sábado, 18 de setembro de 2010

Revista Cult » Entrevista – Marilena Chauí

Revista Cult » Entrevista – Marilena Chauí

Entrevista – Marilena Chauí

Publicado em 31 de março de 2010
A filósofa mais importante do país discute a crise financeira, a popularidade do governo Lula, e afirma a centralidade do ensino da história da filosofia nas escolas
Juvenal Savian Filho e Eduardo Socha
Refrear, neste caso, uma declaração talvez mais entusiasmada seria um gesto insensato: Marilena Chaui é, sob vários aspectos, uma das personalidades mais admiráveis do país. Pois não basta dizer que sua trajetória como educadora se confunde com a própria difusão da filosofia universitária no Brasil. Essa constatação, evidente quando se observa a formação de nossos departamentos de filosofia, deriva de apenas uma das linhas de atuação da pensadora. Sua  ativa participação nas discussões sobre os rumos da educação brasileira atestam a continuidade do engajamento, que vai além dos muros universitários da FFLCH-USP, onde leciona há 40 anos. Comprovando que também é possível romper com a elitização do ensino de filosofia sem abandonar o rigor que caracteriza a verdadeira atitude filosófica, seu livro Convite à filosofia tornou-se uma introdução surpreendente ao filosofar e referência praticamente obrigatória para o ensino médio.
Em razão de sua militância no campo político-partidário – outra linha de atuação –, seu nome hoje integra o panteão dos intelectuais que forneceram as coordenadas teóricas para a consolidação da democracia em nossa história política recente. Membro fundador do PT, teve experiência no Poder Executivo como secretária de Cultura de São Paulo, na gestão de Luiza Erundina; experiência esta que, segundo a própria filósofa, requisitava um jogo de cintura incompatível com o princípio de autonomia da atividade intelectual, esta sim sua vocação declarada. Distante do Executivo, não deixou porém de atuar como conselheira e porta-voz dos ideais emancipatórios e democráticos dos diversos movimentos de esquerda.
Como se não bastasse, sua pesquisa acadêmica, voltada à filosofia de Espinosa e de Merleau-Ponty, marcada pela interpretação austera dos textos, pelo respeito filológico ao “espírito de letra” dos pensadores, conquistou o reconhecimento nacional e internacional. Distinções como a Ordre des Palmes Académiques, conferida pela Presidência da República francesa (1992), e os dois títulos de doutorado honoris causa, um pela Universidade de Paris 8 (2003), outro pela Universidade de Córdoba (2004), são exemplos que por si testemunham o alcance notável de sua produção.
Sim, claro, existem os críticos de seu trabalho. Mas, infelizmente, poucos merecem ser ouvidos ou lidos. Dizemos infelizmente, porque o primitivismo e a esterilidade de grande parte dessa crítica confirmam a precariedade intelectual de nossos debates, de nosso atual estado de coisas. A tais  críticas, que tão logo expoem suas fissuras de raciocínio, caberia apenas o riso da indulgência não fosse o espaço midiático que ocupam, não fosse a agressividade de suas manifestações, o preconceito, o ressentimento e o desvirtuamento rasteiro; as atitudes lamentáveis que afinal determinam o modus operandi de uma parcela da direita brasileira.
 Na entrega do honoris causa pela Universidade de Paris, disseram: “Para alguns, a filosofia é uma carreira universitária. Para outros, mais raros, ela é um combate. Era, certamente, o caso de Espinosa. E é também, sem dúvida, o de Marilena Chaui”. Talvez isso explique a resistência e a polivalência da pensadora em um país com tantas
adversidades. Talvez isso justifique também o espírito enérgico pelo qual manifesta suas convicções na educação, na política, em sua pesquisa acadêmica. Mas o segredo maior parece ser o apreço pelo tempo necessário à reflexão. Na mesma cerimônia, Claude Lefort lembrou que a eloquência e a rapidez de sua inteligência não ocultam paradoxalmente o traço que melhor caracteriza a filósofa: a paciência do pensamento.
