domingo, 18 de junho de 2017

Como o Macarthismo perseguiu professores

Como o Macarthismo perseguiu professores (exatamente como quer o Escola Sem Partido)



Como o Macarthismo perseguiu professores (exatamente como quer o Escola Sem Partido)

("Quão vermelha é a escolinha vermelha?)
(“Quão vermelha é a escolinha vermelha? É hora dos pais americanos saberem os fatos!”)
Há uma história pouco contada dentro da histeria anticomunista que
tomou conta dos Estados Unidos entre 1947 e 1956, a chamada “caça às
bruxas” ou Macarthismo: a perseguição, pelo senador Joseph McCarthy
e seus discípulos, aos professores do país. Em março de 1952, a Suprema
Corte norte-americana atestou a constitucionalidade da Lei Feinberg,
aplicada no Estado de Nova York desde 1949. De acordo com a lei, as
escolas públicas estavam proibidas de contratar professores
“subversivos” e poderia demitir todos os docentes que julgassem
“comunistas”.


Após o Supremo dar seu aval à lei, que contrariava frontalmente a primeira emenda
da Constituição norte-americana, vários outros estados a adotaram,
perseguindo e demitindo professores apontados como “subversivos”. Na
maioria dos Estados, os docentes contratados por instituições
educacionais públicas depois desta data eram obrigados a assinar um
juramento atestando que não eram nem nunca foram comunistas.


Por 6 votos a 3, os juízes da Suprema Corte consideraram, como
noticiou o New York Times na época, que “o Estado tem o direito
constitucional de proteger as mentes imaturas das crianças nas escolas
públicas da propaganda subversiva, sutil ou não, disseminada por aqueles
para quem elas olham buscando informação, autoridade e liderança”.


Qualquer semelhança com o que diz o movimento Escola Sem Partido
no Brasil de 2017 não é mera coincidência: “É fato notório que
professores e autores de livros didáticos vêm-se utilizando de suas
aulas e de suas obras para tentar obter a adesão dos estudantes a
determinadas correntes políticas e ideológicas; e para fazer com que
eles adotem padrões de julgamento e de conduta moral –especialmente
moral sexual– incompatíveis com os que lhes são ensinados por seus pais
ou responsáveis”.


Na prática, a Corte Suprema norte-americana avalizou o que já estava
ocorrendo em todo o país com a “caça às bruxas” promovida pelos
macarthistas em escolas e universidades: professores eram dedurados,
submetidos a interrogatório e perdiam seus empregos. A paranoia
anticomunista na educação havia começado em 1946, com a formação do
Conselho Nacional para a Educação Americana, uma organização que tinha
como finalidade “erradicar o socialismo, o comunismo e todas as formas
de marxismo das escolas e universidades da América, e estimular a
educação americana”, seja lá o que isto signifique.


Um ano antes de a lei Feinberg ser considerada constitucional, em
fevereiro de 1951, o diretor do FBI, J. Edgar Hoover, instado por
governadores de estados como Delaware e Illinois, decidira passar a
espionar professores das escolas públicas e universidades do país para
que os políticos não precisassem passar pelo “constrangimento” de serem
acusados de perseguir docentes. Se os governadores fossem municiados
confidencialmente, argumentaram, poderiam se proteger das acusações. A
partir daí, o FBI teve carta branca para expandir a espionagem que fazia
sobre os artistas hollywoodianos, intelectuais e políticos também ao
professorado e demais funcionários públicos dos EUA.


“Em 30 de abril de 1951, uma conferência de executivos do FBI
recomendava fazer uma purga de professores nas escolas públicas, porque
‘o contato diário dos professores com os pupilos cria uma ligação
próxima e faz os professores controlarem efetivamente o pensamento das
crianças e então insidiosamente impregnar suas mentes com o pensamento
do partido Comunista’. Hoover deu sua aprovação escrevendo: ‘OK, H.’ na
recomendação. O diretor acreditava que os subversivos estavam ’em ação
em todas as instituições educacionais, desde o jardim da infância até a
universidade'”, diz a introdução do historiador Kenneth O’Reilly, da Universidade do Alasca, para o catálogo dos documentos sobre a perseguição aos professores.


("é hora de)
(“Decência,
honra, sinceridade:  ideias idiotas!” “É hora de todos os pais
americanos terem um interesse maior em nossas escolas e uma mão mais
ativa em moldar as mentes de suas crianças”)
Ao contrário do que Hoover pensava, a opinião pública não ficaria do
lado da caça aos professores, mas a mídia, sim. Os estudiosos do tema
dizem que somente um jornal do país, o Denver Post, teve um
papel diferente. Como acontecia (e os “defensores da democracia”
criticavam) na União Soviética de Stalin, colegas e alunos eram
encorajados a denunciar os professores quando viam algum sinal de que
eram “traidores” da pátria e “antiamericanos”, forma como o senador
McCarthy e os adeptos de sua caça às bruxas chamavam os comunistas. Em
vez dos fuzilamentos dos regimes totalitários, o que acontecia era o
estrangulamento econômico do professor, que era demitido e não conseguia
mais emprego em lugar algum.


Havia julgamentos públicos espetaculosos (“show trials”) de
professores acusados de comunismo em prefeituras, salões comunitários,
acampamentos militares, em escolas e presídios. A pergunta era a mesma:
“Você é atualmente ou já foi membro do partido Comunista?” Milhares de
professores e funcionários públicos perderam seus empregos no período,
muitos chegaram a ser presos. Livros foram banidos ou queimados, como na distopia de Fahrenheit 451, o
clássico da ficção científica de Ray Bradbury. E não é difícil imaginar
quantas injustiças foram cometidas em nome de “salvar as criancinhas do
perigo vermelho”.


