Banqueiro em política é véspera de bancarrota
Por
Palmério Doria, especial para o
247Nos Estados Unidos o respeitado Riggs Bank, de Washington, conhecido
pela tradição de ser o banco oficial de todos os presidentes, sucumbiu
ao ser descoberto numa indesculpável travessura: abrigava contas
milionárias de Augusto Pinochet, o ditador chileno, abertas com
passaportes e nomes falsos. Obviamente o dinheiro sujo do genocida
andino chegou aos seus cofres com a conivência da diretoria. Deixaram,
assim, os banqueiros do Riggs de frequentar o Salão Oval para o amargor
de depoimentos em chefaturas policiais e audiências nos tribunais de
justiça.
Na Argentina, dois bancos mantiveram relações carnais com os milicos
golpistas pós-1976, o ano da derrubada da viúva de Perón e instauração
do regime cruel que sequestrou, matou e desapareceu com cerca de 30 mil
pessoas. O Banco de Intercâmbio Regional (BIR) e o Banco Oddone tinham
tentáculos dentro dos quartéis e passe livre na Casa Rosada, ocupada
alternadamente por generais ladrões e assassinos. Mas suas
contabilidades – escondidas pela profusão de patrocínios culturais,
badalações no society platino e eventos no exclusivo Jockey Club
portenho – estavam podres. Nem os militares ousaram salvar os banqueiros
falidos quando Jose Alfredo Martinez de Hóz, o czar da economia,
decretou as quebras.
Enquanto milhares de correntistas iam do escândalo nas portas (cerradas)
das agências ao “simples” suicídio, os banqueiros fugiram para o
exterior ou acabaram nos calabouços do regime. A influência política de
nada valeu diante da revolta popular e da comoção causada pela debacle
sistêmica provocada pela quebra do BIR e do Oddone. E eram todos bancos
presumivelmente “sadios” e com forte proteção política.
José Rafael Trozzo, o presidente do BIR, era a voz de apoio ao regime
entre o empresariado mais saliente, e Luis Alberto Oddone, dono do banco
que levava seu sobrenome, chegou mesmo a custear do próprio bolso a
fortuna de US$ 700 mil (valores de 1976) pagos à agências internacionais
de relações públicas e lobby para que propagandeassem os feitos do novo
regime argentino. Trozzo, avisado por um general camarada, fugiu para
Miami. Oddone resolver peitar Martinez de Hóz e passou longa temporada
numa masmorra nos arredores de Buenos Aires.
Mais curioso foi o final do banqueiro Ruben Beraja, do Banco Mayo,
presidente da DAIA (Delegación de Asociaciones Israelitas Argentinas) e
destacado membro da corte de Menem, nos anos infames do neoliberalismo
platino. Diante de uma fraude monstruosa, um rombo que atravessava a
casa das centenas de milhões de dólares, o BCRA (o Banco Central de lá)
simplesmente decretou a liquidação do Mayo. Beraja se encontrava em
Washington, como feliz e prestigiado integrante da comitiva do
presidente Carlos Menem. No hall do hotel, a caminho da Casa Branca,
Carlos Korach, mafioso chefe-de-gabinete da Casa Rosada, o desconvida na
frente dos presentes e lhe dá com crueza a notícia do estouro de seu
banco: “Te jodeste, hermano”. Nem sempre a proximidade com o poder e a
intimidade com os poderosos consegue segurar um banco quebrado. Dinheiro
é coisa séria.
Ricardo Espirito Santo Salgado comandou por muitos com mão-de-ferro o
banco que leva o sobrenome da família materna. Ganhou o popular apelido
de “o-dono-disto-tudo” e recebia presidentes, primeiros-ministros e
autoridades monetárias em sua deslumbrante casa nos arredores de Lisboa,
talvez uma das mais lindas da Europa. Elegante e arrogante, impôs-se na
política portuguesa, na de Moçambique, na de Angola e, também, recebeu
Marcos Valério e uns sôfregos emissários do delator Roberto Jefferson,
então influente dono do PTB, para negociações mirabolantes acerca de
aplicações das reservas do tesouro brasileiro. Que, é claro, jamais
foram feitas.
O sólido banco de Ricardo E. S. Salgado não era tão sólido quanto
parecia, e seu espírito como banqueiro estava longe de ser santo. Hoje,
depois de apeado da presidência do antigo colosso lusitano, espera em
prisão domiciliar a decisão da Justiça sobre propinas pagas, propinas
recebidas, desvios de fundos e balancetes dignos de Ionesco. Não sem
antes ter deixado nas burras do tesouro a bagatela de três milhões de
euros - valor arbitrado como fiança pelo direito de não ir (por
enquanto) mofar num cárcere lisboeta qualquer. Sabe o que aconteceu ao
ex-dono-disto-tudo? Encontrou pela frente um primeiro-ministro corajoso,
um ministro da Fazenda sério e um juiz imparcial. O futuro do
ex-banqueiro que comandou governos e tratava dignatários por “tu” não é
nada alvissareiro.
