domingo, 28 de setembro de 2014

Xingado de escravo, cubano do Mais Médicos hoje reclama de falta de especialistas - BBC Brasil

Xingado de escravo, cubano do Mais Médicos hoje reclama de falta de especialistas - BBC Brasil

Xingado de escravo, cubano do Mais Médicos hoje reclama de falta de especialistas

  • 27 setembro 2014




'Para salvar e cuidar de qualquer vida não vemos as dificuldades', diz médico

O
médico cubano Juan Delgado, 40, que foi xingado de escravo e virou
símbolo do programa Mais Médicos, está tendo dificuldades para marcar
consultas com especialistas e agendar exames para seus pacientes no
interior do Maranhão.
"Demora muito tempo para conseguir exames
diagnósticos e consultas próprias das especialidades para definir um
tratamento adequado para o paciente", afirma o médico em entrevista à
BBC Brasil.

Delgado atua em aldeias indígenas do interior do
Maranhão. Ele atende ao principal objetivo do projeto, que é levar
atendimento básico a locais com escassez de profissionais de saúde, mas
está esbarrando em um novo gargalo da saúde pública brasileira exposto
pelo Mais Médicos.

Em Cuba, segundo Delgado, não há "as
dificuldades que vemos no Brasil para realizar consultas com
especialistas e qualquer exame diagnóstico."

Ele afirma que um
exame de ultrassom, por exemplo, leva mais de um mês para ser agendado –
algo que diz ocorrer em todo o Brasil. Para contornar o problema, usa
as perguntas feitas aos pacientes e o exame físico.

O médico
também encontrou outras dificuldades no interior, como a ausência de
infraestrutura adequada para consultas e de remédios, que "escasseam às
vezes". Esses são argumentos frequentemente usados por entidades médicas
para justificar a rejeição de brasileiros a postos de trabalho nos
rincões do país.

Mas Delgado não pensa em desistir por causa
disso: "Supero esta dificuldade e realizo o atendimento. O médico cubano
vai ao lugar para onde mandarem. Para salvar e cuidar de qualquer vida
não vemos as dificuldades. Isso é parte de nossa formação", afirma.

Delgado
diz que não voltou a sofrer ataques como os que ocorreram em Fortaleza.
Logo após sua chegada, ele e outros médicos cubanos foram vaiados e
chamados de escravos por profissionais brasileiros.

As ofensas
foram baseadas no fato de que, ao contrário dos outros médicos que
participam do programa, os cubanos recebem apenas uma parte da bolsa de
R$ 10 mil. O convênio do governo brasileiro é com a Opas (Organização
Panamericana da Saúde), que repassa o pagamento ao governo de Cuba. Os
médicos cubanos ficam com US$ 1.245, ou cerca de R$ 3.000 -o que,
segundo Delgado, é suficiente para seus gastos.

À época, o então
ministro da Saúde, Alexandre Padilha, chamou o protesto de "corredor
polonês da xenofobia", e a presidente Dilma Rousseff pediu desculpas a
Delgado.

O médico diz acreditar que, passado um ano do início do programa, mesmo os que participaram do protesto "pensam de outra forma".

"Chegamos
aqui não para tirar os pacientes deles, mas para ir a outros lugares
onde a população não teria acesso a um médico. Acho que a relação dos
médicos brasileiros e cubanos deve ser próxima."

Gargalo

Desde
agosto do ano passado, o Mais Médicos distribuiu cerca de 14 mil
profissionais pelo interior do país e periferias de grandes cidades -
quase 80% deles, segundo o Ministério da Saúde, são cubanos.

O
programa ampliou o acesso ao atendimento básico, mas colocou em
evidência a falta de exames e profissionais especializados nestes
locais.

O Mais Médicos prioriza o atendimento primário de saúde,
que busca prevenir e resolver a maior parte dos problemas sem a
necessidade de encaminhamento para hospitais especializados. Com menos
gente nos hospitais, fica mais fácil atender a todos. Mas, quando o
problema exige, o atendimento especializado é necessário.

O
Ministério da Saúde atribui as críticas de Delgado ao fato de ele
trabalhar com saúde indígena, em local de difícil acesso, e afirma que
consultas e exames em polos indígenas costumam demorar até 15 dias para
serem realizados.

A demora para marcação de consultas e exames, no
entanto, já foi apontada também por profissionais do Mais Médicos que
trabalham em outros locais. O próprio ministro da Saúde, Arthur Chioro,
já disse que, em muitos locais, a expansão da atenção básica aconteceu
mas há um “estrangulamento” na atenção especializada.

Indígenas

Quando
os profissionais estrangeiros chegaram ao Brasil, também causou
polêmica a não exigência de fluência na língua portuguesa por parte dos
médicos.

Delgado diz que isso trouxe alguma dificuldade no início
mas que, agora, já não tem problemas com o português. Já a língua
indígena - ele trabalha com as etnias Ka'apoo e Awá- é "muito difícil".

"Conto com os índios que falam português para atender aqueles que não falam", diz.





Delgado diz que os indígenas
ficaram muitos felizes de ter um médico nas aldeias. Ele mora no
município de Zé Doca, a cerca de 300 km da capital do Estado, São Luís, e
passa dois dias em aldeias mais próximas e três nas mais distantes.

"Recebi
com muita surpresa [o trabalho com os índios], porque nunca pensei que,
no século em que vivemos, ainda havia pessoas vivendo nas condições
desfavoráveis em que vivem os indígenas, com muitos se alimentando do
que caçam ou pescam", afirma.

Delgado diz que vive como qualquer
outro brasileiro. Fala com sua família diariamente, usa a internet -
parte da entrevista à BBC Brasil foi concedida por meio do Whatsapp,
aplicativo que ele passou a usar no Brasil - e passou férias em Cuba.

Diz
que pretende cumprir seus três anos de contrato no Brasil - e, "com
muito interesse", gostaria de assinar outro contrato para ficar no país
até 2019.

Atendimento

Em
nota enviada à BBC Brasil, o Ministério da Saúde afirmou que consultas e
exames em polos indígenas costumam demorar no máximo 15 dias. A pasta
informou que o polo de saúde indígena em que Delgado trabalha possui
duas equipes com profissionais variados como médicos, dentistas,
enfermeiros e psicólogos.

Diz que há três postos de saúde na
região e que todas as aldeias possuem um local para atendimento, mas
destaca que a área é de difícil acesso, com pista de chão batido –quando
chove, às vezes o transporte é feito por rios-, o que dificulta a
distribuição de medicamentos.

Segundo o ministério, pacientes que
precisam ser atendidos em hospitais de referência têm veículos e horas
de voo para transporte.


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