sábado, 27 de fevereiro de 2016

Decisão do STF - SUPREMO RESTRINGIU A CONSTITUIÇÃO

Antônio Carlos de Almeida Castro e Juliano Breda: SUPREMO RESTRINGIU A CONSTITUIÇÃO

É correta a decisão do STF de autorizar prisão após julgamento de 2ª instância? Não -

 27/02/2016 - Opinião - Folha de S.Paulo




Antônio Carlos de Almeida Castro e Juliano Breda





É correta a decisão do STF de autorizar prisão após julgamento de 2ª instância? Não



SUPREMO RESTRINGIU A CONSTITUIÇÃO





'Enquanto as sombras assumem formas, combato, retirando-me lentamente' - Charles Bukowski





O Brasil possui atualmente quase 498 mil mandados de prisão sem
cumprimento. O ineficiente Estado brasileiro, que não consegue cumprir
esses mandados, prenderá, a partir da decisão do STF (Supremo Tribunal
Federal), indivíduos sem culpa formada, tecnicamente inocentes.





O principal jurista do último século dedicado a enfraquecer os efeitos
processuais do princípio da presunção de inocência foi o italiano
Vincenzo Manzini, homem de confiança de Mussolini, o braço jurídico do
regime. Nessa ideologia, as garantias processuais dos acusados não devem
situar-se no mesmo plano da função estatal de exercer o poder de punir.





Ao permitir que a pena possa ser executada antes do trânsito em julgado,
o STF decidiu ir além. Rasgou o texto expresso da Constituição, que
vincula expressamente a presunção de inocência ao trânsito em julgado.
Essa cláusula pétrea só poderia ser alterada por meio de emenda
constitucional. O Supremo pode muito, mas não pode tudo.





Tal artigo tem a mesma importância política, idêntica hierarquia e
densidade normativa das normas que asseguram a liberdade de imprensa, de
associação, de crença e de outros direitos e garantias fundamentais. A
partir dessa decisão, o Supremo poderá "legislar" sobre qualquer assunto
e afastar a liberdade de expressão ou qualquer outro direito que
julgávamos assegurado pela Carta Magna.





Na verdade, o Supremo restringiu o alcance normativo da Constituição,
reduzindo a carga de eficácia de um dos mais importantes direitos
fundamentais. A Constituição da República ficou menor. Sacrificaram a
liberdade.





Seguindo essa lógica, amanhã podem ser anulados os direitos sociais. E
até mesmo a tortura pode ser legalizada, pois nos EUA, exemplo máximo
dos que defenderam a decisão do STF, o afogamento e os interrogatórios
forçados vêm sendo admitidos e defendidos.





O caso faz lembrar as palavras do professor italiano Giuseppe Bettiol.
"O nazismo menosprezou o interesse do acusado e eliminou toda uma série
de disposições que serviam a sua tutela. Os modos e os termos de defesa
foram atenuados; limitadas as possibilidades de recurso; admitida a
executoriedade das decisões do magistrado, mesmo antes do caso julgado",
afirmou ele.





O STF deu um passo para aproximar-se das feições mais características do
processo penal alemão da década de 1930. Alardeia-se que tal passo foi
feito para punir os poderosos, que se aproveitam de um número excessivo
de recursos. Todavia, os recursos disponíveis no processo penal servem
para todo e qualquer cidadão.





Se o Judiciário é ineficiente, que se aparelhe melhor seu poder. Se
existem recursos em excesso, que se mude a legislação. É um engodo
pensar que a supressão desse direito vai atingir os mais poderosos. Eles
ainda terão advogados para tentar medidas excepcionais de suspensão da
eficácia imediata da prisão.





Talvez 15 ou 20 condenados na Operação Lava Jato, pano de fundo real
dessa triste decisão, poderão ir mais cedo para o cárcere. No entanto, a
grande massa dos réus desassistidos, sem advogados, é que sofrerá a
força desse retrocesso.





Teremos milhares de pessoas simples, sem acesso a uma defesa técnica de
qualidade, jogados dentro do nosso sistema carcerário desumano. E se,
após a prisão, o cidadão for absolvido pelas cortes superiores, nada
devolverá a ele o tempo de liberdade suprimido.





Lembremo-nos de Augusto dos Anjos: "Acostuma-te à lama que te espera!/ O
Homem, que, nesta terra miserável/ Mora, entre feras, sente inevitável/
Necessidade de também ser fera".

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