Voltemos ao patropi.
Ângelo Calmon de Sá despachava em histórico edifício na Cidade Baixa, em
Salvador, sede do então centenário Banco Econômico. Não fitava as
pessoas, mal as cumprimentava e um dos seis elevadores estava
permanentemente interditado. Só o “doutor Ângelo” podia usá-lo. Estava
em Paris, numa suíte do George V, tomando champanhe Cristal Rosé Brut
Imperial com dona Ana Maria, mas o “seu” elevador, lá no centro
histórico lindo e fétido de nossa primeira capital, estava fechado aos
mortais. Ele era uma semidivindade baiana. Não estava entronizado no
altar da Igreja do Bonfim nem flutuava entre os imensos Orixás do genial
escultor Tati Moreno nas águas escuras do Dique do Tororó.
Os governadores da Bahia passavam pela opulenta casa, majestosamente
plantada entre mangueiras frondosas, lá no alto de um dos vales rasgados
no ventre soteropolitano, prestando-lhe vassalagem e os salamaleques de
praxe. Muitas e muitas vezes o “doutor Ângelo” viajava ao Rio, São
Paulo ou Brasília, sozinho, aboletado em um de seus dois jatos Falcon,
enquanto seus assessores diretos, velhos diretores e gerentes fiéis o
seguiam como mortais que eram em voos comerciais. Ministro da ditadura
militar e de Collor, presidente do Banco do Brasil, nome sempre lembrado
para concorrer ao governo da Bahia, industrial com várias fábricas da
Coca-Cola, imenso plantador de cacau, criador de gado da melhor raça,
latifundiário de terras que se perdiam no horizonte. Financiou
pesadamente todos os partidos, com preferência pela Arena, PDS e PFL,
sem se esquecer de encher os cofres de FHC em 94. Pois meses depois - e
com dezenas de deputados e senadores comandados pelo inefável ACM
atravessando a rua e invadindo o Palácio do Planalto para pressionar em
favor do “doutor Ângelo” e do seu agonizante bancão – o mesmo FHC foi
obrigado a decretar o fim do Econômico. Estava podre.
Do “doutor Ângelo” sobrou uma dívida imensa, recordações cinzentas e uma
pasta rosa, providencialmente deixada em sua mesa na presidência do
Econômico, com a contabilidade paralela onde constavam generosos aportes
aos políticos de suas relações, de ACM a FHC, passeando por todo o
abecedário.
José Eduardo Andrade Vieira era o quarto dos filhos do velho Avelino, o
mais destacado banqueiro paranaense. Dois irmãos morreram no mesmo
acidente aéreo. O terceiro, de enfarte fulminante. Sobrou ele, a quem
não estava destinada a tarefa de comandar o império iniciado pelo pai.
Como o J. Pinto Fernandes, do poema do mestre Drummond, “Zé do Banco”
não tinha entrado na história, mas com o Bamerindus ficou.
Com muito trabalho e muita simpatia o patriarca havia feito de um
tamborete (o Banco Mercantil e Agrícola do Norte do Paraná) nascido em
Tomazina, uma pobre cidadezinha, o portentoso Bamerindus, um dos maiores
bancos do Brasil nas décadas de 50, 60, 70, 80 até sua quebra na metade
dos anos 90. Zé Eduardo até que se saiu bem. Liberal, generoso,
recrutou executivos respeitados no mercado, jamais teve seu nome
envolvido em negociatas ou corrupção, investiu no marketing e fez de seu
Bamerindus uma marca moderna, simpática. Surpreendeu os que dele pouco
esperavam. Mas se meteu na maldita da política, comprou um partido, o
PTB, comprou um mandato de senador pelo Paraná, virou ministro de Itamar
Franco, financiou pesadamente FHC (que fez sua campanha nos jatinhos do
banco), virou ministro do governo do tucano e quebrou bonito.
De uma casa bancária, o extinto Banco Nacional, Paulo Henrique Cardoso
sacou a herdeira, Ana Lúcia Magalhães Pinto, com quem manteve casamento
de 17 anos, do qual nasceram filhas gêmeas. Viajavam Brasil e mundo
afora num jatinho da Líder mantido à disposição, mantendo imensa
distância de qualquer coisa que lembrasse trabalho. Os cunhados pagavam
as contas e ajudaram o pai do cunhado diletante a eleger-se presidente,
sendo um de seus maiores doadores. Até que em 1994, com milhares de
empréstimos a clientes fictícios gerados pelo contador Clarimundo
Sant’Anna na tentativa de salvar a casa já em escombros, o Banco
Nacional já dava mostras de sua precariedade.
