terça-feira, 16 de setembro de 2014

Meu voto em Dilma

SQN

Meu voto em Dilma


Luiz Carlos Bresser-Pereira
Em 1988 fui um dos fundadores do Partido da Social Democracia Brasileira
e sempre votei em seus candidatos à presidência. Mas, gradualmente fui
me afastando do partido por razões de ordem ideológica, e depois da
última eleição presidencial, vendo que o partido havia dado uma forte
guinada para a direita, que deixara de ser um partido de
centro-esquerda, e que abandonara a perspectiva desenvolvimentista e
nacional para se tornar um campeão do liberalismo econômico,
desliguei-me dele. Por isso quando hoje perguntam em quem vou votar, a
pergunta faz sentido.
Vou votar pela reeleição de Dilma Rousseff, não por que seu governo
tenha sido bem sucedido, mas porque é ela quem melhor atende aos
critérios que adoto para escolher o candidato. São dois esses critérios:
quanto o candidato está comprometido com os interesses dos pobres, e
quão capaz será ele e os partidos políticos que o apoiam de atender a
esses interesses promovendo o desenvolvimento econômico e a diminuição
da desigualdade.
Dilma atende ao primeiro critério melhor do que Marina Silva e muito
melhor do que Aécio Neves. Isto nos é dito com clareza pelas pesquisas
de intenção de voto, onde ela vence na faixa dos salários mais baixos, e
reflete a preferência clara pelos pobres que os três governos do PT
revelaram. O mesmo se diga em relação ao segundo critério na parte
referente à desigualdade. O grande avanço social ocorrido nos doze anos
de governo do PT tem um valor inestimável.
Já em relação ao desafio do desenvolvimento econômico, o problema é mais
complexo. Estou convencido que Dilma conhece melhor do que seus
competidores quais os obstáculos maiores que vêm impedindo a retomada do
desenvolvimento econômico desde que, em 1994, a alta inflação inercial
foi superada. Os resultados econômicos no seu governo não foram bons,
mas isto se deveu menos a suas fraquezas e erros, e, mais, ao fato que
não teve as condições necessárias de enfrentar a falha de mercado
estrutural que está apreciando cronicamente a taxa de câmbio e
desligando as empresas competentes do país de seu mercado, e, assim, ,
está condenando a economia brasileira à quase-estagnação. Desde 1990-91 ,
ao se realizar a abertura comercial, os economistas brasileiros
(inclusive eu, naquele momento) não estávamos nos dando conta que o
imposto sobre exportações de commodities denominado “confisco cambial” –
essencial para a neutralização da doença holandesa – estava sendo
extinto. Em consequência, as empresas industriais brasileiras passavam a
ter uma desvantagem (custo maior) para exportar de cerca de 25% em
relação às empresas de outros países por razão exclusivamente cambial, e
uma desvantagem desse valor menos a tarifa de importação (hoje, em
média, de 12%) para concorrer no mercado interno com as empresas que
para aqui exportam.
A esta causa estrutural de apreciação cambial (a não-neutralização da
doença holandesa [*]) devem ser adicionadas duas políticas equivocadas
normalmente adotadas pelos países em desenvolvimento. A política de
crescimento com poupança externa (de déficit em conta-corrente) e a
política de âncora cambial para controlar a inflação apreciam o câmbio
no longo prazo. Elas são responsáveis por cerca de mais 10 pontos
percentuais de apreciação da taxa de câmbio que devem ser somados aos
25% acima referidos. Logo, a desvantagem total das empresas brasileiras
em relação às empresas de outros países que exportam para os mesmos
mercados que nós é, em média, de 35% ( 25% 10%), e a desvantagem total
em relação às empresas estrangeiras que exportam para o mercado
brasileiro é de 23% (35% - 12%). Estas duas desvantagens desaparecem nos
momentos de crise financeira, que, mais cedo ou mais tarde, decorrem
necessariamente dessa sobreapreciação.
Quando digo que a presidente não teve “condições”, estou dizendo que ela
não teve poder suficiente eliminar essa desvantagem competitiva de
longo prazo. Ela tentou: iniciou o governo fazendo um ajuste fiscal,
reduzindo os juros, e promovendo uma depreciação real de cerca de 20%.
Mas ela recebeu do governo anterior, marcado pelo populismo cambial, uma
taxa de câmbio brutalmente apreciada, de R$ 1,90 por dólar, a preços de
hoje. Por isso, a elevação da taxa de câmbio para cerca de R$ 2,28 por
dólar não foi suficiente para torná-la competitiva.
A taxa de câmbio que torna competitivas as empresas competentes
existentes no Brasil (que denomino “de equilíbrio industrial”) deve