("Então você lê, hein?" Cartum de Herblock no Washington Post, 1949)
(“Então você lê livros, hein?” Cartum de Herblock no Washington Post, 1949)
Em fevereiro do ano passado, o Boston Globe
contou a história de como a loucura anticomunista do macarthismo
destruiu a vida de uma professora na cidadezinha de Wayland,
Massachusetts, em 1954. De nada adiantou Anne Hale afirmar, em um
pronunciamento público, que era uma defensora da Constituição e da
democracia, apesar de ter sido membro do Partido Comunista
norte-americano na juventude. Foi demitida e perseguida a vida inteira.
Só foi reintegrada à escola pública pela Justiça em 1968, 14 anos
depois, quando se encontrava doente. Morreu antes de reassumir, aos 60
anos, vítima de um tumor no cérebro.


No ano em que foi afastada de sua querida escola, Anne não teve o
direito nem de se despedir dos alunos. Deixou uma carta dizendo:


Queridas crianças,
Sua família irá dizer a vocês que
pessoas diferentes possuem diferentes ideias sobre como o país deve ser
governado. tenho trabalho há longo tempo da melhor maneira que conheço
para assegurar que ‘a liberdade e a justiça para todos’ sobre a qual
falamos toda manhã estará sempre conosco e que irá melhorar. aqueles que
não concordam comigo dizem coisas duras.
Lembrem apenas destas coisas, que eu sei que vocês sabem: eu amo meu país e amo vocês.
Professores de universidades conceituadas, como
Harvard e o MIT, também sofreram perseguições. Organizações estudantis
que estudavam o marxismo foram fechadas e estudantes expulsos. Em 1949, a
Universidade de Washington demitiu três professores
acusados de “comunismo”, após um processo de investigação sobre 11
docentes, mesmo sem o Comitê de Atividades Antiamericanas ter conseguido
provar que “doutrinavam” os alunos. Os três professores nunca puderam
retornar à academia.
Hoover, o diretor do FBI, ordenou a seus agentes
em todo o país que montassem dossiês sobre “pessoas subversivas” em
pelo menos 54 universidades. Em 1953, a caça aos comunistas havia se
estendido a Harvard, considerada um “reduto vermelho” por McCarthy, mas a
universidade reagiu fortemente em defesa de sua longa tradição de
liberdade acadêmica. O Conselho de Educação havia publicado, em 1949,
uma lista dos Red-Ucators at Harvard, que citava 76 nomes, entre eles o do economista keynesiano John Kenneth Galbraith.
Um dos citados, o professor associado de Física
Wendell H. Furry, denunciado por um colega como participante de um
suposto grupo secreto de comunistas em Harvard, foi convocado a
testemunhar diante do Comitê de Atividades Antiamericanas, mas preferiu
permanecer calado. Ele foi defendido pelo próprio reitor da
universidade, Nathan M. Pusey, que não aceitou os pedidos de McCarthy
para que Furry fosse demitido, e também pelo Nobel de Física de 1952,
seu colega de Harvard Edward M. Purcell. “É um homem que está
subvertendo e pervertendo as mentes da juventude americana”, disse o
senador sobre o professor.
McCarthy conseguiu pressionar instituições
inteiras ao tirar as isenções fiscais de todas as entidades
filantrópicas que tivessem “comunistas ou simpatizantes do comunismo em
sua folha de pagamentos”. O resultado é que muitos destes centros
simplesmente fecharam as portas.
(O professor Keyishian e seu alvo de T.S.Elliot nos anos 1960. Arquivo pessoal)
(O professor Keyishian e seu alvo de T.S.Elliot nos anos 1960. Foto: arquivo pessoal)
No início dos anos 1960, um grupo de professores
da Universidade de Búfalo, no Estado de Nova York, se recusou a assinar
o juramento sobre ser ou não ser comunista e decidiu apelar à Suprema
Corte. Encabeçados pelo professor de Letras Harry Keyishian, os docentes
ganharam a causa e a lei Feinberg, que proibia a contratação de
comunistas, foi finalmente considerada inconstitucional em janeiro de
1967, por um placar apertado de 5 a 4.
O caso, que ficaria conhecido como Keyishian vs. Board of Regents,
é considerado o mais importante em defesa da liberdade acadêmica da
história do Direito norte-americano.  Após a reversão na Justiça, todos
os professores que perderam seus empregos em virtude da perseguição
macarthista foram readmitidos e tiveram sua aposentadoria assegurada.
50 anos depois que esta tragédia acabou, tentam ressuscitá-la no Brasil com o nome de Escola Sem Partido. O projeto de lei que regulamenta esta aberração está em discussão no Congresso, mas a caça às bruxas já está acontecendo: alunos estão gravando professores
em sala de aula para acusá-los sabe-se lá de quê nas redes sociais; o
vereador de direita paulistano Fernando Holiday invade escolas para assediar e constranger professores; coordenadores escolares recebem denúncias por e-mail
acusando professores de serem “gays ou esquerdistas”; e uma professora
de Santa Catarina está sendo processada na Justiça por uma aluna reaça
por dar um curso sobre feminismo.


Se esta lei for aprovada, imaginem o que não fará às nossas escolas e
à liberdade de expressão dos professores. O projeto em apreciação na
Câmara deixa explícito que, como aconteceu nos EUA na década de 1950,
abrirá caminho à deduragem e às perseguições de esquerdistas. “As
secretarias de educação contarão com um canal de comunicação destinado
ao recebimento de reclamações relacionadas ao descumprimento desta Lei,
assegurado o anonimato”, diz o texto do famigerado projeto da Escola Sem
Partido. É o neomacarthismo demonstrando que a direita brasileira
caminha para trás.

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