Os óbitos iminentes do pós-eleição | Brasilianas.Org: "Os óbitos iminentes do pós-eleição
Enviado por luisnassif, qui, 30/09/2010 - 12:27
Do Valor
Repartição de renda faz sua última eleição
Wanderley Guilherme dos Santos| Do Rio
30/09/2010
Registro dois óbitos iminentes: o da eficácia eleitoral da política de redistribuição de renda e o do poder desestabilizador da grande mídia. São movimentos dessa natureza que brazilianistas e a nova direita chic, os comunistas nostálgicos, não antecipam. Há quem acredite que nada mudou no Brasil desde a Primeira Missa. Outros, que mudou para pior desde a Primeira República. São ecos do passado, nutridos pela lerdeza real com que o país tem resolvido alguns problemas clássicos da modernidade. A urbanização custou a chegar, assim como a industrialização e a transformação da estrutura ocupacional. Argentina, Chile e Uruguai brilhavam com taxas européias de urbanização e alfabetização (nada de industrialização, é bem verdade) quando o mundo era campestre e a poesia e o romance, bucólicos. Em um par de décadas, contudo, a urbanização e a transformação ocupacional brasileiras bateram recordes históricos, deixando na rabeira não só a América do Sul, mas China, Índia e, em alguns aspectos, a Rússia, inventando ao longo da travessia um eleitorado de 136 milhões de votantes, indomável a qualquer elite leninista e, cada vez mais, insubmissa ao comando coronelista. A poda das oligarquias hereditárias ocorre de Norte a Sul do país. Por fim, descobriu-se uma classe média (próxima de 90 milhões de pessoas) quase do tamanho do Japão. Dezenas de milhões de 'japoneses', digamos assim, falando português, mas com igual apetite consumista, invadiram as lojas de eletrodomésticos, de roupas, agências de viagens, aviões, hotéis e, até mesmo, as revendedoras de automóveis japoneses propriamente ditos. Não há nostalgia que suporte isso sem virar ressentimento. Mas, a contragosto, será nesse depósito que a história obrigará os conservadores a colher votos no futuro.
Do berço ao túmulo, a população brasileira passou a ser assistida por complexa rede de políticas sociais institucionalmente inéditas, em grande parte, e incomparáveis em sua cobertura. Multidões foram extraídas à miséria e à pobreza em prazo mínimo, se confrontado aos quase cem anos que o sistema social europeu exigiu para ser elaborado e implementado. Evidentemente, nossos séculos preguiçosos legaram tal espetáculo de carências que a profunda subversão de prioridades operada pela era Lula não está senão a meio caminho da empreitada em seus efeitos estruturais. Metas ainda por atingir, ocasionais gestões deficientes, equívocos de formulação inicial de alguns programas fazem parte da história real do período e comparecem na queda de braço das argumentações eleitorais. Mas não é nesse discurso ao tele-espectador que se encontra o coração da matéria.
de parte das políticas sociais em curso dispensa intermediários. Os atingidos têm acesso direto aos benefícios, extinguindo-se o pedágio de gratidão que deveriam pagar aos agentes executivos das ações distributivas. A fruição dos bens sociais a que têm direito independe de conexão com algum doador individualizado, subordinando-se tão somente ao vínculo formal com a apropriada agência de implementação. O funcionamento do sistema, naturalmente, claudica aqui e ali e a eficiência da máquina não é uniforme. Isso tende a melhorar. E tende a melhorar na exata medida em que os beneficiados deixam de aceitar o serviço ou o bem como favor (a cavalo dado não se olham os dentes) e a entendê-lo como obrigação do Estado. Nessa mesma medida o voto-gratidão ou se transforma em voto-confiança ou migra. Em breve a população brasileira sentirá a rede social em expansão (volume e qualidade) como estado da natureza, solo sobre o qual se desloca sem prévia licença de autoridade política a que deva lealdade. Certamente que o eleitorado, sobretudo o mais antigo, preserva um estoque de confiança nas lideranças que deram origem à re-fundação do pacto político original. Mas a simples lembrança daquele momento pode se tornar insuficiente para a renovação da confiança. E é assim que deve ser.
Parte considerável da nova classe média tende ao conservadorismo por entender com absoluta lucidez que existem limites à mobilidade social ascendente e que mudanças, dadas certas circunstâncias, serão, provavelmente, para pior. É sociológica e economicamente impossível que a totalidade das pessoas que alcançaram ou venham a alcançar em breve o topo salarial ou de posição em algum ramo do comércio, serviços ou ocupação industrial, se transfiram para um patamar acima na estratificação social, dando início a nova trajetória ascendente. A maioria das moças e rapazes que, recém alfabetizados ou saídos de escolas profissionalizantes, encontram vagas em abundância como atendentes, vendedoras, caixas, recepcionistas etc., irão se aposentar na mesma profissão ou em profissão aparentada. Algumas chegarão a supervisora ou gerente de filial; pouquíssimas a postos de direção. Grandes agregados sociais não costumam pular dois degraus na estratificação, independente da orientação dos governos e dos sociólogos de boa vontade. A ascensão inter-geracional é outra história. Em uma geração, porém, o jovem que se entusiasmava com o fervilhante trânsito social é o mesmo adulto maduro que, seguro em sua posição atual e aposentadoria próxima, teme promessas de solavancos sociais. O mais provável é que o solavanco o desaloje. Alguns chamam o fenômeno de 'aversão ao risco', mas podemos chamá-lo, sem ofensa, de 'potencial de votos conservadores'. Em próximas eleições, o aceno da consolidação de conquistas feitas pode ser tão ou mais atraente do que prometida alvorada de grandes transformações.
E eis que o poder desestabilizador da grande mídia parece agônico. Poder que detinha menos em função do jornalismo político investigativo, exacerbado em períodos eleitorais, e mais pelas ilações que faz, os olhos que a liam e os ouvidos que as ouviam. Acusar a mídia de omitir informações, procede, com frequência, mas é trivial. Negar os resultados reais do jornalismo investigativo é tolo e inútil. O mesmo leitor que recusa o exagero aceita o fato comprovado. E o que importa, em primeiro lugar, são os fatos comprovados. Culpa cabe ao governo, ao atual, aos anteriores e a todos os que vierem depois, por entregarem seus eleitores e apoiadores aos embaraços de se verem expostos aos resultados de uma política negligente de recrutamento de pessoal para cargos de absoluta relevância e respeitabilidade. Não é aceitável, em nenhum governo, que ocupantes de cargos de confiança estejam a salvo para operar sem sistemático escrutínio da legalidade e lisura de seus atos. Os órgãos de segurança do governo devem ser responsabilizados pelas constantes provas de incompetência que vêm dando. Um aparato estatal oligárquico, historicamente destituído de capacidade operacional para implementar políticas de grande envergadura - por isso mesmo obrigado a recrutar rapidamente quadros capazes, mediante concursos e funções de confiança - está especialmente sujeito a ser penetrado por funcionários cuja idoneidade ainda está para ser comprovada. O cuidado com o funcionamento da engrenagem governamental deve ser permanente e habilidoso, antes que meramente burocrático. Não é o governo que se torna vulnerável. Isso pode passar. São os seus eleitores que se envergonham e gaguejam, pagando enorme preço em estima social pela confiança que depositaram em governantes, e que a transferiram à desonra. Por isso, não é a grande mídia a responsável. Ao contrário, deve-se ao jornalismo investigativo de boa fé a fiscalização que órgãos governamentais deixam escapar e que a desídia de uma oposição de nariz arrebitado não exercita.
Referia-me ao jornalismo investigativo de boa fé. As ilações editoriais pertencem a outro departamento. Fora da temperatura eleitoral, não há pessoa de bom senso suscetível à idéia de que o presidente Luiz Inácio, ou qualquer outro presidente normal, tenha montado um governo para saquear o país ou promover o nepotismo como política oficial. Não haveria recursos, tempo e sequer mão de obra para, ao mesmo tempo, reduzir espetacularmente a miséria, redistribuir renda e estimular o desenvolvimento econômico. A transferência de significado dos reais ilícitos administrativos para deliberadas intenções políticas se deve ao exercício do poder desestabilizador da grande mídia. Não consta de nenhuma apuração jornalística nem faz qualquer sentido no contexto geral das eleições. Mas é recorrente no Brasil. Assim aconteceu em 1950, 1954, 1960, 1964, no século passado, e em 2002 e 2006, no atual. Ao contrário de épocas pretéritas, todavia, suspeito que esse poder desestabilizador agoniza e, por isso, esperneia.
Tudo começou, creio, com a decisão do então presidente Fernando Henrique Cardoso de criar o Ministério da Defesa, entregando seu comando a um civil. O grande economista Inácio Rangel sorriria ao verificar que, mais uma vez, teria que ser um membro da elite a tomar medidas bastante ousadas. Fernando Henrique, candidato preferencial que fora da oficialidade militar, fez, sem susto, o que Lula, certamente, não teria condições de fazer, à época. Firmou-se constitucional precedente e a sucessão de ministros naturalizou a condição civil do cargo. Despreocupado com problemas de soberania, contudo, Fernando Henrique levou as Forças Armadas à mesma dieta do resto do funcionalismo público e das instituições do Estado, fazendo-as raquíticas, quando não as esfacelando. Outra vez, coube agora ao ex-espantalho Lula, comprometido com a recuperação do povo e da soberania nacional, re-incorporar as Forças Armadas à sociedade e integrá-las em projeto comum. Hoje, nem o Exército nem as demais forças militares estão em busca de identidade, como diria o sociólogo Edmundo Campos, distinta da identidade dos demais segmentos do país. Não obstante resquícios de privilégios, preconceitos e temores herdados de passado nem tão remoto, o entendimento entre as instituições civis e militares se manifesta na total discrição e profissionalismo com que os responsáveis pelos comandos armados têm agido de tempos para cá. Na verdade, o que está fugindo ao poder desestabilizador da grande mídia são os olhos e ouvidos militares. Ela nunca interpretou, fora raros momentos, o sentimento da maioria da população, valham as sucessivas derrotas de seus candidatos como recibo da afirmativa. Mas vociferava aboletada em tanques. Hoje, resta-lhe o potencial para assassinatos de caráter - algo ainda terrivelmente assustador. Tímidas tentativas de se aconchegarem aos bivaques, entretanto, diria o marechal Castelo Branco, têm sido apenas patéticas.
A influência dos meios de comunicação nos processos eleitorais é inteiramente normal em democracias. Inevitável, ademais. Perigoso é quando, além da malícia retórica, o poder desestabilizador busca se realizar, irresponsável, pela mão de terceiros. Isso, parece, está fora de cogitação. A propósito, em 2012 o opúsculo 'Quem Dará o Golpe no Brasil?' completará cinquenta aninhos.
E para não dizer que não falei de flores: o poder desestabilizador se concentra, hoje, nesse fóssil institucional que é a Justiça Eleitoral.
Wanderley Guilherme dos Santos integra a Academia Brasileira de Ciências/Universidade Candido Mendes
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quinta-feira, 30 de setembro de 2010
'Sou juíza que teme precisar da Justiça' - brasil - Estadao.com.br
'Sou juíza que teme precisar da Justiça' - brasil - Estadao.com.br: "ENTREVISTA
Andre Dusek/AE
Andre Dusek/AE
Substituta. A ministra Eliana Calmon durante entrevista ao 'Estado', em Brasília: mandato de dois anos no lugar de Gilson Dipp
Eliana Calmon, corregedora nacional de Justiça
A nova corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, é uma vítima da morosidade do Judiciário brasileiro. Há quatro anos, após a morte de seu pai, ela espera que a Justiça conclua o inventário. Mas, como ela mesma define, este foi mais um caso que caiu nas 'teias do Poder Judiciário'. Por isso, diz que prefere resolver seus problemas sem a intervenção da Justiça. 'Eu sou uma magistrada que teme precisar da Justiça', afirma.
Eliana é responsável por corrigir eventuais desvios dos magistrados e trabalhar justamente para que problemas como a morosidade se resolvam. Ela substitui o ministro Gilson Dipp e terá dois anos de mandato. Dentre os exemplos de morosidade do Judiciário, a ministra cita o julgamento da Lei da Ficha Limpa pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que terminou empatado na semana passada. 'Até esse projeto, que é sim uma reação à morosidade da Justiça, ficou parado nas teias do Judiciário.'
Que imagem a senhora tinha do Judiciário antes de chegar à corregedoria?
Eu sou uma crítica do Poder Judiciário. E seria uma incoerência não vir para a corregedoria num momento em que a vida me permitiu fazer alguma coisa para combater a burocracia que eu critico. Com dez dias apenas de atividade, estou vendo muito mais do que eu sabia. Eu sabia da disfunção, do atraso do Judiciário. Mas aqui tomei consciência de que não existem culpados específicos. Essa disfunção vem da disfunção estatal.
Por que isso ocorre?
Cada Estado tinha uma Justiça absolutamente independente. Eles se organizavam como queriam. Não havia controle das pessoas que organizavam a Justiça. A partir daí pudemos detectar que tínhamos 27 feudos. Tinham independência como Poder e são geridos por grupos de desembargadores que não se alternam no poder. Essas circunstâncias específicas do Poder Judiciário e que a lei estabeleceu (vitaliciedade e inamovibilidade dos magistrados) para dar maior garantia ao jurisdicionado começou a fazer mal ao próprio Judiciário.
Quem é prejudicado por isso?
Toda essa disfunção deságua nas mãos dos jurisdicionados com o atraso dos processos. Estamos 100 anos atrasados em tudo: nos prédios, nos funcionários, nas práticas de serviço público, na informática - ainda existem magistrados que não usam computador ou usam apenas como máquina de escrever. São essas práticas que levam a essa disfunção. E essa disfunção é de um tamanho inacreditável. Só em São Paulo temos 16 milhões de processos. E isso com um custo Brasil imenso. Quando se entra no Judiciário não se tem expectativa de quando se sai, quanto vai custar o processo.
Se for possível resolver uma pendência sem precisar da Justiça, a senhora prefere?
Com certeza. Hoje, eu sou uma magistrada que teme precisar da Justiça. Eu temo precisar da Justiça.
Isso é insolúvel?
Nada é insolúvel. Eu sou extremamente otimista. Agora, nós não resolveremos o Poder Judiciário com menos de 10 anos. Não resolveremos. Porque todos os controles da sociedade, e que estão nas mãos do Judiciário, estão com problemas.
Por exemplo?
A política carcerária. Nós temos problemas gravíssimos. Isso não é só do Judiciário. É do Executivo também. Pelo fato de o Executivo não realizar a política pública necessária, o juiz vai se desinteressando pelos presos pelos quais é responsável. O juiz virou um assinador de papel. Ele assina a carta de guia, manda o preso para a penitenciária e estamos encerrados. Ele não examina, não conduz, não acompanha.
Mas não é possível resolver isso mais rapidamente?
Eu acho que a Justiça só se resolve a longo prazo. Casos episódicos nós podemos resolver. Eu estou com um pedido para São Paulo de alguém que está há 24 anos na Justiça brigando com o irmão. E depois de ganhar em todas as instâncias, o processo chegou ao Supremo Tribunal Federal, onde houve nada mais nada menos que seis embargos de declaração, recursos para que o processo não saísse de dentro do Supremo. Agora, a parte vencida molhou a mão do juiz para que a execução não se complete. Essa é a realidade.
Qual é o tamanho da corrupção do Judiciário?
Num momento em que se tem um órgão esfacelado do ponto de vista administrativo, de funcionalidade, de eficiência, temos um campo fértil para a corrupção. Começa-se a vender facilidades em razão das dificuldades do sistema. Para julgar um processo, às vezes um funcionário, para ajudar alguém, chega para o juiz e pergunta se ele pode julgar determinado processo. Aí vem um bilhetinho de um colega, eu mesmo faço a toda hora: 'Na medida do possível dê um pedido de preferência para um baiano aflito que está querendo ser julgado.' Essas coisas começam a acontecer. E quem não tem amigo para fazer um bilhetinho para o juiz?
E como se acaba com a corrupção?
Acaba-se com a corrupção na medida em que se possa chegar às causas dessa corrupção. Parte disso é fruto da intimidade indecente entre o público e o privado, entre a atividade judicante e política e a interferência dos políticos nos tribunais. Só se acaba com a corrupção combatendo as causas, não as consequências. Punir os corruptos é como fazer uma barragem para ele não propagar seu comportamento deletério.
E as corregedorias dos Estados funcionam a contento para resolver esses problemas?
Não. Elas nunca funcionaram a contento. O corregedor local, sozinho, não pode fazer muita coisa. Como dizia Aliomar Baleeiro (ex-deputado e ex-ministro do STF): lobo não come lobo. É difícil para um corregedor começar a se rebelar contra seus colegas.
Alguns magistrados, agora no Tocantins, estão dando liminares contra a publicação de matérias contra políticos. O que a senhora acha disso?
Nós sabemos que a transparência é um dos princípios de toda democracia. A notícia naturalmente é benfazeja e está ligada à transparência de toda e qualquer atividade do Estado. A explicação para decisões nesse sentido só pode estar na tentativa de alguém proteger alguém. Eu acredito piamente nisso.
A Lei da Ficha Limpa, que prevê a inelegibilidade de políticos antes da condenação em última instância, é uma reação à morosidade da Justiça?
Sim. E parece que nós colocamos também a Ficha Limpa na morosidade da Justiça. É como se fosse uma teia de aranha. Até esse projeto, que é sim uma reação à morosidade da Justiça, ficou parado nas teias do Judiciário. A prova maior da disfunção do Judiciário está na tramitação desse projeto no Judiciário.
QUEM É
Eliana Calmon Alves nasceu em 5 de novembro de 1944 na capital baiana. Formou-se em direito pela Universidade Federal da Bahia em 1968. Foi juíza federal na seção Judiciária da Bahia no período entre 1979 e 1989 e juíza do Tribunal Regional Federal da 1ª região entre 1989 e 1999, Assumiu o cargo de ministra do Superior Tribunal de Justiça há 11 anos.
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Andre Dusek/AE
Andre Dusek/AE
Substituta. A ministra Eliana Calmon durante entrevista ao 'Estado', em Brasília: mandato de dois anos no lugar de Gilson Dipp
Eliana Calmon, corregedora nacional de Justiça
A nova corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, é uma vítima da morosidade do Judiciário brasileiro. Há quatro anos, após a morte de seu pai, ela espera que a Justiça conclua o inventário. Mas, como ela mesma define, este foi mais um caso que caiu nas 'teias do Poder Judiciário'. Por isso, diz que prefere resolver seus problemas sem a intervenção da Justiça. 'Eu sou uma magistrada que teme precisar da Justiça', afirma.
Eliana é responsável por corrigir eventuais desvios dos magistrados e trabalhar justamente para que problemas como a morosidade se resolvam. Ela substitui o ministro Gilson Dipp e terá dois anos de mandato. Dentre os exemplos de morosidade do Judiciário, a ministra cita o julgamento da Lei da Ficha Limpa pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que terminou empatado na semana passada. 'Até esse projeto, que é sim uma reação à morosidade da Justiça, ficou parado nas teias do Judiciário.'
Que imagem a senhora tinha do Judiciário antes de chegar à corregedoria?
Eu sou uma crítica do Poder Judiciário. E seria uma incoerência não vir para a corregedoria num momento em que a vida me permitiu fazer alguma coisa para combater a burocracia que eu critico. Com dez dias apenas de atividade, estou vendo muito mais do que eu sabia. Eu sabia da disfunção, do atraso do Judiciário. Mas aqui tomei consciência de que não existem culpados específicos. Essa disfunção vem da disfunção estatal.
Por que isso ocorre?
Cada Estado tinha uma Justiça absolutamente independente. Eles se organizavam como queriam. Não havia controle das pessoas que organizavam a Justiça. A partir daí pudemos detectar que tínhamos 27 feudos. Tinham independência como Poder e são geridos por grupos de desembargadores que não se alternam no poder. Essas circunstâncias específicas do Poder Judiciário e que a lei estabeleceu (vitaliciedade e inamovibilidade dos magistrados) para dar maior garantia ao jurisdicionado começou a fazer mal ao próprio Judiciário.
Quem é prejudicado por isso?
Toda essa disfunção deságua nas mãos dos jurisdicionados com o atraso dos processos. Estamos 100 anos atrasados em tudo: nos prédios, nos funcionários, nas práticas de serviço público, na informática - ainda existem magistrados que não usam computador ou usam apenas como máquina de escrever. São essas práticas que levam a essa disfunção. E essa disfunção é de um tamanho inacreditável. Só em São Paulo temos 16 milhões de processos. E isso com um custo Brasil imenso. Quando se entra no Judiciário não se tem expectativa de quando se sai, quanto vai custar o processo.
Se for possível resolver uma pendência sem precisar da Justiça, a senhora prefere?
Com certeza. Hoje, eu sou uma magistrada que teme precisar da Justiça. Eu temo precisar da Justiça.
Isso é insolúvel?
Nada é insolúvel. Eu sou extremamente otimista. Agora, nós não resolveremos o Poder Judiciário com menos de 10 anos. Não resolveremos. Porque todos os controles da sociedade, e que estão nas mãos do Judiciário, estão com problemas.
Por exemplo?
A política carcerária. Nós temos problemas gravíssimos. Isso não é só do Judiciário. É do Executivo também. Pelo fato de o Executivo não realizar a política pública necessária, o juiz vai se desinteressando pelos presos pelos quais é responsável. O juiz virou um assinador de papel. Ele assina a carta de guia, manda o preso para a penitenciária e estamos encerrados. Ele não examina, não conduz, não acompanha.
Mas não é possível resolver isso mais rapidamente?
Eu acho que a Justiça só se resolve a longo prazo. Casos episódicos nós podemos resolver. Eu estou com um pedido para São Paulo de alguém que está há 24 anos na Justiça brigando com o irmão. E depois de ganhar em todas as instâncias, o processo chegou ao Supremo Tribunal Federal, onde houve nada mais nada menos que seis embargos de declaração, recursos para que o processo não saísse de dentro do Supremo. Agora, a parte vencida molhou a mão do juiz para que a execução não se complete. Essa é a realidade.
Qual é o tamanho da corrupção do Judiciário?
Num momento em que se tem um órgão esfacelado do ponto de vista administrativo, de funcionalidade, de eficiência, temos um campo fértil para a corrupção. Começa-se a vender facilidades em razão das dificuldades do sistema. Para julgar um processo, às vezes um funcionário, para ajudar alguém, chega para o juiz e pergunta se ele pode julgar determinado processo. Aí vem um bilhetinho de um colega, eu mesmo faço a toda hora: 'Na medida do possível dê um pedido de preferência para um baiano aflito que está querendo ser julgado.' Essas coisas começam a acontecer. E quem não tem amigo para fazer um bilhetinho para o juiz?
E como se acaba com a corrupção?
Acaba-se com a corrupção na medida em que se possa chegar às causas dessa corrupção. Parte disso é fruto da intimidade indecente entre o público e o privado, entre a atividade judicante e política e a interferência dos políticos nos tribunais. Só se acaba com a corrupção combatendo as causas, não as consequências. Punir os corruptos é como fazer uma barragem para ele não propagar seu comportamento deletério.
E as corregedorias dos Estados funcionam a contento para resolver esses problemas?
Não. Elas nunca funcionaram a contento. O corregedor local, sozinho, não pode fazer muita coisa. Como dizia Aliomar Baleeiro (ex-deputado e ex-ministro do STF): lobo não come lobo. É difícil para um corregedor começar a se rebelar contra seus colegas.
Alguns magistrados, agora no Tocantins, estão dando liminares contra a publicação de matérias contra políticos. O que a senhora acha disso?