estar em torno de R$ 3,00 por dólar. Em consequência desse fato e da
retração da economia mundial, a depreciação não foi suficiente para
levar as empresas a voltar a investir; foi, porém, suficiente para
aumentar um pouco a inflação. Diante desses dois resultados negativos,
os economistas do mercado financeiro e a mídia liberal gritaram,
mostraram erros do governo (como o controle dos preços da eletricidade e
do petróleo e a “aritmética criativa” para aumentar o superávit
primário) e assim, sob forte pressão e preocupada em não ser reeleita, a
presidente foi obrigada a recuar.
Mas não terão os outros dois candidatos mais importantes condições de
fazer o que Dilma não fez? Estou convencido que não. Não apenas porque
eles também não terão poder para enfrentar os interesses de curto prazo
dos que rejeitam a depreciação cambial porque não querem ver seus
salários e demais rendimentos diminuam e a inflação aumente, ainda que
temporariamente. Também porque seus economistas não reconhecem o
problema da doença holandesa e não são críticos das duas políticas acima
referidas. Supõem, equivocadamente, que a grande sobreapreciação
cambial existente no país é um problema de curto prazo, de “volatilidade
cambial”. Basta ler seus programas de governo.
Terá a presidente poder suficiente para mudar esse quadro caso reeleita?
É duvidoso. Ela não enfrenta apenas a oposição liberal e colonial, que é
incapaz de criticar a ortodoxia liberal e não vê os conflitos entre os
interesses do Brasil e a dos países ricos. A presidente enfrenta também a
incompetência da grande maioria dos economistas brasileiros, que,
apegados a seus livros-texto convencionais, não compreendem hoje a tese
central da macroeconomia novo-desenvolvimentista (a tendência à
sobreapreciação cíclica e crônica da taxa de câmbio) como não entendiam
entre 1981 e 1994 a teoria da inflação inercial. Naquele tempo havia
apenas oito (sim, oito) economistas que entendiam a inflação inercial.
Quantos entenderão hoje os economistas que compreendem porque, deixada
livre, a taxa de câmbio tende a ser sobreapreciada no longo prazo, só se
depreciando bruscamente nos momentos de crise de balanço de pagamentos?
Voto pela reeleição da presidente, mas já deve estar ficando claro que
não estou otimista em relação ao futuro do Brasil. Quando as elites
brasileiras não conseguem sequer identificar o fato novo (mas que já tem
23 anos) que impede que o Brasil volte a crescer de maneira
satisfatória desde 1990-91, como podemos pensar em retomar o
desenvolvimento econômico? A esquerda associada ao PT está muda,
perplexa; a direita liberal supõe que basta fazer um ajuste fiscal para
resolver o problema. Embora um ajuste fiscal forte seja essencial para a
política novo-desenvolvimentista de colocar os preços macroeconômicos
no lugar certo, apenas esse ajuste não basta. Será necessário também
baixar o nível da taxa de juros e depreciar a taxa de câmbio para que a
taxa de lucro se torne satisfatória e as empresas voltem a investir. Só
assim a economia brasileira deixará de estar a serviço de rentistas e
financistas, como está há muito tempo, e os interesses dos empresários
ou do setor produtivo da economia voltem a coincidir razoavelmente com
os interesses dos trabalhadores.
A presidente tem uma famosa dificuldade de ouvir os outros, mas é dotada
de coragem, determinação, espírito republicano e se orienta por um
padrão moral elevado. Conta, ao seu lado, com alguns políticos de boa
qualidade. Ela foi derrotada no primeiro round, mas, quem sabe, vencerá o
segundo?
[*] Nota da Redação:
"Em economia, doença holandesa (do inglês Dutch disease)
refere-se à relação entre a exportação de recursos naturais e o declínio
do setor manufatureiro. A abundância de recursos naturais gera
vantagens comparativas para o país que os possui, levando-o a se
especializar na produção desses bens e a não se industrializar ou mesmo a
se desindustrializar - o que, a longo prazo, inibe o processo de
desenvolvimento econômico.
A expressão "doença holandesa" foi inspirada em eventos dos anos 1960,
quando uma escalada dos preços do gás teve como consequência um aumento
substancial das receitas de exportação dos Países Baixos e a valorização
do florim (moeda da época). A valorização cambial acabou por derrubar
as exportações dos demais produtos holandeses, cujos preços se tornaram
menos competitivos internacionalmente, na década seguinte." (Fonte:
Wikipédia, verbete "Doença holandesa)

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