odiento que, das manifestações antidemocráticas de jornalistas e leitores às agressões verbais no Supremo, restringe a busca de elucidação de todo o episódio. Pode ser que mais tarde contribua para compreenderem o nosso tempo de brasileiros.
Estava lá, na primeira página de celebração das condenações de José Dirceu e José Genoino, a reprodução da primeira página da Folha em 6 de junho de 2005. Primeiro passo para a recente manchete editorializada -CULPADOS-, a estonteante denúncia colhida pela jornalista Renata Lo Prete: “PT dava mesada de R$ 30 mil a parlamentares, diz Jefferson”. O leitor não tinha ideia de que Jefferson era esse.
Era mentira a mesada de R$ 30 mil. Nem indício apareceu desse pagamento de montante regular e mensal, apesar da minúcia com que as investigações o procuraram. Passados sete anos, ainda não se sabe quanto houve de mentira, além da mensalidade, na denúncia inicial de Roberto Jefferson. A tão citada conversa com Lula a respeito de mesada é um exemplo da ficção continuada.
A mentira central deu origem ao nome -mensalão- que não se adapta à trama hoje conhecida. Torna-se, por isso, ele também uma mentira. E, como apropriado, o deputado Miro Teixeira diz ser mentira a sua autoria do batismo, cujo jeito lembra mesmo o do próprio Jefferson.
Nada leva, porém, à velha ideia de alguém que atirou no que viu e acertou no que não viu. A mentira da denúncia de Roberto Jefferson era de quem sabia haver dinheiro, mas dinheiro grosso: ele o recebera. E não há sinal de que o tenha repassado ao PTB, em nome do qual colheu mais de R$ 4 milhões e, admitiria mais tarde, esperava ainda R$ 15 milhões. A mentira de modestos R$ 30 mil era prudente e útil.
Prudente por acobertar, eventualmente até para companheiros petebistas, a correnteza dos milhões que também o inundava. E útil por bastar para a vingança ou chantagem pela falta dos R$ 15 milhões, paralela à demissão de gente sua por corrupção no Correio. Como diria mais tarde, Jefferson supôs que o flagrante de corrupção, exibido nas TVs, fosse coisa de José Dirceu para atingi-lo. O que soa como outra mentira, porque presidia o PTB e o governo não hostilizaria um partido necessário à sua base na Câmara.
Da mentira vieram as verdades, as meias verdades e nem isso. Mas a condenação de Roberto Jefferson, por corrupção passiva, ainda não é a verdade que aparenta. Nem é provável que venha a sê-lo.
MAIS DEDUÇÃO
Em sua mais recente dedução para voto condenatório, o presidente do Supremo, Ayres Britto, deu como certo que as ações em julgamento visaram a “continuísmo governamental. Golpe, portanto, nesse conteúdo da democracia que é o republicanismo, que postula renovação dos quadros de dirigentes”.
Desde sua criação e no mundo todo, alcançar o poder, e, se alcançado, nele permanecer o máximo possível, é a razão de ser dos partidos políticos. Os que não se organizem por tal razão, são contrafações, fraudes admitidas, não são partidos políticos.
Sergio Motta, que esteve politicamente para Fernando Henrique como José Dirceu para Lula, informou ao país que o projeto do PSDB era continuar no poder por 20 anos.
Não há por que supor que, nesse caso, o ministro Ayres Britto tenha deduzido haver golpe ou plano golpista. Nem mesmo depois que o projeto se iniciou com a compra de deputados para aprovar a reeleição.
*
Carlos Heitor Cony
Projeto de poder
RIO DE JANEIRO – Depois do golpe de 1964, os generais eram candidatos compulsórios a ocupar a Presidência da República, que passou a ser o cargo máximo da carreira. Na hora da sucessão, a briga era decidida pelo maior número de tropas, tanques, canhões e demais apetrechos da caserna.
Um general tinha a 4ª Região a favor, mas a Escola Superior de Guerra tinha outro pretendente. A Vila Militar preferia outro nome. Da contabilidade bélica, surgia o escolhido.