Nós sabemos que a transparência é um dos princípios de toda democracia. A notícia naturalmente é benfazeja e está ligada à transparência de toda e qualquer atividade do Estado. A explicação para decisões nesse sentido só pode estar na tentativa de alguém proteger alguém. Eu acredito piamente nisso.
A Lei da Ficha Limpa, que prevê a inelegibilidade de políticos antes da condenação em última instância, é uma reação à morosidade da Justiça?
Sim. E parece que nós colocamos também a Ficha Limpa na morosidade da Justiça. É como se fosse uma teia de aranha. Até esse projeto, que é sim uma reação à morosidade da Justiça, ficou parado nas teias do Judiciário. A prova maior da disfunção do Judiciário está na tramitação desse projeto no Judiciário.
QUEM É
Eliana Calmon Alves nasceu em 5 de novembro de 1944 na capital baiana. Formou-se em direito pela Universidade Federal da Bahia em 1968. Foi juíza federal na seção Judiciária da Bahia no período entre 1979 e 1989 e juíza do Tribunal Regional Federal da 1ª região entre 1989 e 1999, Assumiu o cargo de ministra do Superior Tribunal de Justiça há 11 anos.
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Folha de S.Paulo - Foco: Dell é processada por negar compra a quem quer ir a Cuba - 30/09/2010
Folha de S.Paulo - Foco: Dell é processada por negar compra a quem quer ir a Cuba - 30/09/2010: "FOCO
Dell é processada por negar compra a quem quer ir a Cuba
GRAZIELLE SCHNEIDER
NÁDIA GUERLENDA CABRAL
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O Ministério Público do Rio de Janeiro entrou com processo contra a Dell do Brasil porque a empresa se recusa a conceder crédito e a vender produtos para clientes que demonstrem interesse em viajar para Cuba.
A bibliotecária Vânia Maria Parreiras conta que, em 2008, quando tentava obter um produto da empresa, foi questionada se iria para Cuba caso ganhasse uma passagem. Ela afirma que nem titubeou: 'Lógico! Do que é dado não vou reclamar'.
Após a declaração, foi informada que não poderia concluir a compra. Ela insistiu até que, quase quatro meses depois, recebeu o laptop.
Mesmo assim, Vânia fez uma reclamação no jornal 'O Globo', que foi enviada anonimamente à promotoria e deu origem ao inquérito.
De acordo com Rodrigo Terra, promotor de Justiça e autor da ação, a companhia alega que, como é subsidiária de uma empresa norte-americana, deve seguir o embargo econômico a Cuba.
À Folha a Dell afirmou que segue a política da matriz, mas que não comenta processos em andamento.
'O consumidor brasileiro não está obrigado a contribuir para o embargo. Isso é uma violação a vários artigos do Código Brasileiro do Consumidor', afirma Terra.
Segundo o professor de direito civil da Universidade de São Paulo José Fernando Simão, apenas as leis brasileiras são aplicáveis ao caso.
Para ele, ao limitar a venda, a Dell exerce 'ingerência indevida' na liberdade de ir e vir do consumidor, o que caracteriza abuso de direito.
O promotor Rodrigo Terra diz que a empresa pode ser condenada a pagar multa de R$ 500 mil para indenização de dano moral coletivo.
Em 2007, um grupo de físicos brasileiros pediu boicote à Dell depois que a empresa exigiu que o físico nuclear Paulo Gomes, da Universidade Federal Fluminense, que havia comprado dois computadores, assinasse um termo.
No documento, ele se comprometeria a não usar os equipamentos 'na produção de armas de destruição em massa' e a não transferi-los a cidadãos de Cuba, Irã, Coreia do Norte, Sudão e Síria'.
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Dell é processada por negar compra a quem quer ir a Cuba
GRAZIELLE SCHNEIDER
NÁDIA GUERLENDA CABRAL
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O Ministério Público do Rio de Janeiro entrou com processo contra a Dell do Brasil porque a empresa se recusa a conceder crédito e a vender produtos para clientes que demonstrem interesse em viajar para Cuba.
A bibliotecária Vânia Maria Parreiras conta que, em 2008, quando tentava obter um produto da empresa, foi questionada se iria para Cuba caso ganhasse uma passagem. Ela afirma que nem titubeou: 'Lógico! Do que é dado não vou reclamar'.
Após a declaração, foi informada que não poderia concluir a compra. Ela insistiu até que, quase quatro meses depois, recebeu o laptop.
Mesmo assim, Vânia fez uma reclamação no jornal 'O Globo', que foi enviada anonimamente à promotoria e deu origem ao inquérito.
De acordo com Rodrigo Terra, promotor de Justiça e autor da ação, a companhia alega que, como é subsidiária de uma empresa norte-americana, deve seguir o embargo econômico a Cuba.
À Folha a Dell afirmou que segue a política da matriz, mas que não comenta processos em andamento.
'O consumidor brasileiro não está obrigado a contribuir para o embargo. Isso é uma violação a vários artigos do Código Brasileiro do Consumidor', afirma Terra.
Segundo o professor de direito civil da Universidade de São Paulo José Fernando Simão, apenas as leis brasileiras são aplicáveis ao caso.
Para ele, ao limitar a venda, a Dell exerce 'ingerência indevida' na liberdade de ir e vir do consumidor, o que caracteriza abuso de direito.
O promotor Rodrigo Terra diz que a empresa pode ser condenada a pagar multa de R$ 500 mil para indenização de dano moral coletivo.
Em 2007, um grupo de físicos brasileiros pediu boicote à Dell depois que a empresa exigiu que o físico nuclear Paulo Gomes, da Universidade Federal Fluminense, que havia comprado dois computadores, assinasse um termo.
No documento, ele se comprometeria a não usar os equipamentos 'na produção de armas de destruição em massa' e a não transferi-los a cidadãos de Cuba, Irã, Coreia do Norte, Sudão e Síria'.
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blog do ozaí
blog do ozaí: "Sobre os intelectuais
Publicado: 25/09/2010 por Antonio Ozaí da Silva em política, práxis docente, universidade
10
Desde a antiguidade que os intelectuais se colocam a soldo dos governantes e colaboram para a conservação do poder e do status quo.[1] Por outro lado, sempre existiram os contestadores da ordem e do poder político vigente, os inconformistas e instabilizadores; os que construíram novas ordens e produziram novos contestadores e defensores da ordem instituída.
O intelectual deve tomar partido diante dos dilemas do seu tempo? Deve engajar-se na política ou abster-se de participar do poder? Deve assumir o papel de conselheiro do príncipe? Qual o seu compromisso social?
Sartre, modelo de intelectual engajado, celebrizou este debate ao defender que o intelectual-escritor não é neutro diante da realidade histórica e social. “O escritor “engajado” sabe que a palavra é ação: sabe que desvendar é mudar e que não se pode desvendar senão tencionando mudar”, afirma.[2] No contexto capitalista é impossível manter a imparcialidade diante da condição humana. Para ele, “a função do escritor é fazer com que ninguém possa ignorar o mundo e considerar-se inocente diante dele”.[3]
O intelectual, porém, tende a separar a palavra do mundo, o conceito da realidade. As palavras dissociam-se da vida real, das contradições, sofrimentos e esperanças dos que vivem o mundo. Como assinalou Paulo Freire: “Em última análise, tornamo-nos excelentes especialistas, num jogo intelectual muito interessante – o jogo dos conceitos! É um “balé de conceitos”.[4]
Não se trata apenas de refletir sobre o mundo, de desvendá-lo aos olhos dos incrédulos, mas de arrancá-los da consciência feliz, isto é, da sua ignorância perante o mundo e a condição humana neste, tencionando-os para transformá-lo. Se a palavra é ação, esta não é contemplação: “Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo”.[5] A discussão sobre a relação teoria e prática, contemplação e transformação, permanece atual.
Sartre observa que o intelectual moderno é um homem-contradição, um ser dividido entre a ideologia particularista (fatores econômicos, sociais e culturais que condicionam sua vida) e o universalismo (exigência intrínseca da sua atitude como técnico e pesquisador). “Um físico que se dedica a construir a bomba atômica é um cientista. Um físico que contesta a construção desta bomba é um intelectual”.[6] Eis o paradoxo do intelectual moderno na acepção sartreana.
O especialista não questiona as condições em que se dá a pesquisa, o resultado ou o uso que se faz dela. Mas é precisamente no momento em que o pesquisador “se mete no que não é da sua conta e que pretende contestar o conjunto das verdades recebidas, e das condutas que nelas se inspiram em nome de uma concepção global do homem e da sociedade” que ele se torna um intelectual. [7]
Tocqueville, no século XIX, censurou os intelectuais, os quais teriam desempenhado um papel negativo na Revolução Francesa.[8] Em contraposição, Sartre argumenta que os filósofos iluministas tiveram a missão de desenvolver os pressupostos teóricos que legitimaram a ideologia burguesa, a qual se tornou universal e hegemônica. Os filósofos eram intelectuais orgânicos, no sentido gramsciano.[9]
Se somos feitos à imagem e semelhança de Deus, o ideal iluminista nos fez à imagem e semelhança do homem burguês. Os intelectuais modernos, técnicos do saber prático, encontram-se presos às amarras do humanismo universalista burguês e às contradições do seu ser social, enquanto membros de uma categoria social vinculada à ideologia dominante. Então, coloca-se a necessidade de construção de um novo humanismo, outra universalidade. Esta é, na acepção sartreana, a tarefa histórica dos intelectuais.
[1] “Embora com nomes diversos, os intelectuais sempre existiram, pois sempre existiu em todas as sociedades, ao lado do poder econômico e do poder político, o poder ideológico, que se exerce não sobre os corpos como o poder político, jamais separado do poder militar, não sobre a posse de bens intelectuais, dos quais se necessita para viver e sobreviver, como o poder econômico, mas sobre as mentes pela produção e transmissão de idéias, de símbolos, de visões, de ensinamentos práticos, mediante o uso da palavra (o poder ideológico é extremamente dependente da natureza do homem como animal falante)”. Ver: BOBBIO, Norberto. Os intelectuais e o poder: dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea. São Paulo: Editora UNESP, 1997, p.11.
[2] SARTRE, Jean-Paul. Que é Literatura. São Paulo: Ática, 1993, p.20.
[3] Idem, p.21.
[4] FREIRE, Paulo; SCHOR, Ira. Medo e ousadia – O cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p. 131.
[5] MARX, Karl. Teses Sobre Feuerbach. In: Marx & Engels, Obras Escolhidas, v. I. Lisboa: Edições “Avante”; Moscou: Edições Progresso, 1982, p. 03.
[6] SARTRE, Jean-Paul. Em defesa dos intelectuais. São Paulo: Ática, 1994, p. 08.
[7] Idem, p. 14-15.
[8] Tocqueville, observa o Prof. Zevedei Barbu na apresentação de O Antigo Regime e a Revolução, definiu os intelectuais de sua época como “penseurs de cabinet”, isto é, críticos da sociedade tradicional, mas cuja alternativa se limitava a sonhos e fantasias. “Na visão de Tocqueville, o pecado capital cometido por essa intelligentsia foi o de pensar e escrever a respeito de uma nova sociedade sem possuir qualquer experiência em assuntos públicos. Assim, a intelligentsia constituía um protótipo de marginalidade, ficando sempre suspensa entre a sociedade real, que ela rejeitava, e a sociedade de seus sonhos, que era irrealizável”, comenta. (Ver: TOCQUEVILLE, Alex de. O Antigo Regime e a Revolução. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982, p.16).
[9] Segundo GRAMSCI: “Cada grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo e de um modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e no político: o empresário capitalista cria consigo o técnico da indústria, o cientista da economia política, o organizador de uma nova cultura, de um novo direito, etc., etc.” (In: GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a Organização da Cultura. São Paulo, Círculo do Livro, s. d., p. 7).
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Publicado: 25/09/2010 por Antonio Ozaí da Silva em política, práxis docente, universidade
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Desde a antiguidade que os intelectuais se colocam a soldo dos governantes e colaboram para a conservação do poder e do status quo.[1] Por outro lado, sempre existiram os contestadores da ordem e do poder político vigente, os inconformistas e instabilizadores; os que construíram novas ordens e produziram novos contestadores e defensores da ordem instituída.
O intelectual deve tomar partido diante dos dilemas do seu tempo? Deve engajar-se na política ou abster-se de participar do poder? Deve assumir o papel de conselheiro do príncipe? Qual o seu compromisso social?
Sartre, modelo de intelectual engajado, celebrizou este debate ao defender que o intelectual-escritor não é neutro diante da realidade histórica e social. “O escritor “engajado” sabe que a palavra é ação: sabe que desvendar é mudar e que não se pode desvendar senão tencionando mudar”, afirma.[2] No contexto capitalista é impossível manter a imparcialidade diante da condição humana. Para ele, “a função do escritor é fazer com que ninguém possa ignorar o mundo e considerar-se inocente diante dele”.[3]
O intelectual, porém, tende a separar a palavra do mundo, o conceito da realidade. As palavras dissociam-se da vida real, das contradições, sofrimentos e esperanças dos que vivem o mundo. Como assinalou Paulo Freire: “Em última análise, tornamo-nos excelentes especialistas, num jogo intelectual muito interessante – o jogo dos conceitos! É um “balé de conceitos”.[4]
Não se trata apenas de refletir sobre o mundo, de desvendá-lo aos olhos dos incrédulos, mas de arrancá-los da consciência feliz, isto é, da sua ignorância perante o mundo e a condição humana neste, tencionando-os para transformá-lo. Se a palavra é ação, esta não é contemplação: “Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo”.[5] A discussão sobre a relação teoria e prática, contemplação e transformação, permanece atual.
Sartre observa que o intelectual moderno é um homem-contradição, um ser dividido entre a ideologia particularista (fatores econômicos, sociais e culturais que condicionam sua vida) e o universalismo (exigência intrínseca da sua atitude como técnico e pesquisador). “Um físico que se dedica a construir a bomba atômica é um cientista. Um físico que contesta a construção desta bomba é um intelectual”.[6] Eis o paradoxo do intelectual moderno na acepção sartreana.
O especialista não questiona as condições em que se dá a pesquisa, o resultado ou o uso que se faz dela. Mas é precisamente no momento em que o pesquisador “se mete no que não é da sua conta e que pretende contestar o conjunto das verdades recebidas, e das condutas que nelas se inspiram em nome de uma concepção global do homem e da sociedade” que ele se torna um intelectual. [7]
Tocqueville, no século XIX, censurou os intelectuais, os quais teriam desempenhado um papel negativo na Revolução Francesa.[8] Em contraposição, Sartre argumenta que os filósofos iluministas tiveram a missão de desenvolver os pressupostos teóricos que legitimaram a ideologia burguesa, a qual se tornou universal e hegemônica. Os filósofos eram intelectuais orgânicos, no sentido gramsciano.[9]
Se somos feitos à imagem e semelhança de Deus, o ideal iluminista nos fez à imagem e semelhança do homem burguês. Os intelectuais modernos, técnicos do saber prático, encontram-se presos às amarras do humanismo universalista burguês e às contradições do seu ser social, enquanto membros de uma categoria social vinculada à ideologia dominante. Então, coloca-se a necessidade de construção de um novo humanismo, outra universalidade. Esta é, na acepção sartreana, a tarefa histórica dos intelectuais.
[1] “Embora com nomes diversos, os intelectuais sempre existiram, pois sempre existiu em todas as sociedades, ao lado do poder econômico e do poder político, o poder ideológico, que se exerce não sobre os corpos como o poder político, jamais separado do poder militar, não sobre a posse de bens intelectuais, dos quais se necessita para viver e sobreviver, como o poder econômico, mas sobre as mentes pela produção e transmissão de idéias, de símbolos, de visões, de ensinamentos práticos, mediante o uso da palavra (o poder ideológico é extremamente dependente da natureza do homem como animal falante)”. Ver: BOBBIO, Norberto. Os intelectuais e o poder: dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea. São Paulo: Editora UNESP, 1997, p.11.
[2] SARTRE, Jean-Paul. Que é Literatura. São Paulo: Ática, 1993, p.20.
[3] Idem, p.21.
[4] FREIRE, Paulo; SCHOR, Ira. Medo e ousadia – O cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p. 131.
[5] MARX, Karl. Teses Sobre Feuerbach. In: Marx & Engels, Obras Escolhidas, v. I. Lisboa: Edições “Avante”; Moscou: Edições Progresso, 1982, p. 03.
[6] SARTRE, Jean-Paul. Em defesa dos intelectuais. São Paulo: Ática, 1994, p. 08.
[7] Idem, p. 14-15.
[8] Tocqueville, observa o Prof. Zevedei Barbu na apresentação de O Antigo Regime e a Revolução, definiu os intelectuais de sua época como “penseurs de cabinet”, isto é, críticos da sociedade tradicional, mas cuja alternativa se limitava a sonhos e fantasias. “Na visão de Tocqueville, o pecado capital cometido por essa intelligentsia foi o de pensar e escrever a respeito de uma nova sociedade sem possuir qualquer experiência em assuntos públicos. Assim, a intelligentsia constituía um protótipo de marginalidade, ficando sempre suspensa entre a sociedade real, que ela rejeitava, e a sociedade de seus sonhos, que era irrealizável”, comenta. (Ver: TOCQUEVILLE, Alex de. O Antigo Regime e a Revolução. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982, p.16).
[9] Segundo GRAMSCI: “Cada grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo e de um modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e no político: o empresário capitalista cria consigo o técnico da indústria, o cientista da economia política, o organizador de uma nova cultura, de um novo direito, etc., etc.” (In: GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a Organização da Cultura. São Paulo, Círculo do Livro, s. d., p. 7).
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Carta Maior - Política - A imprensa, verdadeira oposição no Brasil
Carta Maior - Política - A imprensa, verdadeira oposição no Brasil: "A imprensa, verdadeira oposição no Brasil
Getúlio Vargas foi alvo de uma contundente campanha encabeçada pelo jornal Tribuna da Imprensa. Juscelino Kubitschek enfrentou a resistência feroz do conservador O Estado de São Paulo. Leonel Brizola passou seus dois governos no Rio sob uma campanha implacável (e freqüentemente mentirosa) do mais poderoso grupo de comunicações da América Latina. Nunca antes, porém, um presidente foi tão perseguido pelos meios de comunicação como ocorre com Luiz Inácio Lula da Silva. E isso que a liberdade de imprensa é absoluta no Brasil e Lula optou pelo não enfrentamento com as 8 famílias que controlam a mídia no país. Ao contrário do que ocorreu com outros países que viveram ditaduras, no Brasil a imprensa não se democratizou. O artigo é de Eric Nepomuceno.
Por Eric Nepomuceno – Página 12
Artigo publicado originalmente no jornal Página/12
Considerado o fundador do Estado moderno no Brasil, Getúlio Vargas foi alvo de uma contundente campanha encabeçada pelo jornal Tribuna da Imprensa, do Rio de Janeiro. Terminou se suicidando com um tiro no coração em agosto de 1954. Criador de Brasília e um dos presidentes mais populares do Brasil, Juscelino Kubitschek enfrentou a resistência feroz do conservador O Estado de São Paulo. Acusado de corrupção irremediável, jamais se comprovou nada contra ele. Histórico dirigente da esquerda, o trabalhista Leonel Brizola foi governador do Rio de Janeiro em 1982, no início do processo da democratização, e passou seus dois governos sob uma campanha implacável (e freqüentemente mentirosa) do mais poderoso grupo de comunicações da América Latina, que controla a TV Globo e o jornal O Globo.
Nunca antes, porém, um presidente foi tão perseguido pelos meios de comunicação como ocorre com Luiz Inácio Lula da Silva. Com freqüência assombrosa foram abandonadas as regras básicas do mínimo respeito cidadão. Um bom exemplo disso é a revista Veja, semanário de maior circulação no país, que sem resquícios de pudor público denuncia escândalos em seqüência que acabam não sendo comprovados. Em sua página na internet abriga comentaristas que tratam o presidente da Nação de “essa pessoa”. O mesmo grupo que controla a TV Globo, cujo noticiário tem a maioria da audiência, o matutino O Globo, principal jornal do Rio e segundo em circulação no Brasil, e a principal cadeia de rádio, CBN, não perde a oportunidade de destroçar Lula e seu governo, sem preocupar-se nem um pouco com a veracidade de seus ataques. O jornal Folha de São Paulo, de maior circulação no país, divulga qualquer denúncia como se fosse verdadeira e não se priva de aceitar que um ex-condenado por receptação de mercadorias roubadas e circulação de dinheiro falso se transforme em “consultor de negócios” e lance acusações sem apresentar nenhuma prova. Até o conservador O Estado de São Paulo, que até agora era o mais equilibrado na oposição ao governo, optou por ingressar neste jogo sem regras nem norte.
Frente á inércia dos principais partidos de oposição, o PSDB e o DEM, os meios de comunicação ocupam organicamente esse espaço. Isso foi admitido, há alguns meses, pela própria presidente da Associação nacional de Jornais (ANJ), Judith Brito, da Folha de São Paulo. Mais grave, porém, é o que nenhum destes grupos admite: mesmo antes de iniciar a campanha sucessória de Lula, esse enorme partido informal (mas muito eficaz) de oposição optou por um candidato, José Serra, que não respondeu às suas expectativas. E frente à incapacidade de sua campanha eleitoral, os meios de comunicação brasileiros decidiram atacar a candidatura de Dilma Rousseff, ignorando os limites éticos.
Essa politização absoluta e essa tomada de posição pela imprensa terminaram por provocar a reação de Lula. Suas críticas, por sua vez, provocaram uma irada onda de novas denúncias, indicando que o presidente pretendia impedir a liberdade de expressão e de opinião. No entanto, em seus quase oito anos como presidente, Lula em nenhum momento representou uma ameaça à grande imprensa, por mais remota que fosse. Alguns movimentos para impor algumas regras e impedir a permanência de um esquema de quase monopólio foram neutralizados pelo próprio Lula que optou pelo não enfrentamento com as oito famílias que concentram o controle dos meios de comunicação no maior país latinoamericano.
A liberdade de imprensa é absoluta no Brasil, ao ponto de ter se transformado em liberdade de caluniar. Os grosseiros ataques, freqüentemente baseados em nada, contra Lula e seus governo aparecem todos os dias, sem que ninguém trate de impedi-los. E, ainda assim, os grandes meios não deixam de denunciar ameaças à liberdade de expressão. Talvez a razão de tudo isso repouse no que ocorreu quando o Brasil voltou á democracia, há 25 anos. Ao contrário do que ocorreu em outros países que reencontraram a democracia – penso especificamente nos casos da Espanha e da Argentina -, no Brasil a imprensa não se democratizou. Não surgiram alternativas que respondessem aos diferentes segmentos políticos e ideológicos. Prevaleceu o cenário em que cada meio apresenta o eco de uma mesma voz, a do sistema dominante.
Para esse sistema, Lula era um risco suportável. Já a sua sucessão é outra coisa. E se o candidato da oposição se mostra um incapaz, o verdadeiro partido oposicionista revela sua cara mais feroz. Ao exercer a liberdade do denuncismo barato, mostra seu inconformismo com a manifestação do desejo dessa massa de ignaros que é chamada de povo. Essa gente que não era nada e passou a se considerar cidadã. Isso sim é inadmissível.