Marilena prepara atualmente o segundo volume de A nervura do real, continuação de sua obra sobre política em Espinosa. Nesta entrevista, concedida à CULT, a filósofa fala sobre a atual crise financeira, a popularidade do governo Lula, a inclusão da filosofia no ensino médio e também sobre sua trajetória de vida.
CULT – Diante desta crise financeira, a senhora acredita que estamos vivendo um momento histórico privilegiado para a reorganização da esquerda, para a reavaliação de seu conteúdo programático, para novas formas de mobilização popular? Ou a oportunidade será absorvida pelo redemoinho ideológico do liberalismo, agora em versão “light”, de caráter mais keynesiano?
Marilena Chaui – Penso que as duas possibilidades estão dadas. Considero este um momento privilegiado, pois o fim do neoliberalismo (e não do capitalismo, claro!) abre um campo de reflexões novas para a esquerda e, uma vez que as atenções da economia e das políticas governamentais se voltam novamente para a esfera da produção e do trabalho (aquilo que significativamente os economistas agora chamam de “economia real”), também se abre um campo para práticas de classe por parte dos trabalhadores, assim como se torna possível o reaparecimento de movimentos sociais dirigidos aos direitos econômicos, sociais e políticos.
Pois está colocada em questão a operação própria do neoliberalismo, qual seja, a de dirigir todos os recursos públicos para os interesses do capital, levando à privatização dos direitos sociais, ao transformá-los em serviços privados a serem adquiridos no mercado. O pensamento e a práxis se abrem porque a percepção da irracionalidade do mercado desmantela a crença em sua suposta racionalidade autônoma, crença que durante 30 anos assegurou a hegemonia ideológica do chamado “pensamento único”.
Ou seja, quando se fala em “economia real” para se referir à esfera da produção, o que se anuncia é a retomada da discussão do núcleo do modo de produção capitalista, isto é, o valor produzido pelo trabalho, e havia sido justamente isso que o monetarismo neoliberal julgara ter liquidado para sempre ao supor que poderia tratar o capital como moeda e não como resultado do processo de trabalho.
Sem dúvida, a abertura do tempo histórico será um processo longo e difícil e por isso mesmo, a curto prazo, irá prevalecer a tentativa de um neoliberalismo moderado, temperado com idéias keynesianas. Porém, o simples fato de vermos os governos e partidos de direita propondo medidas de cunho social-democrata já indica os limites da tentativa de manter o capital financeiro na direção da economia. Além disso, observa-se que as medidas econômicas e políticas colocam novamente na cena a figura do Estado nacional, que o “pensamento único” e a chamada globalização haviam decretado extinto.
Em outras palavras, não é tanto a figura do Estado nacional que importa aqui e sim o fato de que com ele reaparece a figura da sociedade civil, na qual se dá a luta de classes, que o neoliberalismo também considerava extinta. Não se trata de um retorno à situação anterior ao neoliberalismo – essa é a crença da direita, ao tentar dar um jeito numa política neoliberal com pitadas social-democratas – e sim de algo novo que, como tal, suscitará um pensamento novo e uma práxis nova. Em suma, o neoliberalismo, dirigindo os fundos públicos exclusivamente para o capital, se caracterizou pelo encolhimento do espaço público republicano e democrático e pelo alargamento do espaço privado dos interesses de mercado; seu fim, portanto, pode significar a reabertura do espaço público e o encolhimento do espaço privado.
CULT – A senhora disse que o governo atual “não é o governo dos nossos sonhos, não é exatamente da esquerda”, que não teria o perfil de esquerda. Considerando, portanto, essa ambiguidade ideológica que se reflete na própria agenda do governo, a senhora acredita que políticas assistencialistas, além do carisma e da identificação popular do presidente, são suficientes para explicar sua boa avaliação?
MC – Sim e não. Sim, porque num país em que o corte de classe sempre definiu os governos, isto é, em que as políticas voltadas para os direitos sociais, políticos e culturais de todos os cidadãos nunca foram desenvolvidas ou, quando o foram, nunca foram prioritárias, em que as carências da maioria da sociedade sempre foram ignoradas em nome dos privilégios da minoria, as ações deste governo instituem práticas de inclusão sem precedentes na história do Brasil e, em grande parte, são responsáveis pela avaliação positiva do governo.