A ditadura caiu -custou, mas caiu. Tanques e canhões foram recolhidos aos quartéis -e que lá fiquem. Em substituição, voltamos a buscar aquilo que santo Agostinho chamou de “excremento do demônio”, aquele “metal” que costumam chamar de “vil”: o dinheiro.
No atual julgamento do mensalão, gostei da intervenção do presidente do STF, ministro Ayres Britto, que não culpou o governo em si, mas referiu-se ao “projeto de poder” do PT. Projeto formulado, timidamente, a partir do primeiro governo de Lula e revitalizado pela atual cúpula partidária. O mensalão seria uma espécie de laboratório para a conquista do fim.
Contudo tenho de lembrar que o PT não é o primeiro a pretender um projeto de poder. Lá atrás, o finado ex-ministro Sergio Motta, no primeiro governo de FHC, falou também na necessidade desse laboratório, que garantiria 20 anos de poder ao PSDB. E fez por onde: obteve a emenda da reeleição – que garantiu novo mandato ao presidente de então. Por sinal, um presidente que a perspectiva histórica começa a fazer justiça, com méritos maiores do que inevitáveis defeitos.
A emenda que possibilitou a reeleição teve o preço em dólares. Alguns congressistas mais ligados com o esquema tucano chegaram a renunciar ao mandato para não passarem pelo vexame da cassação.
Carlos Heitor Cony e Janio de Freitas têm muita bala na agulha.
Janio tem sido o melhor analista do julgamento do mensalão pelo STF desde o primeiro dia.
Não cai no ideologismo nem na análise folhetinesca de heróis e vilões ao estilo Veja.
Cony destila a sua leve ironia.
Ambos cravam o olho nas cantradições.
Note-se a sutileza e o equilíbrio de tom, marcados por um suave ceticismo, no melhor estilo machadiano, e uma boa dose de sabedoria de quem já viu de tudo e de todos os lados, quando comparados com a truculência dogmática de lacerdinhas como Reinaldo Azevedo ou de antas babando ideologia como o quilométrico global Merval Pereira.
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Janio de Freitas
A mesada e o mensalão
Passados sete anos, ainda não se sabe quanto houve de mentira na denúncia inicial de Roberto Jefferson
A mentira foi a geradora de todas as verdades, meias verdades, indícios desprezados e indícios manipulados que deram a dimensão do escândalo e o espírito do julgamento do “mensalão”.
Por ora, o paradoxo irônico está soterrado no clima odiento que, das manifestações antidemocráticas de jornalistas e leitores às agressões verbais no Supremo, restringe a busca de elucidação de todo o episódio. Pode ser que mais tarde contribua para compreenderem o nosso tempo de brasileiros.
Estava lá, na primeira página de celebração das condenações de José Dirceu e José Genoino, a reprodução da primeira página da Folha em 6 de junho de 2005. Primeiro passo para a recente manchete editorializada -CULPADOS-, a estonteante denúncia colhida pela jornalista Renata Lo Prete: “PT dava mesada de R$ 30 mil a parlamentares, diz Jefferson”. O leitor não tinha ideia de que Jefferson era esse.
Era mentira a mesada de R$ 30 mil. Nem indício apareceu desse pagamento de montante regular e mensal, apesar da minúcia com que as investigações o procuraram. Passados sete anos, ainda não se sabe quanto houve de mentira, além da mensalidade, na denúncia inicial de Roberto Jefferson. A tão citada conversa com Lula a respeito de mesada é um exemplo da ficção continuada.
A mentira central deu origem ao nome -mensalão- que não se adapta à trama hoje conhecida. Torna-se, por isso, ele também uma mentira. E, como apropriado, o deputado Miro Teixeira diz ser mentira a sua autoria do batismo, cujo jeito lembra mesmo o do próprio Jefferson.