(*) Jornalista, escritor e tradutor
Tradução: Katarina Piexoto
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Getúlio Vargas foi alvo de uma contundente campanha encabeçada pelo jornal Tribuna da Imprensa. Juscelino Kubitschek enfrentou a resistência feroz do conservador O Estado de São Paulo. Leonel Brizola passou seus dois governos no Rio sob uma campanha implacável (e freqüentemente mentirosa) do mais poderoso grupo de comunicações da América Latina. Nunca antes, porém, um presidente foi tão perseguido pelos meios de comunicação como ocorre com Luiz Inácio Lula da Silva. E isso que a liberdade de imprensa é absoluta no Brasil e Lula optou pelo não enfrentamento com as 8 famílias que controlam a mídia no país. Ao contrário do que ocorreu com outros países que viveram ditaduras, no Brasil a imprensa não se democratizou. O artigo é de Eric Nepomuceno.
Por Eric Nepomuceno – Página 12
Artigo publicado originalmente no jornal Página/12
Considerado o fundador do Estado moderno no Brasil, Getúlio Vargas foi alvo de uma contundente campanha encabeçada pelo jornal Tribuna da Imprensa, do Rio de Janeiro. Terminou se suicidando com um tiro no coração em agosto de 1954. Criador de Brasília e um dos presidentes mais populares do Brasil, Juscelino Kubitschek enfrentou a resistência feroz do conservador O Estado de São Paulo. Acusado de corrupção irremediável, jamais se comprovou nada contra ele. Histórico dirigente da esquerda, o trabalhista Leonel Brizola foi governador do Rio de Janeiro em 1982, no início do processo da democratização, e passou seus dois governos sob uma campanha implacável (e freqüentemente mentirosa) do mais poderoso grupo de comunicações da América Latina, que controla a TV Globo e o jornal O Globo.
Nunca antes, porém, um presidente foi tão perseguido pelos meios de comunicação como ocorre com Luiz Inácio Lula da Silva. Com freqüência assombrosa foram abandonadas as regras básicas do mínimo respeito cidadão. Um bom exemplo disso é a revista Veja, semanário de maior circulação no país, que sem resquícios de pudor público denuncia escândalos em seqüência que acabam não sendo comprovados. Em sua página na internet abriga comentaristas que tratam o presidente da Nação de “essa pessoa”. O mesmo grupo que controla a TV Globo, cujo noticiário tem a maioria da audiência, o matutino O Globo, principal jornal do Rio e segundo em circulação no Brasil, e a principal cadeia de rádio, CBN, não perde a oportunidade de destroçar Lula e seu governo, sem preocupar-se nem um pouco com a veracidade de seus ataques. O jornal Folha de São Paulo, de maior circulação no país, divulga qualquer denúncia como se fosse verdadeira e não se priva de aceitar que um ex-condenado por receptação de mercadorias roubadas e circulação de dinheiro falso se transforme em “consultor de negócios” e lance acusações sem apresentar nenhuma prova. Até o conservador O Estado de São Paulo, que até agora era o mais equilibrado na oposição ao governo, optou por ingressar neste jogo sem regras nem norte.
Frente á inércia dos principais partidos de oposição, o PSDB e o DEM, os meios de comunicação ocupam organicamente esse espaço. Isso foi admitido, há alguns meses, pela própria presidente da Associação nacional de Jornais (ANJ), Judith Brito, da Folha de São Paulo. Mais grave, porém, é o que nenhum destes grupos admite: mesmo antes de iniciar a campanha sucessória de Lula, esse enorme partido informal (mas muito eficaz) de oposição optou por um candidato, José Serra, que não respondeu às suas expectativas. E frente à incapacidade de sua campanha eleitoral, os meios de comunicação brasileiros decidiram atacar a candidatura de Dilma Rousseff, ignorando os limites éticos.
Essa politização absoluta e essa tomada de posição pela imprensa terminaram por provocar a reação de Lula. Suas críticas, por sua vez, provocaram uma irada onda de novas denúncias, indicando que o presidente pretendia impedir a liberdade de expressão e de opinião. No entanto, em seus quase oito anos como presidente, Lula em nenhum momento representou uma ameaça à grande imprensa, por mais remota que fosse. Alguns movimentos para impor algumas regras e impedir a permanência de um esquema de quase monopólio foram neutralizados pelo próprio Lula que optou pelo não enfrentamento com as oito famílias que concentram o controle dos meios de comunicação no maior país latinoamericano.
A liberdade de imprensa é absoluta no Brasil, ao ponto de ter se transformado em liberdade de caluniar. Os grosseiros ataques, freqüentemente baseados em nada, contra Lula e seus governo aparecem todos os dias, sem que ninguém trate de impedi-los. E, ainda assim, os grandes meios não deixam de denunciar ameaças à liberdade de expressão. Talvez a razão de tudo isso repouse no que ocorreu quando o Brasil voltou á democracia, há 25 anos. Ao contrário do que ocorreu em outros países que reencontraram a democracia – penso especificamente nos casos da Espanha e da Argentina -, no Brasil a imprensa não se democratizou. Não surgiram alternativas que respondessem aos diferentes segmentos políticos e ideológicos. Prevaleceu o cenário em que cada meio apresenta o eco de uma mesma voz, a do sistema dominante.
Para esse sistema, Lula era um risco suportável. Já a sua sucessão é outra coisa. E se o candidato da oposição se mostra um incapaz, o verdadeiro partido oposicionista revela sua cara mais feroz. Ao exercer a liberdade do denuncismo barato, mostra seu inconformismo com a manifestação do desejo dessa massa de ignaros que é chamada de povo. Essa gente que não era nada e passou a se considerar cidadã. Isso sim é inadmissível.
(*) Jornalista, escritor e tradutor
Tradução: Katarina Piexoto
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quarta-feira, 29 de setembro de 2010
Observatório da Imprensa
Observatório da Imprensa: "ELEIÇÕES 2010
Liberdade de empresa vs. liberdade de imprensa
Por Paulo Ernesto Serpa em 28/9/2010
As empresas de comunicação se apropriaram da representação da imprensa – que é significativa para a sociedade, pela defesa dos interesses públicos, da democracia, da justiça, da solidariedade e da pluralidade – para defender seus próprios interesses comerciais, ideológicos, com base na lógica perversa da lucratividade. As empresas de comunicação se mantêm no seu papel histórico de defender somente um tipo de sociedade em que o mais forte financeiramente e o mercado devem ter suas pressões atendidas pelo Estado – poderes executivo, legislativo e judiciário.
As empresas de comunicação usam a liberdade de expressão como pano de fundo para fazer valer a antiga lógica colonialista de criminalizar a legítima pressão da maioria da população brasileira. Ao longo dos seus mais de 500 anos, a grande massa da população brasileira amarga as injustiças sociais, o desprezo dos governantes em construir a verdadeira cidadania, incentivando a autonomia do cidadão na defesa seus direitos civis, políticos e sociais, conforme podemos constatar em Cidadania no Brasil: o longo caminho, obra de José Murilo de Carvalho.
O que se vê na atual campanha política são as empresas de comunicação usando o disfarce da independência, da imparcialidade, da sua 'liberdade' de acusar, julgar e condenar instituições e pessoas, sob o falso argumento de ser a vigilante dos atos dos poderes públicos. À sociedade não basta apenas que as empresas de comunicação cumpram o seu papel de relatar, cotidianamente, os fatos, os acontecimentos que são escolhidos e editados por seus representantes. A sociedade espera das empresas de comunicação que defendam os interesses coletivos com lisura, decência, respeito e busca incessante da imparcialidade, da pluralidade, da dialética, da autonomia dos seus receptores para escolher que ideias seguir.
Interesses coletivos desprezados
O receptor das mensagens escolhidas e editadas das empresas de comunicação rejeita o jogo da manipulação. Que deixem a coletividade livre para refletir e tomar seu próprio rumo. A intermediação das empresas de comunicação avançou seus limites: ao invés de relatar os acontecimentos, para a livre escolha da coletividade, as empresas de comunicação tomam seu público receptor pelo braço, pela mente e apontam os caminhos que consideram adequados para seus próprios interesses, escondendo, propositadamente, as suas armadilhas, os seus desvios, os seus precipícios.
Ao longo desse tempo, o que se viu foi a reação dos governantes contra os legítimos movimentos sociais, que lutam pelo direito à vida, à comida, à saúde, à escola pública de qualidade, ao lazer, ao transporte de massa eficiente e eficaz, à casa e terra para plantar e produzir. As empresas de comunicação brasileira sempre foram atreladas ao poder econômico, como podemos verificar no relato de Samuel Wainer, em Minha razão de viver e em Chatô, o rei do Brasil, de Fernando Morais. Por isso, afirmo que os empresários de comunicação se apropriaram de um bem coletivo, que é a imprensa, a qual, sob a liderança dos profissionais de comunicação, principalmente os jornalistas, existe para exercer o seu verdadeiro papel de realizar um serviço público, na defesa dos interesses sociais e coletivos.
O que se tem visto nos últimos anos são as empresas de comunicação hipocritamente pregando a liberdade de falar, mostrar e escrever os temas que são de seu interesse direito e não da coletividade. As empresas de comunicação no Brasil querem ser maiores do que a própria coletividade, pois sequer permitem o controle social sobre as suas ações que agridem, violentam e desprezam os interesses públicos e coletivos. As emissoras de rádio e TV utilizam o bem público das ondas da radiodifusão para tentar enganar a sociedade sob a argumentação da 'liberdade de imprensa'.
Acusação generalizada
A lógica política colonialista – retratada por Laurentino Gomes, no seu livro 1808 – ainda está vigente no Brasil, mesmo que o atual governo tenha trabalhado e vem trabalhando para implantar a lógica política da justiça, da dialética, da pluralidade, da decência e do respeito a quem manifesta as suas discordâncias. Mesmo com as denúncias de corrupção, da ilicitude, das ações voluntárias e involuntárias de milhares de pessoas que foram convocadas para formar a equipe governamental para planejar, executar e fiscalizar as políticas públicas, não é justo que as empresas de comunicação deixem de reconhecer que a nação brasileira vive, atualmente, em melhores e maiores condições do que no seu passado recente. Mas é justo que as empresas de comunicação sejam livres para difundir o resultado do julgamento pela justiça dos que foram acusados de atos de corrupção e de ilicitude. Como governo nenhum está livre de ter colaboradores acusados de atos ilícitos, então que as empresas de comunicação mantenham sua liberdade para noticiar, analisar e avaliar esses atos e criticar seus autores.
As empresas de comunicação devem exercer seu legítimo e honesto papel de difundir os acontecimentos nos diversos segmentos da sociedade. O que é reprovável e injusto é inverter a sua missão, fazendo ilações, acusações sem provas contra instituições, homens públicos e personalidades da vida pública. As empresas de comunicação mantêm a lógica histórica de fazer com que a sociedade brasileira continue desacreditando no papel que o Estado exerce.
As constantes e orquestradas acusações contra os poderes executivo, legislativo e judiciário sinalizam para desqualificar o Estado na sua responsabilidade de executar as políticas públicas em favor da coletividade. O interesse é que o mercado, a iniciativa privada – que também tem considerável missão na vida da nação – seja visto como o mais eficaz e mais legítimo na execução de atividades que oferecem empregos e renda aos brasileiros. O interesse é mostra o Estado como sinônimo de ineficiência, corrupção e desperdício. Não é justo que o ato ilícito de um ocupante de cargo em comissão do governo seja interpretado como uma conivência dos governantes à corrupção. Que cada caso registrado nesse sentido tenha o seu acompanhado pela polícia, Ministério Público e justiça. Em nenhum momento a liberdade de noticiar fatos e acontecimentos deve ser tolhida ou censurada. O que não é justo é a sociedade ser levada a acreditar que é generalizada a acusação de atos ilícitos do governo, cuja ideologia é divergentes dos proprietários das empresas de comunicação, porque um dos seus integrantes está sob acusação de corrupção.
'País cego e miasmado'
Dificilmente, qualquer que seja o presidente a ser eleito no dia 3 de outubro próximo, a sua equipe de governo – uma verdadeira multidão – deixará de, futuramente, ser acusada de corrupção e atos ilícitos, pelo comportamento humano, que Hannah Arendt pesquisou em A condição humana. O remédio para isso são a investigação policial e os processos na justiça, para punir os que forem julgados e condenados. É injusto, somente por causa da campanha eleitoral, que as empresas vasculhem as ações da candidatura que tem liderado as pesquisas de intenção de voto, com intenção exclusiva de difundir no eleitorado a ideia de que a sua manifestação de preferência está equivocada. A justificativa para isso é de que o escolhido de suas intenções de voto tem sobre si uma avalanche de denúncias, mesmo que não tenham sido julgados e condenados pela justiça.
As empresas de comunicação insistem na acusação de tramar contra a liberdade de expressão, contra a liberdade de imprensa, àqueles que denunciam os abusos das empresas de comunicação, que desconfiam do seu conteúdo diário de acusações sem provas, de construção artificial de acontecimentos. Ao mesmo tempo em que denunciam esses abusos, os seus autores defendem que empresas de comunicação devem ter a postura de preservar, na sua missão de difundir os acontecimentos, o jogo limpo, sem rasteiras, subterfúgios, mentira, desfaçatez, e injúria.
As empresas querem a liberdade de imprensa para agredir a própria sociedade? Para acusar, julgar e condenar instituições, homens públicos e cidadãos diante de acusações muitas vezes levianas e sem nenhuma prova consistente? A liberdade de expressão e a liberdade de imprensa têm de ser usadas para difundir o conteúdo da reflexão justa e honesta, sejam a favor ou contra determinadas idéias. O que é reprovável por parte das empresas de comunicação é tentar incentivar a reflexão e o debate sobre bases falsas, armadas para enganar, para confundir, para iludir.
Que as empresas de comunicação mantenha e usufruam da sua liberdade para o debate e a reflexão sobre seu ponto de vista honesto, seja conservador ou avançado, seja de direita ou de esquerda, seja a favor de Serra ou contra Serra, a favor da Dilma ou contra a Dilma, a favor da Marina ou contra a Marina, a favor do Plínio ou contra o Plínio. Que as empresas de comunicação não utilizem argumentos falsos ou armados para derrubar ou derrotar quem é contrário aos seus princípios. Que as empresas de comunicação, principalmente as que detêm a concessão de serviços públicos, também aceitem o controle da sociedade sobre as suas ações. O controle público (da sociedade), sobre o conteúdo difundido pelos meios de comunicação social, deve prevalecer sobre o controle privado ou estatal. E que as empresas que têm por objetivo editar jornais e revistas impressos declarem abertamente o nome do candidato que apóiam, para que seus conteúdos sejam apreciados por seus seguidores.
Dessa forma, as empresas de comunicação impressa poderão, livremente, continuar difundindo a sua opinião, a sua avaliação sobre instituições governamentais, estatais, governantes e homens públicos com base na sua ideologia que conserva as marcas do colonialismo, da supremacia de uma classe que sempre obteve vantagens e benesses estatais e governamentais. E sigam a sua trajetória histórica de deixar de lado a grande massa excluída dos seus direitos básicos de cidadão. E assumam o seu papel de defender a liberdade de empresa de comunicação e não de imprensa, cujo conceito é bem diferente desse que as empresas e suas entidades representativas alardeiam enganosamente.
Aos meios de comunicação que editam jornais e revistas impressos, deste Brasil contemporâneo, a mensagem de Rui Barbosa, em seus discursos reunidos em A imprensa e o dever da verdade: 'Um país de imprensa degenerada ou degenerescente, é, portanto, um país cego e um país miasmado, um país de ideias falsas e sentimentos pervertidos, um país que, explorado na sua consciência, não poderá lutar com os vícios, que lhe exploram as instituições.'
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Liberdade de empresa vs. liberdade de imprensa
Por Paulo Ernesto Serpa em 28/9/2010
As empresas de comunicação se apropriaram da representação da imprensa – que é significativa para a sociedade, pela defesa dos interesses públicos, da democracia, da justiça, da solidariedade e da pluralidade – para defender seus próprios interesses comerciais, ideológicos, com base na lógica perversa da lucratividade. As empresas de comunicação se mantêm no seu papel histórico de defender somente um tipo de sociedade em que o mais forte financeiramente e o mercado devem ter suas pressões atendidas pelo Estado – poderes executivo, legislativo e judiciário.
As empresas de comunicação usam a liberdade de expressão como pano de fundo para fazer valer a antiga lógica colonialista de criminalizar a legítima pressão da maioria da população brasileira. Ao longo dos seus mais de 500 anos, a grande massa da população brasileira amarga as injustiças sociais, o desprezo dos governantes em construir a verdadeira cidadania, incentivando a autonomia do cidadão na defesa seus direitos civis, políticos e sociais, conforme podemos constatar em Cidadania no Brasil: o longo caminho, obra de José Murilo de Carvalho.
O que se vê na atual campanha política são as empresas de comunicação usando o disfarce da independência, da imparcialidade, da sua 'liberdade' de acusar, julgar e condenar instituições e pessoas, sob o falso argumento de ser a vigilante dos atos dos poderes públicos. À sociedade não basta apenas que as empresas de comunicação cumpram o seu papel de relatar, cotidianamente, os fatos, os acontecimentos que são escolhidos e editados por seus representantes. A sociedade espera das empresas de comunicação que defendam os interesses coletivos com lisura, decência, respeito e busca incessante da imparcialidade, da pluralidade, da dialética, da autonomia dos seus receptores para escolher que ideias seguir.
Interesses coletivos desprezados
O receptor das mensagens escolhidas e editadas das empresas de comunicação rejeita o jogo da manipulação. Que deixem a coletividade livre para refletir e tomar seu próprio rumo. A intermediação das empresas de comunicação avançou seus limites: ao invés de relatar os acontecimentos, para a livre escolha da coletividade, as empresas de comunicação tomam seu público receptor pelo braço, pela mente e apontam os caminhos que consideram adequados para seus próprios interesses, escondendo, propositadamente, as suas armadilhas, os seus desvios, os seus precipícios.
Ao longo desse tempo, o que se viu foi a reação dos governantes contra os legítimos movimentos sociais, que lutam pelo direito à vida, à comida, à saúde, à escola pública de qualidade, ao lazer, ao transporte de massa eficiente e eficaz, à casa e terra para plantar e produzir. As empresas de comunicação brasileira sempre foram atreladas ao poder econômico, como podemos verificar no relato de Samuel Wainer, em Minha razão de viver e em Chatô, o rei do Brasil, de Fernando Morais. Por isso, afirmo que os empresários de comunicação se apropriaram de um bem coletivo, que é a imprensa, a qual, sob a liderança dos profissionais de comunicação, principalmente os jornalistas, existe para exercer o seu verdadeiro papel de realizar um serviço público, na defesa dos interesses sociais e coletivos.
O que se tem visto nos últimos anos são as empresas de comunicação hipocritamente pregando a liberdade de falar, mostrar e escrever os temas que são de seu interesse direito e não da coletividade. As empresas de comunicação no Brasil querem ser maiores do que a própria coletividade, pois sequer permitem o controle social sobre as suas ações que agridem, violentam e desprezam os interesses públicos e coletivos. As emissoras de rádio e TV utilizam o bem público das ondas da radiodifusão para tentar enganar a sociedade sob a argumentação da 'liberdade de imprensa'.
Acusação generalizada
A lógica política colonialista – retratada por Laurentino Gomes, no seu livro 1808 – ainda está vigente no Brasil, mesmo que o atual governo tenha trabalhado e vem trabalhando para implantar a lógica política da justiça, da dialética, da pluralidade, da decência e do respeito a quem manifesta as suas discordâncias. Mesmo com as denúncias de corrupção, da ilicitude, das ações voluntárias e involuntárias de milhares de pessoas que foram convocadas para formar a equipe governamental para planejar, executar e fiscalizar as políticas públicas, não é justo que as empresas de comunicação deixem de reconhecer que a nação brasileira vive, atualmente, em melhores e maiores condições do que no seu passado recente. Mas é justo que as empresas de comunicação sejam livres para difundir o resultado do julgamento pela justiça dos que foram acusados de atos de corrupção e de ilicitude. Como governo nenhum está livre de ter colaboradores acusados de atos ilícitos, então que as empresas de comunicação mantenham sua liberdade para noticiar, analisar e avaliar esses atos e criticar seus autores.
As empresas de comunicação devem exercer seu legítimo e honesto papel de difundir os acontecimentos nos diversos segmentos da sociedade. O que é reprovável e injusto é inverter a sua missão, fazendo ilações, acusações sem provas contra instituições, homens públicos e personalidades da vida pública. As empresas de comunicação mantêm a lógica histórica de fazer com que a sociedade brasileira continue desacreditando no papel que o Estado exerce.
As constantes e orquestradas acusações contra os poderes executivo, legislativo e judiciário sinalizam para desqualificar o Estado na sua responsabilidade de executar as políticas públicas em favor da coletividade. O interesse é que o mercado, a iniciativa privada – que também tem considerável missão na vida da nação – seja visto como o mais eficaz e mais legítimo na execução de atividades que oferecem empregos e renda aos brasileiros. O interesse é mostra o Estado como sinônimo de ineficiência, corrupção e desperdício. Não é justo que o ato ilícito de um ocupante de cargo em comissão do governo seja interpretado como uma conivência dos governantes à corrupção. Que cada caso registrado nesse sentido tenha o seu acompanhado pela polícia, Ministério Público e justiça. Em nenhum momento a liberdade de noticiar fatos e acontecimentos deve ser tolhida ou censurada. O que não é justo é a sociedade ser levada a acreditar que é generalizada a acusação de atos ilícitos do governo, cuja ideologia é divergentes dos proprietários das empresas de comunicação, porque um dos seus integrantes está sob acusação de corrupção.
'País cego e miasmado'
Dificilmente, qualquer que seja o presidente a ser eleito no dia 3 de outubro próximo, a sua equipe de governo – uma verdadeira multidão – deixará de, futuramente, ser acusada de corrupção e atos ilícitos, pelo comportamento humano, que Hannah Arendt pesquisou em A condição humana. O remédio para isso são a investigação policial e os processos na justiça, para punir os que forem julgados e condenados. É injusto, somente por causa da campanha eleitoral, que as empresas vasculhem as ações da candidatura que tem liderado as pesquisas de intenção de voto, com intenção exclusiva de difundir no eleitorado a ideia de que a sua manifestação de preferência está equivocada. A justificativa para isso é de que o escolhido de suas intenções de voto tem sobre si uma avalanche de denúncias, mesmo que não tenham sido julgados e condenados pela justiça.
As empresas de comunicação insistem na acusação de tramar contra a liberdade de expressão, contra a liberdade de imprensa, àqueles que denunciam os abusos das empresas de comunicação, que desconfiam do seu conteúdo diário de acusações sem provas, de construção artificial de acontecimentos. Ao mesmo tempo em que denunciam esses abusos, os seus autores defendem que empresas de comunicação devem ter a postura de preservar, na sua missão de difundir os acontecimentos, o jogo limpo, sem rasteiras, subterfúgios, mentira, desfaçatez, e injúria.
As empresas querem a liberdade de imprensa para agredir a própria sociedade? Para acusar, julgar e condenar instituições, homens públicos e cidadãos diante de acusações muitas vezes levianas e sem nenhuma prova consistente? A liberdade de expressão e a liberdade de imprensa têm de ser usadas para difundir o conteúdo da reflexão justa e honesta, sejam a favor ou contra determinadas idéias. O que é reprovável por parte das empresas de comunicação é tentar incentivar a reflexão e o debate sobre bases falsas, armadas para enganar, para confundir, para iludir.
