BC independente de quem, cara pálida?
No mundo real, a política monetária
afeta preços, mas também, e principalmente, níveis de emprego e renda.
São os agentes privados os responsáveis pelo investimento e pelo
crescimento econômico. Um BC independente, que prescinda da articulação
com o Tesouro, torna-se independente apenas dos eleitores, mas não do
mercado financeiro
afeta preços, mas também, e principalmente, níveis de emprego e renda.
São os agentes privados os responsáveis pelo investimento e pelo
crescimento econômico. Um BC independente, que prescinda da articulação
com o Tesouro, torna-se independente apenas dos eleitores, mas não do
mercado financeiro
A proximidade das eleições trouxe à tona o tema da independência do
banco central (BC), há tempos guardado nas prateleiras dos economistas
liberais. O baixo crescimento nos dois últimos anos, com inflação
próxima do teto da meta, acabou por ressuscitar um assunto já antigo e, a
nosso juízo, ultrapassado.
Seria a panaceia para uma política monetária adequada para trazer a
inflação mais rapidamente ao centro da meta, ao lado de uma política
fiscal de equilíbrio intertemporal e o fim das intervenções do Banco
Central do Brasil (BCB) no mercado cambial. Enfim, os elementos para
retomar a confiança, os investimentos e o crescimento no Brasil.
A teoria por trás da tese de independência do BC vem do fim dos anos 1970, notadamente a partir de dois artigos.
O primeiro, de Finn Kyndland e Edward Prescott, trouxe um argumento
importante na macroeconomia convencional: os agentes têm expectativas
racionais, logo, não cometem erros sistemáticos de previsão, e
antecipam-se às decisões de política de curto prazo do governo.
Se este resolve estimular a demanda via política monetária
expansionista, o resultado será apenas mais inflação, pois os agentes
conhecem as decisões “inflacionistas” do governo, razão pela qual BC
deve buscar exclusivamente a estabilidade de preços.
O segundo, de autoria de Robert Barro, trata do problema da
credibilidade em política econômica: o governo deve manter a política
fiscal equilibrada e uma política monetária que minimize a inflação. Não
obstante, a política fiscal deve realizar superávits primários para
custear gastos com juros da política monetária e, portanto, aquela
política está subsumida a esta.
Basicamente, credibilidade tem a ver com política econômica
independente de decisões políticas, pois sem interferências
desestabilizadoras que subvertam o equilíbrio de curto prazo, os agentes
tomam decisões sem ruídos e a economia tende à estabilidade com uma
taxa de desemprego compatível com a estabilidade inflacionária.
Logo, a tese de independência do BC surge como solução para
interferências políticas de governantes inflacionistas que querem manter
seu partido no poder. Neste caso, um BC independente e de preferência
com mandato fixo do seu presidente, permite que a autoridade monetária
cuide só da estabilidade de preços.
Assim, o governante não estaria tentado a praticar políticas de
estímulo à demanda no curto prazo e, com isso, gerar inflação. Ora, se a
política monetária expansionista só for capaz de produzir mais
inflação, dado que os agentes se antecipam ao viés inflacionário, nada
mais adequado do que tornar o BC imune ao governante.
Com efeito, qualquer governante é inflacionista por hipótese, pois
insistirá em política monetária expansionista para aumentar a demanda
agregada e manter seu partido no poder. Nada mais falso.
No mundo real, a política monetária afeta preços, mas também, e
principalmente, níveis de emprego e renda. São os agentes privados os
responsáveis pelo investimento e, por conseguinte, pelo crescimento
econômico.
Portanto, a política monetária deve ajudar as demais políticas a
constituírem um cenário favorável ao investimento, criador de emprego,
renda e de riqueza social e efetivamente cumpre várias metas: promover o
investimento produtivo, estabilizar os preços e, como deixou claro a
crise internacional, buscar a estabilidade financeira.
Múltiplos objetivos exigem múltiplos instrumentos e coordenação de
políticas. A independência implica o BC tornar-se um órgão de Estado
cujas ações não precisam de aval. Se o BC tiver uma institucionalidade
que o permita prescindir da articulação com o Tesouro, como será a
coordenação de política econômica?
No Brasil, os desequilíbrios fiscais decorrem do custo financeiro
(juros e amortizações) das operações de mercado aberto da política
monetária. Imagine-se tal situação com a independência do BC.
Ademais, um BC independente colide com os interesses dos eleitores,
pois ao reduzir-se a política monetária a uma questão meramente técnica,
retira-se o poder decisório do governo em influenciar a política
econômica de curto prazo.
