A Abrasco manifesta-se através da atuação dos Grupos
Temáticos de Saúde e Ambiente; Saúde do Trabalhador; Vigilância
Sanitária; Promoção da Saúde e Desenvolvimento Sustentável e ainda
Educação Popular em Saúde, sobre a epidemia de microcefalia. O documento
pretende aprofundar reflexões, questionamentos e fazer proposições que
possam orientar as políticas públicas na intervenção preventiva frente
ao surto.
O crescimento exponencial da epidemia de dengue (em 2015, o
Ministério da Saúde registrou 1,649,008 casos prováveis desta virose no
país e houve um aumento de 82,5% dos óbitos em relação ao ano anterior).
A expansão territorial da infestação pelo Aedes aegypti
atestam o fracasso da estratégia nacional de controle. Com o surgimento
da epidemia do zika vírus, com repercussões ainda mais danosas ao ser
humano, urge a revisão de nossa política e do programa de controle da
infestação dos Aedes visando impedir a ocorrência de epidemias
por arbovírus. Vários fatores estão envolvidos na causa dessa tragédia
sanitária. Trata-se de um fenômeno complexo. Para a Abrasco, a
degradação das condições de vida nas cidades, saneamento básico
inadequado, particularmente no que se refere à dificuldade de acesso
contínuo a água, coleta de lixo precária, esgotamento sanitário,
descuido com higiene de espaços públicos e particulares – são os
principais responsáveis por esse desastre.
Contexto do surgimento da epidemia
O quadro sanitário no qual emerge a epidemia de microcefalia deve ser
analisado considerando-se os graves problemas que estão presentes na
realidade socioambiental em que ocorreram os casos e no modelo operacional de controle vetorial.
A distribuição espacial por local de moradia das mães dos
recém-nascidos com microcefalia (ou suspeitos) é maior nas áreas mais
pobres, com urbanização precária e com saneamento ambiental inadequado,
com provimento de água de forma intermitente, fato que leva essas
populações ao armazenamento domiciliar inseguro de água, condição muito
favorável para a reprodução do Aedes aegypti, constituindo-se em “criadouros” que não deveriam existir, e que são passíveis de eliminação mecânica.
Alguns fatos que ainda precisam ser questionados e investigados podem
justificar a introdução e a disseminação do vírus Zika. É necessário
avaliar quais contextos e contingências existiram e aconteceram em 2014
nos locais de aparecimento dos casos de microcefalia. Podemos aventar
alguns por saltarem aos olhos, como:
1) Na região Nordeste, em especial na periferia das suas Regiões
Metropolitanas, como a de Recife, pode ter havido aumento da degradação
ambiental, por existirem nelas todas as condições para a manutenção da
alta densidade do Aedes aegypti, pelos baixos indicadores de
saneamento ambiental, relacionados ao abastecimento de água, ao
esgotamento sanitário, à imensa presença de resíduos sólidos junto aos
domicílios e às deficiências de drenagem de águas pluviais. A propósito
desta questão, a Revista RADIS Comunicação e Saúde da Fiocruz (n.154,
julho 2015) traz uma esclarecedora matéria sobre saneamento ambiental
mostrando sua defasagem e os graves problemas ainda não solucionados, o
que se agrava pelos indícios de que haverá um retardo de anos no Plano
Nacional de Saneamento Básico (Plansab) com o ajuste fiscal.[1]
2) A utilização continuada de larvicidas químicos na água de beber
dessas famílias há mais de 40 anos sem, contudo, implicar na redução do
número de casos de doenças provocadas por arbovírus. Em 2014 foi
introduzido na água de beber das populações nos domicílios e nas vias
públicas um novo larvicida o Pyriproxyfen. Conforme orientação técnica do MS[2]
esse larvicida é um análogo do hormônio juvenil ou juvenóide, tendo
como mecanismo de ação a inibição do desenvolvimento das características
adultas do inseto (por exemplo, asas, maturação dos órgãos reprodutivos
e genitália externa), mantendo-o com aspecto “imaturo” (ninfa ou
larva), quer dizer age por desregulação endócrina e é teratogênico e
inibe a formação do inseto adulto.
3) A intensificação de processos migratórios pela atração de grandes
empreendimentos, cujos trabalhadores passam a viver em condições
sanitárias precárias nas periferias dos polos industriais (como o de
Suape-PE, com trabalhadores vindos de outras regiões e estados do país e
de Pecém-CE, com a presença de milhares de coreanos);
4) A Copa do Mundo de 2014, evento de massa de grande porte, teve uma
subsede em Recife (Arena Pernambuco). Instalada no município de São
Lourenço da Mata (IDH de 0,614), está em uma região com precárias
condições sanitárias. Foi observada a maior concentração dos casos de
microcefalia inicialmente notificados (600 casos suspeitos) nessas
áreas;
5) Fragilidade da vigilância epidemiológica dos municípios e dos
estados no diagnóstico diferencial, na investigação de arboviroses e na
diferenciação entomológica;
6) As dificuldades na condução da vigilância da Zika e Chinkungunya,
ao tratá-las como “dengue branda”. Frise-se que a capacidade vetorial
do Aedes aegypti para transmitir o vírus da Zyka e Chikungunya
em nosso meio ainda não está devidamente estudada nem pelos
entomologistas em nossos contextos socioambientais. Daí caber
indagações: o que fez os casos de dengue se tornar mais graves, se antes
era considerada doença benigna desde 1779 até 1950, sem provocar
sequela e sem alterações hematológicas, conforme dados da OMS? Como está
o sistema imunológico da população diante do modelo químico de controle
vetorial e adotadas pelo MS em curso no País há cerca de 30 anos?
As estratégias adotadas pelo MS
Apesar das razões e incertezas que estão na determinação da
ocorrência da epidemia de microcefalia, o caminho para o que se chama de
“enfrentamento” foi o de intensificar o “combate” ao mosquito pela
repetição do que vem sendo adotado há mais de 40 anos sem sucesso.
Chamamos a atenção da sociedade para esta questão. Por quais razões,
apesar de todos os indicadores de ineficácia, o MS continua a utilizar a
mesma abordagem para o controle do mosquito transmissor do vírus da
dengue, doença cuja transmissão depende também de outros elementos?
Mesmo desencadeando diversas capacitações para os profissionais de saúde
e trabalhando em salas de situação para aprimorar o diagnostico e a
notificação de casos das novas doenças virais; permanece sem integração
as ações das Vigilâncias Epidemiológica, Sanitária e a Promoção da
Saúde. O problema que queremos destacar nesta Nota Técnica de alerta
está na essência do modelo de controle vetorial, haja vista a intensificação do uso de larvicidas e adulticidas para o Aedes aegypti,
sendo que segundo as orientações adotadas pelo MS desde 2014,
retrocede-se à orientação de utilização da técnica Ultra Baixo Volume
(UBV)[3] com Malathion a 30% diluído em água, abrangendo todo território nacional.
É preciso também problematizar o uso de produtos químicos numa escala
que desconsidera as vulnerabilidades biológicas e socioambientais de
pessoas e comunidades. O consumo de tais substâncias pela Saúde Pública
só interessa aos seus produtores e comerciantes desses venenos. São
insumos produzidos por um cartel de negócios muito lucrativo, que atua
em todo o mundo e que, mesmo com evidências dos riscos provocados pelos
organofosforados e piretroides, dos quais se conhecem tantos efeitos
deletérios, têm tido o apoio de agências internacionais de Saúde
Pública, como o Fundo Rotatório da Organização Pan-Americana de Saúde
(OPAS) e da Organização Mundial da Saúde (OMS). Uma simples consulta às
fichas de segurança química de tais produtos entregues pelas empresas
aos órgãos de Saúde Pública mostra que esses produtos, a exemplo do
Malathion, são neurotóxicos para o sistema nervoso central e periférico,
além de provocarem náusea, vômito, diarreia, dificuldade respiratória e
sintomas de fraqueza muscular, inclusive nas concentrações utilizadas
no controle vetorial. Quanto à toxicidade ambiental é recomendado evitar
seu uso no meio ambiente, o que não tem sido observado, pois seu
lançamento é feito da forma como aqui denunciamos. Tais agências se
constituem em instâncias de decisão para a compra e distribuição de
venenos para todos os países vinculados à Organização das Nações Unidas
(ONU). Os fornecedores são os mesmos cartéis de empresas produtoras de
agrotóxicos que operam na agricultura, tornando-a também tóxica e
químico-dependente. Esse modelo, pós-II Guerra Mundial, destacamos,
impôs-se também para o controle das doenças vetoriais em Saúde Pública.
As tecnologias de controle químico dos vetores foram introduzidas
amplamente no Brasil a partir de 1968, não se podendo desconsiderar que
sua origem deve-se às armas químicas de destruição em massa, amplamente
utilizadas pelo exército norte-americano, naquela época, na guerra do
Vietnã. A adoção da técnica de tratamento por UBV foi uma prática
introduzida nesse mesmo período e, não por acaso, um dos primeiros
documentos de sua normatização foi elaborado pelo Exército Americano[4].
Essa mesma lógica já está adotada para oferecer a solução mediante a
transgenia e outras biotecnologias imprecisas, duvidosas e perigosas
para os ecossistemas, focando a ação apenas no mosquito, sem levar em
conta os efeitos em organismos não-alvo. Atenção deve ser dada a empresa
inglesa OXITEC nas pesquisas e comercialização do mosquito transgênico,
cuja fábrica foi implantada em Campinas-SP em 2013 e que, em 2014,
obteve a autorização da CTNBio para comercialização desse Organismo
Geneticamente Modificado (OGM), e sobre essa questão a Abrasco publicou
Nota Técnica[5].