Que as empresas de comunicação mantenha e usufruam da sua liberdade para o debate e a reflexão sobre seu ponto de vista honesto, seja conservador ou avançado, seja de direita ou de esquerda, seja a favor de Serra ou contra Serra, a favor da Dilma ou contra a Dilma, a favor da Marina ou contra a Marina, a favor do Plínio ou contra o Plínio. Que as empresas de comunicação não utilizem argumentos falsos ou armados para derrubar ou derrotar quem é contrário aos seus princípios. Que as empresas de comunicação, principalmente as que detêm a concessão de serviços públicos, também aceitem o controle da sociedade sobre as suas ações. O controle público (da sociedade), sobre o conteúdo difundido pelos meios de comunicação social, deve prevalecer sobre o controle privado ou estatal. E que as empresas que têm por objetivo editar jornais e revistas impressos declarem abertamente o nome do candidato que apóiam, para que seus conteúdos sejam apreciados por seus seguidores.
Dessa forma, as empresas de comunicação impressa poderão, livremente, continuar difundindo a sua opinião, a sua avaliação sobre instituições governamentais, estatais, governantes e homens públicos com base na sua ideologia que conserva as marcas do colonialismo, da supremacia de uma classe que sempre obteve vantagens e benesses estatais e governamentais. E sigam a sua trajetória histórica de deixar de lado a grande massa excluída dos seus direitos básicos de cidadão. E assumam o seu papel de defender a liberdade de empresa de comunicação e não de imprensa, cujo conceito é bem diferente desse que as empresas e suas entidades representativas alardeiam enganosamente.
Aos meios de comunicação que editam jornais e revistas impressos, deste Brasil contemporâneo, a mensagem de Rui Barbosa, em seus discursos reunidos em A imprensa e o dever da verdade: 'Um país de imprensa degenerada ou degenerescente, é, portanto, um país cego e um país miasmado, um país de ideias falsas e sentimentos pervertidos, um país que, explorado na sua consciência, não poderá lutar com os vícios, que lhe exploram as instituições.'
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Observatório da Imprensa
Observatório da Imprensa: "COBERTURA ELEITORAL
A conspiração da imprensa
Por João Ubaldo Ribeiro em 28/9/2010
Reproduzido do Estado de S. Paulo, 26/9/2010
Acho que já contei aqui que, sempre que se fala em conspiração da imprensa, recalques antigos despertam no meu coração de jornalista. Meu primeiro emprego, aos 17 anos, foi em jornal e, de lá para cá, nunca cheguei a me afastar muito da profissão. E é com sentimentos um pouco ambivalentes que recordo jamais haver sido chamado para conspiração nenhuma, em jornal ou revista alguma. Pior ainda, nunca nem me deram a ousadia de me pôr a par da conspiração com que eu, afinal, mesmo quando era o mais humilde dos focas, estaria colaborando. Finjo que não ligo, mas vez por outra isso me dá um certo baque na autoestima, creio que vocês compreendem.
Em relação a subornos, meu recorde talvez seja até mais humilhante. Uma vez, quando eu era chefe de reportagem de um jornal de Salvador, o promotor de um evento me mandou dois litros de King´s Archer ('Arqueiro do Rei'), uísque nacional do qual na época se dizia desfechar uma letal flechada no fígado de quem o encarasse. Além disso, sem que eu desconfiasse de nada, pegaram as garrafas na portaria, beberam tudo e só me contaram meses depois, impondo-se a embaraçosa conclusão de que fui subornado sem saber – ou seja, nem a ser subornado direito eu acertei. E, quando eu era editor-chefe de outro jornal, um prefeito do interior, que estava sendo denunciado por escancarada corrupção, me ofereceu um velocípede para cada uma de minhas filhas. Ao lembrar a maneira com que o repeli, manda a honestidade reconhecer que minha indignação também se deveu ao valor da oferta – o miserável podia pelo menos ter oferecido uma bicicleta.
No meu tempo de metido a comunista, escrevi para jornais controlados pelo Partidão e nem nesses me inteiravam das conspirações. No máximo, havia uma palavra de ordem ou outra, que a arraia-miúda repetia em rodas de cerveja e para as quais ninguém parecia ligar muito. Nas eleições presidenciais de 1960, quando votei pela primeira vez, limitaram-se a me dizer que o partido apoiava o marechal Lott e nunca me explicaram por quê. E, quanto ao famoso ouro de Moscou, no qual se cevavam os comunistas, não só nunca vi sinal dele, como acredito que os comunistas meus amigos tampouco – foram eles os que roubaram e beberam os dois litros de King´s Archer.
Dor de barriga não dá uma vez só
Agora as suspeitas ou certezas de que há conspirações da imprensa em andamento voltam a circular. Creio que, quando se sente em si a encarnação do próprio povo, como parece estar acontecendo com o presidente Lula, deve ser difícil suportar notícias e opiniões discordantes ou mesmo apenas desagradáveis. Para ele, é bem possível que a imprensa seja até ingrata, porque, se ainda está aí, é porque ele quer, como, aliás, tudo está aí porque ele quer. A democracia e a liberdade são fruto de sua tolerância, pois, afinal, está claro que ele vê sua legitimidade como emanada diretamente do povo, sem a intermediação de quaisquer outros mecanismos ou a necessidade de instituições. E, nas horas de maior arroubo, talvez a virtude que ele acredite mais praticar seja a da paciência. Ele sabe o que o povo quer, o povo quer o que ele quer, que mais interessa? De fato, deve ser enervante ficar suportando essas contrariedades, quando se podia resolver tudo sem complicações supérfluas e inúteis. Haja paciência mesmo, devemos ser gratos por tanta paciência.
Como estará a conspiração agora? Minha falta de experiência não ajuda, mas fico imaginando salas hollywoodianas no alto de um arranha-céu na Avenida Paulista, em que os conspiradores se juntam para sua atividade golpista. Que estarão arquitetando esses grandes e facinorosos bandidos? Não se sabe, mas certamente moverão uma guerra feroz contra os bancos e os banqueiros. Afinal, nenhum setor ganhou ou ganha tanto neste país quanto eles, tudo está a favor deles. E, segundo se diz, eles demonstram sua gratidão através de contribuições generosíssimas para a campanha eleitoral em que está empenhado o governo brasileiro. As grandes empresas também andam faturando alto, o capitalismo está feliz, mais feliz que em seus melhores sonhos. Tal situação certamente incomoda a chamada grande imprensa, esse tradicional bastião anticapitalista. Deve ser por isso que ela deve estar tramando o golpe. E, claro, para que o golpe dê certo, precisam de um nome que tenha aceitação popular, que seja aclamado e não rejeitado. Ou seja, o próprio presidente Lula. Vocês vejam como essas coisas da política são paradoxais. Assim de primeira, ninguém diria, mas conspiração é conspiração, não vamos dar muito palpite no que não entendemos direito.
A imprensa é de fato um problema. Quase ninguém se lembra, mas a profissão de jornalista está entre as mais arriscadas e todo dia algum é vítima de violência. A primeira ação das ditaduras, universalmente, é a supressão da liberdade de opinião e o cerceamento de sua expressão pela via legítima que é a imprensa. Subsiste a realidade de que, desde que o mundo é mundo, a divergência desagrada aos poderosos, a crítica os ofende e qualquer opinião que não coincide com as suas é uma agressão. Um dos recentes pronunciamentos do presidente Lula sobre a imprensa mostrava uma animosidade truculenta comparável à de seu aliado Fernando Collor. A imprensa é vista como inimiga da nação, praticamente a responsável por tudo o que de errado acontece entre nós. Os mais velhos já viram tudo isso. Os jornalistas mais velhos já viveram tudo isso. E tudo, afinal, passou, assim como também passará o que estamos presenciando agora. As voltas que o mundo dá são tão prodigiosas que o presidente Lula, já ex-presidente, logo tornará a gostar da imprensa. E a precisar dela, como já precisou, pois que, no sábio dizer de nossos maiores, dor de barriga não dá uma vez só.
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A conspiração da imprensa
Por João Ubaldo Ribeiro em 28/9/2010
Reproduzido do Estado de S. Paulo, 26/9/2010
Acho que já contei aqui que, sempre que se fala em conspiração da imprensa, recalques antigos despertam no meu coração de jornalista. Meu primeiro emprego, aos 17 anos, foi em jornal e, de lá para cá, nunca cheguei a me afastar muito da profissão. E é com sentimentos um pouco ambivalentes que recordo jamais haver sido chamado para conspiração nenhuma, em jornal ou revista alguma. Pior ainda, nunca nem me deram a ousadia de me pôr a par da conspiração com que eu, afinal, mesmo quando era o mais humilde dos focas, estaria colaborando. Finjo que não ligo, mas vez por outra isso me dá um certo baque na autoestima, creio que vocês compreendem.
Em relação a subornos, meu recorde talvez seja até mais humilhante. Uma vez, quando eu era chefe de reportagem de um jornal de Salvador, o promotor de um evento me mandou dois litros de King´s Archer ('Arqueiro do Rei'), uísque nacional do qual na época se dizia desfechar uma letal flechada no fígado de quem o encarasse. Além disso, sem que eu desconfiasse de nada, pegaram as garrafas na portaria, beberam tudo e só me contaram meses depois, impondo-se a embaraçosa conclusão de que fui subornado sem saber – ou seja, nem a ser subornado direito eu acertei. E, quando eu era editor-chefe de outro jornal, um prefeito do interior, que estava sendo denunciado por escancarada corrupção, me ofereceu um velocípede para cada uma de minhas filhas. Ao lembrar a maneira com que o repeli, manda a honestidade reconhecer que minha indignação também se deveu ao valor da oferta – o miserável podia pelo menos ter oferecido uma bicicleta.
No meu tempo de metido a comunista, escrevi para jornais controlados pelo Partidão e nem nesses me inteiravam das conspirações. No máximo, havia uma palavra de ordem ou outra, que a arraia-miúda repetia em rodas de cerveja e para as quais ninguém parecia ligar muito. Nas eleições presidenciais de 1960, quando votei pela primeira vez, limitaram-se a me dizer que o partido apoiava o marechal Lott e nunca me explicaram por quê. E, quanto ao famoso ouro de Moscou, no qual se cevavam os comunistas, não só nunca vi sinal dele, como acredito que os comunistas meus amigos tampouco – foram eles os que roubaram e beberam os dois litros de King´s Archer.
Dor de barriga não dá uma vez só
Agora as suspeitas ou certezas de que há conspirações da imprensa em andamento voltam a circular. Creio que, quando se sente em si a encarnação do próprio povo, como parece estar acontecendo com o presidente Lula, deve ser difícil suportar notícias e opiniões discordantes ou mesmo apenas desagradáveis. Para ele, é bem possível que a imprensa seja até ingrata, porque, se ainda está aí, é porque ele quer, como, aliás, tudo está aí porque ele quer. A democracia e a liberdade são fruto de sua tolerância, pois, afinal, está claro que ele vê sua legitimidade como emanada diretamente do povo, sem a intermediação de quaisquer outros mecanismos ou a necessidade de instituições. E, nas horas de maior arroubo, talvez a virtude que ele acredite mais praticar seja a da paciência. Ele sabe o que o povo quer, o povo quer o que ele quer, que mais interessa? De fato, deve ser enervante ficar suportando essas contrariedades, quando se podia resolver tudo sem complicações supérfluas e inúteis. Haja paciência mesmo, devemos ser gratos por tanta paciência.
Como estará a conspiração agora? Minha falta de experiência não ajuda, mas fico imaginando salas hollywoodianas no alto de um arranha-céu na Avenida Paulista, em que os conspiradores se juntam para sua atividade golpista. Que estarão arquitetando esses grandes e facinorosos bandidos? Não se sabe, mas certamente moverão uma guerra feroz contra os bancos e os banqueiros. Afinal, nenhum setor ganhou ou ganha tanto neste país quanto eles, tudo está a favor deles. E, segundo se diz, eles demonstram sua gratidão através de contribuições generosíssimas para a campanha eleitoral em que está empenhado o governo brasileiro. As grandes empresas também andam faturando alto, o capitalismo está feliz, mais feliz que em seus melhores sonhos. Tal situação certamente incomoda a chamada grande imprensa, esse tradicional bastião anticapitalista. Deve ser por isso que ela deve estar tramando o golpe. E, claro, para que o golpe dê certo, precisam de um nome que tenha aceitação popular, que seja aclamado e não rejeitado. Ou seja, o próprio presidente Lula. Vocês vejam como essas coisas da política são paradoxais. Assim de primeira, ninguém diria, mas conspiração é conspiração, não vamos dar muito palpite no que não entendemos direito.
A imprensa é de fato um problema. Quase ninguém se lembra, mas a profissão de jornalista está entre as mais arriscadas e todo dia algum é vítima de violência. A primeira ação das ditaduras, universalmente, é a supressão da liberdade de opinião e o cerceamento de sua expressão pela via legítima que é a imprensa. Subsiste a realidade de que, desde que o mundo é mundo, a divergência desagrada aos poderosos, a crítica os ofende e qualquer opinião que não coincide com as suas é uma agressão. Um dos recentes pronunciamentos do presidente Lula sobre a imprensa mostrava uma animosidade truculenta comparável à de seu aliado Fernando Collor. A imprensa é vista como inimiga da nação, praticamente a responsável por tudo o que de errado acontece entre nós. Os mais velhos já viram tudo isso. Os jornalistas mais velhos já viveram tudo isso. E tudo, afinal, passou, assim como também passará o que estamos presenciando agora. As voltas que o mundo dá são tão prodigiosas que o presidente Lula, já ex-presidente, logo tornará a gostar da imprensa. E a precisar dela, como já precisou, pois que, no sábio dizer de nossos maiores, dor de barriga não dá uma vez só.
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Observatório da Imprensa
Observatório da Imprensa: "COBERTURA ELEITORAL
O jornalismo brasileiro nunca mais será o mesmo
Por Cleyton Carlos Torres em 28/9/2010
Com a opção de assumir um partidarismo eleitoreiro publicamente, divulgado neste domingo (26/9) através de um editorial áspero e ardiloso, um dos maiores e mais tradicionais jornais do Brasil, O Estado de S. Paulo, coloca novamente em discussão como a imprensa deve se posicionar frente aos debates eleitorais. A questão é: escolher um lado ou ficar eternamente em cima do muro?
Sob o título 'O mal a evitar', o Estadão demonstrou abertamente seu apoio incondicional ao candidato tucano à presidência, José Serra (PSDB), colocando em texto pontos de vista que levam o jornal a optar por tal candidato. Porém, o jornal acabou exibindo mais uma ação possivelmente tomada devido a fragilidades do que uma atitude enérgica e planejada.
O jornal veio a declarar sua posição partidária somente depois de novos ataques do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que novamente criticou veemente a imprensa, com exacerbações e difamações quanto à credibilidade jornalística dos principais meios de comunicação do país.
Toda a imprensa, no geral, tomou as dores. Folha, Veja e Época também condenaram os ataques e a posição do atual presidente em divulgar uma possível regulamentação da imprensa em um futuro próximo. Mas talvez tenha sido apenas o Estadão a tomar uma atitude tão drástica como publicar uma posição partidária através de um editorial. O jornal fala, necessariamente, em nome de quem? Dos proprietários, dos funcionários ou é apenas uma contra atitude devido às posições do presidente?
Que venham os próximos capítulos
A ação tomada pelo Estadão fere uma das mais importantes regras do jornalismo: a imparcialidade. Porém, por outro lado, demonstra que o jornal está disposto a entrar na guerra contra as constantes investidas do governo em abafar meios de comunicação. Terá sido uma atitude com fins positivos, mas que por infelicidades acabou saindo como um tiro no próprio pé da imprensa?
Ademais, tal medida era tudo que o governo e alguns órgãos da imprensa marrom queriam. Com a divulgação da escolha pelo candidato Serra, o Estadão coloca em xeque sua própria credibilidade e história. Todas as outras reportagens estão sendo parciais? Há coberturas mais brandas para tucanos e mais enérgicas para petistas? Como podemos diferenciar o certo pelo duvidoso, já que o jornal assume publicamente que tem uma queda maior pelos sociais-democratas?
O editorial deste domingo entrará para a história. Será constantemente debatido na imprensa, nos meios acadêmicos e, principalmente, pela imprensa marrom, que insiste em crer – ou pelos menos fingir que crê – que há uma conspiração golpista e midiática contra o governo. A atitude, que soou como precoce para uns e já esperada por outros, demonstrou definitivamente que o jornalismo brasileiro não é mais o mesmo. Que venham os próximos capítulos da magnífica história do jornalismo impresso do Brasil.
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O jornalismo brasileiro nunca mais será o mesmo
Por Cleyton Carlos Torres em 28/9/2010
Com a opção de assumir um partidarismo eleitoreiro publicamente, divulgado neste domingo (26/9) através de um editorial áspero e ardiloso, um dos maiores e mais tradicionais jornais do Brasil, O Estado de S. Paulo, coloca novamente em discussão como a imprensa deve se posicionar frente aos debates eleitorais. A questão é: escolher um lado ou ficar eternamente em cima do muro?
Sob o título 'O mal a evitar', o Estadão demonstrou abertamente seu apoio incondicional ao candidato tucano à presidência, José Serra (PSDB), colocando em texto pontos de vista que levam o jornal a optar por tal candidato. Porém, o jornal acabou exibindo mais uma ação possivelmente tomada devido a fragilidades do que uma atitude enérgica e planejada.
O jornal veio a declarar sua posição partidária somente depois de novos ataques do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que novamente criticou veemente a imprensa, com exacerbações e difamações quanto à credibilidade jornalística dos principais meios de comunicação do país.
Toda a imprensa, no geral, tomou as dores. Folha, Veja e Época também condenaram os ataques e a posição do atual presidente em divulgar uma possível regulamentação da imprensa em um futuro próximo. Mas talvez tenha sido apenas o Estadão a tomar uma atitude tão drástica como publicar uma posição partidária através de um editorial. O jornal fala, necessariamente, em nome de quem? Dos proprietários, dos funcionários ou é apenas uma contra atitude devido às posições do presidente?
Que venham os próximos capítulos
A ação tomada pelo Estadão fere uma das mais importantes regras do jornalismo: a imparcialidade. Porém, por outro lado, demonstra que o jornal está disposto a entrar na guerra contra as constantes investidas do governo em abafar meios de comunicação. Terá sido uma atitude com fins positivos, mas que por infelicidades acabou saindo como um tiro no próprio pé da imprensa?
Ademais, tal medida era tudo que o governo e alguns órgãos da imprensa marrom queriam. Com a divulgação da escolha pelo candidato Serra, o Estadão coloca em xeque sua própria credibilidade e história. Todas as outras reportagens estão sendo parciais? Há coberturas mais brandas para tucanos e mais enérgicas para petistas? Como podemos diferenciar o certo pelo duvidoso, já que o jornal assume publicamente que tem uma queda maior pelos sociais-democratas?
O editorial deste domingo entrará para a história. Será constantemente debatido na imprensa, nos meios acadêmicos e, principalmente, pela imprensa marrom, que insiste em crer – ou pelos menos fingir que crê – que há uma conspiração golpista e midiática contra o governo. A atitude, que soou como precoce para uns e já esperada por outros, demonstrou definitivamente que o jornalismo brasileiro não é mais o mesmo. Que venham os próximos capítulos da magnífica história do jornalismo impresso do Brasil.
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Observatório da Imprensa
Observatório da Imprensa: "LEITURAS DE VEJA
Revista derrapa. De novo
Por Rogério Christofoletti em 29/9/2010
Reproduzido do blog do autor, 28/9/2010; título original 'Veja derrapa. De novo'
A edição que está nas bancas da revista semanal de informação mais influente do país é categórica: o governo Lula não quer jornalismo nenhum e está fazendo de tudo para cercear a liberdade de imprensa.
Impositiva, editorializada, recheada de adjetivos e carente de dados, a matéria de capa – 'A imprensa ideal dos petistas' – é assinada por Fábio Portela. Em oito páginas fartamente ilustradas, a Veja desfere frontais ataques ao governo numa espécie de revide após declarações críticas do presidente Lula na semana passada. Lula se queixava da imprensa, o que é natural e esperado de qualquer governante. Veja transforma as reclamações em ações concretas do governo para deter os meios de comunicação e os jornalistas. Este é o raciocínio que – convenhamos – não se sustenta pela absoluta falta de dados da realidade e argumentos no plano discursivo.
O exagero
Sim, estamos a poucos dias das das eleições e os ânimos estão inflamados. Mas isso não justifica exagerar.
Se um estrangeiro ou alienígena lesse a reportagem, sua impressão seria a de que vivemos num país ditatorial, que não existe liberdade individual e que o exercício profissional dos jornalistas é impedido pelas instituições. E isso não é verdade. A questão da liberdade de expressão e de imprensa é um nervo exposto, delicado, quando se discute solidez democrática, estabilidade política e vigência de Estado Democrático de Direito.
Historicamente, há uma relação tensa entre governos e mídia, pois alguns interesses de lado a lado não coincidem e, às vezes, se contrapõem. Os governos têm suas funções, a mídia também. Consagrou-se para o jornalismo a tarefa de fiscalizar os poderes, o que significa denunciar abusos, investigar, revelar e apresentar à sociedade sintomas do mau funcionamento das relações entre Estado e cidadãos.
Procedimento essencial
Com isso, é natural que os governantes se queixem da imprensa. Assim como é natural os jornalistas reafirmarem a defesa das liberdades de imprensa e de expressão, e perseguirem sua função de cães de guarda frente os poderes instituídos. Mas a própria reportagem da Veja não sustenta o pânico que tenta instaurar.
Das seis 'ameaças' do governo apresentadas num box da página 79, nenhuma se efetivou. Por quê? Por várias razões, entre as quais o fato de que o país é mais complexo do que supõe a revista e que as instituições, se e quando contrariadas, atuam politicamente, fazendo funcionar um sistema de pesos e contrapesos para estabilizar a democracia.
Por isso, a reportagem da Veja derrapa. É mais campanha antigoverno do que peça jornalística. Basta contar as fontes ouvidas. Não se ouve o lado denunciado. O governo ou fontes ligadas a ele são apenas mencionadas; não foram procuradas, ouvidas ou entrevistadas. Ouvir os lados é essencial no jornalismo. Ser parcial e não promover a pluralidade de opiniões e versões é tão ou mais perigoso quanto as 'ameaças' do governo...
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Revista derrapa. De novo
Por Rogério Christofoletti em 29/9/2010
Reproduzido do blog do autor, 28/9/2010; título original 'Veja derrapa. De novo'
A edição que está nas bancas da revista semanal de informação mais influente do país é categórica: o governo Lula não quer jornalismo nenhum e está fazendo de tudo para cercear a liberdade de imprensa.
Impositiva, editorializada, recheada de adjetivos e carente de dados, a matéria de capa – 'A imprensa ideal dos petistas' – é assinada por Fábio Portela. Em oito páginas fartamente ilustradas, a Veja desfere frontais ataques ao governo numa espécie de revide após declarações críticas do presidente Lula na semana passada. Lula se queixava da imprensa, o que é natural e esperado de qualquer governante. Veja transforma as reclamações em ações concretas do governo para deter os meios de comunicação e os jornalistas. Este é o raciocínio que – convenhamos – não se sustenta pela absoluta falta de dados da realidade e argumentos no plano discursivo.
O exagero
Sim, estamos a poucos dias das das eleições e os ânimos estão inflamados. Mas isso não justifica exagerar.
Se um estrangeiro ou alienígena lesse a reportagem, sua impressão seria a de que vivemos num país ditatorial, que não existe liberdade individual e que o exercício profissional dos jornalistas é impedido pelas instituições. E isso não é verdade. A questão da liberdade de expressão e de imprensa é um nervo exposto, delicado, quando se discute solidez democrática, estabilidade política e vigência de Estado Democrático de Direito.
