quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Julgamento do mensalão pode influenciar decisões futuras - politica - versaoimpressa - Estadão

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Julgamento do mensalão pode influenciar decisões futuras

Decisões do Supremo Tribunal Federal na análise do processo poderão alterar o entendimento da 1ª instância judicial sobre crimes de quadrilha e lavagem de dinheiro

10 de outubro de 2012 | 3h 07
Fausto Macedo, de O Estado de S.Paulo
O julgamento do mensalão e a flexibilização adotada pelo Supremo Tribunal Federal poderão provocar impacto e mudar o entendimento de magistrados da primeira instância em ações relativas a organizações criminosas e lavagem de capitais. A teoria do domínio do fato, por exemplo, invocada pelos ministros, pode impulsionar instâncias inferiores a adotar os mesmos conceitos.
Advogados criminalistas se dizem "preocupados" com a repercussão dos votos dos ministros. "O STF vem cometendo enganos, como em relação ao crime de quadrilha (imputado a Dirceu)", avalia o advogado Tales Castelo Branco.
Para ele, alguns ministros estão confundindo concurso de agentes com quadrilha. "Toda vez que o crime é praticado por três ou mais pessoas caracteriza a quadrilha. A diferença é que quadrilha precisa ser preparada e organizada para a prática de determinados crimes. Uma eventual ação não é quadrilha, é concurso de agentes. Os ministros estão fazendo interpretações que não me parecem muito ortodoxas."
Advogados especializados na defesa de acusados por lavagem apontam como consequência o esvaziamento da necessidade de se provar o ato de ofício pretendido no crime de corrupção passiva. O ato de ofício é o ato do servidor público dentro das funções que exerce.
A lei exige provas de que o acusado recebeu dinheiro, ou pelo menos o solicitou, para a prática de um ato de ofício. O Supremo manteve o entendimento já antigo sobre a desnecessidade da efetiva prática do ato de ofício para caracterizar a corrupção. Mas alterou sua opinião sobre a necessidade de demonstração de qual o ato de ofício pretendido no ato de corrupção. "Antes era preciso indicar qual o ato objetivado com a corrupção. Agora, ele pode ser apenas presumido", argumenta um advogado. "O ato pretendido não precisa ser indicado com precisão. Isso é uma novidade."
O STF também considerou que, para lavar recursos, o agente não precisa ter conhecimento de que o dinheiro é sujo, ou seja, tem origem ilícita. Basta que suspeite de sua proveniência. Além disso, segundo advogados, o STF está dando "um peso muito maior" para as provas produzidas no inquérito policial do que àquelas reveladas na fase judicial, interpretação que seria contrária à lei.
Mas para o delegado da Polícia Federal Milton Fornazari Junior, mestre em Direito Penal da PUC/SP, a condenação "constitui um forte referencial para uma utilização mais efetiva das provas indiretas em primeira instância, em especial na condenação daqueles que ocupam o ápice das organizações criminosas, voltadas para a prática de crimes complexos como a corrupção, crimes financeiros e lavagem de dinheiro".
Fornazari pondera que esse entendimento jurisprudencial já está sedimentado em países mais desenvolvidos no combate a esses tipos de crimes, como Espanha e EUA. "Não há que se falar em flexibilização das garantias constitucionais do acusado, pois caberá sempre ao juiz fundamentar sua decisão, indicando o porquê entendeu que determinada prova indireta foi suficiente para comprovar o crime."
Prova. O juiz federal Ali Mazloum avalia que não haverá alterações. "Existe jurisprudência a respeito do crime de quadrilha ou bando, com contornos bem definidos pelo próprio STF. Não acredito em mudanças na primeira instância decorrentes da forma como foram analisados fatos específicos da ação penal 470."
Mazloum argumenta. "A circunstância de ter o acusado o domínio do fato não exime quem o acusa do ônus de provar a acusação. Nosso sistema processual penal, na avaliação da prova, adota o sistema do livre convencimento motivado, exigindo do magistrado decidir a causa de acordo com sua livre convicção, desde que fundamentada em elementos constantes dos autos. Não acredito que algum juiz de primeira instância tente extrair de presunções o seu convencimento. A prova deve estar nos autos do processo, e não na cabeça do juiz."
Outro juiz federal considera que estão dando importância exagerada à essa teoria (domínio do fato). "É só uma forma mais sofisticada de dizer que o mandante responde pelo crime do executor. O que importa é ter a prova do envolvimento do mandante. Isso é coisa do Direito alemão, que adora dar nomes novos a coisas antigas. Não existe essa frescura terminológica no direito anglo-saxão, pelo menos não no mesmo nível. O julgamento do mensalão prescinde da invocação dessa teoria."
Ele fica na expectativa. "É possível que a condenação pelo STF estimule as instâncias inferiores, e quem sabe o próprio Supremo, a serem menos lenientes com crimes de colarinho branco, notadamente corrupção, peculato e lavagem, mas convém manter uma boa dose de ceticismo em relação a isso, considerando-se as peculiaridades desse caso. Um tema central, a prisão preventiva, passa ao largo do julgamento do mensalão."
O ministro do STF Marco Aurélio Mello observa que o domínio do fato está no artigo 29 do Código Penal: quem, de alguma forma, contribui para o crime deverá responder na medida da contribuição.
"Em todo crime você tem autoria intelectual e autoria material", anota Marco Aurélio Mello. "Na hora de decidir é que o juiz vai ver a culpa de cada qual, envolvimento maior ou menor. Estão dando ênfase a isso, mas não é uma doutrina nova. A primeira instância está cansada de aplicar."

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