No réveillon de 1994, véspera de assumir o Palácio do Planalto, o
recém-eleito presidente aparece ao lado de Marcos Magalhães Pinto,
presidente do Nacional e irmão de sua nora Ana Lúcia, risonhos numa
opípara festança de réveillon da família. Eles, os discretos banqueiros
de Minas Gerais, já viviam o outono de uma antiga opulência. Em 1995,
ainda no primeiro mandato de FHC, o Banco Central decreta a liquidação
do Nacional (o Unibanco, hoje Itaú, pegou o filé da massa falida,
deixando a “banda podre” para o contribuinte). Nem o futuro das netas,
nem o farto dinheiro recebido pelo PSDB na campanha, conseguiram impedir
a ação saneadora do Banco Central. Contrafeito, a FHC só restou assinar
a sentença de morte.
Dois meses depois, PHC deixa Ana Lúcia e suas gêmeas e se instala num
hotel da grã-finíssima Avenida Vieira Souto, de frente para o mar de
Ipanema. O rombo bilionário, que extinguiu o Banco Nacional - do qual a
mulher de PHC era herdeira e acionista igualzinho a “educadora” Neca
Setúbal - é tido como a maior fraude financeira da história do Brasil,
pois, ao que se sabe, atingiu quase um terço do dinheiro circulante.
Sejamos mais didáticos: o rombo deixado pelos então parentes de FHC
equivalia a mais de R$ 3,00 de cada R$ 10,00 em circulação no país!
Vamos passear de novo pelo mundo.
Nélson Mezerhane é um judeu venezuelano, elegante e simpático. Homem de
coragem, financiou a oposição e resolveu enfrentar o regime do coronel
Hugo Chávez. Seu Banco Federal não era o maior da Venezuela, mas estava
entre os melhores, com centenas de milhares de clientes e uma rede de
agências espalhadas por todo o país, investimentos em outras empresas e
boa fama no mercado. A colônia judaica local não entendeu o que achou
ser “loucura” do seu mais destacado integrante e benfeitor. O problema é
que a carta-patente, aquela autorização de funcionamento de uma
instituição financeira, é dada pelo Banco Central, a autoridade
monetária do país. Preciso contar o resto da história? Mezerhane teve
sorte. Sorte e um jatinho. Está em Miami, sem banco, porém livre de uma
série de “boletos de captura”, as temidas ordens de prisão.
Outros banqueiros já se envolveram na política e são testemunhos do que,
sempre e inevitavelmente, acontece aos que confundem o ronco da
história com o tilintar das moedas. Quando financiam candidatos, pagam
contas de campanha, participam diretamente do movimento eleitoral, é
sinal de que estão com algum grave problema, algo muito sério a ser
escondido. Quando se imiscuem na vida pública e no processo eleitoral o
fazem em busca de proteção política e salvação imediata. Ou são autores
de rombos colossais ainda não revelados ao “mercado” ou pressentem o
estouro próximo da boiada, por conta de multas, sonegações,
contabilidades paralelas, perdas maquiadas em balanços fictícios,
negócios mal feitos, fusões ou incorporações que não geraram o ganho de
competitividade e de caixa esperados.
O espanhol Mário Conde, do Banesto (Banco Español de Crédito), era
locomotiva da alta sociedade madrilena e banqueiro da família real. Na
lista dos 10 homens mais elegantes da Espanha, dos 10 homens mais
admirados da Espanha, dos 10 homens mais respeitados da Espanha, dos 10
homens mais influentes da Espanha, dos 10 maiores filantropos da
Espanha, dos 10 maiores mecenas da Espanha, dos 10 maiores financiadores
de partidos e políticos da Espanha. E o seu banco, um dos 10 maiores da
Espanha, não tinha caixa 2, mas tantas contabilidades paralelas a
esconderem sua situação pré-falimentar, que passavam das 10. Quebrado em
1993, preso e condenado, pegou 10 anos de cadeia.
Mas, também, há banqueiro que fica bem na história.
O embaixador Walther Moreira Salles foi um dos grandes brasileiros do
seu tempo. Iniciador de grandes negócios, visionário, serviu aos
governos de Getúlio, JK e Jango. Foi ministro da Fazenda, duas vezes
embaixador em Washington, negociador de nossa dívida externa (na melhor
das negociações que já fizemos). Angariou imenso prestígio e multiplicou
a fortuna iniciada pelo pai no sul de Minas Gerais, na cidade de Poços
de Caldas, com um armazém de secos e molhados. Mas nunca foi político,
tendo até rechaçado um convite de JK para ser o candidato do PSD ao
governo de seu Estado. Apesar disso, atuou com desenvoltura nos
bastidores do poder, sem jamais tornar-se um operador político ou o
impulsionador de candidaturas ou candidatos.
