S.Paulo
O problema das diretas, já ou depois
Fala-se muito do risco de que em breve se eleja um salvador da pátria
para presidir o que sobrou da República. No entanto, o problema não
aparece nas ideias de quem propõe diretas, eleições gerais antecipadas
ou pensa 2018 como mera questão de presidenciáveis.
Quem quer "diretas já" também parece imaginar o novo presidente como um
santo desatador de nós, flor capaz de sobreviver no pântano, quiçá de
mudar o ecossistema.
O lodaçal, claro, é o sistema político podre e alheado da sociedade, as
dúzias de partidos negocistas e a lei eleitoral perversa, tudo
condizente com a sobrevivência eleitoral do estamento podre e da bancada
dos fugitivos da polícia.
Bastariam diretas já para que esse lodo torvo desaparecesse, por obra de
uma personagem providencial, um salvador da pátria que não se ousa
chamar por este nome: o presidente "legítimo", eleito já ou depois.
Claro que não. Mas o problema é assim posto até por conhecedores de
artes e ciências da política, desde o papa emérito e tucano Fernando
Henrique Cardoso até o recém-ex-noviço e petista Fernando Haddad.
Diz-se que um presidente recém-eleito, vitaminado nas urnas, tem o dom
de formar maiorias parlamentares desde que use a caneta para dividir o
butim de modo proporcional entre partidos, "governo estável e eficaz". É
isso que se espera? Mudança com continuidade desse sistema que tanto
cientista político dizia ser "funcional" e deu no que deu?
Abreviar governos e legislaturas a fim de promover eleições gerais, para
mandatos de cincos anos, faz mais sentido do que diretas para um tampão
caótico de um ano. Mas o plano ainda é fantasia, a não ser na hipótese
ainda também fantástica de insurreição nas ruas.
Quem quer ceder poder, de governadores a parlamentares? De resto, os
tutores do governo Temer ou de um presidente indireto, a coalizão
reformista liberal e o estamento político fugitivo da polícia, resistem a
tal solução.
Pode ser que, com a necrose progressiva de Michel Temer, donos de poder e dinheiro mudem de ideia. O que fazer?
Mais do que mudar nacos enormes da Constituição, criar alternativas
políticas, ora uma quimera. Pior, o estamento lutará para preservar sua
chance de sobrevida com ainda mais avidez, pois precisa do foro
privilegiado e do poder de votar acordões e anistias.
Assim, como mudar as regras do jogo a ponto de evitar que o sistema político podre se reproduza quase por inteiro?
A cada eleição legislativa, se observa a "alta taxa de renovação" do
Congresso Nacional, que no entanto continua o mesmo ou pior.
O sistema de produzir podridão sobrevive porque não é derivado apenas de
regra eleitoral ruim. A vitória na urna é parte do empreendimento
político-empresarial de captura de rendas e acumulação de capital, no
Estado e nos negócios, central na economia do país quase inteiro.
O empreendimento vai além da conquista de recursos políticos. Vai do
enriquecimento claramente criminoso à aprovação de favores estatais,
passando pela concessão de subsídios e legislação econômica para
empresas em troca de benefícios para o grupo ou oligarquia, municipal,
estadual ou federal.
O sistema está pronto para se reproduzir e, aos poucos, emparedar o presidente "legítimo".
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