terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Os mistérios da Acarajé

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Os mistérios da Acarajé

Tereza Cruvinel







A cada dia fica mais difícil entender algumas coisas que estão
acontecendo no Brasil. Ou faltam partes do enredo ou estamos vivendo
mesmo uma anomia, um surto inquisitorial ou num “clima de perseguição”,
como disse o publicitário João Santana ao largar uma campanha
presidencial na República Dominicana para voltar ao Brasil e ser preso,
embora tenha tentado prestar depoimento antes.


Nesta Operação Acarajé, a 23ª conduzida pela força tarefa da Lava
Jato, existe um texto e um sub-texto. O texto que chega ao senso comum
diz o seguinte: vai ser preso o marqueteiro que o PT pagou com propinas
do Petrolão. Mas o exame do sub-texto conta as coisa de modo diferente:
Santana é suspeito de receber recursos ilegais mas isso não tem conexão
com as campanhas petistas. Pelo menos até agora, foi o que disse a PF.


Não é fácil compreender a decretação da prisão preventiva de alguém
que na semana passada ofereceu-se para prestar depoimento e esclarecer
dúvidas e suspeitas, como fez Santana. Mas o Juiz Sergio Moro não quis, e
ainda negou aos advogados do publicitário acesso ao processo em que ele
figura como suspeito.  Claro, que graça haveria na notícia de que
Santana, como bom cidadão, compareceu espontaneamente para prestar
esclarecimentos à Justiça? Navegar é preciso, e a Lava Jato navega no
espetáculo.  Não poderia perder o efeito da fotografia em que o
“marqueteiro do PT” aparecerá preso e sendo levado para Curitiba.


Aliás, nestes tempos interessantes, os acusados importantes têm seus
nomes alterados numa metonímia que atende aos objetivos desejados. O
empresário Bumlai já protestou contra o fato de ter sido rebatizado de
“amigo do Lula” no noticiário.  “Eu tenho nome”, disse ao depor numa CPI
no final do ano passado. Assim também João Santana, que já teve e tem
tantos outros clientes, foi carimbado como “marqueteiro do PT”.


É difícil também compreender por que só agora a Lava Jato saiu no
encalço de Santana, se já faz um ano que a Polícia Federal descobriu um
bilhete de sua mulher Mônica sobre pagamentos no exterior que embasou as
suspeitas e investigações posteriores.  Mas por que não antes? Não é
por temer a ação de suspeitos que a Lava Jato usa e abusa das
preventivas? Parlamentares do PT enxergam uma coincidência entre a
iminente prisão de Santana, logo que ele chegar ao Brasil, e a
proximidade do julgamento, pelo TSE, da ação de impugnação de mandato
eletivo (AIME) em que o PSDB pede a cassação dos mandatos de Dilma e
Temer e a posse do senador Aécio. Isso dá para entender. Se ficar
provado que Santana foi pago com recursos que eram na verdade propina, o
jogo estará feito no TSE e o ministro Gilmar fará o gol da sua vida.


Mesmo assim, continua sendo difícil entender. A Polícia Federal
declarou textualmente que, em relação aos pagamentos feitos pelas
campanhas de Lula, Haddad e Dilma "não há, e isso deve ser ressaltado,
indícios de que tais pagamentos estejam revestidos de ilegalidades". Ora
que interesse. Mas Santana trabalha para o PT, e a conexão está feita.
Não fosse o vínculo, será que suas finanças despertariam algum
interesse? Você duvida? Eu também.


Mais espantoso foi o anuncio de que a Odebrecht pode ter “construído”
o prédio do Instituto Lula. Centenas, talvez milhares de pessoas já
estiveram no casarão antigo da rua Pouso Alegre, no Ibirapuera, desde
que lá foi implantado, em 1991, o IPET e depois seu sucessor, o
Instituto da Cidadania, antecessor do Instituto Lula.  Mas estamos na
temporada de caça a Lula e toda notícia desta natureza, mesmo que depois
desmoralizada pelos fatos, ajuda a matar o mito.


Mas o que não entendo mesmo a eternidade da Lava Jato, se tão claro
está que, enquanto ela durar, nem o governo vai governar nem a economia
vai se recuperar. Mas quem se habilitará a negociar com Sergio Moro um
limite temporal antes que o país derreta? O STF já deu mostras de que
não fará isso.

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