O ínpigmo e os bodes expiatórios
por Mauro Santayana
Levar carneiros e cabritos ao fogo, a fim de expiar os próprios pecados, era uma astúcia dos tempos bíblicos, na negociação com a transcendência. Talvez em razão da banalização do recurso, o Senhor tenha pedido a Abraão que levasse ao holocausto o próprio filho Isaque e, na hora fatal, tenha tolhido a mão que brandia o cutelo. Não houve o sacrifício humano, segundo o relato bíblico, e o próprio Senhor providenciou um cordeiro, a fim de que a pira fosse aproveitada, e a metáfora é ainda válida. Há sempre o recurso de descarregar em alguns os próprios pecados, para que os purguem. Quando se trata do poder, o expediente é rotineiro. Basta lembrar o caso dos alemães com os judeus e do Estado de Israel com os palestinos.
O publicitário foi mais do que um lobista comum, porque, ao que se vê, é dotado de invulgar inteligência e grande ousadia. Na Ação 470 – e há outro processo em que se envolveu – seu objetivo frustrado, de acordo com os autos, era obter um negócio excepcional para o Banco Rural, tendo como objeto o Banco Mercantil de Pernambuco. Eram todos, no fundo, amadores, até mesmo Valério, não obstante sua audácia. A movimentação de recursos, quase à luz do sol, chega a sugerir ato deliberado de auto-sacrifício, uma espécie de suicídio político coletivo, aos moldes de Jim Jones, na Guiana.
Tudo bem. O que não se compreende é que Valério seja o bode expiatório da velha corrupção política nacional, logo ele que não se encontrava entre os corruptores, nem entre os corrompidos, e, sim, no meio da ação – como dezenas ou centenas de outros lobistas, menores e maiores, que operam entre as empresas e o poder público no país. Não se pune com pena maior o adultério: recolhe-se o sofá ao guarda-móveis. Um fato é fora de dúvida: os maiores corruptores são os banqueiros, muitos dos quais começam a conhecer a cadeia, como é o caso de Madoff, nos Estados Unidos. Sem eles não haveria intermediários como Valério, como não haveria lavagem de dinheiro nem remessas para o Exterior, como as realizadas pelo Banestado, sob a confessada cobertura do Banco Central.
Quarenta anos de prisão, conforme a soma das penas a ele cominadas, é notório exagero. Valério, segundo se sabe, esteve preso e foi espancado pelos outros prisioneiros. Se for colocado em uma prisão comum, como determina a lei, sua sobrevivência estará ameaçada. Ainda que a pena possa ser reduzida, como prevê a legislação, a sua condenação será muito mais dura do que a simples prisão.
Há os que exultam com os resultados do julgamento. Talvez lhes conviesse colocar as barbas no molho da cautela. Não poderá o STF julgar os outros casos de corrupção em andamento, e outros que fatalmente lhe chegarão, com menos rigor do que o endereçado aos réus da Ação 470. Os que pedem a cabeça dos envolvidos no denominado mensalão, provavelmente ficarão estarrecidos quando conhecerem os detalhes do processo de privatização das empresas estatais brasileiras, a partir do governo Collor – sob o comando do Sr. Eduardo Modiano – até o ato final de entrega, na administração de Fernando Henrique Cardoso.
Depois de penas tão duras contra os réus da Ação 470, será um estapafúrdio se a Justiça não reabrir o caso da Operação Satiagraha, que o STJ, em decisão escandalosa, decidiu trancar. Afinal, Marcos Valério é apenas um menino de recados, diante de quem obteve seguidos e estranhos hábeas-corpus, do próprio STF, e sempre foi amigo e comensal das mais altas autoridades da República, em tempos recentes – o banqueiro Daniel Dantas.
*Mininistros do stf a serviço do pig
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