Historicamente, há uma relação tensa entre governos e mídia, pois alguns interesses de lado a lado não coincidem e, às vezes, se contrapõem. Os governos têm suas funções, a mídia também. Consagrou-se para o jornalismo a tarefa de fiscalizar os poderes, o que significa denunciar abusos, investigar, revelar e apresentar à sociedade sintomas do mau funcionamento das relações entre Estado e cidadãos.
Procedimento essencial
Com isso, é natural que os governantes se queixem da imprensa. Assim como é natural os jornalistas reafirmarem a defesa das liberdades de imprensa e de expressão, e perseguirem sua função de cães de guarda frente os poderes instituídos. Mas a própria reportagem da Veja não sustenta o pânico que tenta instaurar.
Das seis 'ameaças' do governo apresentadas num box da página 79, nenhuma se efetivou. Por quê? Por várias razões, entre as quais o fato de que o país é mais complexo do que supõe a revista e que as instituições, se e quando contrariadas, atuam politicamente, fazendo funcionar um sistema de pesos e contrapesos para estabilizar a democracia.
Por isso, a reportagem da Veja derrapa. É mais campanha antigoverno do que peça jornalística. Basta contar as fontes ouvidas. Não se ouve o lado denunciado. O governo ou fontes ligadas a ele são apenas mencionadas; não foram procuradas, ouvidas ou entrevistadas. Ouvir os lados é essencial no jornalismo. Ser parcial e não promover a pluralidade de opiniões e versões é tão ou mais perigoso quanto as 'ameaças' do governo...
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Observatório da Imprensa - Código Aberto - Carlos Castilho
Observatório da Imprensa - Código Aberto - Carlos Castilho: "Os riscos ocultos na radicalização da cobertura eleitoral da imprensa
Postado por Carlos Castilho em 26/9/2010 às 21:31:27
Faltando alguns dias para o primeiro turno das eleições de 2010 já dá para perceber que há no ar uma sensação de cansaço em relação à avalancha de denúncias publicadas pelos principais jornais do país, envolvendo integrantes e ex-membros do governo Lula.
O recurso ao denuncismo é classico em periodos pré-eleitorais, mas a versão 2010 mostrou duas características marcantes:
1) Toda a imprensa entrou no jogo das denúncias ao contrário de eleições anteriores, quando geralmente havia um ou mais orgãos dissidentes;
2) Ficou também evidente que a blitzkrieg da imprensa tem como pano de fundo a preocupação de setores conservadores e tradicionais núcleos de poder político e econômico com a perda irreversível de posições estratégicas no cenário nacional.
O terrorismo midiático contra Dilma é quase idêntico ao promovido contra Lula antes de sua primeira eleição para a presidência em 2002. Ao longo dos últimos oito anos nada aconteceu no país que pudesse justificar o recurso aos velhos fantasmas. Pelo contrário, a gestão de Lula deu à classe média muito mais do que ela esperava de um governo petista.
Assim, ao que tudo indica, o ataque contra a candidatura Dilma tem mais a ver com fatores subjetivos do que com realidades concretas. A questão das denúncias de corrupção provavelmente tem um fundamento real porque o sistema político do país já incorporou o componente do mau uso do dinheiro público como uma rotina que independe do partido no poder.
As acusações e suspeitas de corrupção devem ser investigadas por uma questão de princípio e de sanidade política no país, sejam os envolvidos petistas ou não. O problema é que só uns poucos serão punidos porque esta é a tradição. Foi assim com as suspeitas de corrupção no governo FHC na privatização das teles, no mensalão do governo Lula, e por aí vai.
O problema não está nos fatos concretos, porque se eles fossem levados a sério, a imprensa seria moralmente obrigada a questionar todo o sistema político. A questão principal está na intencionalidade oculta nas denúncias. É aí que está o fato politico relevante e o que pode nos levar a entender melhor a situação e evitar a posição niilista, de duvidar de tudo e de todos.
A intenção por trás de toda a avalancha de denúncias só pode ser explicada pela tentativa de quebrar a sequência de governos petistas porque eles estão criando uma nova força política no país, formada por setores da classe média e de empresários beneficiados pelo crescimento do consumo interno.
Não se trata de um segmento social ideologicamente revolucionário. Muito pelo contrário. Ele é até conservador se formos analisar os valores que defende e que foram expressos por Lula, em várias ocasiões. O problema é que os novos emergentes sociais estão ocupando espaços que pertenceram a velhos caciques políticos e empresarios cujo poder vinha da concentração de renda no país.
Nos oito anos de Lula houve uma mínima distribuição de renda em favor das classes C e D, mas ela foi suficiente para exarcebar os temores das elites tradicionais, que ainda são muito fortes no controle do partido Democratas, por exemplo.
A avalancha de denúncias de atos de corrupção e abuso do poder no governo atual seria positiva para o país se ela gerasse uma nova postura nacional diante de um problema crônico. Mas a intencionalidade das ações oposicionistas mostra uma preocupação em gerar um clima de incerteza cujo principal desdobramento é uma radicalização de posições.
É aí que reside o grande perigo da situação atual, porque a radicalização pode criar um ambiente político onde a tendência é todos perderem. É o que o processo da Venezuela está mostrando, para citar um exemplo mais conhecido.
Lá são cada vez mais limitados os ambientes em que o diálogo é possível. Todos estão entrincheirados. A oposição antichavista não tem forças para derrotar o presidente venezuelano e este, por sua vez, não consegue o que Lula logrou, ou seja, uma mínima distribuição de renda capaz de fortalecer a musculatura econômica da classe média.
A imprensa é quase sempre uma vítima dos processos radicalizados porque, ao se envolver neles, ela acaba perdendo a credibilidade e a isenção. É o que está acontencendo na Venezuela e pode vir a se repetir no Brasil caso a obsessão antipetista de boa parte da mídia nacional continue ignorando o fato de que Lula não representa mais um partido, mas sim um novo contexto social e econômico das classes C e D, com benefícios indiretos para os segmentos B e A.
Perder a credibilidade num momento de transição para novos modelos de negócios na imprensa pode ser particularmente trágico para empresas jornalísticas que dependem de grandes audiências.
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Postado por Carlos Castilho em 26/9/2010 às 21:31:27
Faltando alguns dias para o primeiro turno das eleições de 2010 já dá para perceber que há no ar uma sensação de cansaço em relação à avalancha de denúncias publicadas pelos principais jornais do país, envolvendo integrantes e ex-membros do governo Lula.
O recurso ao denuncismo é classico em periodos pré-eleitorais, mas a versão 2010 mostrou duas características marcantes:
1) Toda a imprensa entrou no jogo das denúncias ao contrário de eleições anteriores, quando geralmente havia um ou mais orgãos dissidentes;
2) Ficou também evidente que a blitzkrieg da imprensa tem como pano de fundo a preocupação de setores conservadores e tradicionais núcleos de poder político e econômico com a perda irreversível de posições estratégicas no cenário nacional.
O terrorismo midiático contra Dilma é quase idêntico ao promovido contra Lula antes de sua primeira eleição para a presidência em 2002. Ao longo dos últimos oito anos nada aconteceu no país que pudesse justificar o recurso aos velhos fantasmas. Pelo contrário, a gestão de Lula deu à classe média muito mais do que ela esperava de um governo petista.
Assim, ao que tudo indica, o ataque contra a candidatura Dilma tem mais a ver com fatores subjetivos do que com realidades concretas. A questão das denúncias de corrupção provavelmente tem um fundamento real porque o sistema político do país já incorporou o componente do mau uso do dinheiro público como uma rotina que independe do partido no poder.
As acusações e suspeitas de corrupção devem ser investigadas por uma questão de princípio e de sanidade política no país, sejam os envolvidos petistas ou não. O problema é que só uns poucos serão punidos porque esta é a tradição. Foi assim com as suspeitas de corrupção no governo FHC na privatização das teles, no mensalão do governo Lula, e por aí vai.
O problema não está nos fatos concretos, porque se eles fossem levados a sério, a imprensa seria moralmente obrigada a questionar todo o sistema político. A questão principal está na intencionalidade oculta nas denúncias. É aí que está o fato politico relevante e o que pode nos levar a entender melhor a situação e evitar a posição niilista, de duvidar de tudo e de todos.
A intenção por trás de toda a avalancha de denúncias só pode ser explicada pela tentativa de quebrar a sequência de governos petistas porque eles estão criando uma nova força política no país, formada por setores da classe média e de empresários beneficiados pelo crescimento do consumo interno.
Não se trata de um segmento social ideologicamente revolucionário. Muito pelo contrário. Ele é até conservador se formos analisar os valores que defende e que foram expressos por Lula, em várias ocasiões. O problema é que os novos emergentes sociais estão ocupando espaços que pertenceram a velhos caciques políticos e empresarios cujo poder vinha da concentração de renda no país.
Nos oito anos de Lula houve uma mínima distribuição de renda em favor das classes C e D, mas ela foi suficiente para exarcebar os temores das elites tradicionais, que ainda são muito fortes no controle do partido Democratas, por exemplo.
A avalancha de denúncias de atos de corrupção e abuso do poder no governo atual seria positiva para o país se ela gerasse uma nova postura nacional diante de um problema crônico. Mas a intencionalidade das ações oposicionistas mostra uma preocupação em gerar um clima de incerteza cujo principal desdobramento é uma radicalização de posições.
É aí que reside o grande perigo da situação atual, porque a radicalização pode criar um ambiente político onde a tendência é todos perderem. É o que o processo da Venezuela está mostrando, para citar um exemplo mais conhecido.
Lá são cada vez mais limitados os ambientes em que o diálogo é possível. Todos estão entrincheirados. A oposição antichavista não tem forças para derrotar o presidente venezuelano e este, por sua vez, não consegue o que Lula logrou, ou seja, uma mínima distribuição de renda capaz de fortalecer a musculatura econômica da classe média.
A imprensa é quase sempre uma vítima dos processos radicalizados porque, ao se envolver neles, ela acaba perdendo a credibilidade e a isenção. É o que está acontencendo na Venezuela e pode vir a se repetir no Brasil caso a obsessão antipetista de boa parte da mídia nacional continue ignorando o fato de que Lula não representa mais um partido, mas sim um novo contexto social e econômico das classes C e D, com benefícios indiretos para os segmentos B e A.
Perder a credibilidade num momento de transição para novos modelos de negócios na imprensa pode ser particularmente trágico para empresas jornalísticas que dependem de grandes audiências.
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Embrapa diz como fez agricultura do País crescer e ganhar aplauso da Economist - Portal Brasil
Embrapa diz como fez agricultura do País crescer e ganhar aplauso da Economist - Portal Brasil: "Embrapa diz como fez agricultura do País crescer e ganhar aplauso da Economist
01/09/2010 18:09 - Portal Brasil
Portal Brasi
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Uma das publicações mais respeitadas do mundo, a revista britânica The Economist, especializada em economia, publicou nesta semana extensa reportagem sobre 'o extraordinário crescimento da Agricultura no Brasil'. Com o título O milagre do Cerrado, o artigo afirma que a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) é uma das principais razões para essa revolução no setor agrícola do País.
Sobre esse avanço, que contou com o indispensável apoio do Estado brasileiro, o Portal Brasil entrevistou, com exclusividade, o diretor-presidente da Embrapa, Pedro Arraes (veja abaixo).
Graças a inovações tecnológicas desenvolvidas pela Embrapa, que melhoraram a qualidade das sementes e dos produtos agropecuários, em menos de 30 anos, o Brasil deixou de ser um grande importador de alimentos e passou a ser um dos maiores celeiros do mundo. Entre os números apresentados pela matéria estão os que mostram que o País está hoje, entre os cinco maiores produtores de grãos do mundo, com um crescimento de 365% somente na última década.
Ainda neste período, o Brasil multiplicou por dez a sua produção de carne, ultrapassando a Austrália como maior produtor mundial. Tornou-se ainda o maior exportador do planeta de carne de frango, de açúcar e álcool de cana-de-açúcar (etanol). Cerca de 70% dessas culturas se encontram no Cerrado, região que até há pouco tempo era considerada inútil para a Agricultura, por causa da alta acidez de seu solo.
E as perspectivas para o futuro são animadoras, segundo a Organização das Nações Unidas para A Agricultura e Alimentação (FAO), pois revelam que o País utiliza apenas 40 milhões de hectares, mas tem potencial para 400 milhões de hectares.
Para Pedro Arraes, apesar da The Economist ecoar ao mundo o grande sucesso agrícola do País, é preciso salientar dois pontos não abordados pela revista, mas que foram fundamentais para o salto na produção do campo: a importante contribuição de uma rede com mais de 17 instituições estaduais de pesquisa agropecuária – algumas até mais antigas que a Embrapa.
Em segundo lugar, o trabalho desenvolvido junto ao pequeno agricultor, na área da Agricultura familiar, responsável, por exemplo, pela produção de quase 100% dos produtos que integram a cesta básica brasileira.
Veja, a seguir, a íntegra da entrevista.
Portal Brasil - O senhor poderia fazer uma rápida análise sobre a matéria publicada pela revista The Economist desta semana?
Pedro Arraes - A matéria tem diversos aspectos interessantes, o fato de que a gente aumentou a produtividade usando menos área. Mostra a nossa competitividade, que a agricultura brasileira é pautada na ciências, na tecnologia mais avançada do mundo. Mostra um Brasil moderno. Mas destaco duas omissões, vamos dizer assim, fundamentais. A primeira delas é que a Embrapa coordena um sistema nacional de pesquisa em agropecuária, com várias instituições estaduais, inclusive algumas que têm o dobro ou quase o triplo da idade da Embrapa.
A Embrapa e suas 45 unidades tem obviamente um papel fundamental nesse avanço, mas ele se deveu também a essa grande rede, a qual ela coordena: as Organizações de Estaduais de Pesquisa Agropecuárias (Oepas), universidades, institutos de pesquisa de âmbito estadual e federal e ainda outras organizações direta ou indiretamente vinculadas às unidades de pesquisa agropecuária.
Então é um esforço conjunto dessas instituições públicas e também de associações de produtores, que há muito tempo tiveram uma interação imensa em toda essa questão de pesquisa.
A outra questão é que a Embrapa é uma empresa plural, como o Brasil é plural e como a agricultura brasileira é plural. A empresa foi fundada em 1973, com o objetivo principal de atender à demanda do mercado interno. Naquela época havia filas para comprar feijão, arroz, nos supermercados. E a Embrapa foi um sucesso na questão de atendimento da demanda interna, inclusive com reflexos imensos no custo da cesta básica.
A cesta básica caiu drasticamente, o que favoreceu o governo inclusive nesse programas sociais hoje, como o próprio Bolsa Família. Porque a produção de alimentos aumentou tanto que teve possibilidade de se baixar o preço desses produtos fundamentais. Não só o arroz e o feijão, mas o frango, a carne e outros produtos de maneira geral.
Esses produtos são muito mais voltados para a agricultura familiar. O feijão, por exemplo, é muito pautado na Agricultura Familiar. Esse componente foi esquecido no artigo. E é um componente fundamental. E, talvez, isso seja a maior força que o Brasil tem, de ter uma Agricultura Familiar forte, que atende o mercado interno; e uma agricultura de maior porte, que atende o mercado externo. Essas duas coisas são complementares. Nos dá competitividade efetiva.
PB - Há um aumento de acesso do pequeno agricultor à tecnologia desenvolvida pela Embrapa hoje?
PA - É necessário que haja uma extensão rural forte, de qualidade e isto está se reerguendo no Brasil. Tanto houve um aumento que o único produto que nós importamos de fora é trigo. Somos praticamente autosuficientes em todos os outros produtos da nossa cesta básica. E tem muita pesquisa por trás disso e uma pesquisa voltada para o pequeno produtor, para a Agricultura Familiar.
O papel da Embrapa é fazer a tecnologia e muitas vezes essa tecnologia é feita de forma participativa com esses pequenos produtores, mas muitas vezes não. A Embrapa não é uma empresa de extensão rural, porque a pesquisa é concentrada. E como a pesquisa é concentra, ela é muito diferente da extensão rural que é capilar, por todos os territórios brasileiros, por todos os municípios.
Isso significa então que o fortalecimento da extensão rural e de outros agentes nessas pequenas associações de produtores, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e as Federações de Trabalhadores na Agricultura, são extremamente importantes.
Importante para que cada vez mais a gente possa fazer esse canal de ligação entre a geração tecnológica e a inserção dessa tecnologia lá onde ela deve ser inserida. E, por outro lado, o caminho inverso, de nos trazer para a Embrapa os problemas de pesquisa, que temos que pesquisar para solucionar, os problemas que os pequenos produtores estão tendo lá na ponta, na propriedade.
PB - E quais são as perspectivas de futuro da pesquisa agropecuária no Brasil?
PA - No Brasil hoje, temos em torno de 5,3 milhões de estabelecimentos rurais de todos os tamanhos. Desse total, temos em torno de 480 mil produtores, que representam 75% da renda bruta da Agricultura Nacional. Independentemente do tamanho, buscam a tecnologia na Embrapa ou onde quer que ela esteja, nos Estados Unidos, na França ou em outro lugar, porque eles sabem da importância da tecnologia para a competitividade deles.
Temos em torno de 900 mil produtores que correspondem de 15 a 18% da nossa renda bruta. Esses são produtores (de todos os tamanhos) onde a questão tecnológica seja, talvez, o maior gargalo.
Aí é onde a Embrapa pode fazer, nesses cinco próximos anos, uma grande diferença. Porque esses produtores podem passar ao primeiro grupo dos produtores. Se a metade desses produtores passarem ao primeiro grupo, a gente vai atingir o que a gente se propõe que é ser o maior produtor de alimentos agrícolas em 2025. Logicamente que esses produtores ainda precisam de políticas públicas, mas o maior problema deles é tecnológica.
E nós temos um último contingente, de 3,3 milhões de produtores, que são produtores que representam de 5 a 8% da renda bruta da agricultura nacional. Esses produtores precisam fortemente de extensão rural, precisam fortemente de programas de governo, de motivação, de autoestima, de educação. Inclusive para que eles possam atingir um determinado nível de conhecimento para que possam absorver pequenas tecnologias simples.
A gente tem que atuar junto com outras políticas públicas, mas com certeza o gargalo tecnológico não é o maior problema nesse último grupo. Quem sabe a gente pudesse passar 30% dessa camada para o segundo grupo. Então, com isso, a gente ia aumentando a igualdade no campo.
A gente tem que fazer da tecnologia um instrumento para proporcionar renda para a os produtores e proporcionar igualdade no campo, esse é o papel da Embrapa.
– Enviado usando a Barra de Ferramentas Google"
01/09/2010 18:09 - Portal Brasil
Portal Brasi
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Uma das publicações mais respeitadas do mundo, a revista britânica The Economist, especializada em economia, publicou nesta semana extensa reportagem sobre 'o extraordinário crescimento da Agricultura no Brasil'. Com o título O milagre do Cerrado, o artigo afirma que a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) é uma das principais razões para essa revolução no setor agrícola do País.
Sobre esse avanço, que contou com o indispensável apoio do Estado brasileiro, o Portal Brasil entrevistou, com exclusividade, o diretor-presidente da Embrapa, Pedro Arraes (veja abaixo).
Graças a inovações tecnológicas desenvolvidas pela Embrapa, que melhoraram a qualidade das sementes e dos produtos agropecuários, em menos de 30 anos, o Brasil deixou de ser um grande importador de alimentos e passou a ser um dos maiores celeiros do mundo. Entre os números apresentados pela matéria estão os que mostram que o País está hoje, entre os cinco maiores produtores de grãos do mundo, com um crescimento de 365% somente na última década.
Ainda neste período, o Brasil multiplicou por dez a sua produção de carne, ultrapassando a Austrália como maior produtor mundial. Tornou-se ainda o maior exportador do planeta de carne de frango, de açúcar e álcool de cana-de-açúcar (etanol). Cerca de 70% dessas culturas se encontram no Cerrado, região que até há pouco tempo era considerada inútil para a Agricultura, por causa da alta acidez de seu solo.
E as perspectivas para o futuro são animadoras, segundo a Organização das Nações Unidas para A Agricultura e Alimentação (FAO), pois revelam que o País utiliza apenas 40 milhões de hectares, mas tem potencial para 400 milhões de hectares.
Para Pedro Arraes, apesar da The Economist ecoar ao mundo o grande sucesso agrícola do País, é preciso salientar dois pontos não abordados pela revista, mas que foram fundamentais para o salto na produção do campo: a importante contribuição de uma rede com mais de 17 instituições estaduais de pesquisa agropecuária – algumas até mais antigas que a Embrapa.
Em segundo lugar, o trabalho desenvolvido junto ao pequeno agricultor, na área da Agricultura familiar, responsável, por exemplo, pela produção de quase 100% dos produtos que integram a cesta básica brasileira.
Veja, a seguir, a íntegra da entrevista.
Portal Brasil - O senhor poderia fazer uma rápida análise sobre a matéria publicada pela revista The Economist desta semana?
Pedro Arraes - A matéria tem diversos aspectos interessantes, o fato de que a gente aumentou a produtividade usando menos área. Mostra a nossa competitividade, que a agricultura brasileira é pautada na ciências, na tecnologia mais avançada do mundo. Mostra um Brasil moderno. Mas destaco duas omissões, vamos dizer assim, fundamentais. A primeira delas é que a Embrapa coordena um sistema nacional de pesquisa em agropecuária, com várias instituições estaduais, inclusive algumas que têm o dobro ou quase o triplo da idade da Embrapa.
A Embrapa e suas 45 unidades tem obviamente um papel fundamental nesse avanço, mas ele se deveu também a essa grande rede, a qual ela coordena: as Organizações de Estaduais de Pesquisa Agropecuárias (Oepas), universidades, institutos de pesquisa de âmbito estadual e federal e ainda outras organizações direta ou indiretamente vinculadas às unidades de pesquisa agropecuária.
Então é um esforço conjunto dessas instituições públicas e também de associações de produtores, que há muito tempo tiveram uma interação imensa em toda essa questão de pesquisa.
A outra questão é que a Embrapa é uma empresa plural, como o Brasil é plural e como a agricultura brasileira é plural. A empresa foi fundada em 1973, com o objetivo principal de atender à demanda do mercado interno. Naquela época havia filas para comprar feijão, arroz, nos supermercados. E a Embrapa foi um sucesso na questão de atendimento da demanda interna, inclusive com reflexos imensos no custo da cesta básica.
A cesta básica caiu drasticamente, o que favoreceu o governo inclusive nesse programas sociais hoje, como o próprio Bolsa Família. Porque a produção de alimentos aumentou tanto que teve possibilidade de se baixar o preço desses produtos fundamentais. Não só o arroz e o feijão, mas o frango, a carne e outros produtos de maneira geral.
Esses produtos são muito mais voltados para a agricultura familiar. O feijão, por exemplo, é muito pautado na Agricultura Familiar. Esse componente foi esquecido no artigo. E é um componente fundamental. E, talvez, isso seja a maior força que o Brasil tem, de ter uma Agricultura Familiar forte, que atende o mercado interno; e uma agricultura de maior porte, que atende o mercado externo. Essas duas coisas são complementares. Nos dá competitividade efetiva.
PB - Há um aumento de acesso do pequeno agricultor à tecnologia desenvolvida pela Embrapa hoje?
PA - É necessário que haja uma extensão rural forte, de qualidade e isto está se reerguendo no Brasil. Tanto houve um aumento que o único produto que nós importamos de fora é trigo. Somos praticamente autosuficientes em todos os outros produtos da nossa cesta básica. E tem muita pesquisa por trás disso e uma pesquisa voltada para o pequeno produtor, para a Agricultura Familiar.
