vladimir
safatle
Enfim, o desespero
"A situação desesperadora da época na qual vivo me enche de
esperanças." A frase é de Marx, enunciada há mais de 150 anos. Ela
lembrava como situações aparentemente sem saída eram apenas a expressão de que
enfim podíamos começar a realmente nos livrar dos entulhos de um tempo morto.
Há tempos, insisti que o lulismo entraria em um esgotamento. Era uma questão
de cálculo. Chegaria um momento em que o crescimento só poderia continuar por
meio de políticas efetivas de combate à desigualdade e acumulação. Afinal,
estamos falando de um país que, ao mesmo tempo, apresenta crescimento econômico
próximo a zero e bancos, como o Itaú, com lucro anual de 20 bilhões de reais.
Um crescimento de 29% em relação a 2013, com inadimplência recuando para mínima
recorde.
"Políticas efetivas de combate à desigualdade e acumulação"
significam, neste contexto, ir atrás do dinheiro que circula no sistema
financeiro e seus rentistas blindados. Mas isto o governo não seria capaz de
fazer. Difícil fazê-lo quando você também se torna alguém a frequentar a roda
dos dançarinos da ciranda financeira. Ninguém atira no próprio pé, ainda mais
quando se é recém-chegado à festa.
Restou ao governo federal duas coisas. Primeiro, chorar por não ser tratado
como um tucano. É verdade. Nada melhor no Brasil do que ser tucano. Como
acontece hoje no Paraná, você pode quebrar seu Estado, colocar quatro de suas
universidades públicas em risco de fechamento por falta de repasse e, mesmo
assim, irão te deixar em paz. Nenhuma capa de revista sobre seus desmandos nem
sobre seus casos de corrupção.
Por estas e outras, o sonho de consumo atual de todo petista é ser tratado
como um tucano. Eles até que se esforçaram bastante.
Fora isto, resta ao governo ser refém de um Congresso que ele próprio
alimentou. Na figura de gente do porte de Eduardo Cunha e seus projetos de
implementar o "dia do orgulho heterossexual", entregar o legislativo
à bancada BBB (Bíblia, Boi e Bala) e contemplar cada deputado com seu quinhão
intocado de fisiologismo, o Brasil encontra a melhor expressão da decadência e
da mediocridade própria ao fim de um ciclo.
Neste contexto, podemos enfim ver claramente como as alternativas criadas
após o fim da ditadura militar não podiam de fato ir muito longe. Nenhuma delas
sequer passou perto da necessidade de quebrar tal ciclo de miséria política
dando mais poder não aos tecnocratas ou aos "representantes", mas
diretamente ao povo, que continua a esperar seu momento.
Por isto, a situação desesperadora me enche de esperanças.
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