Não, porque a avaliação positiva do governo perpassa todas as classes sociais, indicando que há aprovação de outras ações governamentais, além daquelas voltadas para a transferência de renda e inclusão social; há aprovação da política externa, marcada pela independência, do PAC, da maneira como o Brasil sofrerá menos que outros os efeitos da crise financeira etc.
Penso também que é preciso dar um basta à tentativa de caracterizar o governo e o presidente da República como populistas. O populismo (tal como concebido pela sociologia brasileira, já que o conceito não é homogêneo para todas as sociedades) é a política da classe dominante para exercer o controle sobre as classes populares e/ou sobre a classe média tanto por meio de concessão de benefícios pontuais quanto por meio da figura do governante como salvador e protetor.
Ora, todos esses traços estão ausentes no governo Lula: o atual presidente da República não pertence à classe dominante, não concede benefícios pontuais e sim assegura a instituição de direitos com os quais se institui uma democracia, consequentemente, a figura do governante não tem a marca da transcendência, necessária à dimensão salvífica e protetora do dirigente não democrático.
Aliás, um dos pontos mais caros à mídia, que serve como ponta de lança nos ataques dirigidos ao presidente, é exatamente sua condição de classe: um operário sem diploma universitário, que não fala várias línguas, que comete gafes em situações de etiqueta e cerimonial etc. Ou seja, a mídia entra em contradição consigo mesma quando junta populismo e presidente operário sem diploma universitário.
CULT – O aumento das vagas nas universidades públicas – em si mesmo é algo positivo – tem sido alvo constante de crítica ao governo Lula. A senhora acredita que se possa fazer justiça social na universidade?
MC – Novamente, sim e não. Sim, porque num país feito de desigualdades e exclusões como o nosso, calcado na ideia e na prática dos privilégios de classe, afirmar que o ensino superior não é privilégio de classe e sim um direito de todos é afirmar a cidadania democrática, pois a democracia não opera com privilégios e sim com a igualdade dos direitos. Não, porque a justiça social tem de ser definida, primeiro, pela redistribuição da renda nacional porque sem a igualdade material dos cidadãos não se consolidam as outras formas da igualdade; por enquanto, as políticas de inclusão operam com a transferência de renda e não com a redistribuição dela…
CULT – Quando as pessoas perguntam “qual a utilidade, para que filosofia?”, deixam entrever uma concepção exclusivamente instrumental do conhecimento, concepção esta que é desmentida pela própria história da filosofia. Parece que a filosofia, ao contrário da matemática e da biologia, precisa continuamente legitimar seu direito à existência. Apesar disso, existiria uma dimensão instrumental, “funcional”, da especulação filosófica, que justificaria sua implantação curricular no ensino médio? De que maneira a filosofia pode hoje fornecer respostas concretas para o enfrentamento de problemas sociais urgentes?
MC – É conhecido o ditado: “A filosofia é uma ciência com a qual e sem a qual o mundo permanece tal e qual”. Ou seja, não serve para coisa nenhuma. O “para quê?” indica que tendemos a considerar o conhecimento de um ponto de vista instrumental como um meio e não como um fim e, como não se vê qual a instrumentalidade da filosofia, decreta-se sua inutilidade. Certa vez, perguntaram a um filósofo: para que filosofia? Ele respondeu: para não darmos nosso assentimento às coisas sem maiores considerações. Ou seja, a atitude filosófica se inicia quando desconfiamos da veracidade ou do valor de nossas crenças cotidianas, desconfiança que surge, sobretudo, no momento em que nossas crenças, nossas ideias, nossos valores parecem contradizer-se uns aos outros. A filosofia é uma interrogação sobre o sentido e o valor do conhecimento e da ação, uma atitude crítica com relação ao que nos é dado imediatamente em nossa vida cotidiana, um trabalho do pensamento para pensar-se a si mesmo e da ação para compreender-se a si mesma.