Nada leva, porém, à velha ideia de alguém que atirou no que viu e acertou no que não viu. A mentira da denúncia de Roberto Jefferson era de quem sabia haver dinheiro, mas dinheiro grosso: ele o recebera. E não há sinal de que o tenha repassado ao PTB, em nome do qual colheu mais de R$ 4 milhões e, admitiria mais tarde, esperava ainda R$ 15 milhões. A mentira de modestos R$ 30 mil era prudente e útil.
Prudente por acobertar, eventualmente até para companheiros petebistas, a correnteza dos milhões que também o inundava. E útil por bastar para a vingança ou chantagem pela falta dos R$ 15 milhões, paralela à demissão de gente sua por corrupção no Correio. Como diria mais tarde, Jefferson supôs que o flagrante de corrupção, exibido nas TVs, fosse coisa de José Dirceu para atingi-lo. O que soa como outra mentira, porque presidia o PTB e o governo não hostilizaria um partido necessário à sua base na Câmara.
Da mentira vieram as verdades, as meias verdades e nem isso. Mas a condenação de Roberto Jefferson, por corrupção passiva, ainda não é a verdade que aparenta. Nem é provável que venha a sê-lo.
MAIS DEDUÇÃO
Em sua mais recente dedução para voto condenatório, o presidente do Supremo, Ayres Britto, deu como certo que as ações em julgamento visaram a “continuísmo governamental. Golpe, portanto, nesse conteúdo da democracia que é o republicanismo, que postula renovação dos quadros de dirigentes”.
Desde sua criação e no mundo todo, alcançar o poder, e, se alcançado, nele permanecer o máximo possível, é a razão de ser dos partidos políticos. Os que não se organizem por tal razão, são contrafações, fraudes admitidas, não são partidos políticos.
Sergio Motta, que esteve politicamente para Fernando Henrique como José Dirceu para Lula, informou ao país que o projeto do PSDB era continuar no poder por 20 anos.
Não há por que supor que, nesse caso, o ministro Ayres Britto tenha deduzido haver golpe ou plano golpista. Nem mesmo depois que o projeto se iniciou com a compra de deputados para aprovar a reeleição.
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Carlos Heitor Cony
Projeto de poder
RIO DE JANEIRO – Depois do golpe de 1964, os generais eram candidatos compulsórios a ocupar a Presidência da República, que passou a ser o cargo máximo da carreira. Na hora da sucessão, a briga era decidida pelo maior número de tropas, tanques, canhões e demais apetrechos da caserna.
Um general tinha a 4ª Região a favor, mas a Escola Superior de Guerra tinha outro pretendente. A Vila Militar preferia outro nome. Da contabilidade bélica, surgia o escolhido.
A ditadura caiu -custou, mas caiu. Tanques e canhões foram recolhidos aos quartéis -e que lá fiquem. Em substituição, voltamos a buscar aquilo que santo Agostinho chamou de “excremento do demônio”, aquele “metal” que costumam chamar de “vil”: o dinheiro.
No atual julgamento do mensalão, gostei da intervenção do presidente do STF, ministro Ayres Britto, que não culpou o governo em si, mas referiu-se ao “projeto de poder” do PT. Projeto formulado, timidamente, a partir do primeiro governo de Lula e revitalizado pela atual cúpula partidária. O mensalão seria uma espécie de laboratório para a conquista do fim.
Contudo tenho de lembrar que o PT não é o primeiro a pretender um projeto de poder. Lá atrás, o finado ex-ministro Sergio Motta, no primeiro governo de FHC, falou também na necessidade desse laboratório, que garantiria 20 anos de poder ao PSDB. E fez por onde: obteve a emenda da reeleição – que garantiu novo mandato ao presidente de então. Por sinal, um presidente que a perspectiva histórica começa a fazer justiça, com méritos maiores do que inevitáveis defeitos.
A emenda que possibilitou a reeleição teve o preço em dólares. Alguns congressistas mais ligados com o esquema tucano chegaram a renunciar ao mandato para não passarem pelo vexame da cassação.
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