domingo, 8 de fevereiro de 2015

Dois janeiros — CartaCapital

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Análise/Marcos Coimbra

Dois janeiros

O primeiro mês do segundo mandato de FHC foi pior. Mas ele tinha a simpatia da mídia 
 

por Marcos Coimbra



publicado
08/02/2015 09:09




O primeiro mês do segundo mandato de Dilma Rousseff ainda é melhor que o mesmo período de governo de Fernando Henrique Cardoso
Janeiro foi um mês péssimo para o governo Dilma
Rousseff. Nem é preciso enumerar as razões, da falta de chuvas à
interminável agonia da Petrobras. Como se não bastassem, a presidenta
enfrentou a hostilidade das esquerdas ao ministério e as malcriações da
direita, que abusa de um discurso cada vez mais grosseiro. Para coroar
os padecimentos, em 1º de fevereiro os deputados elegeram Eduardo Cunha
presidente da Câmara.
Ruim? Com certeza, mas esse janeiro está
longe de ser o pior primeiro mês de um segundo mandato presidencial em
nossa história. O título continua nas mãos de Fernando Henrique Cardoso,
no início de seu segundo mandato em 1999.
Para quem está impressionado com os problemas de Dilma no
mês passado, a comparação com os de seu antecessor peessedebista é
pedagógica. O que dizer de um mês no qual a inflação anualizada saltou
de 1,78% para 20%? Do momento em que uma desvalorização não coordenada
do real elevaria em pouco o tempo a cotação do dólar de 1,32 para 2,16?
No qual as reservas internacionais haviam se exaurido após uma tentativa
malsucedida de evitar o derretimento da moeda nacional? Calcula-se que o
Brasil perdeu 48 bilhões de dólares naquele período, o que torna coisa
miúda os desvios até agora denunciados na Petrobras.
Janeiro de 1999 foi um mês de tanta
balbúrdia na economia que o Banco Central teve três presidentes, um dos
quais preso pela Polícia Federal. Ficou evidente que o governo tinha
“amigos” no mercado financeiro, pois alguns bancos e corretoras
receberam informações privilegiadas e amealharam uma fortuna, enquanto o
resto do País pagava a conta.
Inflação explosiva, erosão do real, fuga de capitais,
descontrole administrativo, suspeitas de favores, policiais a vasculhar a
vida do presidente do Banco Central. Assim foi o primeiro janeiro de
Fernando Henrique depois da reeleição.
FHC, óbvio, tinha uma vantagem
sobre Dilma, a simpatia dos barões da mídia e, por extensão, da maioria
dos jornalistas empregados nesses meios de comunicação. Por mais que se
inquietassem com o vendaval a vergar a economia e as denúncias de
malfeitos, nada do que se vê hoje contra Dilma acontecia. Se você
duvida, imagine como ela seria tratada pelas corporações midiáticas se
um cenário como o de 1999 se repetisse agora.
A simpatia dos meios de comunicação pouco serviu, porém, a
FHC. Todas as pesquisas feitas de janeiro de 1999 em diante mostraram
quedas na popularidade e na avaliação positiva do governo. Em fevereiro
daquele ano, um levantamento do Vox Populi revelou que a soma de “ótimo”
e “bom” ficava em 19%, enquanto a de “ruim” e “péssimo” alcançava 47%.
Em setembro, a positiva afundou a minguados 8% e a negativa saltou para
estratosféricos 65%.
Dilma, como sabemos, ostenta índices
muitíssimo melhores: nas últimas pesquisas disponíveis, sua avaliação
positiva estava em 42%, enquanto a negativa era quase a metade, perto de
22%. Quisera FHC obter números como esses.
Os problemas do tucano e da petista no
início de seus segundos mandatos não são iguais, mas a grande diferença
entre janeiro de 1999 e o deste ano é outra. Por mais que tivesse de
lidar com a oposição do PT e dos setores progressistas da sociedade,
ninguém discutia, a sério, o impeachment do tucano. Depois dos
erros cometidos no primeiro mandato, FHC meteu os pés pelas mãos no
início do segundo, mas nunca enfrentou a onda golpista hoje em curso.
É natural emergir o golpismo na opinião
pública brasileira, a se considerar quão presentes são os elementos
autoritários e antipopulares em nossa cultura política. Nenhum país,
particularmente aqueles com trajetória semelhante à nossa, em que a
democracia sempre foi exceção e nunca regra, está livre desse fenômeno.
O problema não é existir na
sociedade a oposição tosca e ignorante típica das velhas e novas
“classes médias”, incapazes de entender os acontecimentos. Grave é o
desembaraço com que se movimentam e se expressam lideranças políticas,
empresariais e de instituições como o Judiciário, que deveriam ter
compromisso com a preservação da democracia, mas, em vez disso, exibem
um golpismo cada vez mais escancarado. Que saem derrotadas de uma
eleição e, no dia seguinte, se põem a fazer o jogo antidemocrático.
O desafio deste começo de 2015 é saber
sustar as fantasias golpistas à solta. Quem preza a democracia tem o
dever de denunciá-las e combatê-las...

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