Por isso, vou dividir minha resposta em duas partes. Pelo que eu disse, é óbvio que não penso que o estudo da filosofia no ensino médio deva ser tomado como algo “funcional”, uma vez que a noção de funcionalidade implica, por um lado, a adequação a algo já dado e, de outro, o instrumento que melhora a operação disso que já está dado. Esses dois aspectos da funcionalidade contrariam o núcleo do ensino da filosofia, qual seja, o desenvolvimento da capacidade crítica e o não-conformismo com o que está dado. Ou seja, a funcionalidade faz supor que o mundo dado, a sociedade dada, a cultura dada são naturais e que seus problemas são desajustes de um funcionamento que precisa ser consertado por alguns ajustes pontuais. Mas a filosofia leva o estudante a indagar, antes de mais nada, se o dado é “natural” (o famoso “é assim mesmo”) ou se foi instituído pela ação humana, e se os problemas não exigiriam uma reflexão sobre sua gênese, suas causas, em vez de um ajuste.
Passo, então, à segunda parte de minha resposta. O que caracteriza a sociedade contemporânea, sob os efeitos do neoliberalismo, é a desigualdade num patamar jamais visto, dando origem à violência generalizada: não apenas o estímulo ao estado de guerra permanente entre nações, mas também a chamada guerra civil tácita entre os diferentes grupos sociais de uma mesma nação, além do individualismo exacerbado ou da competição mortal na busca do “sucesso”. Também caracteriza a sociedade contemporânea, sob os efeitos das tecnologias de informação, a fragmentação do espaço e do tempo, isto é, o espaço e o tempo são a tela (do computador, da televisão, do celular), tela sem profundidade, que reduz o espaço ao “aqui” e o tempo ao “agora”; todas as experiências são vividas como efêmeras e fugazes, sem passado e sem futuro. Essas características da sociedade contemporânea colocam questões que, além de políticas e econômicas, são filosóficas: a violência abre a interrogação sobre a ética e a política; a fragmentação do espaço e do tempo abre a interrogação sobre o sentido das ciências, das técnicas, das artes e da história; o privilégio da imagem (que é sempre instantânea e imediata) abre a interrogação sobre o sentido da cultura, isto é, da ordem simbólica da linguagem e do trabalho, que é uma ordem de mediações e de capacidade humana para lidar com o ausente e o possível. Certamente há como interessar os alunos por essas questões. Vale a pena levá-los a interrogações que lhes permitam uma primeira compreensão crítica das condições efetivas de suas próprias vidas.
CULT – A senhora sempre afirmou a centralidade da história da filosofia para os estudos filosóficos. Atualmente, alguns professores têm defendido que a formação dos estudantes e docentes de filosofia, mais do que ensinar a história, deveria dar-se por um treinamento do ato de pensar. Como a senhora vê a questão hoje?
MC – Houve um momento na história da filosofia em que se afirmou que não havia temas ou assuntos filosóficos e por isso não se poderia ensinar filosofia e sim ensinar a filosofar. Ou seja, considerou-se que a filosofia não possuía objeto próprio e não poderia, portanto, ser um saber transmissível, pois não haveria o que transmitir. Falo de um momento da história da filosofia justamente para deixar claro que é nela e com ela que podemos compreender porque alguns julgam que a filosofia poderia ser um treino do pensamento sobre qualquer objeto. Como você vê, precisamos recorrer à história da filosofia para entender posições acerca do ensino da filosofia. Por que a centralidade da história da filosofia? Em primeiro lugar, porque ela nos protege do risco de imaginar que estamos inventando a roda: há uma história de construção e transformação dos conceitos e não se pode supor que nosso pensamento esteja, a cada vez, partindo do zero. Em segundo lugar, porque nos protege do “achismo” ou do “eu acho que”, pois ela nos coloca no campo do embate entre teorias, entre formas sistemáticas de exposição e interpretação e não diante de um confronto entre opiniões injustificadas.
Todavia, não são esses dois aspectos que conferem centralidade à história da filosofia e sim os três principais ensinamentos que ela nos dá. Ela nos mostra, em primeiro lugar, como e por que as questões discutidas por um filósofo são suscitadas pelos problemas de seu tempo; ou seja, ela enraíza a filosofia na história, revela uma filosofia como expressão de uma sociedade e de uma cultura, ensina que a atividade filosófica é o trabalho para interrogar e compreender o presente, dando-lhe respostas para que ele se compreenda a si mesmo.
