sábado, 18 de fevereiro de 2017

"Não existiria Bolsonaro como opção viável sem a Globo"

Diário do Centro do Mundo "Não existiria Bolsonaro como opção viável sem a Globo", diz o sociólogo Jessé Souza



“Não existiria Bolsonaro como opção viável sem a Globo”, diz o sociólogo Jessé Souza




“O público não é imbecil, ele é tornado imbecil pela mídia comprada,
direta ou indiretamente, para fazer este papel”. A sentença é do
sociólogo Jessé Souza, ex-presidente do Instituto de Pesquisas
Econômicas Aplicadas (Ipea).


Autor de “A tolice da inteligência brasileira” e “A radiografia do
golpe”, Jessé explica na entrevista a seguir, concedida ao jornalista Paulo Henrique Arantes,
como e por quê pregadores do ódio ganham espaço no mundo, o papel da
Globo no fenômeno Bolsonaro e a maneira como o capital financeiro se
apossa do estado.


Por que a extrema-direita ganha espaço no mundo?


Eu acho que o avanço da direita tem a ver com uma relação de forças
que é internacional. O capitalismo financeiro cria uma nova relação com a
política que é desvalorizada para ser capturada. A política sempre foi
influenciada pelo dinheiro, obviamente, mas você tinha contrapesos
antes, os quais você não tem mais. O capital financeiro age globalmente,
planetariamente, e a reação a ele é nacional, local, fragmentada,
frágil.


O golpe no Brasil teve uma articulação internacional, foi o interesse
do capital financeiro em se apropriar de tudo que possa rapinar:
pré-sal, Petrobrás, destruir o capital tecnológico de empreiteiras,
orçamento público, etc. Tudo com ajuda nacional da mídia e dos seus
sócios internos. Dentre eles o aparelho jurídico do Estado que funcionou
e funciona, com ou em consciência disso, como “advogados do capital
financeiro” internacional.  O capital financeiro quer uma captura direta
da política e do Estado.


O primeiro motivo é que a própria realização de lucro do capital
financeiro exige e vai exigir cada vez mais desigualdade. Isso reflete
numa nova forma de expropriação do trabalho coletivo que é via orçamento
– aliás pago pelos pobres e apropriado pelos rentistas -, e é
precisamente o que acontece no Brasil, o golpe foi feito para isso.
Agora, inclusive, a ação do capital financeiro ficou mais nítida no
Brasil do que em qualquer outro lugar.


Como o capital financeiro se apodera da política?


Quando ele desvaloriza a política, as instituições políticas, usando a
mídia e a balela da “corrupção seletiva”, só dos políticos, escondendo a
corrupção legal e ilegal do mercado que compra direta ou indiretamente a
mídia e a própria política. Nesta quadra histórica, o dinheiro está se
apropriando da política completamente.


A própria linguagem do dinheiro criminalizou a política. O Dória no
Brasil é o melhor exemplo disso, e o Trump nos EUA, quando diz: “você
deve me eleger porque eu não sou político”. Você só pode dizer isso
porque a “corrupção real”, que é a do mercado, por meios legais e
ilegais, é tornada invisível pela mídia.


A base de tudo tem a ver com isso: você tem que imbecilizar o
público. O público não é imbecil, ele é tornado imbecil pela mídia
comprada direta ou indiretamente para fazer este papel.


O populismo de direita que vemos hoje crescer no mundo todo carrega o risco de um novo fascismo?


O fascismo assumiu a forma que assumiu nos anos 30 pelas
circunstâncias históricas. Eu acho que o que está acontecendo agora é
sim uma forma de fascismo. Ele não precisa assumir a forma que assumiu
na década de 30. Hoje ele exerce mais uma violência simbólica,
“imbecilizando” o público, por exemplo, ao invés de usar 
majoritariamente a violência física, como o antigo fascismo, embora a
violência física seja utilizada hoje em dia também.


Esses novos líderes, todos eles, têm a ver com a reação dos
perdedores do capital financeiro que são a imensa maioria. O Bernie
Sanders foi uma reação racional, que conseguiu forte penetração na
juventude intelectualizada. O Trump é a resposta menos inteligente,
emotiva, que pede um “bode expiatório”, lá os mexicanos e aqui os pobres
beneficiados pelo PT, o ódio, é a linguagem fascista sobre o medo. É a
versão que está ganhando aqui.


