terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Enredo macabro

Enredo macabro da Escola de Samba Unidos do Serra-Obama, por Armando Coelho Neto | GGN



Enredo macabro 




por Armando Rodrigues Coelho Neto


O  ódio a Lula e ao Partido dos Trabalhadores tinha como
característica principal ser inconfessável. Padecia da falta de uma
explicação sensata e ou politicamente correta, se é que o ódio comporta
esse tipo de explicação. Desse modo, a corrupção institucionalizada, que
sempre foi privilégio das classes dominantes, passou a servir de
fundamento para que aquilo que não tinha explicação começasse a ter.
Aquele sentimento invisível, tão irracional quanto o pretenso asco do
Pastor Feliciano contra relação aos homossexuais, encontrou razão de
ser.


Os donos do Brasil S/A sempre conviveram de forma cínica com a
corrupção, repetindo a bocas miúdas que o país é assim mesmo, que vinha
desde os tempos de Pedro Álvares Cabral. Houve até quem tentasse
explicar com os relatos sobre a trupe do bispo Pero Vaz Sardinha. Dados
históricos dão conta de que escandalizado com a corrupção então vigente,
aquele religioso reuniu homens de bem para pedir providências ao rei de
Portugal. Quando navegava pelas costas do estado das Alagoas, ocorreu
um naufrágio. Os honestos que não morreram afogados teriam sido
devorados por índios antropófagos que viviam naquela região.


A corrupção no Brasil tem dimensões escabrosas, caráter cínico, viés
fulanizado e partidarizado. Mas é fenômeno mundial e está entre as
preocupações da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE). De há muito, a entidade vem condenando o nefasto entendimento de
que a corrupção lubrifica economias. Este GGN veiculou, sob o título
“Pra não dizer que não falei do Moro”, texto de nossa autoria, no qual,
em passant, lembramos as queixas da OCDE no sentido de que até 1998,
apenas 14 países entre seus associados negavam a possibilidade que a
propina paga em diversos países fosse deduzida do imposto de renda.
Aliás, a Alemanha só em 1999 encerrou essa prática em relação ao Brasil.


A propósito, bom lembrar que não obstante a sua posição no ranking
mundial da corrupção, o Brasil, mesmo sem fazer parte oficialmente da
OCDE, ganhou o status informal de membro pleno, devido ao esforço
interno na implantação de leis contra a corrupção, durante os governos
Lula/Dilma. Aliás, em 2007, o Brasil chegou a ser convidado, mas
continua fora, entre outras razões, por haver perdoado dívidas de países
miseráveis como Haiti, Zâmbia, Congo e Tanzânia, fato proibido pela
OCDE. O perdão brasileiro decorre de seu engajamento no Clube de Paris,
cujo fundamento é ajudar nações em penúria econômica.


O concreto é que no Brasil, a corrupção vem sendo imposta pelo
coronelismo eletrônico como fato novo e fora dos limites. O limite
aceito, ao que tudo indica,  seria o dos casos não investigados e ou
arquivados. Leia-se, a elite brasileira aceita a corrupção “com
limites”. Desse modo, até o suposto combate à corrupção virou fraude no
Brasil e a operação Farsa Jato é um emblemático exemplo. Sua principal
estrela é um encantador de idiotas, que escancaradamente apelou aos
quatros cantos pelo clamor da imprensa. A ela, a estrela, não se pode
atribuir que pessoalmente tenha incorrido em crime, propiciando
vazamentos seletivos, criando clima de comoção de forma que o leigo em
direito aceitasse qualquer ilegalidade. E a omissão e conivência quanto a
isso?


A Farsa Jato segue na ilegalidade, na base do prende para investigar.
Recentemente, a revista eletrônica Conjur noticiou que o empresário
Apolo Santana Vieira seria preso preventivamente, por ordem do juiz
Sérgio Moro, que já tinha até expedido o respectivo mandado. Entretanto,
seis dias depois, ao saber que o alvo estaria negociando delação
premiada, Moro teria reconsiderado seu ato. Ora, a prisão preventiva
pressupõe requisitos legais que, uma vez presentes sobrevivem por si.
Não se extinguem de uma hora para outra por simples reavaliação de atos.
Há sem dúvida algo errado ou suspeito nisso. É como se a simples
intenção de delatar extinguisse os pressupostos legais então existentes.


Seria o caso Vieira mais uma prisão necessária? O que se constata é
que até mesmo uma repercussão negativa é capaz de exterminar os
requisitos de uma prisão temporária ou preventiva. Aconteceu com Guido
Mantega, cuja mulher encontrava-se internada para um tratamento de
câncer. Instaurada a comoção social diante da sádica prisão, esta foi
imediatamente revogada. Ora, a prisão era ou não era necessária? Desse
modo, os casos Vieira e Mantega vêm a se somar à tentativa de prisão
ilegal de ex-presidente Lula e as sentenças relâmpagos proferidas em
menos de três minutos de que se tem notícia.


Os casos como tais conhecidos autorizam a concluir que o prende pra
investigar e ou confessar, para espetacularizar ou politizar não é uma
crítica gratuita dos advogados de defesa que vêm oficiando no caso.


E pra não dizer que não falei do Rei Momo, estamos num Carnaval de
cinzas antecipadas. A Escola de Samba Unidos de Serra-Obama desfila para
um júri comprado e viciado; com financiamento obscuro e enredo
dissimulado; bateria desafinada e sem harmonia. Sob o canto de um samba
atravessado, é visível o desencontro dentre mestre-sala e
porta-bandeira, enquanto o presidente da escola é vaiado, e os coitados
formigões de pés descalços empurram o carro do abre-alas!


Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista e advogado,
delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em
São Paulo

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