O papel da Embrapa é fazer a tecnologia e muitas vezes essa tecnologia é feita de forma participativa com esses pequenos produtores, mas muitas vezes não. A Embrapa não é uma empresa de extensão rural, porque a pesquisa é concentrada. E como a pesquisa é concentra, ela é muito diferente da extensão rural que é capilar, por todos os territórios brasileiros, por todos os municípios.
Isso significa então que o fortalecimento da extensão rural e de outros agentes nessas pequenas associações de produtores, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e as Federações de Trabalhadores na Agricultura, são extremamente importantes.
Importante para que cada vez mais a gente possa fazer esse canal de ligação entre a geração tecnológica e a inserção dessa tecnologia lá onde ela deve ser inserida. E, por outro lado, o caminho inverso, de nos trazer para a Embrapa os problemas de pesquisa, que temos que pesquisar para solucionar, os problemas que os pequenos produtores estão tendo lá na ponta, na propriedade.
PB - E quais são as perspectivas de futuro da pesquisa agropecuária no Brasil?
PA - No Brasil hoje, temos em torno de 5,3 milhões de estabelecimentos rurais de todos os tamanhos. Desse total, temos em torno de 480 mil produtores, que representam 75% da renda bruta da Agricultura Nacional. Independentemente do tamanho, buscam a tecnologia na Embrapa ou onde quer que ela esteja, nos Estados Unidos, na França ou em outro lugar, porque eles sabem da importância da tecnologia para a competitividade deles.
Temos em torno de 900 mil produtores que correspondem de 15 a 18% da nossa renda bruta. Esses são produtores (de todos os tamanhos) onde a questão tecnológica seja, talvez, o maior gargalo.
Aí é onde a Embrapa pode fazer, nesses cinco próximos anos, uma grande diferença. Porque esses produtores podem passar ao primeiro grupo dos produtores. Se a metade desses produtores passarem ao primeiro grupo, a gente vai atingir o que a gente se propõe que é ser o maior produtor de alimentos agrícolas em 2025. Logicamente que esses produtores ainda precisam de políticas públicas, mas o maior problema deles é tecnológica.
E nós temos um último contingente, de 3,3 milhões de produtores, que são produtores que representam de 5 a 8% da renda bruta da agricultura nacional. Esses produtores precisam fortemente de extensão rural, precisam fortemente de programas de governo, de motivação, de autoestima, de educação. Inclusive para que eles possam atingir um determinado nível de conhecimento para que possam absorver pequenas tecnologias simples.
A gente tem que atuar junto com outras políticas públicas, mas com certeza o gargalo tecnológico não é o maior problema nesse último grupo. Quem sabe a gente pudesse passar 30% dessa camada para o segundo grupo. Então, com isso, a gente ia aumentando a igualdade no campo.
A gente tem que fazer da tecnologia um instrumento para proporcionar renda para a os produtores e proporcionar igualdade no campo, esse é o papel da Embrapa.
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Observatório da Imprensa
Observatório da Imprensa: "SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO
Vírus, vermes e comunicação
Por Muniz Sodré em 28/9/2010
Em sua coluna semanal (O Globo, 22/9), o poeta e ensaísta Francisco Bosco vale-se da hipótese da 'compulsão à emissão', formulada pelo crítico alemão Christoph Türcke, para falar do horror ao vazio que assaltaria a sociedade contemporânea, levando-a a manter-se ocupada o tempo todo em torno de e-mails, Facebook, Orkut, Twitter etc. Aliás, daí surge aos poucos uma curiosa linguagem: o verbo 'tuitar', por exemplo. Até mesmo Barack Obama, dizem, tuíta.
O comentário da coluna coincidiu com a notícia, no mesmo dia, do ataque de hackers ao Twitter. Segundo a imprensa, durante horas uma enxurrada de mensagens se espalhou pelo Twitter com piadas, pornografia e vermes. Até então se falava de vírus, mas estes, ao que consta, são programas com um número adequado de instruções transgressivas. O verme é uma inovação em matéria de software transgressor, uma vez que realiza com poucos signos a sua tarefa de violação do campo comunicativo alheio. E mais: o verme desencadearia por 'conta própria' efeitos suplementares, atinentes à lógica interna da máquina e de sua linguagem.
Estes dois tópicos, se bem examinados, podem lançar alguma luz sobre as relações entre a atualidade política e o espaço público brasileiro, no quadro das discussões sobre mídia e opinião pública. A primeira coisa a se sublinhar é que o desenvolvimento das democráticas ferramentas de comunicação – dentro da dinâmica de convergência entre as telecomunicações, a informática e o audiovisual – em nada democratizou a natureza oligopolística do império transnacional das tecnologias de informação e comunicação. Cerca de uma dezena de gigantes da multimídia controlam em torno de 90% dos mercados midiáticos mundiais, em termos de equipamentos, redes e conteúdos.
A hipótese de mediações culturais
Isso não é nenhuma novidade. Em torno dessa realidade oligopolística, giraram ao longo do último terço do século passado as críticas dirigidas pelos 'pós-modernistas' à mídia ou ao que se vem chamando de 'sociedade do espetáculo'. Este prisma analítico, popularizado no meio acadêmico pelo teórico francês Guy Debord, é matéria corrente em teses, conferências e livros.
Movido pelas concepções frankfurtianas no sentido de uma sociedade regida pela 'administração total', Debord fez do espetáculo o conceito unificador de uma enorme variedade de fenômenos, sob a égide do turbo-capitalismo ou da sociedade de mercado global. De um lado, havia o momento histórico em que o consumo parecia atingir a ocupação total da vida social; de outro, a evidência da exploração psíquica do indivíduo pelo capital. O espetáculo impunha-se, assim como uma verdadeira relação social, em meio à qual emergia a imagem como uma espécie de forma final da mercadoria, reorientando as percepções e as sensações.
Entretanto, com o desenvolvimento da comunicação eletrônica e o advento das chamadas 'redes sociais' na internet, torna-se necessário revisar alguns aspectos dessa teoria do espetáculo porque esta supõe um espaço público unificado e 'culturalizado' pela mídia. Não que tenha desaparecido o fascínio do espetáculo, que deu lugar, num determinado instante, a uma hierarquia classificatória da cultura (elitista, intermediária, popular) e à hipótese de mediações culturais.
Resultado das eleições
Mas o que agora ocupa o primeiro plano do fascínio é propriamente a 'distração' ou o 'divertimento' comunicativo, que consiste em inserir-se numa espécie de realidade integral da comunicação por meio de uma escrita e uma leitura ('lecto-escritura', talvez) fragmentárias, mas intermináveis, através dessas novíssimas 'ferramentas' (twitter etc.) na rede eletrônica. Como numa adicção qualquer, o gozo está em manter-se 'ligado', tecnicamente vinculado a um outro, que não é verdadeiramente uma alteridade, e sim, uma inscrição digital no espaço virtual. O divertimento é literalmente 'celular'.
Questões emergentes: pode-se falar de espaço público nessa realidade feita de digitalismo e espectro de frequências de telecomunicações? Ou então, existe mesmo opinião pública nesse espaço virtual em que a informação política e o interesse pela atualidade foram substituídos pelos tweets da banalidade? A informação e a comunicação não estariam dando lugar ao puro e simples preenchimento do vazio existencial pelo frenesi da presença de cada um na rede?
Não são indagações meramente acadêmicas. Se de fato a realidade da informação e da comunicação desceu de seu patamar público para essa esfera privada onde o grande acontecimento é a proliferação de 'vírus' e 'vermes', é possível que o discurso da mídia tradicional (jornais, TVs, rádios, revistas etc.), um discurso ainda tecnicamente público, deslize apenas sobre si mesmo, sem incidência forte sobre a vida comum.
Uma consequência prática disso tudo seria a inutilidade das ofensivas políticas por parte da mídia num período eleitoral como o de agora. Num vazio de cidadania política, não há de fato opinião pública, porque o 'som' (do discurso, da fala) não se reproduz no vácuo. O resultado das urnas vindouras periga ser muito educativo para o jornalismo em voga.
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Vírus, vermes e comunicação
Por Muniz Sodré em 28/9/2010
Em sua coluna semanal (O Globo, 22/9), o poeta e ensaísta Francisco Bosco vale-se da hipótese da 'compulsão à emissão', formulada pelo crítico alemão Christoph Türcke, para falar do horror ao vazio que assaltaria a sociedade contemporânea, levando-a a manter-se ocupada o tempo todo em torno de e-mails, Facebook, Orkut, Twitter etc. Aliás, daí surge aos poucos uma curiosa linguagem: o verbo 'tuitar', por exemplo. Até mesmo Barack Obama, dizem, tuíta.
O comentário da coluna coincidiu com a notícia, no mesmo dia, do ataque de hackers ao Twitter. Segundo a imprensa, durante horas uma enxurrada de mensagens se espalhou pelo Twitter com piadas, pornografia e vermes. Até então se falava de vírus, mas estes, ao que consta, são programas com um número adequado de instruções transgressivas. O verme é uma inovação em matéria de software transgressor, uma vez que realiza com poucos signos a sua tarefa de violação do campo comunicativo alheio. E mais: o verme desencadearia por 'conta própria' efeitos suplementares, atinentes à lógica interna da máquina e de sua linguagem.
Estes dois tópicos, se bem examinados, podem lançar alguma luz sobre as relações entre a atualidade política e o espaço público brasileiro, no quadro das discussões sobre mídia e opinião pública. A primeira coisa a se sublinhar é que o desenvolvimento das democráticas ferramentas de comunicação – dentro da dinâmica de convergência entre as telecomunicações, a informática e o audiovisual – em nada democratizou a natureza oligopolística do império transnacional das tecnologias de informação e comunicação. Cerca de uma dezena de gigantes da multimídia controlam em torno de 90% dos mercados midiáticos mundiais, em termos de equipamentos, redes e conteúdos.
A hipótese de mediações culturais
Isso não é nenhuma novidade. Em torno dessa realidade oligopolística, giraram ao longo do último terço do século passado as críticas dirigidas pelos 'pós-modernistas' à mídia ou ao que se vem chamando de 'sociedade do espetáculo'. Este prisma analítico, popularizado no meio acadêmico pelo teórico francês Guy Debord, é matéria corrente em teses, conferências e livros.
Movido pelas concepções frankfurtianas no sentido de uma sociedade regida pela 'administração total', Debord fez do espetáculo o conceito unificador de uma enorme variedade de fenômenos, sob a égide do turbo-capitalismo ou da sociedade de mercado global. De um lado, havia o momento histórico em que o consumo parecia atingir a ocupação total da vida social; de outro, a evidência da exploração psíquica do indivíduo pelo capital. O espetáculo impunha-se, assim como uma verdadeira relação social, em meio à qual emergia a imagem como uma espécie de forma final da mercadoria, reorientando as percepções e as sensações.
Entretanto, com o desenvolvimento da comunicação eletrônica e o advento das chamadas 'redes sociais' na internet, torna-se necessário revisar alguns aspectos dessa teoria do espetáculo porque esta supõe um espaço público unificado e 'culturalizado' pela mídia. Não que tenha desaparecido o fascínio do espetáculo, que deu lugar, num determinado instante, a uma hierarquia classificatória da cultura (elitista, intermediária, popular) e à hipótese de mediações culturais.
Resultado das eleições
Mas o que agora ocupa o primeiro plano do fascínio é propriamente a 'distração' ou o 'divertimento' comunicativo, que consiste em inserir-se numa espécie de realidade integral da comunicação por meio de uma escrita e uma leitura ('lecto-escritura', talvez) fragmentárias, mas intermináveis, através dessas novíssimas 'ferramentas' (twitter etc.) na rede eletrônica. Como numa adicção qualquer, o gozo está em manter-se 'ligado', tecnicamente vinculado a um outro, que não é verdadeiramente uma alteridade, e sim, uma inscrição digital no espaço virtual. O divertimento é literalmente 'celular'.
Questões emergentes: pode-se falar de espaço público nessa realidade feita de digitalismo e espectro de frequências de telecomunicações? Ou então, existe mesmo opinião pública nesse espaço virtual em que a informação política e o interesse pela atualidade foram substituídos pelos tweets da banalidade? A informação e a comunicação não estariam dando lugar ao puro e simples preenchimento do vazio existencial pelo frenesi da presença de cada um na rede?
Não são indagações meramente acadêmicas. Se de fato a realidade da informação e da comunicação desceu de seu patamar público para essa esfera privada onde o grande acontecimento é a proliferação de 'vírus' e 'vermes', é possível que o discurso da mídia tradicional (jornais, TVs, rádios, revistas etc.), um discurso ainda tecnicamente público, deslize apenas sobre si mesmo, sem incidência forte sobre a vida comum.
Uma consequência prática disso tudo seria a inutilidade das ofensivas políticas por parte da mídia num período eleitoral como o de agora. Num vazio de cidadania política, não há de fato opinião pública, porque o 'som' (do discurso, da fala) não se reproduz no vácuo. O resultado das urnas vindouras periga ser muito educativo para o jornalismo em voga.
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terça-feira, 28 de setembro de 2010
Folha de S.Paulo - População brasileira está mais velha, aponta Censo 2010 - 28/09/2010
Folha de S.Paulo - População brasileira está mais velha, aponta Censo 2010 - 28/09/2010: "População brasileira está mais velha, aponta Censo 2010
Os resultados ainda são parciais, mas confirmam tendência de envelhecimento
DENISE MENCHEN
DO RIO
O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) informou ontem que os resultados parciais do Censo 2010 confirmam a tendência de envelhecimento da população brasileira, fruto da redução da taxa de fecundidade e do aumento da expectativa de vida no país.
Até ontem à tarde, 154,2 milhões de pessoas já tinham sido recenseadas -equivalente a 80,54% da população estimada em 2009.
Segundo o presidente do IBGE, Eduardo Pereira Nunes, o Censo aponta para uma mudança acelerada na pirâmide etária do país.
'Mantidas as condições atuais de fecundidade, expectativa de vida e movimento migratório, deixaremos de ser um país jovem para nos tornarmos um país com população madura num prazo de 30 anos', disse.
Em 2000, o Censo revelou que 40,17% da população brasileira tinha entre 0 e 19 anos. Em 2010, esse percentual caiu para 32,95%. Já a proporção de idosos com 60 anos ou mais passou de 8,57% para 11,16% no mesmo período. De acordo com Nunes, o movimento ocorre tanto na zona urbana quanto na zona rural - essa, porém, ainda apresenta taxa de fecundidade maior.
PESSOAS POR DOMICÍLIO
Outra tendência revelada foi a de redução no número médio de habitantes por domicílio. De acordo com Nunes, isso também é fruto da redução da taxa de fecundidade, que hoje já está abaixo de dois filhos por mulher.
Em 2000, cada moradia tinha em média 3,79 moradores, contra 3,34 em 2010. O Rio Grande do Sul teve a menor média do país, de 2,99.
A coleta de dados do Censo 2010 teve início em 1º de agosto e será encerrada em 31 de outubro. Segundo o presidente do IBGE, o número de domicílios recenseados até agora supera as metas parciais do instituto.
Ele afirmou também que ao menos 600 mil domicílios que já responderam ao questionário serão revisitados. O procedimento faz parte do trabalho de checagem de dados, que visa analisar a consistência das informações que foram transmitidas pelos recenseadores.
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Os resultados ainda são parciais, mas confirmam tendência de envelhecimento
DENISE MENCHEN
DO RIO
O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) informou ontem que os resultados parciais do Censo 2010 confirmam a tendência de envelhecimento da população brasileira, fruto da redução da taxa de fecundidade e do aumento da expectativa de vida no país.
Até ontem à tarde, 154,2 milhões de pessoas já tinham sido recenseadas -equivalente a 80,54% da população estimada em 2009.
Segundo o presidente do IBGE, Eduardo Pereira Nunes, o Censo aponta para uma mudança acelerada na pirâmide etária do país.
'Mantidas as condições atuais de fecundidade, expectativa de vida e movimento migratório, deixaremos de ser um país jovem para nos tornarmos um país com população madura num prazo de 30 anos', disse.
Em 2000, o Censo revelou que 40,17% da população brasileira tinha entre 0 e 19 anos. Em 2010, esse percentual caiu para 32,95%. Já a proporção de idosos com 60 anos ou mais passou de 8,57% para 11,16% no mesmo período. De acordo com Nunes, o movimento ocorre tanto na zona urbana quanto na zona rural - essa, porém, ainda apresenta taxa de fecundidade maior.
PESSOAS POR DOMICÍLIO
Outra tendência revelada foi a de redução no número médio de habitantes por domicílio. De acordo com Nunes, isso também é fruto da redução da taxa de fecundidade, que hoje já está abaixo de dois filhos por mulher.
Em 2000, cada moradia tinha em média 3,79 moradores, contra 3,34 em 2010. O Rio Grande do Sul teve a menor média do país, de 2,99.
A coleta de dados do Censo 2010 teve início em 1º de agosto e será encerrada em 31 de outubro. Segundo o presidente do IBGE, o número de domicílios recenseados até agora supera as metas parciais do instituto.
Ele afirmou também que ao menos 600 mil domicílios que já responderam ao questionário serão revisitados. O procedimento faz parte do trabalho de checagem de dados, que visa analisar a consistência das informações que foram transmitidas pelos recenseadores.
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segunda-feira, 27 de setembro de 2010
Brasil, ¿país del futuro? · ELPAÍS.com
Brasil, ¿país del futuro? · ELPAÍS.com: "ANDRÉS OPPENHEIMER
Brasil, ¿país del futuro?
ANDRÉS OPPENHEIMER 27/09/2010
Hay un consenso cada vez más sólido entre los expertos de que Brasil es la nueva potencia mundial emergente. Tal vez sea así, pero Brasil deberá superar un obstáculo interno potencialmente fatal: el autoconvencimiento de su inevitable ascenso al club de las naciones más poderosas.
Capital:
Brasilia.
Gobierno:
República Federal.
Población:
191,908,598 (2008)
La autocomplacencia puede ser un obstáculo fatal para su ascenso
Esa es una de las principales conclusiones que extraje la semana pasada de un panel titulado Brasil: una potencia en alza, realizado durante la Conferencia de las Américas de The Miami Herald y el Banco Mundial. No hay dudas de que Brasil está gozando de una buena racha. Las cosas andan tan bien que incluso el presidente Luiz Inácio Lula da Silva proclamó recientemente -tan solo medio en broma- que 'Dios es brasilero''.
Se espera que la economía crezca un saludable 5% este año. El país ha descubierto recientemente una de las reservas de petróleo submarinas más grandes del mundo, y Brasil ha sido designado sede de la Copa Mundial de Fútbol del 2014 y de los Juegos Olímpicos del 2016, que ofrecerán a los brasileños una oportunidad única para promocionar su país en el exterior.
La revista Time -en un exceso de entusiasmo periodístico- recientemente designó a Lula 'la persona más influyente del mundo''. El semanario británico The Economist ya había publicado un artículo de portada titulado 'Brasil despega'', señalando que durante los próximos 14 años Brasil ascenderá de su actual estatus de octava economía mundial a la quinta, superando al Reino Unido y Francia. Dos nuevos libros publicados en EE UU este mes -Brazil on the Rise, del periodista de The New York Times Larry Rohter, y The New Brazil, del profesor de la Universidad Johns Hopkins Riordan Roett- coinciden en general con esas proyecciones optimistas.
En el panel de la Conferencia de las Américas todos los participantes estuvieron de acuerdo en que Brasil se ha convertido en un país previsible, en el que los presidentes han mantenido las políticas económicas durante 16 años, generando confianza y crecientes inversiones domésticas y extranjeras. La candidata del Partido de los Trabajadores (PT) de Lula, Dilma Rousseff, que probablemente ganará las elecciones presidenciales de octubre, no se desviará del rumbo económico, según dijeron.
Sin embargo, varios panelistas señalaron potenciales peligros, incluyendo que la anticuada infraestructura y la baja calidad de la educación frenen el crecimiento. Algunos advirtieron también del riesgo de que sectores radicales del partido gobernante se sientan tan confiados si Rousseff gana de manera aplastante que quieran regresar a las políticas nacionalistas y estatistas del pasado, y que la nueva presidenta -si resulta electa- tal vez no tenga el carisma de Lula para controlar a la ultraizquierda en su partido.
'Algo que me preocupa un poco es que veo un poco de triunfalismo en el Partido de los Trabajadores'', dijo Rohter. 'Hay casi orgullo desmedido, la sensación de que ellos inventaron la rueda, una falta de voluntad para reconocer el rol que jugó el boom de las materias primas en el éxito del país en los últimos 16 años''.
Eso conduce a algunos sectores del partido gobernante a pensar que Brasil puede seguir creciendo sin inversión extranjera en áreas clave como el petróleo y la agricultura, según dijo. Pero Rohter agregó que no cree que el triunfalismo se imponga, porque buena parte de la población ve el futuro con escepticismo. 'Una de las cosas más saludables que han ocurrido es que los brasileros ya no hablan de Brasil como 'el país del futuro [del mundo]', sino de 'el quinto poder', comentó. 'Esa es una meta mucho más realista''.
Mi opinión: espero que Rohter esté en lo cierto, porque algo que advertí durante mis recientes viajes a China e India es que esas dos potencias emergentes tienen una cosa en común: su convicción de que están detrás de otras potencias en casi todos los rubros.
En casi todas las entrevistas con funcionarios chinos e indios, me impresionó su preocupación de que sus respectivos países no están avanzando en educación, ciencia y tecnología con tanta rapidez como otros países, y que se están quedando atrás. No he visto la misma preocupación, o humildad, en mis entrevistas con funcionarios brasileños.
Los chinos y los indios tienen una saludable dosis de paranoia constructiva, que los impulsa a progresar constantemente. A menos que Brasil adopte la misma actitud y evite la complacencia que puede provocar tanta profecía del exterior, no llegará a convertirse en una de las principales potencias mundiales emergentes.
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Brasil, ¿país del futuro?
ANDRÉS OPPENHEIMER 27/09/2010
Hay un consenso cada vez más sólido entre los expertos de que Brasil es la nueva potencia mundial emergente. Tal vez sea así, pero Brasil deberá superar un obstáculo interno potencialmente fatal: el autoconvencimiento de su inevitable ascenso al club de las naciones más poderosas.
Capital:
Brasilia.
Gobierno:
República Federal.
Población:
191,908,598 (2008)
La autocomplacencia puede ser un obstáculo fatal para su ascenso
Esa es una de las principales conclusiones que extraje la semana pasada de un panel titulado Brasil: una potencia en alza, realizado durante la Conferencia de las Américas de The Miami Herald y el Banco Mundial. No hay dudas de que Brasil está gozando de una buena racha. Las cosas andan tan bien que incluso el presidente Luiz Inácio Lula da Silva proclamó recientemente -tan solo medio en broma- que 'Dios es brasilero''.
Se espera que la economía crezca un saludable 5% este año. El país ha descubierto recientemente una de las reservas de petróleo submarinas más grandes del mundo, y Brasil ha sido designado sede de la Copa Mundial de Fútbol del 2014 y de los Juegos Olímpicos del 2016, que ofrecerán a los brasileños una oportunidad única para promocionar su país en el exterior.
La revista Time -en un exceso de entusiasmo periodístico- recientemente designó a Lula 'la persona más influyente del mundo''. El semanario británico The Economist ya había publicado un artículo de portada titulado 'Brasil despega'', señalando que durante los próximos 14 años Brasil ascenderá de su actual estatus de octava economía mundial a la quinta, superando al Reino Unido y Francia. Dos nuevos libros publicados en EE UU este mes -Brazil on the Rise, del periodista de The New York Times Larry Rohter, y The New Brazil, del profesor de la Universidad Johns Hopkins Riordan Roett- coinciden en general con esas proyecciones optimistas.