Além disso, em segundo lugar, a história da filosofia nos faz ver que a filosofia é um trabalho do pensamento e que uma filosofia se exprime numa obra, ou seja, ela pensa e diz o que ainda não foi pensado nem dito e que, sem ela, não seria pensável nem dizível; ela interpreta o passado filosófico, interroga o presente cultural e abre um campo para o pensamento futuro, de maneira que ela nos insere em nosso próprio presente, quando somos capazes de apreender, simultaneamente, o que ela pensou e o que ela nos dá para pensar para além dela.
Dessa maneira, em terceiro lugar, a história da filosofia nos ensina algo essencial sobre as obras de pensamento e as de arte: cada obra, ao enfrentar seu passado e seu presente, desloca, descentra e modifica o sentido do que já foi pensado, dito e feito num pensamento, num discurso e numa ação novos. Esta novidade decorre, no pensador e no artista, da percepção de uma falta no que já havia sido pensado, dito e feito, mas também da percepção de que há um excesso de significação nas obras passadas e que não foi explicitado por elas e que as obras presentes explicitam; porém, se uma obra de pensamento ou de arte recolhe o passado e abre um futuro, é justamente porque nela também há um excesso de sentido, algo que ela própria não pensou, não disse e não fez e que os pósteros pensarão, dirão e farão graças a ela, a partir dela e, frequentemente, contra ela. Penso que a história da filosofia nos ensina aquilo que Merleau-Ponty diz ser próprio de uma obra quando é grande: sua grandeza não é dada por sua eficácia e sim por sua fecundidade, por sua força para suscitar outras obras.
CULT – Como está a inserção da mulher no meio filosófico brasileiro? Ainda há o machismo que a senhora denunciava nos anos 1970/80?
MC – O indiscreto charme do machismo permanece, embora haja uma presença feminina considerável na docência e na pesquisa em filosofia.
CULT – Tomando a liberdade de lhe perguntar por preferências pessoais, que filósofos a senhora lê atualmente, além, evidentemente, dos clássicos? E na literatura?
MC – Como considero Merleau-Ponty, Sartre, Deleuze, Foucault, Wittgenstein, Hannah Arendt e Bento Prado clássicos, acho que só leio os clássicos! Na literatura: Drummond, Pessoa, Walt Whitman, Shakespeare, Saramago, Guimarães Rosa, Orides Fontela, Rubens Rodrigues Torres, Borges. E, em grande quantidade, romance policial e ficção científica.
CULT – A senhora começou a trabalhar muito jovem e em uma profissão que exige muita dedicação. Como conseguiu conciliar a carreira com a criação dos seus filhos?
MC – Foi muito difícil e, talvez, mais difícil para meus filhos, que nasceram quando eu tinha 24 e 26 anos e estava iniciando minha vida acadêmica numa instituição que praticamente desconhecia a presença de mulheres e impunha espontaneamente um padrão de atividade sem dupla jornada de trabalho. A dupla jornada de trabalho, sobretudo numa cidade complicada como São Paulo, foi extenuante, pois, durante alguns anos (até 1972, pelo menos), o trabalho intelectual era entrecortado pelas atividades domésticas e pela condição de mãe. Mas tive a ajuda inestimável de minha mãe e de meu pai, particularmente nos períodos em que escrevi minhas teses e, depois, também a de meu companheiro, quando passei a fazer intervenções públicas no campo da política e da cultura. Além disso, meu companheiro e eu pertencemos à geração de 68, de maneira que a divisão social/sexual do trabalho foi, pouco a pouco, substituída pela cooperação e ajuda recíproca, isto é, a crítica do machismo se deu na prática e não somente na teoria.
CULT – Como vive a experiência de ser avó?
MC – É a experiência da imortalidade e da eternidade.
CULT – Para finalizar, como é ser considerada a maior intelectual do país? É pesado? Existe muito ressentimento?
MC – Não posso responder a essa pergunta! Não me acho a maior intelectual do país!

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