Não é verdade que qualquer emissão de moeda eleve a inflação por
pressões de demanda (note-se a deflação em meio à abundância de moeda
com os quantitative easing na Zona do Euro), ou que os políticos
sofram viés inflacionário, ou que a sociedade queira apenas a
estabilidade de preços. Mas é verdade que a independência afasta o BC da
possibilidade de seguir as diretrizes de um governo democraticamente
eleito.
Há ainda outro problema, qual seja, a questão da credibilidade.
Credibilidade não são os agentes estarem num jogo repetitivo sem fim
definido, como supõe a tese da independência. Ela reside naqueles que
têm poder de construção de discursos. Veja-se o Relatório Focus do BCB,
que captura as perspectivas acerca da economia brasileira, e entrevista
somente agentes do mercado financeiro e de consultorias
especializadas. Não há empresários industriais, acadêmicos ou
sindicatos de trabalhadores.
Porém, os agentes no sistema financeiro são os mais interessados nos
efeitos da política monetária, dada a natureza dos ativos que negociam.
Se conseguem pautar a grande imprensa, e isto não é difícil, pois são
seus grandes patrocinadores, a perda de credibilidade do BCB é um
resultado possível, uma profecia autorrealizável. Logo, o BC torna-se
independente apenas dos eleitores, mas não do mercado financeiro.
Vale aqui uma ilustração: dados do Relatório Focus mostram que a alta
recente dos juros no Brasil acompanhou a piora das expectativas. Ou
seja, o discurso de ser o BCB irresponsável ecoou e acabou por dominar a
ação da autoridade monetária.
Afinal, com a economia em estagnação, não seria a demanda a razão para
se elevarem os juros. O motivo é a condução de expectativas,
condicionadas pelos discursos vencedores. A discussão sobre
credibilidade não está no nível individual, mas no âmbito político em
seu sentido clássico, nas relações de poder, das determinações das
classes e grupos vencedores e perdedores.
Finalmente, tese de independência do BC desconsidera a criação de moeda
pelos bancos. Quando o BC faz política monetária, ele não está
exercendo o viés inflacionário, mas limitando a multiplicação de moeda
dos bancos.
A política monetária não é a contribuição da autoridade monetária para
agentes que tudo sabem e sempre promovem o bem público. Ela é, de fato,
uma atividade pública para regular a ação privada dos bancos e demais
agentes financeiros para que suas operações empresariais gerem mais
proveitos públicos do que individuais.
A crise econômica recente deixa claro que os advogados das finanças
livres estavam errados. Enfim, é sem sentido qualquer proposta de
independência do BCB, a não ser para que se tenha a benção do mercado
financeiro, do qual o BC definitivamente não é independente.
banco central (BC), há tempos guardado nas prateleiras dos economistas
liberais. O baixo crescimento nos dois últimos anos, com inflação
próxima do teto da meta, acabou por ressuscitar um assunto já antigo e, a
nosso juízo, ultrapassado.
Seria a panaceia para uma política monetária adequada para trazer a
inflação mais rapidamente ao centro da meta, ao lado de uma política
fiscal de equilíbrio intertemporal e o fim das intervenções do Banco
Central do Brasil (BCB) no mercado cambial. Enfim, os elementos para
retomar a confiança, os investimentos e o crescimento no Brasil.
A teoria por trás da tese de independência do BC vem do fim dos anos 1970, notadamente a partir de dois artigos.
O primeiro, de Finn Kyndland e Edward Prescott, trouxe um argumento
importante na macroeconomia convencional: os agentes têm expectativas
racionais, logo, não cometem erros sistemáticos de previsão, e
antecipam-se às decisões de política de curto prazo do governo.
Se este resolve estimular a demanda via política monetária
expansionista, o resultado será apenas mais inflação, pois os agentes
conhecem as decisões “inflacionistas” do governo, razão pela qual BC
deve buscar exclusivamente a estabilidade de preços.
O segundo, de autoria de Robert Barro, trata do problema da
credibilidade em política econômica: o governo deve manter a política
fiscal equilibrada e uma política monetária que minimize a inflação. Não
obstante, a política fiscal deve realizar superávits primários para
custear gastos com juros da política monetária e, portanto, aquela
política está subsumida a esta.
Basicamente, credibilidade tem a ver com política econômica
independente de decisões políticas, pois sem interferências
desestabilizadoras que subvertam o equilíbrio de curto prazo, os agentes
tomam decisões sem ruídos e a economia tende à estabilidade com uma
taxa de desemprego compatível com a estabilidade inflacionária.
Logo, a tese de independência do BC surge como solução para
interferências políticas de governantes inflacionistas que querem manter
seu partido no poder. Neste caso, um BC independente e de preferência
com mandato fixo do seu presidente, permite que a autoridade monetária
cuide só da estabilidade de preços.
