Na Prática a Teoria é Outra: "A anticampanha de 2010
Sep 19th, 2010
by NPTO.
Eba! Degenerou em Bate-Boca!!! 13
Nem a idéia da capa é nova
O que vimos nessas últimas semanas não é campanha eleitoral, no sentido estrito. É óbvio que as denúncias divulgadas querem favorecer um candidato e prejudicar outra, mas não acho que o essencial seja isso – e, se for, não está dando certo. O essencial, acho eu, é impedir que as relações do PT com os formadores de opinião brasileiro se normalizem.
Eu não tenho como medir isso, mas eu acho que essa normalização vinha acontecendo. O PT ganhou duas presidenciais seguidas, e está prestes a ganhar a terceira, o que sugere que já virou um dos eixos de nossa democracia. O PT manteve a política econômica responsável, administrou bem o país durante a crise mundial, e a diminuição da pobreza elevou nossa respeitabilidade internacional. Muita gente boa ganhou dinheiro sob o governo do PT.
Ao mesmo tempo, no debate intelectual, pouca gente consegue sustentar essas coisas que o pessoal do Disk-fonte (boa, Sakamoto) argumenta. Não vai ter PRI, não tem sub-peronismo, e nada disso sobreviveu à primeira entrevista com especialista. Ninguém, entre o pessoal acostumado a analisar política, comprou muito a tese de que a corrupção feita pelos petistas era alguma novidade – embora muita gente tenha se decepcionado, legitimamente, com a continuidade das práticas. Os números do PT venceram os discursos dessa turma.
A boa fase da economia, a acomodação política com o empresariado, a melhora da imagem internacional do país, a manutenção de todas as liberdades possíveis e imagináveis, e os números, os números, os números, vinham diminuindo muito o impacto do argumento de que o PT seria uma catástrofe, o fim da democracia, ou coisa que o valhesse.
E, a essa altura, começou a cair o valor de mercado dos antipetistas profissionais: o pessoal que não tem muito mais qualificações profissionais a não ser escrever que o PT foi a maior tragédia jamais vista na história nacional. É essa turma de sempre. Gente que vive de palavra, e a empenhou na previsão de que o PT seria um desastre para o país.
Baseado na minha impressão pessoal, ser petista começou a ser mais aceitável em polite company no Brasil, como ser Labour ou Democrata é nas democracias maduras. Eu acho que é uma questão de tempo até gente de centro-esquerda que rompeu com o PT voltar a conversar com a gente.
Claro, a elite econômica nunca vai ser petista, e nem é pra ser, os interesses econômicos continuam os de sempre. Mas a questão é saber se vai ser aceito que existe um outro lado, um novo agente, novos segmentos sociais que conquistaram poder político e souberam respeitar as regras da democracia, agentes com os quais é necessário negociar. Eu acho que vai.
Não sei se a matéria da Carta Capital sobre o Aécio e um novo partido tem algum fundo de verdade (meu palpite é que tem), e acho que ela pode ser auto-refutada, pode ser que o projeto seja abortado por sua divulgação prematura. De qualquer maneira, na classe política a acomodação do PT já começou faz tempo. Se o César Maia achasse mesmo que o PT é a ameaça totalitária que ele diz, não teria se aproximado de candidatos petistas na baixada quando foi do interesse dele.
Mas se isso tudo acontecer, ao menos se acontecer enquanto a oposição não se reorganizar, é a indústria do antipetismo radical que vai começar a se mover para fora do mainstream. Acho difícil que dali saia o núcleo da nova direita que, não há como ter qualquer dúvida sobre isso, vai, eventualmente, aparecer no Brasil, e, suspeito, vai conseguir recrutar boa parte da nova classe média do Lula, daqui a alguns anos, quando ela estiver consolidada. Como muita coisa antes de nós, acho que nós eventualmente vamos ser derrotados pelo nosso sucesso. E está beleza, quando acontecer, a gente pensa em alguma outra coisa para fazer.