O foco no mosquito e as consequências para a saúde humana
O lado invisível dos danos ao ambiente e à saúde humana, decorrentes
do uso de produtos químicos no controle vetorial, ainda não foi
devidamente estudado ou revelado às populações vulneráveis, incluindo os
trabalhadores de Saúde Pública. Seus efeitos nocivos são totalmente
desconsiderados tanto no agravamento das viroses, quanto no surgimento
de outras patologias tais como: alergias, imunotoxicidade, câncer,
distúrbios hormonais, neurotoxicidade, dentre outras.
Frisamos o simplismo no trato da questão por parte do MS que reduz a
causalidade da Dengue, da Zika e da Chicungunya, centrando as ações na
tentativa de eliminar ou reduzir o vetor, o que deve ser substituído,
insistimos, pela ação de medidas de cunho intersetoriais para intervir
no contexto socioeconômico e ambiental. Visando eliminar o mosquito a
ação orientada pelo MS acaba, também, envenenando seres humanos. Mas
isto não é reconhecido: ao contrário, há uma ocultação desses perigos.
As vozes oficiais repetem até tornar verdadeiros diversos absurdos como:
“As doses de larvicidas são tão baixas e pouco tóxicas que podemos
colocar na água de beber, sem perigo”[6].
Este despreparo também leva a defender que a epidemia é um problema
de Saúde Pública que justifica o uso do “fumacê”, mesmo com produtos
químicos sabidamente tóxicos, como o Malathion, um verdadeiro
contrassenso sanitário. Este produto é um agrotóxico organofosforado
considerado pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC) como
potencialmente cancerígeno para os seres humanos[7].
Assim, na tentativa de eliminar o mosquito estão sendo atingidos os
humanos mediante efeitos agudos (de morbimortalidade) e de morte lenta,
gradual, invisível e que é ocultada. Além das doenças
agudas, as crônicas causadas por tais produtos aparecem a médio e longo
prazos, a maioria delas chamadas “idiopáticas”, isto é, de causa
indefinida ou desconhecida, que não são diagnosticadas ou se quer
investigadas.
Ocorre que em pleno século XXI, no caso das doenças transmitidas pelo Aedes Aegypti,
houve mais um complicador em termos de Saúde Pública, pois dois novos
vírus entraram em nosso país, para cujas doenças – Chikungunya e Zika –
não havia experiência no manejo clínico e nem epidemiológico.
A dengue e o sistema de vigilância epidemiológica
O sistema de vigilância epidemiológica da maioria dos serviços de
saúde não investigou adequadamente esta nova realidade. Agora, com a
tragédia do surgimento dos casos de microcefalia, revela-se este
despreparo técnico-gerencial. Historicamente essas questões de Saúde
Pública estão imersas em “razões de Estado”, desconhecidas pela maioria
da sociedade. Devemos perguntar: que razões são essas? Para tal basta
examinar os documentos oficiais do MS sobre controle vetorial.
Neste sentido, é pedagógico examinarmos os documentos orientadores
emanados do MS. É o caso, por exemplo, da NOTA TÉCNICA N.º 109/2010
CGPNCD/DEVEP/SVS/MS[8]
de COMBATE à DENGUE, na qual estão bem ilustrados os equívocos que aqui
sinalizamos, ou seja, a intensificação do uso da UBV motorizada e
costal nos domicílios e nas vias públicas. Nela se reitera os vários
absurdos cometidos no controle vetorial do Aedes aegypti e que o MS insiste em manter e ampliar.
O envenenamento da população pobre
No Brasil, a Dengue tornou-se uma doença endêmica com surtos
epidêmicos e isto precisa ser assumido de uma vez por todas. Quais são
as áreas específicas de maior circulação viral? Justamente aquelas onde
habitam as populações mais pobres, que tem piores condições imunológicas
e sem saneamento adequado, o que vai se agravar conforme noticias do
jornal FOLHA de SÃO PAULO, edição de 11-01-2016. E por que não se
divulgam essas vulnerabilidades para a própria população? Acima referida
Nota Técnica faz menção à outra, de nº 118/2010, que formula um
parâmetro composto, com o que se busca introduzir indicadores
ambientais[9].
Ocorre que o faz apenas para a “delimitação das áreas que necessitam
de maior intensificação das ações do combate ao vetor”. Ou seja, a
aplicação de veneno (inseticidas e larvicidas) acaba aumentando a
nocividade sobre o sistema imune.
A NT 109/2010 informa ainda, que “as ações de controle larvário a
serem implementadas estão voltadas, principalmente, para as atividades
de redução de fontes criadoras do mosquito (caixas d’água, depósitos
diversos, pneus, entre outros)”. Ao assim proceder, admite-se que caixa
d´água seja criadouro de mosquito e, portanto, deve ser “tratada” com
veneno. Ocorre que a água de beber deve ter sua potabilidade garantida.
Por que as ações não incidem na limpeza e na proteção dos reservatórios
destinados a armazenar o líquido mais precioso para a vida? Como é
possível aceitar a perda da potabilidade da água destinada aos mais
pobres? Sim aos mais pobres, justamente aqueles que têm a maior
vulnerabilidade. Que equidade é essa na qual aqueles que deveriam ser os
mais protegidos e são, paradoxalmente, os mais expostos às situações de
nocividade química por quem deveria protegê-los? A alegação de que a
população é passiva também decorre desse modelo vertical e autoritário.
Prioriza-se a potência do veneno contra os insetos desconsiderando o
perigo aos seres humanos e, assim, nada mais precisa ser feito.
Ainda na NT 109/2010 o MS advoga que o sucesso do controle de doenças
transmitidas por vetores possa ser atribuído aos agrotóxicos, quando
cita como referência para sua justificativa nesse documento a “National
Academy of Sciences, National Research Council. Pesticides in the Diets
of Infants and Children. National Academy Press, Washington”.
Ressaltamos que o MS é a autoridade máxima em saúde e deveria se pautar
pelo princípio da precaução quando se coloca o tema relacionado às
exposições humanas a produtos químicos perigosos.
Também nela se lê que em razão do crescente agravamento do processo
de resistência de mosquitos aos inseticidas, uma das principais missões
do Comitê de Especialistas em Praguicidas da OMS (WHOPES) é encontrar
novos biocidas para os quais não haja insetos resistentes, não havendo
qualquer abertura para outros métodos, não perigosos, de controle. É
fato bem demonstrado que a resistência adquirida pelo mosquito está a
demonstrar a insustentabilidade do modelo químico-dependente de controle
vetorial, pois já é sabido há muitos anos que os venenos desenvolvem
e/ou aumentam a frequência de insetos portadores de mecanismos de
resistência aos inseticidas e larvicidas, como vem ocorrendo com o Aedes aegypti.
Ademais a NT 109/2010 admite que “todos os inseticidas que se
utilizam em saúde pública – por razões de mercado – são produtos
originalmente desenvolvidos para a agricultura, não havendo nenhum que
tenha sido desenvolvido exclusivamente para uso em saúde”. E cita como
parâmetro de sustentação do sucesso da medida, as pesquisas realizadas
em Cingapura para avaliar possível impacto da utilização das diversas
medidas utilizadas no enfrentamento de uma epidemia de dengue naquele
país. Por que não analisar nossas próprias experiências, afinal temos um
tempo de controle vetorial de mais de 40 anos. Será que não são
edificantes?
Mais venenos, mais resistência, mais venenos
É utilizado o exemplo do inseticida organofosforado Temephós
(conhecido comercialmente como ABATE®), a 1%, introduzido no Brasil em
1968, como larvicida em água potável especialmente no Norte e Nordeste
brasileiro, cujos impactos na saúde das populações não foram estudados.
Sabemos que apesar da constatação da resistência do mosquito o MS
continuou a utilizá-lo até o esgotamento de seu estoque, a despeito de
ter sido demonstrado a resistência nos insetos alvo e a farta informação
toxicológica dos potenciais riscos para a saúde humana.
A continuidade da adição de outros larvicidas substitutos na água de
beber das pessoas se dá até hoje sem qualquer preocupação sobre sua
concentração final, pois por orientação das normas do MS é indicada a
diluição dos larvicidas apenas considerando o volume físico do
recipiente e não pela quantidade interna de água no recipiente. Em
1998, um alerta formal sobre este erro de diluição foi feito por
químicos, médicos e engenheiros sanitaristas reconhecidos, mas nada
mudou! Teimosamente, até hoje os documentos oficiais do MS recomendam a
adição do larvicida nas caixas d’água considerando apenas o volume
físico e não a quantidade de água que de fato existe em seu interior.
Um fato agravante é que em Pernambuco e outras regiões do Nordeste há
racionamento frequente de água. Diante disso, cabe indagar: há quanto
tempo o povo dessas regiões bebe água envenenada? De forma não cuidadosa
e com falta de precaução, a introdução dos larvicidas classificados
como reguladores de crescimento de insetos (IGR) dá-se mediante Notas
Técnicas ainda mais abusivas no que se refere a “despotabilização” da
água de beber.