Assim, o governante não estaria tentado a praticar políticas de
estímulo à demanda no curto prazo e, com isso, gerar inflação. Ora, se a
política monetária expansionista só for capaz de produzir mais
inflação, dado que os agentes se antecipam ao viés inflacionário, nada
mais adequado do que tornar o BC imune ao governante.
Com efeito, qualquer governante é inflacionista por hipótese, pois
insistirá em política monetária expansionista para aumentar a demanda
agregada e manter seu partido no poder. Nada mais falso.
No mundo real, a política monetária afeta preços, mas também, e
principalmente, níveis de emprego e renda. São os agentes privados os
responsáveis pelo investimento e, por conseguinte, pelo crescimento
econômico.
Portanto, a política monetária deve ajudar as demais políticas a
constituírem um cenário favorável ao investimento, criador de emprego,
renda e de riqueza social e efetivamente cumpre várias metas: promover o
investimento produtivo, estabilizar os preços e, como deixou claro a
crise internacional, buscar a estabilidade financeira.
Múltiplos objetivos exigem múltiplos instrumentos e coordenação de
políticas. A independência implica o BC tornar-se um órgão de Estado
cujas ações não precisam de aval. Se o BC tiver uma institucionalidade
que o permita prescindir da articulação com o Tesouro, como será a
coordenação de política econômica?
No Brasil, os desequilíbrios fiscais decorrem do custo financeiro
(juros e amortizações) das operações de mercado aberto da política
monetária. Imagine-se tal situação com a independência do BC.
Ademais, um BC independente colide com os interesses dos eleitores,
pois ao reduzir-se a política monetária a uma questão meramente técnica,
retira-se o poder decisório do governo em influenciar a política
econômica de curto prazo.
Não é verdade que qualquer emissão de moeda eleve a inflação por
pressões de demanda (note-se a deflação em meio à abundância de moeda
com os quantitative easing na Zona do Euro), ou que os políticos
sofram viés inflacionário, ou que a sociedade queira apenas a
estabilidade de preços. Mas é verdade que a independência afasta o BC da
possibilidade de seguir as diretrizes de um governo democraticamente
eleito.
Há ainda outro problema, qual seja, a questão da credibilidade.
Credibilidade não são os agentes estarem num jogo repetitivo sem fim
definido, como supõe a tese da independência. Ela reside naqueles que
têm poder de construção de discursos. Veja-se o Relatório Focus do BCB,
que captura as perspectivas acerca da economia brasileira, e entrevista
somente agentes do mercado financeiro e de consultorias
especializadas. Não há empresários industriais, acadêmicos ou
sindicatos de trabalhadores.
Porém, os agentes no sistema financeiro são os mais interessados nos
efeitos da política monetária, dada a natureza dos ativos que negociam.
Se conseguem pautar a grande imprensa, e isto não é difícil, pois são
seus grandes patrocinadores, a perda de credibilidade do BCB é um
resultado possível, uma profecia autorrealizável. Logo, o BC torna-se
independente apenas dos eleitores, mas não do mercado financeiro.
Vale aqui uma ilustração: dados do Relatório Focus mostram que a alta
recente dos juros no Brasil acompanhou a piora das expectativas. Ou
seja, o discurso de ser o BCB irresponsável ecoou e acabou por dominar a
ação da autoridade monetária.
Afinal, com a economia em estagnação, não seria a demanda a razão para
se elevarem os juros. O motivo é a condução de expectativas,
condicionadas pelos discursos vencedores. A discussão sobre
credibilidade não está no nível individual, mas no âmbito político em
seu sentido clássico, nas relações de poder, das determinações das
classes e grupos vencedores e perdedores.
Finalmente, tese de independência do BC desconsidera a criação de moeda
pelos bancos. Quando o BC faz política monetária, ele não está
exercendo o viés inflacionário, mas limitando a multiplicação de moeda
dos bancos.
A política monetária não é a contribuição da autoridade monetária para
agentes que tudo sabem e sempre promovem o bem público. Ela é, de fato,
uma atividade pública para regular a ação privada dos bancos e demais
agentes financeiros para que suas operações empresariais gerem mais
proveitos públicos do que individuais.
A crise econômica recente deixa claro que os advogados das finanças
livres estavam errados. Enfim, é sem sentido qualquer proposta de
independência do BCB, a não ser para que se tenha a benção do mercado
financeiro, do qual o BC definitivamente não é independente.
Frederico G. Jayme Jr. —
Professor do Cedeplar-UFMG e pesquisador visitante do Downing College e
do Departamento de Land Economy, Universidade de Cambridge
Professor do Cedeplar-UFMG e pesquisador visitante do Downing College e
do Departamento de Land Economy, Universidade de Cambridge
Fábio Bittes Terra — Professor do IE-UFU e pesquisador visitante do Departamento de Land Economy, Universidade de Cambridge
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