Eu não acho que a campanha atual seja, fundamentalmente, um esforço golpista, mas tampouco acho que se trate só de ganhar a eleição, o que ninguém lá mais acha que vai dar pra fazer. Acho que a idéia é barrar essa normalização, manter o PT excluído do que é halal para a classe média. Alguém viu o inacreditável artigo do Lamounier na Exame? A idéia é essa: tudo bem que pobre vota com o bolso (porque a elite, todos sabemos, primeiro consulta o Kant dentro de si, e só depois vota), mas porque tem gente da classe média pra cima votando no PT? Malditos. A idéia de que o sujeito que vota no PT possa ter razão, ao menos a partir de outros pressupostos que não os do autor (em si mesmo muito frágeis), que possa votar depois de ter refletido, por exemplo, sobre os méritos comparativos da oposição, é descartada de princípio, com o que a Exame continua formando público para o que ela publica.
Lamento informar, mas acho que o esforço de oposição à normalização do PT está tendo razoável grau de sucesso. O debate na imprensa está inteiramente 2005. Voltaram as correntes de e-mail “Dilma terrorista me bateu na escola”. Em grau menor do que já foi (porque já foi insuportável), voltou aquele antipetista chato do seu trabalho, que nunca se responsabiliza pelo que fazem os candidatos em quem ele vota, mas acha que você é pessoalmente culpado por qualquer coisa que algum petista safado tenha feito no Amapá.
Não sei se vai continuar, e espero que o pior cenário – a desilusão dessa turma com a democracia que insiste em votar na esquerda – não aconteça. Mas lamento que a tendência em que vinha o debate brasileiro tenha sido revertida. Algumas propostas que têm tudo para serem positivas para o Brasil vinham atingindo razoável grau de consenso, e o debate foi bastante envenenado.
Do lado da direita eu não sei, mas aqui muita gente radical que andava meio desorientada se animou. Já estava sendo considerado meio ridículo chamar a oposição de “golpista”, até que o Serra, inacreditavelmente, tentou cassar a candidatura da Dilma. O papo de PIG vinha virando piada, mas agora voltou com tudo – culminando com a declaração desastrada do Zé Dirceu sobre excesso de liberdade de imprensa (contra a qual recomendo esse post do Idelber).
Nada disso vai dar em nada. Acabando a eleição, as coisas voltam a ser tocadas. Mas vão acabar sendo tocadas de forma mais lenta, dependendo do entusiasmo dos políticos, dos grupos de pressão, ou do suborno dos empresários, porque a sociedade civil corre o risco de continuar com os fascinantes debates dos últimos anos sobre quem é a encarnação do mal na vida brasileira.
É o Eurico Miranda, porra. Vamos para o próximo assunto.
PS: desnecessário dizer, não estou defendendo que se ignore as denúncias de corrupção da Veja. Elas devem ser processadas pelos canais institucionais apropriados, e, de preferência, não quinze dias antes da eleição que o candidato da revista que denuncia está prestes a perder.
PSTU: ia colocar mais parágrafos sobre liberdade de imprensa, mas agora quero ver como se desenvolve essa ameaça à Carta Capital. Se acontecesse com qualquer outro órgão de imprensa, a turma surtava. Eu, particularmente, pretendo surtar se fecharem a Carta.
PSTUdoB: e essa história de que a CC não é uma revista confiável é inacreditável. A CC apóia o governo com muito mais distanciamento do que a Veja a ele se opõe. Duvido que se me demonstrem que a capacidade técnica dos jornalistas da CC é menor do que a das outras revistas (muita gente ali trabalhou nas outras). Os colunistas são ótimos – ou alguém acha o Delfim burro? Se você acha que há algum problema jornalístico com a matéria da Carta Capital, desça o cacete na revista. Ignorá-la, fingir que ela não existe, simplesmente não vale, e não consigo imaginar isso acontecendo em uma democracia madura. A CNN não ignora as denúncias da Fox News, que deve ser a empresa de notícias mais parcial a se tornar grande em uma democracia. A participação da CC no debate nacional, como uma igual, é outra coisa que precisa começar a ocorrer imediatamente, e inevitalvemente vai acontecer um dia.
– Enviado usando a Barra de Ferramentas Google"
Nenhum comentário:
Postar um comentário