Entendemos que aqui está a chave mestra para discutir porque o MS
admite e defende esse modelo. Por trás disso estão a OMS e OPAS com o
peso institucional de seus comitês de “pesticidas” que não dialogam com
os comitês: ambiental, de saneamento e de promoção da saúde. Naqueles
comitês internacionais, os que fazem a prescrição do uso e a regulação
da compra dos insumos de controle vetorial para o mundo são imperiais.
São tais organismos que convencem e dão o aval aos processos
licitatórios dos governos nacionais.
Os larvicidas reguladores de crescimento como o Diflubenzuron e
Novaluron, introduzidos no lugar do Temephós, mostram-se problemáticos.
Em Recife, foi realizado estudo de efeito sobre a saúde dos
trabalhadores que os aplicam constatou-se a ocorrência de
metahemoglobinemia; também se sabe que seus metabólitos têm diversos
efeitos tóxicos, e que não são considerados. Tais resultados foram
amplamente divulgados no II Seminário da Rede Dengue da Fiocruz em
novembro de 2010, na cidade do Rio de Janeiro; no Primeiro Simpósio de
Saúde e Ambiente em 2010, realizado na cidade de Belém e no 10º.
Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva em 2012, na cidade de Porto
Alegre.
Com sua política centralizadora, os setores do MS responsáveis pelo
controle vetorial contraindicam que os municípios adotem outros meios
independentes do uso químico. Mesmo diante da constatação da ineficácia
do modelo utilizado. Os municípios gastam inutilmente seus parcos
recursos em produtos químicos perigosos e fazem os trabalhadores da
saúde atuarem apenas nesse ponto, expondo-os ainda aos venenos.
Insistindo nessa estratégia, houve, em 2014, a introdução do
larvicida Pyriproxyfen, e mesmo sabendo-se de sua toxicidade como
teratogênico e de desregulação endócrina para o mosquito, foi
considerado de baixa toxicidade. E, mais uma vez, o MS recomenda o seu
uso em água potável, para ser adicionado nos reservatórios e caixas de
água, independentemente da quantidade de água no seu interior, tornando a
concentração mais elevada quando em situações de racionamento de água[10][11].
Diante de produtos que têm efeito teratogênico em artrópodes, o que
pelas normatizações para registro de agrotóxicos seria vedado seu uso na
agricultura, por razões de segurança alimentar, perguntamos como
aceitar o uso em água potável destinado ao consumo humano? O que dizer
desse uso em um contexto epidêmico de má formação fetal? No estado de
Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, recentemente
decretado pelo MS, conforme noticia a grande mídia, está sendo
preconizado o uso de larvicida diretamente nos carros-pipas que
distribuem água nas regiões do Agreste e Sertão do Nordeste. Alertamos
que esta é a mais recente medida sanitária absurda e imprudente imposta
pelos gestores do modelo químico de controle vetorial.
Embora a NT 109/2010 reconheça que “A inserção de ações
intersetoriais, tais como o abastecimento regular de água e coleta de
resíduos sólidos, constitui-se em uma atividade fundamental para
impactar na redução da densidade do vetor Aedes aegypti”, pouco
se propõe nesse sentido. Insistimos na pergunta: por que é mantido o
controle vetorial centrado em um programa que há mais de 40 anos vem
mostrando ineficácia e ineficiência para fazê-lo? Impõe-se, pois, uma
estratégia centrada na identificação e eliminação dos criadouros e no
Saneamento Ambiental. O que de fato está sendo feito para o
abastecimento regular de água nas periferias das cidades? Como as
pessoas podem proteger as águas reservadas para consumo? Por que apesar
de muitas cidades terem coleta de lixo regular ainda se observa uma
quantidade enorme de resíduos sólidos diariamente dispostos no ambiente?
O que está sendo feito para cuidar desta questão? E a drenagem urbana
de águas pluviais? E o esgotamento sanitário?
Merece ainda destaque a NT 109/2010, quando afirma que “o maior
problema reside nos “adulticidas espacial e residual”, lamentando que os
venenos disponíveis estejam restritos apenas aos “grupos dos
organofosforados e piretróides. Nos organofosforados a oferta
restringe-se ao Malathion (espacial) e o Fenitrothion (residual)”.
Esclarecemos que a menção ao termo “espacial” se refere a uso em
nebulizadores (Ultra Baixo Volume – UBV, conhecido como “fumacê”, ou por
equipamento costal). Dos venenos acima referidos, sabe-se, como já
dito, que o Malathion é um potente cancerígeno para animais e,
recentemente, foi reconhecido como potencialmente cancerígeno para
humanos pela IARC da OMS[12]. Vale o destaque, de que diversos produtos utilizados no controle vetorial do Aedes aegypti como
o Fenitrothion, Malathion e Temephós vem sendo estudados desde 1998,
no Departamento de Química Fundamental da UFPE e mostram ter efeitos
potencialmente carcinogênicos para humanos. As recomendações pelo MS do
uso de Malathion encontram-se no documento Recomendações sobre o uso de
Malathion Emulsão Aquosa-EA 44% para o controle de Aedes aegypti em aplicações espaciais a Ultra Baixo Volume UBV, de 2014[13]. Com a adoção dessas nebulizações o envenenamento é potencialmente, ainda mais amplo e perigoso.
Sem trocadilhos, chega-se assim, ao fundo do poço, em termos de falta
de compreensão dos processos de determinação socioambiental e de
cuidados na prevenção das doenças relacionadas aos vetores, aos quais se
somam os interesses nacionais e internacionais estranhos às questões de
saúde públicas e relacionadas às agendas de consumo dos agrotóxicos.
Onde fica o saneamento ambiental?
Uma pergunta que não quer calar precisa ser aqui posta com total
indignação: por que não foram priorizadas até agora as ações de
saneamento ambiental, estratégia que parece ficar ainda mais distante?
A propósito, se visitarmos as periferias das grandes cidades e as
chamadas zonas especiais socialmente vulneráveis, onde as carências são
de toda ordem, ver-se-á um quadro sanitário tão grave que nenhuma
quantidade de veneno poderá resolver o controle vetorial, ao que acresce
o fato de que as pessoas terão sua saúde gravemente comprometida.
As políticas urbanas e de saneamento são, em geral, desarticuladas.
As precárias condições de moradia, de urbanização e de saneamento
ambiental, contexto característico da grande maioria dos casos de
microcefalia, refletem um modelo de desenvolvimento e de políticas
urbanas que atinge aos pobres, já vulnerabilizados historicamente pela
abissal desigualdade social brasileira. Habitações sem condições para
adequado armazenamento de água domiciliar, localizadas em áreas íngremes
ou alagadas, com precária infraestrutura e urbanização e com serviços
de saneamento precários. Um contexto que reflete a mazela social que
destina melhor infraestrutura e melhores serviços para as classes média e
alta. O exemplo da desigualdade no acesso à água potável no Brasil é
emblemático dessa assimetria de acesso. O consumo per capita
pode variar em uma cidade de 30 a 500 litros/hab/dia. Uma das expressões
dessa desigualdade é no rodízio semanal do acesso ou na intermitência
do abastecimento de água. A grande maioria de casos de microcefalia
ocorreu em cidades com problemas sérios de rodízios ou intermitência,
onde os mais pobres ficam mais dias sem água por semana e os mais ricos
ou não tem rodízio ou intermitência ou os tem por poucos dias. A crise
hídrica e a má gestão dos serviços de saneamento também tem imposto o
rodízio ou intermitência a cidades inteiras, e mesmo o colapso no
abastecimento, cenário de muitos casos de microcefalia no Nordeste.
Diante da inoperância dos métodos de controle do Aedes aegypti,
a gravidade da situação se aprofunda. Em Pernambuco a Secretaria de
Estado da Saúde (SES) notificou ao MS, em 28 de outubro de 2015, a
existência de 29 casos de microcefalia naquele ano, até então mais do
que o dobro do que vinha ocorrendo nos anos anteriores. Destaca-se que
apenas 07 estados tinham a prática de notificação obrigatória de
má-formação congênita. Em dezembro de 2015 constatava-se que 14 estados
estavam com prevalência de microcefalia elevada. A proporção de novos
casos em Pernambuco tornou-se assustadora. No dia 18 de novembro de
2015, o MS decreta o estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional,
situação que apenas fora adotada em 1917, com a ocorrência de Gripe
Espanhola. Conforme noticiado pelo Diário de Pernambuco, em 20/01/2016, o
número de casos suspeitos de microcefalia subiu para 3.893. Os
registros foram feitos em 764 municípios, distribuídos em 21 unidades da
federação. Até essa data, foram notificadas 49 mortes provocadas por
essa má-formação. Do total desses óbitos, 05 tiveram confirmadas a
presença do vírus Zika. Embora sabemos que, em uma situação de exposição
materna ao vírus, e este ultrapassando a barreira placentária, é
esperado que o feto também se exponha. Neste campo ainda há muitas
questões em processo de pesquisa. Segundo informações do MS, Pernambuco
continua a ser o Estado com o maior número de casos suspeitos (1.306), o
que representa 33% do total registrado em todo o país[14].
Deve-se alertar e assinalar que a entrada no Brasil do vírus Zika não
foi acompanhada de um conhecimento da sua dispersão pela vigilância
epidemiológica e entomológica. Uma série de medidas, todas centradas na
prática do uso de venenos foi intensificada, a partir da aceitação de
relação direta entre microcefalia e Zika vírus. Como aditivo temos a
recomendação para gestantes de uso de repelente[15].