Por que o discurso populista de direita, que prega o ódio, alcance tanta receptividade?


A base do fascismo no Brasil é a classe média. A mídia manipula o
falso moralismo dessa classe para que sirva de “tropa de choque” dos
interesses inconfessos das elites. O grande elemento aí, que é sempre
esquecido, é a mídia. A mídia é o partido da elite que rapina o país.


A mídia representa, antes de tudo, interesses, mas “tira onda” de
neutra. Como esses interesses elitistas são difusos, a mídia concentra e
sistematiza esses interesses e dá boca para eles. O capitalismo, o
dinheiro, não tem boca – a mídia é a boca do dinheiro, então ela vai
manipular o povo a partir disso.


Não há um papel positivo na atuação da mídia?


Não sei se concordo contigo. De que papel e de que mídia você se
refere? Não existiria Bolsonaro como opção viável sem a Rede Globo. Você
tem que lembrar, apenas para ficar num único exemplo que pode ser
multiplicado milhares de vezes, como eu me lembro, do jornalista Merval
Pereira, no jornal da “Globo News”, falando que vazamento ilegal não é
nenhum problema real, que isso é “normal” e acontece sempre – imagine
coisas assim ditas 500 vezes ao dia.


Como não existe contraposição de opiniões, você vai criando um
terreno favorável a preconceitos contra os direitos individuais e,
portanto, contra a própria democracia. Quando você cria o terreno, fica
fácil para um cara como o Bolsonaro entrar, pois ele vai ocupar um
espaço que foi “construído” para ele.


É a mesma coisa do Trump. Você criou esse discurso virulento com a
criminalização da esquerda. Você criminaliza e torna suspeito todo
discurso que tenta proteger os mais frágeis. E quando você criminaliza
esse discurso, você abre espaço para a violência explícita. E quem fez
isso foi a imprensa, não o Bolsonaro.


Dias atrás, outro exemplo entre milhares, eu vi, também na “Globo
News” – que a classe média feita de tola assiste massivamente – a turma
de “analistas”  dizendo no Jornal das Dez que foi Cabral quem quebrou o
Rio. É uma deslavada mentira. Quem quebrou o Rio foi a mídia, comandada
pela Globo, associada à Lava Jato, que destruiu os empregos da Petrobrás
e de toda sua cadeia produtiva que é vital ao Rio.


Foram bilhões de reais e milhões de empregos perdidos. Depois você
diz que foi a propina do Cabral. É claro que Cabral perdeu a noção das
coisas. Mas o que ele roubou é uma gota nesse oceano. É assim que você
produz uma fábrica de mentira cotidiana. O público não tem defesa contra
isso.


Alguns políticos evangélicos não se enquadrariam entre os populistas de direita?


É claro que sim, mas eu acho que temos de separar muito bem essas
coisas. O fato de esses indivíduos serem demagogos de direita não
significa que toda a clientela evangélica o seja. Ela está sendo
obviamente cooptada, de novo pelo trabalho da imprensa.


Como esses evangélicos são de classes populares, isso vira mais um
preconceito da classe média contra as classes populares, contra a
“burrice” das classes populares etc. Isso é uma coisa ruim, e falsa: em
termos de inteligência, a mais burra, melhor, a mais feita de tola de
todas as classes foi a classe média, que a partir de agora vai ter
obrigatoriamente de pagar muito mais que pagava antes por tudo. Já está
acontecendo.


Para você apoiar a destruição do Estado via captura do orçamento para
o rentismo e a privatização, agora muito mais cara, dos serviços que o
Estado presta, você tem que ser uma entre duas coisas: rico ou otário. É
essa a questão que as pessoas que têm que responder sem medo e com
sinceridade.


Mais uma vez: as pessoas não nascem tolas, elas são feitas de tolas. E
para mim a fábrica da tolice no Brasil é uma mídia que se apresenta
como neutra e “serviço público” para, sorrateiramente, destilar seu
veneno todo dia. Ela ganha dinheiro e poder com isso e representa os
interesses de uma elite predatória.

Nenhum comentário:

Postar um comentário