domingo, 11 de junho de 2017

Sinto saudades do Brasil sem sair do Brasil – Ricardo Kotscho – R7

Sinto saudades do Brasil sem sair do Brasil – Ricardo Kotscho – R7



"O Brasil está no mapa mas não está no mundo, carente de ação
externa e sucumbido à humilhação de país carcomido pela corrupção" 
(Jânio de Freitas, em sua coluna de domingo na Folha).


***


Nos últimos tempos, tenho sentido uma danada e estranha saudade do Brasil, vivendo aqui mesmo, ou exatamente por isso.


É bem pior do que aquela saudade de 40 anos atrás, quando deixei o
país para ser correspondente do Jornal do Brasil na Alemanha antes da
reunificação, ainda nos tempos do Muro de Berlim.


Sem pensar duas vezes, aceitei no ato o convite da editora Dorrit
Harazim porque a barra por aqui estava pesando para mim em 1977, depois
de algumas reportagens que escrevi no Estadão sobre corrupção e tortura
no regime militar.


Com mulher e duas filhas pequenas, ainda sem completar 30 anos,
deixei as malas numa pensão no centro de Bonn, a então capital, e saí
para trabalhar porque já tinha uma pauta me esperando sobre o sequestro
de um avião por terroristas.


Foi uma mudança de vida muito radical. Nem deu tempo de pensar no que
me esperava pela frente, vivendo agora num outro mundo completamente
diferente do nosso.


Por que estou me lembrando disso tudo agora?


Num agradável almoço de sábado no apartamento do jornalista mineiro
Alberto Villas, outro auto-exilado na Europa daquela época, falamos
muito das saudades que sentíamos do Brasil, tão longe e tão perto daqui.


Este é o tema do seu livro Afinal, o que viemos fazer em Paris?, que já li três vezes porque me faz recordar o mesmo período em que vivemos fora do Brasil.


Voltando para casa, constatei que havia uma grande diferença entre a
saudade sentida naquele tempo e a de agora, e resolvi escrever este
texto.


No auge da ditadura, tempos de Médici e Geisel, a gente sabia que um
dia aquela desgraça iria acabar, e voltaríamos a viver num país livre,
alegre, festeiro, sem censura e sem tortura, tomando cachaça no boteco,
sem medo do guarda da esquina.


Era só uma questão de tempo. Havia esperanças na nossa saudade,
muitos planos para quando os generais fossem embora e a democracia
voltasse.


Hoje, apenas três décadas após a redemocratização, aquele país com
que sonhávamos em Bonn e Paris, simplesmente não existe mais. E não tem
volta.


Perdemos não só a esperança, mas a alma, a vergonha na cara, o
modesto orgulho de termos nascido nesta terra abençoada, mas ultimamente
abandonada por Deus.


Joguei a toalha ao acompanhar durante quatro dias, por dever
profissional, o massacre  daquela pantomina encenada esta semana no
julgamento do TSE.


Nem sei mais o que dizer sobre o que está acontecendo, sem ver
nenhuma perspectiva de que as coisas possam mudar tão cedo. Entramos num
beco sem saída.


Nunca me senti tão triste na vida nem quando caminhava sozinho,
perdido nas trilhas geladas da Floresta Negra coberta de neve, pensando
que poderia estar vagabundeando numa praia ensolarada cercado de amigos
ou comendo pizza no balcão da velha padaria Estrela do Butantã.


Vida que segue.

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