Com isso o DEET (N,N-dimetil-meta-toluamida) vem sendo comercializado
sem restrição para mulheres grávidas, outra banalização de exposição
química[16].
O quadro de crise epidemiológica das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti
é ainda mais grave e aqui é importante dizer que no Brasil, entre 2014 e
2015, ocorreram cerca de 1,5 milhão de casos, a metade no estado de São
Paulo. Porque nesse estado, onde ocorrem periodicamente epidemias de
Dengue, que anteriormente registrava pouquíssimos óbitos, e que, nesse
período, houve inusitadamente mais de 400 mortes associadas a
complicações de Dengue? Será que tal fato tem relação com a informação
de que, em São Paulo, vem se intensificando o controle vetorial com uso
de Malathion em nebulização química? Esse veneno é utilizado desde 2001,
a 30% na formulação final, em processo de nebulização, pela
Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN), sendo que no segundo
semestre de 2014, foi introduzida pelo MS uma nova formulação de
Malathion diluído em água[17],
contendo emulsificantes e estabilizantes não declarados. A
justificativa dessa substituição foi o seu menor custo. Será que pode
haver alguma associação entre a exposição ao Malathion e essa
mortalidade considerada tão aumentada por complicações da Dengue? Quem
são esses que morreram? São idosos, portadores de doenças crônicas,
crianças? É preciso saber mais. A população exposta ao Malathion foi
investigada? A possibilidade de essas mortes estarem associadas à
exposição ao Malathion foi aventada e pesquisada? Salientamos que devido
ao uso massivo e contínuo de substância tão tóxica essa investigação
precisa ser realizada.
Finalizando, reivindicamos das autoridades competentes a adoção das medidas a seguir:
1) Imediata revisão do modelo de controle vetorial. O
foco deve ser a ELIMINAÇÃO DO CRIADOURO e não o mosquito como centro da
ação; com a suspensão do uso de produtos químicos e adoção de métodos
mecânicos de limpeza e de saneamento ambiental. Nos reservatórios de
água de beber utilizar medidas de limpeza e proteção da qualidade da
água e garantia de sua potabilidade;
2) Nas campanhas de Saúde Pública para controle de Aedes aegypti, imediata suspensão do uso de Malathion
ou qualquer outro organofosforado, carbamato, piretróide ou
organopersistente, seja em nebulização aérea ou em cortinados tratados
com veneno (mosquiteiros impregnados). Substituir o uso desses produtos
por barreiras mecânicas, limpeza, aspiração, telagem de janelas, portas
entre outras medidas;
3) Nas medidas adotadas pelo MS para controle de Aedes aegypti em suas formas larva e adulto, imediata suspensão do Pyriproxyfen (0,5 G) e de todos os inibidores de crescimento como o Diflubenzuron e o Novaluron,
ou qualquer outro produto químico ou biológico em água potável. O
conceito de potabilidade da água não pode ser perdido, ele é a chave
para as medidas participativas de eliminação de vetores.
4) Que sejam realizados esforços intersetoriais para a acabar com a intermitência do abastecimento de água
nas áreas de urbanização precária. Água é um direito humano. As
populações mais vulneráveis devem, por equidade, serem as mais
protegidas;
5) Que as ações de controle vetorial no ambiente seja uma atribuição dos órgãos de saneamento e de controle ambiental
municipais, estaduais e nacional e não só do SUS, que deve atuar na
vigilância entomológica, sanitária, ambiental, epidemiológica,
virológica e da saúde do trabalhador, aferindo se as medidas de
saneamento ambiental estão resultando em melhoria das condições de
saúde;
6) Que as políticas urbanas e de saneamento ambiental promovam programas integrados para a resolução dos problemas de moradia, saneamento e urbanização;
7) Que a vigilância epidemiológica seja realizada por profissionais experientes em clínica, fisiopatologia e epidemiologia,
em diversos níveis do SUS. Esta proposição se dá no fortalecimento da
integração e atuação articuladas das áreas de vigilância da saúde com as
áreas de produção de conhecimentos.
8) Que sejam realizadas pesquisas clínicas e informadas outras
disfunções ou malformações relativas as viroses da Dengue, da Zika e da
Chincungunya e que sejam estudados os efeitos da exposição a produtos
químicos utilizados no controle vetorial do Aedes aegypti;
9) Que o amparo às famílias acometidas pelo surto de microcefalia se dê mediante uma política pública perene
e não transitória. Que esse apoio seja integral, incluindo neste
atenção a família pelo trauma psíquico decorrente desse desfecho
gestacional.
10) Que seja realizada uma auditoria nos modelos de controle vetorial
por uma comissão multidisciplinar de especialistas independentes,
incluindo avaliação do modos operados do Fundo Rotatório da OPAS/OMS a
ser solicitado pelo governo brasileiro, quiçá em conjunto com outros
países latino-americanos que sofrem as mesmas imposições, à Organização
da Nações Unidas;
12) Que seja ratificada a imediata elaboração pelo Ministério da
Saúde de orientações técnicas para a Atenção à Saúde dos Trabalhadores
da Saúde que NO PASSADO se expuseram aos agrotóxicos utilizados no controle do Aedes aegypti,
a serem adotadas pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, em
acordo com a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e com experiência
exitosas;
13) Que seja criado, pelo MS, um Portal para acesso amplo da população a todos processos e fatos associados ao controle vetorial, às epidemias relacionadas à ação do Aedes aegypti e a epidemia de microcefalia. Nele deve também ser informado quando utilizados, o volume, os tipos de produtos químicos,
o número de domicílios e imóveis nebulizados, por Unidade da Federação e
por município, pois são do maior interesse dos profissionais de saúde e
da sociedade.
Por fim, chamamos atenção da sociedade civil, diante da atual
declaração de Estado de Emergência em Saúde Pública de Importância
Nacional para epidemia de microcefalia e arboviroses, que: a) todas as
medidas de controle vetorial sejam realizadas com mobilização social no sentido da proteção e respeito da cidadania pela Saúde Pública, priorizando-se as medidas de saneamento ambiental, com garantia da potabilidade da água de beber, como parte do respeito aos Direitos Humanos e orientados pelos princípios da Política Nacional de Educação Popular em Saúde; b)
que o SUS deve rever as estratégias e conteúdos da comunicação social à
população, tirando o foco na responsabilidade individual e das
famílias, explicitando as responsabilidades dos diversos setores
estatais, com ênfase na importância das medidas de saneamento, coleta de
resíduos, cumprimentos das políticas de resíduos sólidos, garantia de
abastecimento de água; e c) melhoria da qualidade da assistência às famílias e às crianças acometidas e da atenção pré-natal,
pois se agrava a fragilidade observada que já era conhecida – a exemplo
dos casos de sífilis congênita – e que se comprova com a ocorrência de
casos de microcefalia identificados após o parto.
Grupos Temáticos da Abrasco:
GT Saúde e Ambiente
GT Saúde do Trabalhador
GT Vigilância Sanitária
GT Promoção da Saúde e Desenvolvimento Sustentável
GT Educação Popular e Saúde
GT Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva
[1] Livro editado pela CNBB no final de 2015.
[2] Disponível em http://u.saude.gov.br/images/pdf/2014/julho/15/Instrucoes-para-uso-de-pyriproxifennmaio-2014.pdf)
[3]
UBV é uma técnica que utiliza equipamentos motorizados ou costal de
alta pressão fazendo com que as partículas sejam menores, aumentando sua
dispersão no ambiente e a penetração nos pulmões pela inalação das
pessoas expostas.
[4]
Armed Forces Pest Management Board, por meio do Memorando nº 13 –
TECHNICAL INFORMATION MEMORANDUM NO. 13, do Centro Médico do Instituto
Walter Reed). Disponível em: http://www.afpmb.org/pubs/tims/tim13.htm#Equipment
[5] Ver NT da Abrasco de 2014 https://goo.gl/GbAXx7
[6] Disponível em: http://u.saude.gov.br/images/pdf/2014/maio/30/Instrucoes-para-uso-de-pyriproxifen-maio-2014.pdf
[7] Disponível em: https://www.iarc.fr/en/media-centre/iarcnews/pdf/MonographVolume112.pdf
[8]
Coordenação Geral do Programa Nacional de Controle da Dengue /
Departamento de Vigilância em Saúde / Secretaria de Vigilância em Saúde
[9] Disponível em: http://www.saude.mppr.mp.br/arquivos/File/dengue/nt_aval_vul_epid_dengue_verao_10_11.pdf
[10] Disponível em: http://u.saude.gov.br/images/pdf/2014/maio/30/Instrucoes-para-uso-de-pyriproxifen-maio-2014.pdf
[12] Disponível em: https://www.iarc.fr/en/media-centre/iarcnews/pdf/MonographVolume112.pdf
[13] Disponível em: http://u.saude.gov.br/images/pdf/2014/setembro/02/Recomenda—-es-para-o-uso-de-malathion-EW.pdf
[14]
Disponível em:
http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/brasil/2016/01/20/interna_brasil,622575/sobe-para-3-893-o-numero-de-casos-de-microcefalia-no-pais.shtml
[15] Disponível em: http://ecdc.europa.eu/en/publications/Publications/zika-microcephaly-Brazil-rapid-risk-assessment-Nov-2015.pdf
[16] Ver aspectos toxicológicos do DEET em: http://www.health.state.mn.us/divs/eh/risk/guidance/gw/deet.pdf
[17] Fabricado pela Bayer.
