segunda-feira, 29 de setembro de 2014

A caça aos indecisos

A caça aos indecisos - Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 29/9/2014 | Observatório da Imprensa |

A caça aos indecisos


Por Luciano Martins Costa em 29/09/2014 na edição 817







 Os principais jornais de circulação nacional entram na semana decisiva
da disputa eleitoral pressionados por uma realidade incômoda: sua
principal aposta para a Presidência da República, o senador mineiro
Aécio Neves (PSDB), precisaria aumentar em pelo menos 60% seu atual
patrimônio de votos e contar com uma complicada mudança de tendências
para voltar a ter chances.


Empenhada em interromper o domínio do Partido dos Trabalhadores na
política nacional, a imprensa deve recrudescer seus ataques ao governo
para tentar impedir uma vitória de Dilma Rousseff no primeiro turno. A
afirmação poderia parecer absurda, não fosse a escolha explícita feita
pela mídia tradicional, que se reflete nas edições de todos os dias e se
torna ainda mais escancarada nesta reta final.
Em todos os anos em que ocorrem eleições, os jornais dominantes no
cenário nacional e as principais publicações regionais anunciam planos
para uma cobertura equilibrada e equidistante. Em alguns casos, são
contratados consultores especializados e criadas planilhas sofisticadas
para análises mais rápidas e precisas dos dados que apontam a tendência
dos votos. No entanto, esses planos nunca passam das costumeiras
declarações a respeito do jornalismo de qualidade, com frases de efeito
sobre lugares-comuns como equilíbrio do noticiário, espaços e destaques
divididos de forma equânime e outras excelentes intenções.
Quando o jogo começa para valer, o que se vê é sempre o apoio pouco
disfarçado ao candidato que mais se aproxima do perfil desejado pelos
donos da mídia. No domingo (28/9), por exemplo, a Folha de S.Paulo
anunciou que iria ampliar a cobertura eleitoral, com um caderno
especial que agrega oito novos colunistas. Mas a estreia do suplemento
intitulado “Eleições 2014” traz apenas mais do mesmo, repetindo a
prática das análises que garimpam notícias desfavoráveis ao atual
governo.
A manchete sobre o cumprimento do programa registrado pela então
candidata Dilma Rousseff em 2010 é um primor de criatividade e
manipulação de dados. A base comparativa é o programa genérico que os
candidatos entregam à Justiça Eleitoral antes das eleições.
Boletim escolar
Alinhando citações colhidas aleatoriamente em frases “abrangentes, sem
prazo ou meta numérica”, como reconhece o texto explicativo, a suposta
reportagem submete esses planos a uma escala simplificada de quatro
notas, como num boletim escolar: “A” para metas cumpridas em sua
totalidade; “B” para objetivos parcialmente alcançados, mas com
resultados relevantes; “C” para casos em que foi obtido menos da metade
do anunciado e “D” para as propostas que foram abandonadas.
A ideia é tão primária que causa constrangimento, mas o título não
dissimula as intenções: “Dilma não cumpriu 43% das promessas de 2010”,
diz a manchete.
A participação de intelectuais respeitados tenta convencer o
leitor-eleitor da seriedade das análises que têm como base um apanhado
de pretensões que, como se sabe, não correspondem a compromissos reais
de governo. Mesmo porque os tais programas pré-eleitorais não têm força
de lei – são apenas declarações superficiais que cumprem uma exigência
burocrática e precisarão ser submetidas ao teste de realidade depois da
posse. Por exemplo, nenhum candidato previu, em 2010, que o tema da
mobilidade urbana dominaria os debates públicos a partir de junho de
2013.
Os editores da Folha incluíram no projeto humoristas e cronistas
da vida cotidiana, entre os quais um jornalista que escreve sob o
pseudônimo de “Rui Goiaba” – eles estão encarregados de oferecer uma
leitura mais leve ao material que normalmente é produzido pelo confronto
dos candidatos. Talvez esses venham a ser o melhor do novo suplemento,
porque não parecem se levar tão a sério quanto os cientistas sociais,
economistas e filósofos que costumam emprestar seus títulos para
referendar a opinião dos editorialistas.
As pesquisas de intenção de voto revelam o efeito do noticiário sobre a
escolha dos eleitores: o resultado mais evidente do partidarismo da
imprensa é a criação de um bloco compacto de opinião antipetista, que se
concentra nas cidades onde os grandes jornais têm maior presença. Esse
núcleo, tão avesso ao contraditório quanto os mais renhidos entre os
militantes petistas, precisa ser alimentado diariamente com sua cota de
certezas absolutas.
O último esforço da mídia tradicional se dirige a outro grupo, o dos
indecisos, que vão dizer nos próximos dias se haverá segundo turno.

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