domingo, 28 de fevereiro de 2016

Lenio Streck: pacote retroage mais de mil anos

Lenio Streck: pacote retroage mais de mil anos - Opinião dos colunistas de ZH - ZH



Lenio Streck: pacote retroage mais de mil anos

Advogado e professor, doutor em Direito e ex-procurador de Justiça

Por: Lenio Streck
O
pacote contra a corrupção que o Ministério Público Federal apresenta dá
o que pensar. Por que deixaram de fora a legalização da tortura?
Afinal, ela é eficiente. Os procuradores se empolgaram. Teologia
juspunitiva. O "pacote" é tão cheio de inconstitucionalidades, que,
muitas delas, o porteiro do Supremo Tribunal invalida. Até quando
acertam propondo medidas contra o caixa 2, multa para bancos e
recuperação de ativos produtos de crimes, acabam colocando parágrafos
que violam direitos.

Mas meu papel, aqui, é de jurista e não de
torcedor. Ninguém é a favor da corrupção, a não ser o corrupto, é claro.
Um país não progride com impunidade. Mas também não progride com
supressão de garantias. Ah, nos EUA é assim. Comparação falsa. Sistemas
diferentes. Lá erros dão filme. Atire a primeira pedra quem, em
Pindorama, não tenha sido vítima (ou não saiba) de algum erro
judiciário. E na Alemanha? Não, não é assim.

O pacote propõe uma
"eugenia cívica". O agente público deve se submeter a testes que apontem
se é propenso a cometer crimes. Como? Já existe tal ciência? Mais: e se
o "teste" for positivo, será meio idôneo de prova, ainda que o acusado a
tenha produzido contra si mesmo? E será aplicado nos concursos de juiz e
procurador? E na indicação de ministros? Não são agentes públicos?

O
pacote retroage mais de mil anos ao restringir a possibilidade de
pedido liminar em habeas corpus. Mais: o pensamento mágico — corrupção
terá pena maior que homicídio. Código Penal reduzido a pó. O pacote
também cria o "informante confidencial", que só vale para corrupção. E
em homicídio, não?

Faltam páginas para elencar os erros. A maioria
das medidas é inconstitucional. Assalto não é crime hediondo, mas a
gorjeta para o guarda poderá ser. Se o pai paga dívida de filho servidor
público endividado, pode ser processado porque é um terceiro
enriquecendo ilicitamente o rebento. O que mais dizer? E olha que
coloquei só 10% das ilicitudes propostas pelo MPF. E nem falei das
provas ilícitas.

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