Temáticos de Saúde e Ambiente; Saúde do Trabalhador; Vigilância
Sanitária; Promoção da Saúde e Desenvolvimento Sustentável e ainda
Educação Popular em Saúde, sobre a epidemia de microcefalia. O documento
pretende aprofundar reflexões, questionamentos e fazer proposições que
possam orientar as políticas públicas na intervenção preventiva frente
ao surto.
O crescimento exponencial da epidemia de dengue (em 2015, o
Ministério da Saúde registrou 1,649,008 casos prováveis desta virose no
país e houve um aumento de 82,5% dos óbitos em relação ao ano anterior).
A expansão territorial da infestação pelo Aedes aegypti
atestam o fracasso da estratégia nacional de controle. Com o surgimento
da epidemia do zika vírus, com repercussões ainda mais danosas ao ser
humano, urge a revisão de nossa política e do programa de controle da
infestação dos Aedes visando impedir a ocorrência de epidemias
por arbovírus. Vários fatores estão envolvidos na causa dessa tragédia
sanitária. Trata-se de um fenômeno complexo. Para a Abrasco, a
degradação das condições de vida nas cidades, saneamento básico
inadequado, particularmente no que se refere à dificuldade de acesso
contínuo a água, coleta de lixo precária, esgotamento sanitário,
descuido com higiene de espaços públicos e particulares – são os
principais responsáveis por esse desastre.
Contexto do surgimento da epidemia
O quadro sanitário no qual emerge a epidemia de microcefalia deve ser
analisado considerando-se os graves problemas que estão presentes na
realidade socioambiental em que ocorreram os casos e no modelo operacional de controle vetorial.
A distribuição espacial por local de moradia das mães dos
recém-nascidos com microcefalia (ou suspeitos) é maior nas áreas mais
pobres, com urbanização precária e com saneamento ambiental inadequado,
com provimento de água de forma intermitente, fato que leva essas
populações ao armazenamento domiciliar inseguro de água, condição muito
favorável para a reprodução do Aedes aegypti, constituindo-se em “criadouros” que não deveriam existir, e que são passíveis de eliminação mecânica.
Alguns fatos que ainda precisam ser questionados e investigados podem
justificar a introdução e a disseminação do vírus Zika. É necessário
avaliar quais contextos e contingências existiram e aconteceram em 2014
nos locais de aparecimento dos casos de microcefalia. Podemos aventar
alguns por saltarem aos olhos, como:
1) Na região Nordeste, em especial na periferia das suas Regiões
Metropolitanas, como a de Recife, pode ter havido aumento da degradação
ambiental, por existirem nelas todas as condições para a manutenção da
alta densidade do Aedes aegypti, pelos baixos indicadores de
saneamento ambiental, relacionados ao abastecimento de água, ao
esgotamento sanitário, à imensa presença de resíduos sólidos junto aos
domicílios e às deficiências de drenagem de águas pluviais. A propósito
desta questão, a Revista RADIS Comunicação e Saúde da Fiocruz (n.154,
julho 2015) traz uma esclarecedora matéria sobre saneamento ambiental
mostrando sua defasagem e os graves problemas ainda não solucionados, o
que se agrava pelos indícios de que haverá um retardo de anos no Plano
Nacional de Saneamento Básico (Plansab) com o ajuste fiscal.[1]
2) A utilização continuada de larvicidas químicos na água de beber
dessas famílias há mais de 40 anos sem, contudo, implicar na redução do
número de casos de doenças provocadas por arbovírus. Em 2014 foi
introduzido na água de beber das populações nos domicílios e nas vias
públicas um novo larvicida o Pyriproxyfen. Conforme orientação técnica do MS[2]
esse larvicida é um análogo do hormônio juvenil ou juvenóide, tendo
como mecanismo de ação a inibição do desenvolvimento das características
adultas do inseto (por exemplo, asas, maturação dos órgãos reprodutivos
e genitália externa), mantendo-o com aspecto “imaturo” (ninfa ou
larva), quer dizer age por desregulação endócrina e é teratogênico e
inibe a formação do inseto adulto.
3) A intensificação de processos migratórios pela atração de grandes
empreendimentos, cujos trabalhadores passam a viver em condições
sanitárias precárias nas periferias dos polos industriais (como o de
Suape-PE, com trabalhadores vindos de outras regiões e estados do país e
de Pecém-CE, com a presença de milhares de coreanos);
4) A Copa do Mundo de 2014, evento de massa de grande porte, teve uma
subsede em Recife (Arena Pernambuco). Instalada no município de São
Lourenço da Mata (IDH de 0,614), está em uma região com precárias
condições sanitárias. Foi observada a maior concentração dos casos de
microcefalia inicialmente notificados (600 casos suspeitos) nessas
áreas;
5) Fragilidade da vigilância epidemiológica dos municípios e dos
estados no diagnóstico diferencial, na investigação de arboviroses e na
diferenciação entomológica;
6) As dificuldades na condução da vigilância da Zika e Chinkungunya,
ao tratá-las como “dengue branda”. Frise-se que a capacidade vetorial
do Aedes aegypti para transmitir o vírus da Zyka e Chikungunya
em nosso meio ainda não está devidamente estudada nem pelos
entomologistas em nossos contextos socioambientais. Daí caber
indagações: o que fez os casos de dengue se tornar mais graves, se antes
era considerada doença benigna desde 1779 até 1950, sem provocar
sequela e sem alterações hematológicas, conforme dados da OMS? Como está
o sistema imunológico da população diante do modelo químico de controle
vetorial e adotadas pelo MS em curso no País há cerca de 30 anos?
As estratégias adotadas pelo MS
Apesar das razões e incertezas que estão na determinação da
ocorrência da epidemia de microcefalia, o caminho para o que se chama de
“enfrentamento” foi o de intensificar o “combate” ao mosquito pela
repetição do que vem sendo adotado há mais de 40 anos sem sucesso.
Chamamos a atenção da sociedade para esta questão. Por quais razões,
apesar de todos os indicadores de ineficácia, o MS continua a utilizar a
mesma abordagem para o controle do mosquito transmissor do vírus da
dengue, doença cuja transmissão depende também de outros elementos?
Mesmo desencadeando diversas capacitações para os profissionais de saúde
e trabalhando em salas de situação para aprimorar o diagnostico e a
notificação de casos das novas doenças virais; permanece sem integração
as ações das Vigilâncias Epidemiológica, Sanitária e a Promoção da
Saúde. O problema que queremos destacar nesta Nota Técnica de alerta
está na essência do modelo de controle vetorial, haja vista a intensificação do uso de larvicidas e adulticidas para o Aedes aegypti,
sendo que segundo as orientações adotadas pelo MS desde 2014,
retrocede-se à orientação de utilização da técnica Ultra Baixo Volume
(UBV)[3] com Malathion a 30% diluído em água, abrangendo todo território nacional.
É preciso também problematizar o uso de produtos químicos numa escala
que desconsidera as vulnerabilidades biológicas e socioambientais de
pessoas e comunidades. O consumo de tais substâncias pela Saúde Pública
só interessa aos seus produtores e comerciantes desses venenos. São
insumos produzidos por um cartel de negócios muito lucrativo, que atua
em todo o mundo e que, mesmo com evidências dos riscos provocados pelos
organofosforados e piretroides, dos quais se conhecem tantos efeitos
deletérios, têm tido o apoio de agências internacionais de Saúde
Pública, como o Fundo Rotatório da Organização Pan-Americana de Saúde
(OPAS) e da Organização Mundial da Saúde (OMS). Uma simples consulta às
fichas de segurança química de tais produtos entregues pelas empresas
aos órgãos de Saúde Pública mostra que esses produtos, a exemplo do
Malathion, são neurotóxicos para o sistema nervoso central e periférico,
além de provocarem náusea, vômito, diarreia, dificuldade respiratória e
sintomas de fraqueza muscular, inclusive nas concentrações utilizadas
no controle vetorial. Quanto à toxicidade ambiental é recomendado evitar
seu uso no meio ambiente, o que não tem sido observado, pois seu
lançamento é feito da forma como aqui denunciamos. Tais agências se
constituem em instâncias de decisão para a compra e distribuição de
venenos para todos os países vinculados à Organização das Nações Unidas
(ONU). Os fornecedores são os mesmos cartéis de empresas produtoras de
agrotóxicos que operam na agricultura, tornando-a também tóxica e
químico-dependente. Esse modelo, pós-II Guerra Mundial, destacamos,
impôs-se também para o controle das doenças vetoriais em Saúde Pública.
As tecnologias de controle químico dos vetores foram introduzidas
amplamente no Brasil a partir de 1968, não se podendo desconsiderar que
sua origem deve-se às armas químicas de destruição em massa, amplamente
utilizadas pelo exército norte-americano, naquela época, na guerra do
Vietnã. A adoção da técnica de tratamento por UBV foi uma prática
introduzida nesse mesmo período e, não por acaso, um dos primeiros
documentos de sua normatização foi elaborado pelo Exército Americano[4].
Essa mesma lógica já está adotada para oferecer a solução mediante a
transgenia e outras biotecnologias imprecisas, duvidosas e perigosas
para os ecossistemas, focando a ação apenas no mosquito, sem levar em
conta os efeitos em organismos não-alvo. Atenção deve ser dada a empresa
inglesa OXITEC nas pesquisas e comercialização do mosquito transgênico,
cuja fábrica foi implantada em Campinas-SP em 2013 e que, em 2014,
obteve a autorização da CTNBio para comercialização desse Organismo
Geneticamente Modificado (OGM), e sobre essa questão a Abrasco publicou
Nota Técnica[5].