En el panel de la Conferencia de las Américas todos los participantes estuvieron de acuerdo en que Brasil se ha convertido en un país previsible, en el que los presidentes han mantenido las políticas económicas durante 16 años, generando confianza y crecientes inversiones domésticas y extranjeras. La candidata del Partido de los Trabajadores (PT) de Lula, Dilma Rousseff, que probablemente ganará las elecciones presidenciales de octubre, no se desviará del rumbo económico, según dijeron.
Sin embargo, varios panelistas señalaron potenciales peligros, incluyendo que la anticuada infraestructura y la baja calidad de la educación frenen el crecimiento. Algunos advirtieron también del riesgo de que sectores radicales del partido gobernante se sientan tan confiados si Rousseff gana de manera aplastante que quieran regresar a las políticas nacionalistas y estatistas del pasado, y que la nueva presidenta -si resulta electa- tal vez no tenga el carisma de Lula para controlar a la ultraizquierda en su partido.
'Algo que me preocupa un poco es que veo un poco de triunfalismo en el Partido de los Trabajadores'', dijo Rohter. 'Hay casi orgullo desmedido, la sensación de que ellos inventaron la rueda, una falta de voluntad para reconocer el rol que jugó el boom de las materias primas en el éxito del país en los últimos 16 años''.
Eso conduce a algunos sectores del partido gobernante a pensar que Brasil puede seguir creciendo sin inversión extranjera en áreas clave como el petróleo y la agricultura, según dijo. Pero Rohter agregó que no cree que el triunfalismo se imponga, porque buena parte de la población ve el futuro con escepticismo. 'Una de las cosas más saludables que han ocurrido es que los brasileros ya no hablan de Brasil como 'el país del futuro [del mundo]', sino de 'el quinto poder', comentó. 'Esa es una meta mucho más realista''.
Mi opinión: espero que Rohter esté en lo cierto, porque algo que advertí durante mis recientes viajes a China e India es que esas dos potencias emergentes tienen una cosa en común: su convicción de que están detrás de otras potencias en casi todos los rubros.
En casi todas las entrevistas con funcionarios chinos e indios, me impresionó su preocupación de que sus respectivos países no están avanzando en educación, ciencia y tecnología con tanta rapidez como otros países, y que se están quedando atrás. No he visto la misma preocupación, o humildad, en mis entrevistas con funcionarios brasileños.
Los chinos y los indios tienen una saludable dosis de paranoia constructiva, que los impulsa a progresar constantemente. A menos que Brasil adopte la misma actitud y evite la complacencia que puede provocar tanta profecía del exterior, no llegará a convertirse en una de las principales potencias mundiales emergentes.
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O falso risco à democracia | Brasilianas.Org
O falso risco à democracia | Brasilianas.Org: "Vladimir Safatle: Os que 'defendem a democracia' - 27/09/2010
VLADIMIR SAFATLE
Os que 'defendem a democracia'
Por trás dessa 'defesa', há uma mutação; com esses defensores, a democracia não precisa de inimigos
A RETA FINAL desta campanha presidencial talvez seja lembrada como o início de um certo realinhamento da política brasileira. Durante o governo Lula, vimos várias críticas às práticas políticas do consórcio governista. De fato, um dos pontos fracos do governo foi a ausência de vontade política capaz de ultrapassar os vícios institucionais da democracia brasileira, suas negociações obscuras, impronunciáveis, assim como de inaugurar um ciclo de aprofundamento das práticas de participação popular na gestão do Estado.
No entanto, não foram problemas dessa natureza que levaram a oposição a terminar a campanha presidencial vociferando acusações como 'fascismo', 'igual a Mussolini', 'chavismo', 'autoritarismo' e 'destruidor da liberdade de expressão e da democracia'. Uma subida de tom que, provavelmente, não desaparecerá nos próximos anos. Por trás dessa 'defesa' da democracia e da liberdade, há uma estranha mutação do sentido das palavras. Isto a ponto de podermos dizer que, com defensores desta natureza, a democracia brasileira não precisa de inimigos.
Por exemplo, eles gostam de dizer que a democracia exige instituições fortes e estáveis, mas normalmente temem qualquer um que lembre que, acima de tudo, a democracia exige poder instituinte soberano e sempre presente.
A democracia nunca temeu modificar e reconstruir instituições que funcionam mal. Poderia arrolar aqui a história da estrutura institucional de países como a França, para ficar em apenas um exemplo.
O fato realmente mortal para a democracia é quando alguns conseguem impor a opinião de que o aumento da visibilidade do poder instituinte, da força da participação popular, é um risco à 'normalidade institucional'. Tentar desqualificar a discussão sobre a participação popular como 'chavismo' é tão tosco quanto dizer que a democracia parlamentar não passa da figura política da gestão do capital.
Por outro lado, acusar o governo de atentar contra a liberdade quando afirma que certos órgãos de imprensa agem como partidos políticos é, isso sim, querer ignorar a natureza do embate democrático.
É absolutamente normal que certos setores da imprensa sejam claramente definidos do ponto de vista ideológico e que tomem posição a partir disso. Da mesma forma, é normal que setores da classe política procurem criticar tais pontos de vista. O governo Barack Obama afirmou, com todas as letras, que a Foxnews agia como um partido político e, nem por isso, foi comparado a Mussolini. Não há por que ver algo diferente no caso brasileiro.
Uma certa serenidade a respeito das relações entre mídia e democracia é mais do que necessária atualmente. Contrariamente ao que querem alguns, a imprensa não é responsável por todos os males do país, nem os casos de corrupção foram invenções das Redações. No entanto, discussões sobre avaliação de concessões públicas de meios de comunicação, oligopolização e concentração do mercado de informações, criação de órgãos e conselhos públicos de fiscalização não escondem, necessariamente, a sanha de destruir a liberdade de expressão.
VLADIMIR SAFATLE é professor no departamento de filosofia da USP
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VLADIMIR SAFATLE
Os que 'defendem a democracia'
Por trás dessa 'defesa', há uma mutação; com esses defensores, a democracia não precisa de inimigos
A RETA FINAL desta campanha presidencial talvez seja lembrada como o início de um certo realinhamento da política brasileira. Durante o governo Lula, vimos várias críticas às práticas políticas do consórcio governista. De fato, um dos pontos fracos do governo foi a ausência de vontade política capaz de ultrapassar os vícios institucionais da democracia brasileira, suas negociações obscuras, impronunciáveis, assim como de inaugurar um ciclo de aprofundamento das práticas de participação popular na gestão do Estado.
No entanto, não foram problemas dessa natureza que levaram a oposição a terminar a campanha presidencial vociferando acusações como 'fascismo', 'igual a Mussolini', 'chavismo', 'autoritarismo' e 'destruidor da liberdade de expressão e da democracia'. Uma subida de tom que, provavelmente, não desaparecerá nos próximos anos. Por trás dessa 'defesa' da democracia e da liberdade, há uma estranha mutação do sentido das palavras. Isto a ponto de podermos dizer que, com defensores desta natureza, a democracia brasileira não precisa de inimigos.
Por exemplo, eles gostam de dizer que a democracia exige instituições fortes e estáveis, mas normalmente temem qualquer um que lembre que, acima de tudo, a democracia exige poder instituinte soberano e sempre presente.
A democracia nunca temeu modificar e reconstruir instituições que funcionam mal. Poderia arrolar aqui a história da estrutura institucional de países como a França, para ficar em apenas um exemplo.
O fato realmente mortal para a democracia é quando alguns conseguem impor a opinião de que o aumento da visibilidade do poder instituinte, da força da participação popular, é um risco à 'normalidade institucional'. Tentar desqualificar a discussão sobre a participação popular como 'chavismo' é tão tosco quanto dizer que a democracia parlamentar não passa da figura política da gestão do capital.
Por outro lado, acusar o governo de atentar contra a liberdade quando afirma que certos órgãos de imprensa agem como partidos políticos é, isso sim, querer ignorar a natureza do embate democrático.
É absolutamente normal que certos setores da imprensa sejam claramente definidos do ponto de vista ideológico e que tomem posição a partir disso. Da mesma forma, é normal que setores da classe política procurem criticar tais pontos de vista. O governo Barack Obama afirmou, com todas as letras, que a Foxnews agia como um partido político e, nem por isso, foi comparado a Mussolini. Não há por que ver algo diferente no caso brasileiro.
Uma certa serenidade a respeito das relações entre mídia e democracia é mais do que necessária atualmente. Contrariamente ao que querem alguns, a imprensa não é responsável por todos os males do país, nem os casos de corrupção foram invenções das Redações. No entanto, discussões sobre avaliação de concessões públicas de meios de comunicação, oligopolização e concentração do mercado de informações, criação de órgãos e conselhos públicos de fiscalização não escondem, necessariamente, a sanha de destruir a liberdade de expressão.
VLADIMIR SAFATLE é professor no departamento de filosofia da USP
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domingo, 26 de setembro de 2010
Blog do Alon
Blog do Alon: "A prudência do STF (26/09)
As pessoas talvez não percebam que se hoje o estado de direito está sendo violado para punir alguém de quem você não gosta amanhã ele estará sendo arranhado para atingir você
É compreensível a dificuldade do Supremo Tribunal Federal para decidir sobre a validade do Ficha Limpa nestas eleições. De um lado, a pressão quase insuportável da opinião pública. Do outro, ameaças reais a princípios do texto constitucional. Como o Supremo deve zelar pelo cumprimento da Constituição, fica um nó difícil de desatar.
Aliás, é curioso como entre nós o radicalismo na defesa dos próprios direitos convive bem com o desprezo pelos direitos alheios. Basta convir. É traço característico da nossa formação autoritária. Eu sou contra a ditadura alheia, mas a minha até que não seria tão ruim assim.
Cada grupo social sonha com o dia em que vai se apoderar do Estado, e assim adquirir condições de botar para quebrar em cima dos adversários, concorrentes ou inimigos.
Nos últimos dias a opinião pública vem mobilizada na defesa da liberdade de imprensa, elemento constitutivo da democracia. A mobilização é justa, legítima, desde que se notam no poder movimentos incomodados com a revelação, pela imprensa, de graves problemas intestinais no Palácio do Planalto. A reação midiática tem sido tão vigorosa que o próprio presidente da República parece ter concluído pela conveniência de um recuo.
Mas a mesma opinião pública exige do STF que deixe para lá sem pestanejar quaisquer dúvidas sobre a possível violação de regras como a vedação da retroatividade das leis, a inexistência de crime sem lei anterior que o preveja e a fixação legal de prazos para a mudança das regras do jogo eleitoral. E por quê? Porque há certos políticos que a opinião pública não gostaria de ver disputando as eleições.
O Ficha Limpa é um bom projeto, mas desperta dúvidas jurídicas. Especialmente sua aplicação nestas eleições. E do STF espera-se que aja com prudência. A última coisa de que o Brasil precisa é um STF jacobino, movido principalmente pelas pressões momentâneas, a decidir conforme o vento na rua. Num país de candidatos a Robespierre, é bom que a tentação do Terror permaneça do lado de fora da suprema corte.
Banco não faz pão e padaria não vende fiado. A opinião pública, como o próprio nome diz, opina. E os tribunais decidem conforme a lei.
Mais ainda quando fatos recentes da política brasileira exibem certa assimetria entre os conceitos de opinião pública e sociedade. Então, de novo, talvez seja prudente não se precipitar.
Se o STF não puder decidir com segurança, que amadureça o assunto. Haverá consequências eleitorais, que o próprio sistema precisará digerir. Será um problema. Mas nada que se compare a autorizar na base da canetada, a partir de uma votação empatada em 5 a 5, a revogação pura e simples de direitos e garantias do cidadão.
Às vezes é preciso coragem para não decidir nada. Talvez tenha sido esse o maior mérito do presidente do STF, Cezar Peluso, na votação desta semana sobre o Ficha Limpa.
Reconheço que o debate carrega um incômodo. A defesa de uma posição ou outra corre o risco de ficar identificada com o alinhamento ao político ou ao partido “x” ou “y”.
Paciência. O risco merece ser corrido. A causa é boa. As pessoas talvez não percebam que se hoje o estado de direito está sendo violado para punir alguém de quem você não gosta amanhã ele estará sendo arranhado para atingir você.
É moleza ser democrata para defender os próprios direitos e os dos amigos. Duro é sê-lo quando essa defesa pode ajudar os adversários, ou inimigos.
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As pessoas talvez não percebam que se hoje o estado de direito está sendo violado para punir alguém de quem você não gosta amanhã ele estará sendo arranhado para atingir você
É compreensível a dificuldade do Supremo Tribunal Federal para decidir sobre a validade do Ficha Limpa nestas eleições. De um lado, a pressão quase insuportável da opinião pública. Do outro, ameaças reais a princípios do texto constitucional. Como o Supremo deve zelar pelo cumprimento da Constituição, fica um nó difícil de desatar.
Aliás, é curioso como entre nós o radicalismo na defesa dos próprios direitos convive bem com o desprezo pelos direitos alheios. Basta convir. É traço característico da nossa formação autoritária. Eu sou contra a ditadura alheia, mas a minha até que não seria tão ruim assim.
Cada grupo social sonha com o dia em que vai se apoderar do Estado, e assim adquirir condições de botar para quebrar em cima dos adversários, concorrentes ou inimigos.
Nos últimos dias a opinião pública vem mobilizada na defesa da liberdade de imprensa, elemento constitutivo da democracia. A mobilização é justa, legítima, desde que se notam no poder movimentos incomodados com a revelação, pela imprensa, de graves problemas intestinais no Palácio do Planalto. A reação midiática tem sido tão vigorosa que o próprio presidente da República parece ter concluído pela conveniência de um recuo.
Mas a mesma opinião pública exige do STF que deixe para lá sem pestanejar quaisquer dúvidas sobre a possível violação de regras como a vedação da retroatividade das leis, a inexistência de crime sem lei anterior que o preveja e a fixação legal de prazos para a mudança das regras do jogo eleitoral. E por quê? Porque há certos políticos que a opinião pública não gostaria de ver disputando as eleições.
O Ficha Limpa é um bom projeto, mas desperta dúvidas jurídicas. Especialmente sua aplicação nestas eleições. E do STF espera-se que aja com prudência. A última coisa de que o Brasil precisa é um STF jacobino, movido principalmente pelas pressões momentâneas, a decidir conforme o vento na rua. Num país de candidatos a Robespierre, é bom que a tentação do Terror permaneça do lado de fora da suprema corte.
Banco não faz pão e padaria não vende fiado. A opinião pública, como o próprio nome diz, opina. E os tribunais decidem conforme a lei.
Mais ainda quando fatos recentes da política brasileira exibem certa assimetria entre os conceitos de opinião pública e sociedade. Então, de novo, talvez seja prudente não se precipitar.
Se o STF não puder decidir com segurança, que amadureça o assunto. Haverá consequências eleitorais, que o próprio sistema precisará digerir. Será um problema. Mas nada que se compare a autorizar na base da canetada, a partir de uma votação empatada em 5 a 5, a revogação pura e simples de direitos e garantias do cidadão.
Às vezes é preciso coragem para não decidir nada. Talvez tenha sido esse o maior mérito do presidente do STF, Cezar Peluso, na votação desta semana sobre o Ficha Limpa.
Reconheço que o debate carrega um incômodo. A defesa de uma posição ou outra corre o risco de ficar identificada com o alinhamento ao político ou ao partido “x” ou “y”.
Paciência. O risco merece ser corrido. A causa é boa. As pessoas talvez não percebam que se hoje o estado de direito está sendo violado para punir alguém de quem você não gosta amanhã ele estará sendo arranhado para atingir você.
É moleza ser democrata para defender os próprios direitos e os dos amigos. Duro é sê-lo quando essa defesa pode ajudar os adversários, ou inimigos.
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Tratamento intensivo — Rede Brasil Atual
Tratamento intensivo — Rede Brasil Atual: "Saúde
Tratamento intensivo
Indicadores sociais mostram muitos avanços, mas o país ainda não melhorou a saúde materna nem se livrou de doenças antigas, como a hanseníase
Por: Cida de Oliveira e João Peres
Publicado em 03/09/2010
Tratamento intensivo
Saúde em casa e prevenção: a enfermeira Rose faz visita a dona Darci. (Foto: Danilo Ramos)
Embora médicos, cientistas e outros especialistas evitem comparar as gestões de Lula e de FHC na área da saúde, os números falam. Uma espécie de painel dos resultados das ações em políticas sociais implementadas no país, o 4º Relatório Nacional de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio analisa a situação do Brasil quanto ao cumprimento de sua agenda para erradicar a extrema pobreza e a fome; universalizar a educação primária; promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; reduzir a mortalidade na infância; melhorar a saúde materna; combater a aids, a malária e outras doenças; garantir a sustentabilidade ambiental e estabelecer parceria mundial para o desenvolvimento. Essas metas foram assumidas em 2000 pelos 191 estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU).
O documento, divulgado recentemente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostra evolução nos tópicos diretamente relacionados à saúde. “As taxas de incidência de aids, crescentes até 2002, se estabilizaram. A partir de 2004 diminuíram também os casos de tuberculose e, de 2006 para cá, a malária tem feito menos vítimas”, diz Jorge Abrahão de Castro, diretor de Estudos e Políticas Sociais do instituto.
Do mesmo modo, houve queda na taxa de mortalidade infantil. O Nordeste ainda é a região mais pobre. No entanto, as políticas de combate à desnutrição mais intenso entre os mais carentes já aproxima seus índices aos das regiões mais desenvolvidas. “Porém, grupos populacionais específicos, como quilombolas e indígenas, continuam apresentando taxas elevadas”, salienta Abrahão. Outro dado positivo é que, em 1996, cerca de 4,2% das crianças de zero a 4 anos tinham o peso abaixo do esperado para a idade. Em 2006 era de 1,8%.
Embora tenha havido também redução da morte materna no período, o Brasil não conseguirá atingir o objetivo de reduzi-la em três quartos até 2015. “É preciso melhorar a investigação dos óbitos maternos, reduzir a proporção de cesarianas e elevar a qualidade da atenção ao parto e ao puerpério (pós-parto)”, destaca o diretor do Ipea.
Outro desafio, segundo ele, é reduzir o coeficiente de detecção de casos novos de hanseníase em menores de 15 anos, que apesar de estável, é considerado alto. Em 2008, havia 5,9 portadores da doença por 100 mil habitantes. Além disso, é necessário ampliar a cobertura da testagem para o HIV no pré-natal e a utilização de preservativos para melhorar o controle da aids, cuja incidência tem aumentado entre as mulheres. É preciso ainda melhorar as condições sanitárias precárias, fazer uso correto dos medicamentos, zerar o abandono do tratamento contra a tuberculose e reforçar a prevenção e o controle da malária.
Peso idealPaulo Marchiori Buss, diretor do Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), aponta muitos outros avanços na saúde nos últimos 20 anos, entre eles o programa Farmácia Popular, criado em 2004. “Medicamentos mais usados contra males crônicos muito comuns, como diabete e pressão alta, que levam a sérias complicações e morte, tiveram seus preços reduzidos”, diz. “Os transplantes também receberam mais investimentos”. Segundo o Ministério da Saúde, entre 2002 e 2009, recursos para o setor cresceram 343%. No ano passado, chegaram a R$ 990 milhões. Mas o destaque, segundo Buss, é o aperfeiçoamento do programa de saúde da família. “Mais conhecido longe dos grandes centros, esse trabalho é muito importante na promoção da saúde porque, entre outras coisas, ensina hábitos alimentares saudáveis que ajudam a evitar problemas sérios, como doenças cardiovasculares, derrame e câncer”, diz. Exemplo dessa atuação vem dos agentes da Unidade Básica de Saúde República, localizada na região central de São Paulo. Eles vão de porta em porta nos antigos edifícios e ainda percorrem as ruas, onde atendem pessoas que têm ali a sua moradia. Em suas visitas periódicas a dona Darci, a enfermeira Rose de Lima conversa sobre os cuidados com a dieta, mede a pressão e a taxa de glicemia no sangue da paciente. “O sedentarismo e a alimentação inadequada, típicos das grandes cidades, desencadeiam doenças como a diabete em muita gente”, diz Rose. Ela conta que, no mesmo prédio, mora dona Teresa, que antes de ser atendida praticamente não andava e sequer tinha força para hábitos simples, como pentear os cabelos. Evolução, segundo a enfermeira, que sinaliza o quão importante é o trabalho dos agentes para a melhoria da saúde e da vida das pessoas.
Outra área destacada é a de pesquisa em saúde. Em 2008 foi criada a Rede Nacional de Terapia Celular (RNTC), por meio da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde. São oito centros tecnológicos localizados em cinco estados brasileiros, que reúnem 52 laboratórios selecionados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e pela própria pasta da Saúde. O objetivo principal da rede é aumentar a integração e troca de informações entre os pesquisadores de todo o Brasil que trabalham com células-tronco (CT). Entre eles está o neurocientista carioca Stevens Rehen, que estuda os mecanismos de formação de neurônios a partir de CT de pluripotência induzida e embrionárias e as consequências que o transplante pode ter no cérebro de roedores com mal de Parkinson.
Coordenador do Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias, localizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele diz que, embora longe do ideal em termos de investimentos na ciência, o Brasil tem avançado no setor, sobretudo de dez anos para cá. “Ao mesmo tempo que criou a rede, que é virtual, o ministério passou a investir na construção e ampliação de laboratórios, e na compra de insumos. Com isso, a pesquisa brasileira com célula-tronco é a mais avançada da América Latina”, diz Rehen. “Lula acertou ao colocar técnicos, e não políticos, no comando das pastas da Saúde e da Ciência e Tecnologia.” Agora, o que ele e seus colegas esperam é vontade política dos próximos governantes para investirem, cada vez mais, nessa área da pesquisa que é das mais promissoras para tratamento, no futuro, de diversas doenças.
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Tratamento intensivo
Indicadores sociais mostram muitos avanços, mas o país ainda não melhorou a saúde materna nem se livrou de doenças antigas, como a hanseníase
Por: Cida de Oliveira e João Peres
Publicado em 03/09/2010
Tratamento intensivo
Saúde em casa e prevenção: a enfermeira Rose faz visita a dona Darci. (Foto: Danilo Ramos)
Embora médicos, cientistas e outros especialistas evitem comparar as gestões de Lula e de FHC na área da saúde, os números falam. Uma espécie de painel dos resultados das ações em políticas sociais implementadas no país, o 4º Relatório Nacional de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio analisa a situação do Brasil quanto ao cumprimento de sua agenda para erradicar a extrema pobreza e a fome; universalizar a educação primária; promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; reduzir a mortalidade na infância; melhorar a saúde materna; combater a aids, a malária e outras doenças; garantir a sustentabilidade ambiental e estabelecer parceria mundial para o desenvolvimento. Essas metas foram assumidas em 2000 pelos 191 estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU).
O documento, divulgado recentemente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostra evolução nos tópicos diretamente relacionados à saúde. “As taxas de incidência de aids, crescentes até 2002, se estabilizaram. A partir de 2004 diminuíram também os casos de tuberculose e, de 2006 para cá, a malária tem feito menos vítimas”, diz Jorge Abrahão de Castro, diretor de Estudos e Políticas Sociais do instituto.