O ditador Costa e Silva lhe devotava verdadeiro horror. O motivo era
prosaico: levou um chá-de-cadeira de Jânio Quadros (a quem mandou cassar
em 64 para depois assumir a autoria da violência às gargalhadas) e,
incomodado, viu que era Moreira Salles quem saia da sala do então
presidente eleito. Em 68, com o AI-5, resolveu cassar o elegantíssimo e
educadíssimo banqueiro. Delfim Netto, consultado acerca da estultice já
transformada em ato prestes a ser assinado, fez o chefe mudar de idéia:
“Tudo bem, presidente. Mas o Walther tem mais crédito que o Brasil”.
Olavo Setúbal, um engenheiro cartesiano e formal, conhecido pela
aplicação nos negócios e pela inegável inteligência, construiu um
império baseado no trabalho e em golpes da boa sorte. Herdou do tio um
banco sem maior expressão, o Federal de Crédito, e o fez crescer à custa
de fusões e incorporações, dezenas delas, particularmente ao longo das
décadas de 50, 60 e 70. Com o regime militar seus negócios floresceram.
Contou com o apoio da ditadura para assumir outro grande banco, o Banco
União Comercial (BUC), de propriedade da família do milionário Soares
Sampaio, à beira da quebra por conta de uma desastrada gestão de Roberto
Campos, seu presidente e verdadeiro mito do liberalismo econômico
brasileiro. O genro de Soares Sampaio, o industrial Paulo Geyer, não
aceitou as condições de-pai-para-filho com que o Banco Central doava o
BUC a Setúbal, e resolver não assinar a transferência de suas ações.
“Perguntem ao Geyer se ele vai assinar logo ou se eu vou precisar mandar
dois sargentos irem buscá-lo em casa?”, foi a reação do general Ernesto
Geisel.
Além do BUC, a ditadura presenteou Setúbal com a prefeitura de São
Paulo, onde ele se saiu bem. Deu conta do recado e protagonizou um
episódio decente: recusou-se a demitir o secretário de Cultura, o
respeitado dramaturgo Sábato Magaldi, apontado como “comunista” pelo
execrável general Silvio Frota, um monstrengo da linha mais que dura.
Picado pela mosca azul, “Olavão” foi preterido pelos milicos na sucessão
de Paulo Egydio ao governo de São Paulo e se preparou para disputar o
Palácio dos Bandeirantes pelo PFL em 1986. Na convenção do partido, um
grupo de malandros tirou o tapete do dono do Itaú e impediu sua
candidatura, substituída pela de Paulo Maluf. Desiludido, Olavo nunca
mais confundiu as urnas eleitorais com os caixas do Itaú.
Recordo essas histórias, ao alcance de qualquer um, para declarar meu
espanto com a participação ativa e exótica de bancos e banqueiros – a
começar pelo Itaú de Roberto Setúbal e Pedro Moreira Salles – no
financiamento e sustentação da candidatura de Marina Silva à presidência
da República. Custo a crer que essa aventura surpreendente, atentatória
aos bons manejos bancários, às boas práticas empresariais, seja um
biombo desesperado para evitar o pagamento de multa no valor
impressionante de R$ 18 bilhões e 700 milhões devidos à Receita Federal
em impostos não recolhidos na fusão Itaú-Unibanco. Mas, também, não
creio que tais banqueiros sejam ingênuos, inocentes ou desavisados.
Creio que a arrogância e o desespero, quem sabe, formaram um caldo de
cultura que os fará se arrepender mais cedo que tarde da aventura em que
se meteram, fazendo de uma despreparada evidente uma candidata com um
Itaú de vantagens para eles, os banqueiros, e de desvantagens, para o
país.
A ingerência de um colosso bancário na vida pública do país protagonizou
até uma festa-fraude. A dos 90 anos de fundação do Itaú-Unibanco. Ora,
quem completaria 90 anos não existe mais, o banco dos Moreira Salles. O
Itaú foi fundado em 1945, com outro nome, e veio crescendo como já se
relatou aqui. Mas esse pretexto serviu para colocar centenas de alegres
convivas do society paulistano, gente do mercado financeiro e alguns
empresários ligados à oposição num regabofe onde o presidente executivo
do Itaú fez um pavoroso discurso político-eleitoral, atacando o governo e
deixando claro o seu apoio à mutante candidata acreana, claramente
desqualificada para a missão de comandar um país como o Brasil. Da
dívida bilionária, não se falou nada. Sem trocadilho, necas.
Não é preciso ser futurólogo. O suave embaixador Walther e o objetivo
Olavo não ousaram tanto e, no entanto, não saíram incólumes.