O foco no mosquito e as consequências para a saúde humana
O lado invisível dos danos ao ambiente e à saúde humana, decorrentes
do uso de produtos químicos no controle vetorial, ainda não foi
devidamente estudado ou revelado às populações vulneráveis, incluindo os
trabalhadores de Saúde Pública. Seus efeitos nocivos são totalmente
desconsiderados tanto no agravamento das viroses, quanto no surgimento
de outras patologias tais como: alergias, imunotoxicidade, câncer,
distúrbios hormonais, neurotoxicidade, dentre outras.
Frisamos o simplismo no trato da questão por parte do MS que reduz a
causalidade da Dengue, da Zika e da Chicungunya, centrando as ações na
tentativa de eliminar ou reduzir o vetor, o que deve ser substituído,
insistimos, pela ação de medidas de cunho intersetoriais para intervir
no contexto socioeconômico e ambiental. Visando eliminar o mosquito a
ação orientada pelo MS acaba, também, envenenando seres humanos. Mas
isto não é reconhecido: ao contrário, há uma ocultação desses perigos.
As vozes oficiais repetem até tornar verdadeiros diversos absurdos como:
“As doses de larvicidas são tão baixas e pouco tóxicas que podemos
colocar na água de beber, sem perigo”[6].
Este despreparo também leva a defender que a epidemia é um problema
de Saúde Pública que justifica o uso do “fumacê”, mesmo com produtos
químicos sabidamente tóxicos, como o Malathion, um verdadeiro
contrassenso sanitário. Este produto é um agrotóxico organofosforado
considerado pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC) como
potencialmente cancerígeno para os seres humanos[7].
Assim, na tentativa de eliminar o mosquito estão sendo atingidos os
humanos mediante efeitos agudos (de morbimortalidade) e de morte lenta,
gradual, invisível e que é ocultada. Além das doenças
agudas, as crônicas causadas por tais produtos aparecem a médio e longo
prazos, a maioria delas chamadas “idiopáticas”, isto é, de causa
indefinida ou desconhecida, que não são diagnosticadas ou se quer
investigadas.
Ocorre que em pleno século XXI, no caso das doenças transmitidas pelo Aedes Aegypti,
houve mais um complicador em termos de Saúde Pública, pois dois novos
vírus entraram em nosso país, para cujas doenças – Chikungunya e Zika –
não havia experiência no manejo clínico e nem epidemiológico.
A dengue e o sistema de vigilância epidemiológica
O sistema de vigilância epidemiológica da maioria dos serviços de
saúde não investigou adequadamente esta nova realidade. Agora, com a
tragédia do surgimento dos casos de microcefalia, revela-se este
despreparo técnico-gerencial. Historicamente essas questões de Saúde
Pública estão imersas em “razões de Estado”, desconhecidas pela maioria
da sociedade. Devemos perguntar: que razões são essas? Para tal basta
examinar os documentos oficiais do MS sobre controle vetorial.
Neste sentido, é pedagógico examinarmos os documentos orientadores
emanados do MS. É o caso, por exemplo, da NOTA TÉCNICA N.º 109/2010
CGPNCD/DEVEP/SVS/MS[8]
de COMBATE à DENGUE, na qual estão bem ilustrados os equívocos que aqui
sinalizamos, ou seja, a intensificação do uso da UBV motorizada e
costal nos domicílios e nas vias públicas. Nela se reitera os vários
absurdos cometidos no controle vetorial do Aedes aegypti e que o MS insiste em manter e ampliar.
O envenenamento da população pobre
No Brasil, a Dengue tornou-se uma doença endêmica com surtos
epidêmicos e isto precisa ser assumido de uma vez por todas. Quais são
as áreas específicas de maior circulação viral? Justamente aquelas onde
habitam as populações mais pobres, que tem piores condições imunológicas
e sem saneamento adequado, o que vai se agravar conforme noticias do
jornal FOLHA de SÃO PAULO, edição de 11-01-2016. E por que não se
divulgam essas vulnerabilidades para a própria população? Acima referida
Nota Técnica faz menção à outra, de nº 118/2010, que formula um
parâmetro composto, com o que se busca introduzir indicadores
ambientais[9].
Ocorre que o faz apenas para a “delimitação das áreas que necessitam
de maior intensificação das ações do combate ao vetor”. Ou seja, a
aplicação de veneno (inseticidas e larvicidas) acaba aumentando a
nocividade sobre o sistema imune.
A NT 109/2010 informa ainda, que “as ações de controle larvário a
serem implementadas estão voltadas, principalmente, para as atividades
de redução de fontes criadoras do mosquito (caixas d’água, depósitos
diversos, pneus, entre outros)”. Ao assim proceder, admite-se que caixa
d´água seja criadouro de mosquito e, portanto, deve ser “tratada” com
veneno. Ocorre que a água de beber deve ter sua potabilidade garantida.
Por que as ações não incidem na limpeza e na proteção dos reservatórios
destinados a armazenar o líquido mais precioso para a vida? Como é
possível aceitar a perda da potabilidade da água destinada aos mais
pobres? Sim aos mais pobres, justamente aqueles que têm a maior
vulnerabilidade. Que equidade é essa na qual aqueles que deveriam ser os
mais protegidos e são, paradoxalmente, os mais expostos às situações de
nocividade química por quem deveria protegê-los? A alegação de que a
população é passiva também decorre desse modelo vertical e autoritário.
Prioriza-se a potência do veneno contra os insetos desconsiderando o
perigo aos seres humanos e, assim, nada mais precisa ser feito.
Ainda na NT 109/2010 o MS advoga que o sucesso do controle de doenças
transmitidas por vetores possa ser atribuído aos agrotóxicos, quando
cita como referência para sua justificativa nesse documento a “National
Academy of Sciences, National Research Council. Pesticides in the Diets
of Infants and Children. National Academy Press, Washington”.
Ressaltamos que o MS é a autoridade máxima em saúde e deveria se pautar
pelo princípio da precaução quando se coloca o tema relacionado às
exposições humanas a produtos químicos perigosos.
Também nela se lê que em razão do crescente agravamento do processo
de resistência de mosquitos aos inseticidas, uma das principais missões
do Comitê de Especialistas em Praguicidas da OMS (WHOPES) é encontrar
novos biocidas para os quais não haja insetos resistentes, não havendo
qualquer abertura para outros métodos, não perigosos, de controle. É
fato bem demonstrado que a resistência adquirida pelo mosquito está a
demonstrar a insustentabilidade do modelo químico-dependente de controle
vetorial, pois já é sabido há muitos anos que os venenos desenvolvem
e/ou aumentam a frequência de insetos portadores de mecanismos de
resistência aos inseticidas e larvicidas, como vem ocorrendo com o Aedes aegypti.
Ademais a NT 109/2010 admite que “todos os inseticidas que se
utilizam em saúde pública – por razões de mercado – são produtos
originalmente desenvolvidos para a agricultura, não havendo nenhum que
tenha sido desenvolvido exclusivamente para uso em saúde”. E cita como
parâmetro de sustentação do sucesso da medida, as pesquisas realizadas
em Cingapura para avaliar possível impacto da utilização das diversas
medidas utilizadas no enfrentamento de uma epidemia de dengue naquele
país. Por que não analisar nossas próprias experiências, afinal temos um
tempo de controle vetorial de mais de 40 anos. Será que não são
edificantes?
Mais venenos, mais resistência, mais venenos
É utilizado o exemplo do inseticida organofosforado Temephós
(conhecido comercialmente como ABATE®), a 1%, introduzido no Brasil em
1968, como larvicida em água potável especialmente no Norte e Nordeste
brasileiro, cujos impactos na saúde das populações não foram estudados.
Sabemos que apesar da constatação da resistência do mosquito o MS
continuou a utilizá-lo até o esgotamento de seu estoque, a despeito de
ter sido demonstrado a resistência nos insetos alvo e a farta informação
toxicológica dos potenciais riscos para a saúde humana.
A continuidade da adição de outros larvicidas substitutos na água de
beber das pessoas se dá até hoje sem qualquer preocupação sobre sua
concentração final, pois por orientação das normas do MS é indicada a
diluição dos larvicidas apenas considerando o volume físico do
recipiente e não pela quantidade interna de água no recipiente. Em
1998, um alerta formal sobre este erro de diluição foi feito por
químicos, médicos e engenheiros sanitaristas reconhecidos, mas nada
mudou! Teimosamente, até hoje os documentos oficiais do MS recomendam a
adição do larvicida nas caixas d’água considerando apenas o volume
físico e não a quantidade de água que de fato existe em seu interior.
Um fato agravante é que em Pernambuco e outras regiões do Nordeste há
racionamento frequente de água. Diante disso, cabe indagar: há quanto
tempo o povo dessas regiões bebe água envenenada? De forma não cuidadosa
e com falta de precaução, a introdução dos larvicidas classificados
como reguladores de crescimento de insetos (IGR) dá-se mediante Notas
Técnicas ainda mais abusivas no que se refere a “despotabilização” da
água de beber.