Do mesmo modo, houve queda na taxa de mortalidade infantil. O Nordeste ainda é a região mais pobre. No entanto, as políticas de combate à desnutrição mais intenso entre os mais carentes já aproxima seus índices aos das regiões mais desenvolvidas. “Porém, grupos populacionais específicos, como quilombolas e indígenas, continuam apresentando taxas elevadas”, salienta Abrahão. Outro dado positivo é que, em 1996, cerca de 4,2% das crianças de zero a 4 anos tinham o peso abaixo do esperado para a idade. Em 2006 era de 1,8%.
Embora tenha havido também redução da morte materna no período, o Brasil não conseguirá atingir o objetivo de reduzi-la em três quartos até 2015. “É preciso melhorar a investigação dos óbitos maternos, reduzir a proporção de cesarianas e elevar a qualidade da atenção ao parto e ao puerpério (pós-parto)”, destaca o diretor do Ipea.
Outro desafio, segundo ele, é reduzir o coeficiente de detecção de casos novos de hanseníase em menores de 15 anos, que apesar de estável, é considerado alto. Em 2008, havia 5,9 portadores da doença por 100 mil habitantes. Além disso, é necessário ampliar a cobertura da testagem para o HIV no pré-natal e a utilização de preservativos para melhorar o controle da aids, cuja incidência tem aumentado entre as mulheres. É preciso ainda melhorar as condições sanitárias precárias, fazer uso correto dos medicamentos, zerar o abandono do tratamento contra a tuberculose e reforçar a prevenção e o controle da malária.
Peso idealPaulo Marchiori Buss, diretor do Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), aponta muitos outros avanços na saúde nos últimos 20 anos, entre eles o programa Farmácia Popular, criado em 2004. “Medicamentos mais usados contra males crônicos muito comuns, como diabete e pressão alta, que levam a sérias complicações e morte, tiveram seus preços reduzidos”, diz. “Os transplantes também receberam mais investimentos”. Segundo o Ministério da Saúde, entre 2002 e 2009, recursos para o setor cresceram 343%. No ano passado, chegaram a R$ 990 milhões. Mas o destaque, segundo Buss, é o aperfeiçoamento do programa de saúde da família. “Mais conhecido longe dos grandes centros, esse trabalho é muito importante na promoção da saúde porque, entre outras coisas, ensina hábitos alimentares saudáveis que ajudam a evitar problemas sérios, como doenças cardiovasculares, derrame e câncer”, diz. Exemplo dessa atuação vem dos agentes da Unidade Básica de Saúde República, localizada na região central de São Paulo. Eles vão de porta em porta nos antigos edifícios e ainda percorrem as ruas, onde atendem pessoas que têm ali a sua moradia. Em suas visitas periódicas a dona Darci, a enfermeira Rose de Lima conversa sobre os cuidados com a dieta, mede a pressão e a taxa de glicemia no sangue da paciente. “O sedentarismo e a alimentação inadequada, típicos das grandes cidades, desencadeiam doenças como a diabete em muita gente”, diz Rose. Ela conta que, no mesmo prédio, mora dona Teresa, que antes de ser atendida praticamente não andava e sequer tinha força para hábitos simples, como pentear os cabelos. Evolução, segundo a enfermeira, que sinaliza o quão importante é o trabalho dos agentes para a melhoria da saúde e da vida das pessoas.
Outra área destacada é a de pesquisa em saúde. Em 2008 foi criada a Rede Nacional de Terapia Celular (RNTC), por meio da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde. São oito centros tecnológicos localizados em cinco estados brasileiros, que reúnem 52 laboratórios selecionados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e pela própria pasta da Saúde. O objetivo principal da rede é aumentar a integração e troca de informações entre os pesquisadores de todo o Brasil que trabalham com células-tronco (CT). Entre eles está o neurocientista carioca Stevens Rehen, que estuda os mecanismos de formação de neurônios a partir de CT de pluripotência induzida e embrionárias e as consequências que o transplante pode ter no cérebro de roedores com mal de Parkinson.
Coordenador do Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias, localizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele diz que, embora longe do ideal em termos de investimentos na ciência, o Brasil tem avançado no setor, sobretudo de dez anos para cá. “Ao mesmo tempo que criou a rede, que é virtual, o ministério passou a investir na construção e ampliação de laboratórios, e na compra de insumos. Com isso, a pesquisa brasileira com célula-tronco é a mais avançada da América Latina”, diz Rehen. “Lula acertou ao colocar técnicos, e não políticos, no comando das pastas da Saúde e da Ciência e Tecnologia.” Agora, o que ele e seus colegas esperam é vontade política dos próximos governantes para investirem, cada vez mais, nessa área da pesquisa que é das mais promissoras para tratamento, no futuro, de diversas doenças.
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Caros Amigos
Caros Amigos: "22/09/2010
Saúde pública leiloada
Funcionários públicos, economistas, juristas e parlamentares avaliam os problemas da privatização da saúde no Estado de São Paulo via transferência da administração para as Organizações Sociais. A mercantilização gera prejuízos aos usuários sem comprovar economia aos cofres públicos.
Por Débora Prado
Unidades com pintura fresca, recepção, cafezinho e promessa de pouca fila. A transferência de grande parte da gestão de hospitais, ambulatórios e laboratórios no Estado de São Paulo para a iniciativa privada foi anunciada pelo governo como uma solução inovadora para o déficit da saúde pública. Com mais flexibilidade e eficiência, esses ‘empreendedores filantrópicos’ são experts na otimização e gerenciamento de recursos, melhorando o atendimento à população com menor custo, certo? Errado. A mercantilização da área tem gerado prejuízos para os funcionários e pacientes, já foi alvo de pedido de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) na Assembleia Legislativa paulista e despertou a ira do CNS (Conselho Nacional de Saúde), sem comprovar que haja de fato economia para os cofres públicos.
As denúncias vêm de diversos lados: trabalhadores da saúde relatam instabilidade e assédio moral; no atendimento, o sistema de metas numéricas impostas de cima para baixo prejudica a atenção às necessidades locais da população; juristas contestam a constitucionalidade da medida, especialistas duvidam da capacidade do Estado fiscalizar o custo dos serviços nas unidades, após a transferência da gestão para o setor privado. Com um processo pouco transparente de terceirização, ainda há suspeitas de favorecimento financeiro e político sendo apuradas pelo CNS.
A Constituição Federal, com a implementação do SUS (Sistema Único de Saúde), prevê que a saúde deve ser totalmente pública e é vetada
a transferência de propriedade do Estado para o setor privado. Com isso, a saída encontrada para incluir a área na onda de privatizações promovidas a partir da década de 1990 no Brasil foi pelos serviços. Inúmeros hospitais públicos terceirizam desde os serviços menos complexos, como segurança e limpeza, até serviços como a radiologia e o próprio atendimento médico. O principal instrumento para promover a privatização da saúde no País, entretanto, foi a entrega da gestão de hospitais para as Organizações Sociais de Saúde (OSS) – com destaque para o Estado de São Paulo, que se tornou o grande flanco desse modelo.
“As OSS vieram com uma promessa de renovar, de melhorar um quadro em que tudo estava muito antigo – desde a estrutura até os profissionais, que não tinham incentivos pra atualização. Mas, é difícil dizer que melhorou, esse modelo mercantilizou mais a questão da saúde e estimulou a competitividade. Você passa a ter uma noção de que a saúde é número, é meta, porque a meta representa produção e a produção dá visibilidade. Acho que sumiu a qualidade, aquela ideia da saúde pública com um sentimento mais integral e transdisciplinar”, avalia uma enfermeira que já passou por diversas OSS na cidade de
São Paulo e prefere não se identificar.
A Lei Complementar número 846/1998 regulamenta a remuneração que cada OSS receberá e prevê que o montante deve ser proporcional ao
percentual das metas cumpridas. É justamente aí que reside o primeiro problema, conforme relata a enfermeira. Ela avalia que os investimentos em insfraestrutura poderiam ter sido feitos sem a transferência da gestão para a iniciativa privada, pois este sistema de metas penaliza os trabalhadores e os usuários.
“Você tem que atingir a meta, além de fazer o trabalho administrativo e ainda fazer os projetos que a OSS quer pra ter mais visibilidade, como de reciclagem. Tudo isso em um tempo recorde e muito centrado em patologia. Por exemplo, a população num local pode ter o maior risco para sua saúde por uso de drogas e isso não vai importar, as metas são focadas em hipertensão, diabetes, gestantes, crianças e idosos. Os números estão muito longe da realidade”, conta.
As metas são instituídas no contrato com o Estado e podem variar de acordo com o programa em que a unidade se insere. A remuneração
varia de acordo com cada unidade e convênio e, legalmente, as administradoras não podem ter fins lucrativos, apesar de decidirem a destinação de gordas fatias do orçamento público. O profissional, normalmente, é avaliado por um número de atendimentos realizados ou visitas domiciliares. No caso da enfermeira, cuja equipe se enquadra no Programa Saúde da Família, é pedido 192 consultas e 32 visitas mensais, enquanto dos médicos que trabalham com ela são requeridas 400 consultas/mês e 42 visitas domiciliares.
“Vira realmente um mercado, assim como o McDonald’s, tem o funcionário do mês, aquele que mostrou mais números, mesmo que ele não tenha trabalhado de acordo com as necessidades da população. E se você questiona, pode ser demitido, tenho vários amigos que perderam o emprego. O assedio moral é muito grande”. Ela relata casos de racismo e pressões para que profissionais não tornassem públicos os problemas dentro da OSS para não haver um marketing negativo para a gestora.
Já para os médicos, as OSS se tornam um localde passagem. “Falta médico no mercado para trabalhar com pobre, a rotatividade é muito grande. Eles ficam lá até conseguir algo melhor. Normalmente, o salário é alto, e, ainda assim, em 3 anos tive 6 médicos diferentes na minha equipe”, conta.
Por outro lado, pode faltar recursos básicos, como curativos e materiais para fazer sutura. Um funcionário de uma Organização Parceira conta que faltam materiais mínimos na sua unidade, como um aparelho de medir pressão. Isto porque, se este item não está previsto no convênio firmado, ele não é comprado pelo administrador privado, pois não haverá o reembolso do Estado.
Este funcionário avalia que a aparência mais nova das unidades geridas pelas organizações privadas agrada uma parte da população, mas assegura que o atendimento piorou bastante. “As metas são indicadores de produção, o problema é que elas aparecem de cima pra baixo, não são discutidas com a região, não levam em consideração
a conjuntura e as necessidades locais. E o profissional é tão ameaçado e pressionado, que ele entra numa dinâmica de não dar conta e aí troca de unidade. Então tem uma rotatividade muito grande de profissionais, principalmente médicos, e isso prejudica o vínculo de quem está lá com a população local”, lamenta.
Para ele, isto faz muita diferença. “Tem questão, por exemplo, que é de saúde mental. Uma pessoa pode ir todo dia à unidade relatar um problema diferente e ele fica passando por procedimentos padrões, faz várias consultas, por não ter um profissional que se envolva com o local e perceba que o problema é de outra ordem”, exemplifica.
Não é novidade
As denúncias relatadas hoje já haviam sido alvo de investigação em 2007, numa sub-relatoria da CPI da Saúde realizada pela Assembleia Legislativa de São Paulo. O relatório final da Comissão, de autoria do deputado estadual Hamilton Pereira (PT), afirma:
“A gestão por cumprimento de metas, por processos e por produtividade utilizados nas Organizações Sociais gera uma situação de instabilidade para os trabalhadores por elas contratados ocasionando uma superexploração. (...) Outra questão grave foi o problema de ‘quarteirização’, a terceirização ou contratação de empresas por parte das OS’s, encontradas em todos os hospitais (...) Diante do quadro apurado, constata-se que o chamado ‘melhor desempenho’ dos Hospitais geridos por Organizações Sociais de Saúde pouco significam na prática. A conclusão a que se chega, na presente questão, é que o frágil controle do Estado sobre essas entidades e sobre a execução da assitência à saúde, aliada à grave precarização do trabalho nas OS’s, justifica a necessidade de um processo de reversão da gestão (...)”.
Apesar disso, o total de hospitais gerenciados pelas organizações subiu de 13, em 2007, para 22, em julho deste ano, de acordo com a apuração do CNS. O relatório do deputado estadual Raul Marcelo (PSOL), Sub-Relator de Organizações Sociais da CPI, apontou também para a necessidade de uma CPI específica para investigar as relações entre as OSs e o governo do PSDB, em São Paulo, mas como o partido tem maioria na Alesp, a denúncia não foi adiante.
“A bancada do PSDB dificultou ao máximo a criação da sub-relatoria para investigar as OSs, no entanto, conseguimos aprovar num cochilo
da base do Governo, quando da votação do nosso requerimento. Mas, a situação mudou completamente na votação do nosso relatório e das
suas respectivas conclusões e propostas, porque além das denúncias de falta de transparência, participação e controle social sobre estes hospitais, também propusemos o retorno dos hospitais entregues às OSs para a administração direta. Isso é possível do ponto de vista administrativo e comprovamos em nosso relatório, para alterar o projeto de privatização hoje em curso no nosso Estado. Mas todas nossas propostas sofreram limitação total”.
Em 2007, o deputado visitou 7 dos 13 hospitais geridos por OSS. O quadro apurado não mudou: uma OSS, normalmente, gerencia várias
unidades, todas terceirizam algum tipo de serviço, contratando empresas sem licitação, e o sistema de metas para medir a transferência de recursos é, no mínimo, questionável - situação que se
agrava pela ausência de um mecanismo de fiscalização que contemplasse a participação dos usuários e funcionários. Seu parecer concluiu:
“A terceirização, dentro das Organizações Sociais, ocasionam graves
prejuízos à qualidade do ambiente de trabalho dos funcionários, caracterizados por desvio de função, sobrecarga de serviços e usual assédio moral e alta rotatividade quanto às empresas terceirizadas. As terceirizações também não estão submetidas a algumas regras da administração pública como a lei de licitações, fundamental à transparência dos serviços prestados pelo Estado ou para o Estado. Essa falta de transparência pode inclusive proporcionar uso indevido
dos recursos públicos, que foi o teor de uma série de denúncias recebidas sobre processos de terceirização nos hospitais da dministração superfaturamento de contratos, prestação de serviço
aquém do contratado, favorecimento individual, dentre outros.”
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Saúde pública leiloada
Funcionários públicos, economistas, juristas e parlamentares avaliam os problemas da privatização da saúde no Estado de São Paulo via transferência da administração para as Organizações Sociais. A mercantilização gera prejuízos aos usuários sem comprovar economia aos cofres públicos.
Por Débora Prado
Unidades com pintura fresca, recepção, cafezinho e promessa de pouca fila. A transferência de grande parte da gestão de hospitais, ambulatórios e laboratórios no Estado de São Paulo para a iniciativa privada foi anunciada pelo governo como uma solução inovadora para o déficit da saúde pública. Com mais flexibilidade e eficiência, esses ‘empreendedores filantrópicos’ são experts na otimização e gerenciamento de recursos, melhorando o atendimento à população com menor custo, certo? Errado. A mercantilização da área tem gerado prejuízos para os funcionários e pacientes, já foi alvo de pedido de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) na Assembleia Legislativa paulista e despertou a ira do CNS (Conselho Nacional de Saúde), sem comprovar que haja de fato economia para os cofres públicos.
As denúncias vêm de diversos lados: trabalhadores da saúde relatam instabilidade e assédio moral; no atendimento, o sistema de metas numéricas impostas de cima para baixo prejudica a atenção às necessidades locais da população; juristas contestam a constitucionalidade da medida, especialistas duvidam da capacidade do Estado fiscalizar o custo dos serviços nas unidades, após a transferência da gestão para o setor privado. Com um processo pouco transparente de terceirização, ainda há suspeitas de favorecimento financeiro e político sendo apuradas pelo CNS.
A Constituição Federal, com a implementação do SUS (Sistema Único de Saúde), prevê que a saúde deve ser totalmente pública e é vetada
a transferência de propriedade do Estado para o setor privado. Com isso, a saída encontrada para incluir a área na onda de privatizações promovidas a partir da década de 1990 no Brasil foi pelos serviços. Inúmeros hospitais públicos terceirizam desde os serviços menos complexos, como segurança e limpeza, até serviços como a radiologia e o próprio atendimento médico. O principal instrumento para promover a privatização da saúde no País, entretanto, foi a entrega da gestão de hospitais para as Organizações Sociais de Saúde (OSS) – com destaque para o Estado de São Paulo, que se tornou o grande flanco desse modelo.
“As OSS vieram com uma promessa de renovar, de melhorar um quadro em que tudo estava muito antigo – desde a estrutura até os profissionais, que não tinham incentivos pra atualização. Mas, é difícil dizer que melhorou, esse modelo mercantilizou mais a questão da saúde e estimulou a competitividade. Você passa a ter uma noção de que a saúde é número, é meta, porque a meta representa produção e a produção dá visibilidade. Acho que sumiu a qualidade, aquela ideia da saúde pública com um sentimento mais integral e transdisciplinar”, avalia uma enfermeira que já passou por diversas OSS na cidade de
São Paulo e prefere não se identificar.
A Lei Complementar número 846/1998 regulamenta a remuneração que cada OSS receberá e prevê que o montante deve ser proporcional ao
percentual das metas cumpridas. É justamente aí que reside o primeiro problema, conforme relata a enfermeira. Ela avalia que os investimentos em insfraestrutura poderiam ter sido feitos sem a transferência da gestão para a iniciativa privada, pois este sistema de metas penaliza os trabalhadores e os usuários.
“Você tem que atingir a meta, além de fazer o trabalho administrativo e ainda fazer os projetos que a OSS quer pra ter mais visibilidade, como de reciclagem. Tudo isso em um tempo recorde e muito centrado em patologia. Por exemplo, a população num local pode ter o maior risco para sua saúde por uso de drogas e isso não vai importar, as metas são focadas em hipertensão, diabetes, gestantes, crianças e idosos. Os números estão muito longe da realidade”, conta.
As metas são instituídas no contrato com o Estado e podem variar de acordo com o programa em que a unidade se insere. A remuneração
varia de acordo com cada unidade e convênio e, legalmente, as administradoras não podem ter fins lucrativos, apesar de decidirem a destinação de gordas fatias do orçamento público. O profissional, normalmente, é avaliado por um número de atendimentos realizados ou visitas domiciliares. No caso da enfermeira, cuja equipe se enquadra no Programa Saúde da Família, é pedido 192 consultas e 32 visitas mensais, enquanto dos médicos que trabalham com ela são requeridas 400 consultas/mês e 42 visitas domiciliares.
“Vira realmente um mercado, assim como o McDonald’s, tem o funcionário do mês, aquele que mostrou mais números, mesmo que ele não tenha trabalhado de acordo com as necessidades da população. E se você questiona, pode ser demitido, tenho vários amigos que perderam o emprego. O assedio moral é muito grande”. Ela relata casos de racismo e pressões para que profissionais não tornassem públicos os problemas dentro da OSS para não haver um marketing negativo para a gestora.
Já para os médicos, as OSS se tornam um localde passagem. “Falta médico no mercado para trabalhar com pobre, a rotatividade é muito grande. Eles ficam lá até conseguir algo melhor. Normalmente, o salário é alto, e, ainda assim, em 3 anos tive 6 médicos diferentes na minha equipe”, conta.
Por outro lado, pode faltar recursos básicos, como curativos e materiais para fazer sutura. Um funcionário de uma Organização Parceira conta que faltam materiais mínimos na sua unidade, como um aparelho de medir pressão. Isto porque, se este item não está previsto no convênio firmado, ele não é comprado pelo administrador privado, pois não haverá o reembolso do Estado.
Este funcionário avalia que a aparência mais nova das unidades geridas pelas organizações privadas agrada uma parte da população, mas assegura que o atendimento piorou bastante. “As metas são indicadores de produção, o problema é que elas aparecem de cima pra baixo, não são discutidas com a região, não levam em consideração
a conjuntura e as necessidades locais. E o profissional é tão ameaçado e pressionado, que ele entra numa dinâmica de não dar conta e aí troca de unidade. Então tem uma rotatividade muito grande de profissionais, principalmente médicos, e isso prejudica o vínculo de quem está lá com a população local”, lamenta.
Para ele, isto faz muita diferença. “Tem questão, por exemplo, que é de saúde mental. Uma pessoa pode ir todo dia à unidade relatar um problema diferente e ele fica passando por procedimentos padrões, faz várias consultas, por não ter um profissional que se envolva com o local e perceba que o problema é de outra ordem”, exemplifica.
Não é novidade
As denúncias relatadas hoje já haviam sido alvo de investigação em 2007, numa sub-relatoria da CPI da Saúde realizada pela Assembleia Legislativa de São Paulo. O relatório final da Comissão, de autoria do deputado estadual Hamilton Pereira (PT), afirma:
“A gestão por cumprimento de metas, por processos e por produtividade utilizados nas Organizações Sociais gera uma situação de instabilidade para os trabalhadores por elas contratados ocasionando uma superexploração. (...) Outra questão grave foi o problema de ‘quarteirização’, a terceirização ou contratação de empresas por parte das OS’s, encontradas em todos os hospitais (...) Diante do quadro apurado, constata-se que o chamado ‘melhor desempenho’ dos Hospitais geridos por Organizações Sociais de Saúde pouco significam na prática. A conclusão a que se chega, na presente questão, é que o frágil controle do Estado sobre essas entidades e sobre a execução da assitência à saúde, aliada à grave precarização do trabalho nas OS’s, justifica a necessidade de um processo de reversão da gestão (...)”.
Apesar disso, o total de hospitais gerenciados pelas organizações subiu de 13, em 2007, para 22, em julho deste ano, de acordo com a apuração do CNS. O relatório do deputado estadual Raul Marcelo (PSOL), Sub-Relator de Organizações Sociais da CPI, apontou também para a necessidade de uma CPI específica para investigar as relações entre as OSs e o governo do PSDB, em São Paulo, mas como o partido tem maioria na Alesp, a denúncia não foi adiante.
“A bancada do PSDB dificultou ao máximo a criação da sub-relatoria para investigar as OSs, no entanto, conseguimos aprovar num cochilo
da base do Governo, quando da votação do nosso requerimento. Mas, a situação mudou completamente na votação do nosso relatório e das
suas respectivas conclusões e propostas, porque além das denúncias de falta de transparência, participação e controle social sobre estes hospitais, também propusemos o retorno dos hospitais entregues às OSs para a administração direta. Isso é possível do ponto de vista administrativo e comprovamos em nosso relatório, para alterar o projeto de privatização hoje em curso no nosso Estado. Mas todas nossas propostas sofreram limitação total”.
Em 2007, o deputado visitou 7 dos 13 hospitais geridos por OSS. O quadro apurado não mudou: uma OSS, normalmente, gerencia várias
unidades, todas terceirizam algum tipo de serviço, contratando empresas sem licitação, e o sistema de metas para medir a transferência de recursos é, no mínimo, questionável - situação que se
agrava pela ausência de um mecanismo de fiscalização que contemplasse a participação dos usuários e funcionários. Seu parecer concluiu:
“A terceirização, dentro das Organizações Sociais, ocasionam graves
prejuízos à qualidade do ambiente de trabalho dos funcionários, caracterizados por desvio de função, sobrecarga de serviços e usual assédio moral e alta rotatividade quanto às empresas terceirizadas. As terceirizações também não estão submetidas a algumas regras da administração pública como a lei de licitações, fundamental à transparência dos serviços prestados pelo Estado ou para o Estado. Essa falta de transparência pode inclusive proporcionar uso indevido
dos recursos públicos, que foi o teor de uma série de denúncias recebidas sobre processos de terceirização nos hospitais da dministração superfaturamento de contratos, prestação de serviço
aquém do contratado, favorecimento individual, dentre outros.”
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