Entendemos que aqui está a chave mestra para discutir porque o MS
admite e defende esse modelo. Por trás disso estão a OMS e OPAS com o
peso institucional de seus comitês de “pesticidas” que não dialogam com
os comitês: ambiental, de saneamento e de promoção da saúde. Naqueles
comitês internacionais, os que fazem a prescrição do uso e a regulação
da compra dos insumos de controle vetorial para o mundo são imperiais.
São tais organismos que convencem e dão o aval aos processos
licitatórios dos governos nacionais.
Os larvicidas reguladores de crescimento como o Diflubenzuron e
Novaluron, introduzidos no lugar do Temephós, mostram-se problemáticos.
Em Recife, foi realizado estudo de efeito sobre a saúde dos
trabalhadores que os aplicam constatou-se a ocorrência de
metahemoglobinemia; também se sabe que seus metabólitos têm diversos
efeitos tóxicos, e que não são considerados. Tais resultados foram
amplamente divulgados no II Seminário da Rede Dengue da Fiocruz em
novembro de 2010, na cidade do Rio de Janeiro; no Primeiro Simpósio de
Saúde e Ambiente em 2010, realizado na cidade de Belém e no 10º.
Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva em 2012, na cidade de Porto
Alegre.
Com sua política centralizadora, os setores do MS responsáveis pelo
controle vetorial contraindicam que os municípios adotem outros meios
independentes do uso químico. Mesmo diante da constatação da ineficácia
do modelo utilizado. Os municípios gastam inutilmente seus parcos
recursos em produtos químicos perigosos e fazem os trabalhadores da
saúde atuarem apenas nesse ponto, expondo-os ainda aos venenos.
Insistindo nessa estratégia, houve, em 2014, a introdução do
larvicida Pyriproxyfen, e mesmo sabendo-se de sua toxicidade como
teratogênico e de desregulação endócrina para o mosquito, foi
considerado de baixa toxicidade. E, mais uma vez, o MS recomenda o seu
uso em água potável, para ser adicionado nos reservatórios e caixas de
água, independentemente da quantidade de água no seu interior, tornando a
concentração mais elevada quando em situações de racionamento de água[10][11].
Diante de produtos que têm efeito teratogênico em artrópodes, o que
pelas normatizações para registro de agrotóxicos seria vedado seu uso na
agricultura, por razões de segurança alimentar, perguntamos como
aceitar o uso em água potável destinado ao consumo humano? O que dizer
desse uso em um contexto epidêmico de má formação fetal? No estado de
Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, recentemente
decretado pelo MS, conforme noticia a grande mídia, está sendo
preconizado o uso de larvicida diretamente nos carros-pipas que
distribuem água nas regiões do Agreste e Sertão do Nordeste. Alertamos
que esta é a mais recente medida sanitária absurda e imprudente imposta
pelos gestores do modelo químico de controle vetorial.
Embora a NT 109/2010 reconheça que “A inserção de ações
intersetoriais, tais como o abastecimento regular de água e coleta de
resíduos sólidos, constitui-se em uma atividade fundamental para
impactar na redução da densidade do vetor Aedes aegypti”, pouco
se propõe nesse sentido. Insistimos na pergunta: por que é mantido o
controle vetorial centrado em um programa que há mais de 40 anos vem
mostrando ineficácia e ineficiência para fazê-lo? Impõe-se, pois, uma
estratégia centrada na identificação e eliminação dos criadouros e no
Saneamento Ambiental. O que de fato está sendo feito para o
abastecimento regular de água nas periferias das cidades? Como as
pessoas podem proteger as águas reservadas para consumo? Por que apesar
de muitas cidades terem coleta de lixo regular ainda se observa uma
quantidade enorme de resíduos sólidos diariamente dispostos no ambiente?
O que está sendo feito para cuidar desta questão? E a drenagem urbana
de águas pluviais? E o esgotamento sanitário?
Merece ainda destaque a NT 109/2010, quando afirma que “o maior
problema reside nos “adulticidas espacial e residual”, lamentando que os
venenos disponíveis estejam restritos apenas aos “grupos dos
organofosforados e piretróides. Nos organofosforados a oferta
restringe-se ao Malathion (espacial) e o Fenitrothion (residual)”.
Esclarecemos que a menção ao termo “espacial” se refere a uso em
nebulizadores (Ultra Baixo Volume – UBV, conhecido como “fumacê”, ou por
equipamento costal). Dos venenos acima referidos, sabe-se, como já
dito, que o Malathion é um potente cancerígeno para animais e,
recentemente, foi reconhecido como potencialmente cancerígeno para
humanos pela IARC da OMS[12]. Vale o destaque, de que diversos produtos utilizados no controle vetorial do Aedes aegypti como
o Fenitrothion, Malathion e Temephós vem sendo estudados desde 1998,
no Departamento de Química Fundamental da UFPE e mostram ter efeitos
potencialmente carcinogênicos para humanos. As recomendações pelo MS do
uso de Malathion encontram-se no documento Recomendações sobre o uso de
Malathion Emulsão Aquosa-EA 44% para o controle de Aedes aegypti em aplicações espaciais a Ultra Baixo Volume UBV, de 2014[13]. Com a adoção dessas nebulizações o envenenamento é potencialmente, ainda mais amplo e perigoso.
Sem trocadilhos, chega-se assim, ao fundo do poço, em termos de falta
de compreensão dos processos de determinação socioambiental e de
cuidados na prevenção das doenças relacionadas aos vetores, aos quais se
somam os interesses nacionais e internacionais estranhos às questões de
saúde públicas e relacionadas às agendas de consumo dos agrotóxicos.
Onde fica o saneamento ambiental?
Uma pergunta que não quer calar precisa ser aqui posta com total
indignação: por que não foram priorizadas até agora as ações de
saneamento ambiental, estratégia que parece ficar ainda mais distante?
A propósito, se visitarmos as periferias das grandes cidades e as
chamadas zonas especiais socialmente vulneráveis, onde as carências são
de toda ordem, ver-se-á um quadro sanitário tão grave que nenhuma
quantidade de veneno poderá resolver o controle vetorial, ao que acresce
o fato de que as pessoas terão sua saúde gravemente comprometida.
As políticas urbanas e de saneamento são, em geral, desarticuladas.
As precárias condições de moradia, de urbanização e de saneamento
ambiental, contexto característico da grande maioria dos casos de
microcefalia, refletem um modelo de desenvolvimento e de políticas
urbanas que atinge aos pobres, já vulnerabilizados historicamente pela
abissal desigualdade social brasileira. Habitações sem condições para
adequado armazenamento de água domiciliar, localizadas em áreas íngremes
ou alagadas, com precária infraestrutura e urbanização e com serviços
de saneamento precários. Um contexto que reflete a mazela social que
destina melhor infraestrutura e melhores serviços para as classes média e
alta. O exemplo da desigualdade no acesso à água potável no Brasil é
emblemático dessa assimetria de acesso. O consumo per capita
pode variar em uma cidade de 30 a 500 litros/hab/dia. Uma das expressões
dessa desigualdade é no rodízio semanal do acesso ou na intermitência
do abastecimento de água. A grande maioria de casos de microcefalia
ocorreu em cidades com problemas sérios de rodízios ou intermitência,
onde os mais pobres ficam mais dias sem água por semana e os mais ricos
ou não tem rodízio ou intermitência ou os tem por poucos dias. A crise
hídrica e a má gestão dos serviços de saneamento também tem imposto o
rodízio ou intermitência a cidades inteiras, e mesmo o colapso no
abastecimento, cenário de muitos casos de microcefalia no Nordeste.
Diante da inoperância dos métodos de controle do Aedes aegypti,
a gravidade da situação se aprofunda. Em Pernambuco a Secretaria de
Estado da Saúde (SES) notificou ao MS, em 28 de outubro de 2015, a
existência de 29 casos de microcefalia naquele ano, até então mais do
que o dobro do que vinha ocorrendo nos anos anteriores. Destaca-se que
apenas 07 estados tinham a prática de notificação obrigatória de
má-formação congênita. Em dezembro de 2015 constatava-se que 14 estados
estavam com prevalência de microcefalia elevada. A proporção de novos
casos em Pernambuco tornou-se assustadora. No dia 18 de novembro de
2015, o MS decreta o estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional,
situação que apenas fora adotada em 1917, com a ocorrência de Gripe
Espanhola. Conforme noticiado pelo Diário de Pernambuco, em 20/01/2016, o
número de casos suspeitos de microcefalia subiu para 3.893. Os
registros foram feitos em 764 municípios, distribuídos em 21 unidades da
federação. Até essa data, foram notificadas 49 mortes provocadas por
essa má-formação. Do total desses óbitos, 05 tiveram confirmadas a
presença do vírus Zika. Embora sabemos que, em uma situação de exposição
materna ao vírus, e este ultrapassando a barreira placentária, é
esperado que o feto também se exponha. Neste campo ainda há muitas
questões em processo de pesquisa. Segundo informações do MS, Pernambuco
continua a ser o Estado com o maior número de casos suspeitos (1.306), o
que representa 33% do total registrado em todo o país[14].
Deve-se alertar e assinalar que a entrada no Brasil do vírus Zika não
foi acompanhada de um conhecimento da sua dispersão pela vigilância
epidemiológica e entomológica. Uma série de medidas, todas centradas na
prática do uso de venenos foi intensificada, a partir da aceitação de
relação direta entre microcefalia e Zika vírus. Como aditivo temos a
recomendação para gestantes de uso de repelente[15].
Com isso o DEET (N,N-dimetil-meta-toluamida) vem sendo comercializado
sem restrição para mulheres grávidas, outra banalização de exposição
química[16].
O quadro de crise epidemiológica das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti
é ainda mais grave e aqui é importante dizer que no Brasil, entre 2014 e
2015, ocorreram cerca de 1,5 milhão de casos, a metade no estado de São
Paulo. Porque nesse estado, onde ocorrem periodicamente epidemias de
Dengue, que anteriormente registrava pouquíssimos óbitos, e que, nesse
período, houve inusitadamente mais de 400 mortes associadas a
complicações de Dengue? Será que tal fato tem relação com a informação
de que, em São Paulo, vem se intensificando o controle vetorial com uso
de Malathion em nebulização química? Esse veneno é utilizado desde 2001,
a 30% na formulação final, em processo de nebulização, pela
Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN), sendo que no segundo
semestre de 2014, foi introduzida pelo MS uma nova formulação de
Malathion diluído em água[17],
contendo emulsificantes e estabilizantes não declarados. A
justificativa dessa substituição foi o seu menor custo. Será que pode
haver alguma associação entre a exposição ao Malathion e essa
mortalidade considerada tão aumentada por complicações da Dengue? Quem
são esses que morreram? São idosos, portadores de doenças crônicas,
crianças? É preciso saber mais. A população exposta ao Malathion foi
investigada? A possibilidade de essas mortes estarem associadas à
exposição ao Malathion foi aventada e pesquisada? Salientamos que devido
ao uso massivo e contínuo de substância tão tóxica essa investigação
precisa ser realizada.
Finalizando, reivindicamos das autoridades competentes a adoção das medidas a seguir:
1) Imediata revisão do modelo de controle vetorial. O
foco deve ser a ELIMINAÇÃO DO CRIADOURO e não o mosquito como centro da
ação; com a suspensão do uso de produtos químicos e adoção de métodos
mecânicos de limpeza e de saneamento ambiental. Nos reservatórios de
água de beber utilizar medidas de limpeza e proteção da qualidade da
água e garantia de sua potabilidade;
2) Nas campanhas de Saúde Pública para controle de Aedes aegypti, imediata suspensão do uso de Malathion
ou qualquer outro organofosforado, carbamato, piretróide ou
organopersistente, seja em nebulização aérea ou em cortinados tratados
com veneno (mosquiteiros impregnados). Substituir o uso desses produtos
por barreiras mecânicas, limpeza, aspiração, telagem de janelas, portas
entre outras medidas;
3) Nas medidas adotadas pelo MS para controle de Aedes aegypti em suas formas larva e adulto, imediata suspensão do Pyriproxyfen (0,5 G) e de todos os inibidores de crescimento como o Diflubenzuron e o Novaluron,
ou qualquer outro produto químico ou biológico em água potável. O
conceito de potabilidade da água não pode ser perdido, ele é a chave
para as medidas participativas de eliminação de vetores.
4) Que sejam realizados esforços intersetoriais para a acabar com a intermitência do abastecimento de água
nas áreas de urbanização precária. Água é um direito humano. As
populações mais vulneráveis devem, por equidade, serem as mais
protegidas;
5) Que as ações de controle vetorial no ambiente seja uma atribuição dos órgãos de saneamento e de controle ambiental
municipais, estaduais e nacional e não só do SUS, que deve atuar na
vigilância entomológica, sanitária, ambiental, epidemiológica,
virológica e da saúde do trabalhador, aferindo se as medidas de
saneamento ambiental estão resultando em melhoria das condições de
saúde;
6) Que as políticas urbanas e de saneamento ambiental promovam programas integrados para a resolução dos problemas de moradia, saneamento e urbanização;
7) Que a vigilância epidemiológica seja realizada por profissionais experientes em clínica, fisiopatologia e epidemiologia,
em diversos níveis do SUS. Esta proposição se dá no fortalecimento da
integração e atuação articuladas das áreas de vigilância da saúde com as
áreas de produção de conhecimentos.
8) Que sejam realizadas pesquisas clínicas e informadas outras
disfunções ou malformações relativas as viroses da Dengue, da Zika e da
Chincungunya e que sejam estudados os efeitos da exposição a produtos
químicos utilizados no controle vetorial do Aedes aegypti;
9) Que o amparo às famílias acometidas pelo surto de microcefalia se dê mediante uma política pública perene
e não transitória. Que esse apoio seja integral, incluindo neste
atenção a família pelo trauma psíquico decorrente desse desfecho
gestacional.
10) Que seja realizada uma auditoria nos modelos de controle vetorial
por uma comissão multidisciplinar de especialistas independentes,
incluindo avaliação do modos operados do Fundo Rotatório da OPAS/OMS a
ser solicitado pelo governo brasileiro, quiçá em conjunto com outros
países latino-americanos que sofrem as mesmas imposições, à Organização
da Nações Unidas;
12) Que seja ratificada a imediata elaboração pelo Ministério da
Saúde de orientações técnicas para a Atenção à Saúde dos Trabalhadores
da Saúde que NO PASSADO se expuseram aos agrotóxicos utilizados no controle do Aedes aegypti,
a serem adotadas pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, em
acordo com a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e com experiência
exitosas;
13) Que seja criado, pelo MS, um Portal para acesso amplo da população a todos processos e fatos associados ao controle vetorial, às epidemias relacionadas à ação do Aedes aegypti e a epidemia de microcefalia. Nele deve também ser informado quando utilizados, o volume, os tipos de produtos químicos,
o número de domicílios e imóveis nebulizados, por Unidade da Federação e
por município, pois são do maior interesse dos profissionais de saúde e
da sociedade.
Por fim, chamamos atenção da sociedade civil, diante da atual
declaração de Estado de Emergência em Saúde Pública de Importância
Nacional para epidemia de microcefalia e arboviroses, que: a) todas as
medidas de controle vetorial sejam realizadas com mobilização social no sentido da proteção e respeito da cidadania pela Saúde Pública, priorizando-se as medidas de saneamento ambiental, com garantia da potabilidade da água de beber, como parte do respeito aos Direitos Humanos e orientados pelos princípios da Política Nacional de Educação Popular em Saúde; b)
que o SUS deve rever as estratégias e conteúdos da comunicação social à
população, tirando o foco na responsabilidade individual e das
famílias, explicitando as responsabilidades dos diversos setores
estatais, com ênfase na importância das medidas de saneamento, coleta de
resíduos, cumprimentos das políticas de resíduos sólidos, garantia de
abastecimento de água; e c) melhoria da qualidade da assistência às famílias e às crianças acometidas e da atenção pré-natal,
pois se agrava a fragilidade observada que já era conhecida – a exemplo
dos casos de sífilis congênita – e que se comprova com a ocorrência de
casos de microcefalia identificados após o parto.
Grupos Temáticos da Abrasco:
GT Saúde e Ambiente
GT Saúde do Trabalhador
GT Vigilância Sanitária
GT Promoção da Saúde e Desenvolvimento Sustentável
GT Educação Popular e Saúde
GT Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva
[1] Livro editado pela CNBB no final de 2015.
[2] Disponível em http://u.saude.gov.br/images/pdf/2014/julho/15/Instrucoes-para-uso-de-pyriproxifennmaio-2014.pdf)
[3]
UBV é uma técnica que utiliza equipamentos motorizados ou costal de
alta pressão fazendo com que as partículas sejam menores, aumentando sua
dispersão no ambiente e a penetração nos pulmões pela inalação das
pessoas expostas.
[4]
Armed Forces Pest Management Board, por meio do Memorando nº 13 –
TECHNICAL INFORMATION MEMORANDUM NO. 13, do Centro Médico do Instituto
Walter Reed). Disponível em: http://www.afpmb.org/pubs/tims/tim13.htm#Equipment
[5] Ver NT da Abrasco de 2014 https://goo.gl/GbAXx7
[6] Disponível em: http://u.saude.gov.br/images/pdf/2014/maio/30/Instrucoes-para-uso-de-pyriproxifen-maio-2014.pdf
[7] Disponível em: https://www.iarc.fr/en/media-centre/iarcnews/pdf/MonographVolume112.pdf
[8]
Coordenação Geral do Programa Nacional de Controle da Dengue /
Departamento de Vigilância em Saúde / Secretaria de Vigilância em Saúde
[9] Disponível em: http://www.saude.mppr.mp.br/arquivos/File/dengue/nt_aval_vul_epid_dengue_verao_10_11.pdf
[10] Disponível em: http://u.saude.gov.br/images/pdf/2014/maio/30/Instrucoes-para-uso-de-pyriproxifen-maio-2014.pdf
[12] Disponível em: https://www.iarc.fr/en/media-centre/iarcnews/pdf/MonographVolume112.pdf
[13] Disponível em: http://u.saude.gov.br/images/pdf/2014/setembro/02/Recomenda—-es-para-o-uso-de-malathion-EW.pdf
[14]
Disponível em:
http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/brasil/2016/01/20/interna_brasil,622575/sobe-para-3-893-o-numero-de-casos-de-microcefalia-no-pais.shtml
[15] Disponível em: http://ecdc.europa.eu/en/publications/Publications/zika-microcephaly-Brazil-rapid-risk-assessment-Nov-2015.pdf
[16] Ver aspectos toxicológicos do DEET em: http://www.health.state.mn.us/divs/eh/risk/guidance/gw/deet.pdf
[17] Fabricado pela Bayer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário