sábado, 31 de janeiro de 2015

A gororoba brasileira e o ajuste à grega - Carta Maior

A gororoba brasileira e o ajuste à grega - Carta Maior



A gororoba brasileira e o ajuste à grega

Decididamente,
o diagnóstico do ministro das finanças do governo Syriza é diferente
do que pensa seu congênere brasileiro, o ministro Joaquim Levy.

por: Saul Leblon







A Grécia não é apenas um bloco monolítico de oprimidos, acossados pelo poder financeiro externo, sob o açoite de Frau  Merkel.

Por
trás das multidões desesperadas que afluíram às ruas e cercaram o
parlamento nos últimos anos, tentando retomar o controle do seu destino,
até o desenlace eleitoral deste domingo,  existe a história pedagógica
de  um conflito entre a maioria da sociedade e os que detém a riqueza
dentro dela.

Nisso a tragédia grega é um clássico.

Condensa o desatino de muitas nações nos dias que correm.

Seu
impasse resultará insolúvel se for encarado apenas como um confronto
com  banqueiros obstinados em ordenhar juros de uma dívida impagável de
330 bilhões de euros.

Não que essa dimensão do enredo seja negligenciável.

Em uma população da ordem de 11 milhões de pessoas, a dívida grega equivale a uma cota da ordem de 30 mil euros por habitante.

Algo como R$ 350 mil reais por família composta de casal e dois filhos.

A chance de que haja um adulto desempregado dentro dela é alta; um em cada quatro trabalhadores está desocupado na Grécia.

A eletricidade de um milhão de lares foi cortada por falta de pagamento.

Nesse cenário de penúria, pagar a dívida equivale a condenar sucessivas gerações a um regime de servidão às ordens da banca.

A
curto prazo a queda generalizada das taxas de juros no mundo   –com
exceções notáveis como é o caso brasileiro--  deve aliviar a pressão
sobre o novo governo pelo lado externo.

O programa do BCE de injeção de liquidez e o alongamento da dívida grega também ajudam.

Mas a guilhotina continua focada no pescoço do país.

Qualquer solavanco nas taxas de juros internacionais faria desabar a lâmina decapitando a sociedade e o Syriza.

A
alternativa real depende de uma frente progressista  que envolve 
avanços políticos em toda a Europa. Pode acontecer aos saltos a partir
de agora.

Meta:  substituir  a austeridade suicida da troika  por um plano Marshall de regeneração econômica da zona do euro.

 É a tese de Yanis Varoufakis, economista de formação marxista, novo ministro da finança indicado pelo premiê Tsipras.

Em entrevista recente (leia nesta pág),
o ministro alerta  para outra agenda imediata e imperativa, que
aproveite a nova correlação de forças eleitoral para romper o núcleo
duro da encruzilhada grega.

Qual?

Nas palavras de
Varoufakis:  taxar os ricos e desmontar uma cleptocracia   composta de
banqueiros, meios de comunicação e seus aliados no Estado.
Na Grécia,  enquanto o país apodrecia a plutocracia engordava.

A
exemplo do que ocorre no Brasil, e em outros pagos,   trata-se de uma
elite  alérgica à justiça tributária, cuja bandeira inoxidável, na crise
ou fora dela, é a defesa desinteressada do arrocho fiscal e monetário.

Sempre
em nome dos bons fundamentos da República --aqueles que  vão garantir o
que lhe   interessa de fato: a proteção preventiva  contra a taxação da
riqueza  e o superávit fiscal suficiente para abastecer o ralo
insaciável dos juros.

Detentores de sólida endogamia com o
sistema financeiro global, os endinheirados apátridas de  todas as
latitudes  integram uma casta rentista que Piketty desnudou como o
grande parasita do nosso tempo.

Essa gigantesca lombriga alojada
no metabolismo das nações age determinada a engordar  ininterruptamente,
às custas, acima  e à frente do crescimento da produção e do bem-estar
coletovo.

‘Não estamos interessados apenas em voltar a 2010’,
alerta  o economista Yanis Varoufakis, como a esclarecer que a crise
atual já vinha sendo chocada nos ovos da ameba cosmopolia,  muito antes
de explodir a desordem sistêmica em 2008.

 Nisso sobretudo, ele 
tem  algo a dizer em relação ao ajuste brasileiro que parece focado  na
mera restauração das condições  internacionais pré-crise de 2008  –o que
de resto parece ilusório diante das novas e adversas  condições do
comércio global.

Combater o privilégio tributário da elite será uma das trincheiras mais desafiadoras do governo Syriza.

‘Não
é só um problema de evasão fiscal, mas sim de que grande parte da renda
dos ricos nem sequer é tributada’, pontua Varoufakis puxando o fio de
um outro gargalo clássico, que condensa na tragédia grega a encruzilhada
de outros governos, partidos e nações.
   
Sob a sanguinária
ditadura dos coronéis, que dominou o país de 1967 a 1974, a elite grega
já vivia um período de fastígio e evasão fiscal ímpar.

O
endividamento externo que hoje passa de 170% do PIB reflete em boa parte
o complacente intercurso entre a farda truculenta e plutocracia
fraudulenta.

Pesquisas indicam que sob o tacão dos coronéis menos de 100 mil abnegados pagavam imposto de renda na Grécia.

Era uma espécie de Olimpo no qual os sonegadores ocupavam o altar dos deuses.

Na
democracia, uma tentativa de afrontar a evasão, com o rastreamento por
satélite das piscinas nas mansões, foi driblada por uma corrida às capas
de grama sintética...

Nas últimas décadas, a socialdemocracia, o
Pasok,  não teve a coragem de retirar as capas que recobriam
privilégios e caixas milionários dos ricos, dos bancos e dos meios de
comunicação.

O endividamento externo persistiu como uma solução de menor resistência.

Em vez de arrecadar das amebas gordas, optou-se pelo endividamento externo desenfreado, em sintonia com a lógica neoliberal.

A farra da liquidez e do crédito deu solvência ao modelo.

Com a adesão grega à União Europeia os controles ficariam mais rígidos.

O Tratado de Maastricht determina que o país membro não pode ostentar déficit fiscal superior a 3% do PIB.

A
saída encontrada pelos governantes e cleptocratas   foi pagar polpudas
somas a consultorias e a grandes bancos norte-americanos, como a
indefectível Goldman Sachs, para maquiar a lambança sem afetá-la.

Sofisticadas
operações de engenharia contábil foram oferecidas ao país para
persistir no endividamento público, sem afrontar Maastricht, nem
tributar a elite local.

As capas de grama sintética cederam lugar a um bem urdido manto de criatividade delinquente.

Coisa típica da grande finança.

Um
dos artifícios chancelados pelo selo Goldman Sachs foi penhorar
receitas futuras do Estado grego, em troca de antecipações de recursos
junto aos credores.

O  saque  incluiu, por exemplo,  anos e anos
de taxas de embarque e desembarque em aeroportos nacionais  penhoradas 
pelo Estado.

Rasparam o tacho da nação para evitar a tributação  dos bolsos gordos.

Como
a antecipação de receita foi devorada pelo caminho, o futuro do tráfego
aéreo, desprovido de fundos para novos investimentos, terá sérios
problemas no país.

A irresponsabilidade ganha cores sugestivas quando se sabe que o turismo representa mais de 14% do PIB grego.

Agia-se como agem as elites predadoras em distintas fronteiras.

Tudo
se passa como se  não houvesse amanhã, essa abstração para quem o tempo
consiste no átimo de segundo que separa o dedo da operação digital em
paraísos fiscais.

Durante anos foi assim que se deu.

O
Estado se endividou sem registrar o rombo como déficit público, graças
aos espertos petizes da Goldman Sachs  –os mesmos que hoje dão ‘suporte’
intelectual ao jogral brasileiro que reclama ‘arrocho e fim das
‘pedaladas’ nas contas fiscais do governo Dilma.

 Quando estourou a crise mundial, em 2007/8, a reversão do fluxo de crédito  pôs em xeque a ciranda grega e o déficit explodiu.

Imaginou-se inicialmente que ele seria de 10,5%.

Em 2010 verificou-se que era da ordem de 15%.

Trazê-lo
à soleira dos 3%  a ferro e fogo, como se fez,  exigiu uma rendição
incondicional de sucessivos partidos e governantes, até a vitória do
Syriza  no último domingo.

A Grécia deixou de ser uma nação nos últimos seis anos.

Transformou-se  no grande açougue-escola do neoliberalismo.

Praticou-se ali as mais variadas modalidades de cortes (leia nesta pág. ‘Na Grécia, Levy não leva’).

Poucos foram poupados dos talhos profundos para extrair libras de carne em sentido figurado e literal.

O arrocho derrubou o PIB em 25%, produziu 27% de desemprego, elevou em 40% os suicídios, cortou em 20% as aposentadorias.

Pacotes
ortodoxos  sucessivos transferiram à população –na forma de um
esfarelamento de serviços, salários, privatizações e  imposto indireto— 
o sacrifício de sanear décadas de ladroagem fiscal e covardia política.

Fica mais fácil entender a disposição ao risco assumida pelos eleitores no último domingo.

A principal promessa do Syriza não é apenas afrontar a troika e frau Merkel.
Mas,
sim, como diz Varoufakis,  resolver um passivo histórico que remonta à
conciliação das elites na transição da ditadura para a democracia.

Ou seja, redistribuir a renda e  sacrifícios até então determinados pela cleptocracia.

Soa inspirador?

Decididamente,
o diagnóstico do ministro Varoufakis é  diferente do que pensa seu
congênere,  Joaquim Levy,  quando se grata de restaurar a saúde das
contas públicas e devolver poder de investimento ao Estado.

Num
tempo em que todo capital se comporta como capital estrangeiro, as
operações offshores para ludibriar o fisco constituem o novo normal das
elites e grandes corporações.

Ou alguém acha que o labiríntico
passeio do dinheiro frio das empreiteiras no caso Petrobrás e no do
metrô tucano foi montado apenas para esse fim?

Ou imagina que  apenas elas estão envolvidas no submundo empresarial das triangulações em paraísos fiscais?

Ou,
por distração,  supõe que os bancos, justo eles, zeladores do dinheiro
grosso, ficariam à margem das acrobacias da ‘elisão’ fiscal  -- a
sonegação untada com chantilly de legalidade?

Bradesco e Itaú-Unibanco, por exemplo.

Noticiou-se agora, economizaram R$ 200 milhões em impostos em 2008 e 2009.
Bastou
registrarem parte de seus lucros no elegante e generoso Grão-Ducado de
Luxemburgo, um dos mais atuantes paraísos fiscais europeus.

É apenas um caso em uma amostra de somente dois bancos.

Por
que o glorioso jornalismo brasileiro não dedica a esse assunto o mesmo
empenho investigativo –saudável, diga-se--  exibido em relação ao
intercurso de corrupção e favorecimento entre políticos e grandes
corporações?

Um pedaço da resposta talvez esteja no fato de que os cronistas também são personagens da trama que encobrem.

Exemplo recente?

A
Receita brasileira concluiu no ano passado  que a gloriosa Rede Globo
montou uma "intrincada engenharia" para sonegar impostos sobre os
direitos de transmissão da Copa do Mundo de 2002.

Um blog da mídia alternativa, o bravo Cafezinho, escancarou o esquema e cobrou o DARF devido , da ordem de R$ 350 milhões.

O que aconteceu até agora?

Nada.

Ou
melhor: o braço mdiático da cleptocracia local multiplicou a campanha
contra os ‘blogs sujos’.  E reforçou a guerra aberta à regulação das
comunicações no Brasil.
Longa vida ao ministro Varoufakis.

ConJur - Não há presos provisórios, cautelares ou preventivos; há inocentes

ConJur - Não há presos provisórios, cautelares ou preventivos; há inocentes



"Eufemismo que cega"

Não há presos provisórios, cautelares ou preventivos; há presos inocentes

Quando
uma pessoa, geralmente mulher, muitas vezes mãe, é obrigada a tirar
toda sua roupa, fazer agachamentos, saltos, submeter-se ao toque íntimo
ou ter objetos introduzidos em suas cavidades corporais, para fazer uma
visita a um parente que está custodiado em uma prisão, nós não dizemos
que houve revista íntima. Dizemos que houve mais uma inaceitável revista vexatória.

Quando
um empregado desempenha suas funções em situações incompatíveis com a
dignidade da pessoa humana, em violação de direitos fundamentais que
coloquem em risco sua vida e saúde, não dizemos apenas que são condições
degradantes de trabalho. Dizemos que há trabalho escravo.

Disputar
conceitos é importante. O poder simbólico da narrativa, da forma como
se nomeia determinada realidade, pode ser crucial para nosso sucesso ou
insucesso em transformá-la. Com Bourdieu, vimos que a linguagem não é
somente um instrumento de comunicação, mas também um instrumento de ação
e poder.

A revista íntima era um procedimento burocrático de
segurança difundido acriticamente pelos milhares de estabelecimentos
prisionais no país. Já a revista vexatória está no centro da crítica de
militantes de direitos humanos e vem sendo progressivamente abolida. O
trabalho exercido em condições degradantes pode ser invocado pela
direita liberal mais radical como exercício da liberdade individual do
trabalhador em prover seu sustento conforme as condições que livremente
pactuou. Já o trabalho escravo é indefensável e todos – ao menos
publicamente – querem sua abolição.

Daí que precisamos revisitar a
narrativa e passar a nomear adequadamente a situação das mais de 240
mil pessoas que se encontram, hoje, presas sem que tenham contra elas
sentenças penais transitadas em julgado.

Hoje os chamamos,
comumente, de presos provisórios. Dizemos que houve uma prisão cautelar
ou preventiva. Nos habituamos tanto a essas palavras que perdemos a
capacidade de estranhamento frente a elas. Quase esquecemos que se
tratam de eufemismos, cirurgicamente construídos para a naturalização da
barbárie – o que chamamos hoje medida cautelar, os nazistas diziam internação especial, tratamento especial ou limpeza, conforme nos adverte Zaffaroni.

Precisamos aprender a dizer que não existem presos provisórios, cautelares ou preventivos.

Porque
de provisória essa prisão não tem nada. Ela geralmente dura anos e,
muitas vezes, por mais tempo do que a própria pena aplicada ao final do
processo. Mais de 80% das pessoas presas em flagrante permanecem presas
até o julgamento da ação, conforme pesquisa do Instituto Sou da Paz.

De
cautelar essa prisão não tem nada. Estudo recente do IPEA indica que
37% dos réus presos durante o processo não foram condenados à prisão.
Outra pesquisa, do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania e da Pastoral
Carcerária, aponta que apenas 1 em cada 10 acusados pela prática de
crimes não violentos tiveram pena tão gravosa quanto a medida cautelar a
que foram submetidos. A prisão cautelar busca assegurar o cumprimento
de uma pena que, ao final, não é aplicada – com um custo social e
financeiro que, por cautela, deveríamos questionar.

De preventiva
essa prisão também não tem nada. Seu uso indiscriminado, sobretudo
contra parcela específica da população que povoa os cárceres (os jovens
negros), revela que a prisão não busca garantir a ordem pública,
econômica, a instrução do processo ou a aplicação da lei penal. Ela
busca, pura e simplesmente, saciar nosso punitivismo e nossa falsa
percepção de que a prisão deles nos torna mais seguros, acalmando nosso medo.

Como
mencionado, disputar conceitos importa. Para reconhecermos nossa
barbárie, precisamos nomeá-la, desnudá-la, trazê-la ao sol. Assim, se a
nossa Constituição é expressa ao dizer que ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, não
faz o menor sentido nos contentarmos em nomear as prisões que escapam a
esse preceito como provisórias, cautelares ou preventivas.

São
antes de tudo, pela sua natureza que esquecemos de invocar, prisões de
inocentes. São presos inocentes que, apesar da presunção inscrita no
castigado inciso LVII do artigo 5º da Constituição, permanecem atrás das
grades aguardando o julgamento do processo, sem perceberem que já foram
considerados culpados e cumprem pena por antecipação, independente da
sentença futura que venha a absolvê-los, arbitrá-los penas alternativas
ou, enfim, condená-los à prisão que já os abriga.

Pode fazer
diferença a forma como os denominamos. Um preso provisório que é
absolvido após aguardar por anos ao julgamento do processo atrás das
grades, com alguma lógica jurídica (ainda que classista) e muito
malabarismo ético, tem negado o direito à indenização pela família
destruída, pelo trabalho perdido, pela vida adiada. Ninguém lhe pede
desculpas, "a prisão era justificável à época do juízo cautelar". Não
sabemos – mas nos parece que seria mais difícil negar esse direito a um
preso inocente.

Podemos dizer que há um 'sistemático, abusivo e desproporcional uso da prisão de inocentes pelo sistema de justiça do país'. Dizer que 'a prisão de inocentes
só deve ser admitida em casos excepcionais previstos na legislação'.
Que 'conforme os dados de dezembro de 2013, há mais de 240 mil presos inocentes no país', sendo um dos países cuja taxa de presos inocentes mais aumenta no mundo.

A
Constituição nos autoriza a chamá-los assim – não o fazemos por opção
política. Porque o eufemismo nos cega. E dar o nome adequado à nossa
barbárie pode, quem sabe, contribuir para nosso processo civilizatório,
nos fazendo enfim enxergá-la.

Um advogado a favor da destruição das empresas de construção - Carta Maior

Um advogado a favor da destruição das empresas de construção - Carta Maior



 J. Carlos de Assis*

 Assisti estupefato à entrevista do advogado Modesto Carvalhosa,
apresentado como grande autoridade em Direito Comercial, ao programa
Roda Viva, da Tevê Cultura: o tema em pauta era a punição das grandes
construtoras contratadas pela Petrobras envolvidas na operação Lava
Jato; o tema preferencial do entrevistado foi atacar os partidos da base
aliada do Governo, e especialmente o PT. Até aí nada a objetar.
Entretanto, assinale-se que nesse último caso quem fala não é o
especialista em Direito de Empresas, mas um porta-voz do tucanato que
destila preconceitos contra políticos e o Governo com espantosa
leviandade.

Carvalhosa tem uma noção peculiar de democracia.
Segundo ele, governo democrático era o de Fernando Henrique, pois
Fernando Henrique exercia pessoalmente o governo que, assim, não era do
PSDB. Já os governos Lula e Dilma não são democráticos porque quem
governa é o PT. Isso se manifestaria sobretudo pelo aparelhamento do
Estado e do Governo pelo PT e seus partidos aliados. Com isso, ficamos
em dúvida sobre o papel do partido político numa democracia. Ao que o
advogado quer, o partido escolhe o candidato e conduz a campanha, elege o
presidente e, pronto, sai imediatamente de cena para não conspurcar o
governo com sua participação direta!

Entretanto, examinemos um
pouco mais de perto a questão do aparelhamento. Carvalhosa, um jurista,
confunde Estado com Governo. Estado transcende ao Governo e suas
instituições são mutuamente autônomas. Já Governo se confunde com
Executivo, cabendo a este, uma vez eleito, escolher os seus quadros
auxiliares, ministros etc. É do jogo democrático que o Governo escolha
também os dirigentes de algumas instituições permanentes do Estado,
pois, do contrário, cada uma dessas instituições – e não falo do
Legislativo e do Judiciário – formaria uma casta na sociedade infensa ao
jogo democrático.

A nomeação de ministros e dirigentes de
entidades estatais pelo Governo escolhido pelo povo é uma contingência
da democracia. Não cabe falar em aparelhamento. Não me consta que
Fernando Henrique tenha colocado adversários políticos em postos de
mando no Governo e na direção de entidades estatais. Por outro lado,
também não me consta que os governos do PT – do qual não sou filiado e
ao qual sempre fiz algumas restrições – tenha “aparelhado” a Polícia
Federal, o Supremo Tribunal Federal, a Procuradoria Geral da República
ou a direção de outras instituições que, constitucionalmente, o
presidente nomeia.

Voltando a Carvalhosa, outra observação
espantosa em sua entrevista foi a vinculação do escândalo na Petrobrás
com o chamado “mensalão”. Que a opinião pública brasileira tenha sido
empulhada pela mídia ao ponto de achar que o julgamento do “mensalão”
foi justo é admissível, dada a fragilidade da sociedade diante de uma
imprensa manipuladora. Mas um “jurista” dizer que o mensalão consistiu
em compra de votos, inclusive de parlamentares do próprio PT, com
dinheiro público é um insulto à inteligência por parte de quem teria a
obrigação moral de tomar conhecimento dos autos em sua integralidade.

Voltemos
ao tema central da entrevista: Carvalhosa quer quebrar judicialmente as
empresas com contratos suspeitos com a Petrobras. As empresas, não só
os diretores, tem “culpa”, por isso tem que pagar.  Esse é o foco. Seja
tudo pela luta contra a corrupção: se isso significar a demissão de 500
mil empregados das empreiteiras, e outro milhão de empregados indiretos;
se isso significa sucatear a tecnologia nacional; se isso significa
entregar o mercado de construção e do setor petróleo às ávidas
empreiteiras externas, tudo bem: É uma forma de depurar a sociedade
brasileira dos seus corruptos, matando de fome algumas centenas de
milhares de trabalhadores que não tem absolutamente nada a ver com a
corrupção.

Contrariamente à tese de Carvalhosa, a Presidenta
Dilma teve seu melhor momento nesse episódio ao estabelecer claramente
uma linha política de separação entre corruptos e corruptores, que devem
ser punidos, e empresas, que devem ser preservadas. Felizmente, nesse
caso, o Governo não se omitiu em posicionar-se. Em relação aos corruptos
e corruptores, acho que a Lava Jato nos deve maiores explicações que
vão além de simples delações premiadas. É preciso ter provas, e não
encharcar a imprensa de informações fragmentadas e sensacionalistas. Por
exemplo, a imprensa noticiou amplamente que Cerveró recebeu uma propina
de US$ 40 milhões. É muito dinheiro. Mas onde está a prova?

Enquanto
gente como Carvalhosa quer quebrar as empresas de construção
brasileiras, os Estados Unidos, origem dessa campanha contra a
Petrobras, sabe tratar muito bem suas corporações, cuja corrupção está
longe de ser comparada ao que acontece no Brasil. Por exemplo: o
Citigroup e o Bank America cometeram fraudes bilionárias no mercado
imobiliário; ninguém, pessoalmente, foi punido. As empresas, por sua
vez, aceitaram, cada uma, pagar multa de US$ 20 bilhões para encerrar o
processo – algo que apenas fez cócegas no orçamento delas. Ao lado
disso, tivemos o escândalo da Libor, do Deutche Bank e do UBS (operações
de câmbio), sendo que não vi nenhum luminar jurídico do primeiro mundo
defender a quebra desses bancos. Sintomaticamente, também não li nada a
respeito na imprensa brasileira.

Para não falar que estamos
defendendo a impunidade absoluta das empresas, sugiro que, no caso de
desvios e corrupção comprovados, os responsáveis pessoais sejam
devidamente julgados e punidos, enquanto, para as empresas, sejam
estipulados, além do ressarcimento do dano, uma multa proporcional a sua
capacidade de pagamento sem prejuízo de suas operações. E, uma vez
cumprida a sentença, as empresas estejam livres para contratação pelo
Estado das obras em que estão operando e de novas obras, com o devido
cuidado contra novos atos de corrupção, usando o que me parece ser a
única sugestão válida de Carvalhosa: o instrumento do performance bond,
isto é, o seguro de desempenho do contrato. Do contrário, o prejuízo
para a sociedade e o Estado, em casos de corrupção, será muito maior por
causa da conversão de muitas obras que estão em andamento em elefantes
brancos, assim como em face do retardamento de outras obras urgentes que
temos que fazer.

*Economista, doutor pela Coppe-UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB

domingo, 25 de janeiro de 2015

Noam Chomsky: estamos à beira da total auto destruição? - Carta Maior

Noam Chomsky: estamos à beira da total auto destruição? - Carta Maior



Noam Chomsky: estamos à beira da total auto-destruição?

Existem mais processos de longo prazo apontando na direção,
talvez não da destruição total, mas ao menos da destruição da capacidade
de uma vida decente.





Noam Chomsky, Alternet




Arquivo



O que o futuro trará? Uma
postura razoável seria tentar olhar para a espécie humana de fora. Então
imagine que você é um extraterrestre observador que está tentando
desvendar o que acontece aqui ou, imagine que és um historiador daqui a
100 anos - assumindo que existam historiadores em 100 anos, o que não é
óbvio - e você está olhando para o que acontece. Você veria algo
impressionante.

Pela primeira vez na história da espécie humana,
desenvolvemos claramente a capacidade de nos destruirmos. Isso é verdade
desde 1945. Agora está finalmente sendo reconhecido que existem mais
processos de longo-prazo como a destruição ambiental liderando na mesma
direção, talvez não à destruição total, mas ao menos à destruição da
capacidade de uma existência decente.

E existem outros perigos
como pandemias, as quais estão relacionadas à globalização e interação.
Então, existem processos em curso e instituições em vigor, como sistemas
de armas nucleares, os quais podem levar à explosão ou talvez,
extermínio, da existência organizada.

Como destruir o planeta sem tentar muito

A
pergunta é: O que as pessoas estão fazendo a respeito? Nada disso é
segredo. Está tudo perfeitamente aberto. De fato, você tem que fazer um
esforço para não enxergar.

Houveram uma gama de reações. Têm
aqueles que estão tentando ao máximo fazer algo em relação à essas
ameaças, e outros que estão agindo para aumentá-las. Se olhar para quem
são, esse historiador futurista ou extraterrestre observador veriam algo
estranho. As sociedades menos desenvolvidas, incluindo povos indígenas,
ou seus remanescentes, sociedades tribais e as primeiras nações do
Canadá, que estão tentando mitigar ou superar essas ameaças. Não estão
falando sobre guerra nuclear, mas sim desastre ambiental, e estão
realmente tentando fazer algo a respeito.

De fato, ao redor do
mundo - Austrália, Índia, América do Sul - existem batalhas acontecendo,
às vezes guerras. Na Índia, é uma guerra enorme sobre a destruição
ambiental direta, com sociedades tribais tentando resistir às operações
de extração de recursos que são extremamente prejudiciais localmente,
mas também em suas consequências gerais. Em sociedades onde as
populações indígenas têm influência, muitos tomam uma posição forte. O
mais forte dos países em relação ao aquecimento global é a Bolívia, cuja
maioria é indígena e requisitos constitucionais protegem os “direitos
da natureza”.

O Equador, o qual também tem uma população indígena
ampla, é o único exportador de petróleo que conheço onde o governo está
procurando auxílio para ajudar a manter o petróleo no solo, ao invés de
produzi-lo e exportá-lo - e no solo é onde deveria estar.

O
presidente Venezuelano Hugo Chávez, que morreu recentemente e foi objeto
de gozação, insulto e ódio ao redor do mundo ocidental, atendeu a uma
sessão da Assembléia Geral da ONU a poucos anos atrás onde ele suscitou
todo tipo de ridículo ao chamar George W. Bush de demônio. Ele também
concedeu um discurso que foi interessante. Claro, Venezuela é uma grande
produtora de petróleo. O petróleo é praticamente todo seu PIB. Naquele
discurso, ele alertou dos perigos do sobreuso dos combustíveis fóssil e
sugeriu aos países produtores e consumidores que se juntassem para
tentar manejar formas de diminuir o uso desses combustíveis. Isso foi
bem impressionante da parte de um produtor de petróleo. Você sabe, ele
era parte índio, com passado indígena. Esse aspecto de suas ações na ONU
nunca foi reportado, diferentemente das coisas engraçadas que fez.

Então,
em um extremo têm-se os indígenas, sociedades tribais tentando amenizar
a corrida ao desastre. No outro extremo, as sociedades mais ricas,
poderosas na história da humanidade, como os EUA e o Canadá, que estão
correndo em velocidade máxima para destruir o meio ambiente o mais
rápido possível. Diferentemente do Equador e das sociedades indígenas ao
redor do mundo, eles querem extrair cada gota de hidrocarbonetos do
solo com toda velocidade possível.

Ambos partidos políticos, o
presidente Obama, a mídia, e a imprensa internacional parecem estar
olhando adiante com grande entusiasmo para o que eles chamam de “um
século de independência energética” para os EUA. Independência
energética é quase um conceito sem significado, mas botamos isso de
lado. O que eles querem dizer é: teremos um século no qual maximizaremos
o uso de combustíveis fóssil e contribuiremos para a destruição do
planeta.

E esse é basicamente o caso em todo lugar.
Admitidamente, quando se trata de desenvolvimento de energia
alternativa, a Europa está fazendo alguma coisa. Enquanto isso, os EUA, o
mais rico e poderoso país de toda a história do mundo, é a única nação
dentre talvez 100 relevantes que não possui uma política nacional para a
restrição do uso de combustíveis fóssil, e que nem ao menos mira na
energia renovável. Não é por que a população não quer. Os americanos
estão bem próximos da norma internacional com sua preocupação com o
aquecimento global. Suas estruturas institucionais que bloqueiam a
mudança. Os interesses comerciais não aceitam e são poderosos em
determinar políticas, então temos um grande vão entre opinião e política
em muitas questões, incluindo esta. Então, é isso que o historiador do
futuro veria. Ele também pode ler os jornais científicos de hoje. Cada
um que você abre tem uma predição mais horrível que a outra.

“O momento mais perigoso na história”

A
outra questão é a guerra nuclear. É sabido por um bom tempo, que se
tivesse que haver uma primeira tacada por uma super potência, mesmo sem
retaliação, provavelmente destruiria a civilização somente por causa das
consequências de um inverno-nuclear que se seguiria. Você pode ler
sobre isso no Boletim de Cientistas Atômicos. É bem compreendido. Então o
perigo sempre foi muito pior do que achávamos que fosse.

Acabamos
de passar pelo 50o aniversário da Crise dos Mísseis Cubanos, a qual foi
chamada de “o momento mais perigoso na história” pelo historiador
Arthur Schlesinger, o conselheiro do presidente John F. Kennedy. E foi.
Foi uma chamada bem próxima do fim, e não foi a única vez tampouco. De
algumas formas, no entanto, o pior aspecto desses eventos é que a lições
não foram aprendidas.

O que aconteceu na crise dos mísseis em
outubro de 1962 foi petrificado para parecer que atos de coragem e
reflexão eram abundantes. A verdade é que todo o episódio foi quase
insano. Houve um ponto, enquanto a crise chegava em seu pico, que o
Premier Soviético Nikita Khrushchev escreveu para Kennedy oferecendo
resolver a questão com um anuncio publico de retirada dos mísseis russos
de Cuba e dos mísseis americanos da Turquia. Na realidade, Kennedy nem
sabia que os EUA possuíam mísseis na Turquia na época. Estavam sendo
retirados de todo modo, porque estavam sendo substituídos por submarinos
nucleares mais letais, e que eram invulneráveis.

Então essa era a
proposta. Kennedy e seus conselheiros consideraram-na - e a rejeitaram.
Na época, o próprio Kennedy estimava a possibilidade de uma guerra
nuclear em um terço da metade. Então Kennedy estava disposto a aceitar
um risco muito alto de destruição em massa afim de estabelecer o
princípio de que nós - e somente nós - temos o direito de deter mísseis
ofensivos além de nossas fronteiras, na realidade em qualquer lugar que
quisermos, sem importar o risco aos outros - e a nós mesmos, se tudo
sair do controle. Temos esse direito, mas ninguém mais o detém.

No
entanto, Kennedy aceitou um acordo secreto para a retirada dos mísseis
que os EUA já estavam retirando, somente se nunca fosse à publico.
Khrushchev, em outras palavras, teve que retirar abertamente os mísseis
russos enquanto os EUA secretamente retiraram seus obsoletos; isto é,
Khrushchev teve que ser humilhado e Kennedy manteve sua pose de macho.
Ele é altamente elogiado por isso: coragem e popularidade sob ameaça, e
por aí vai. O horror de suas decisões não é nem mencionado - tente achar
nos arquivos.

E para somar um pouco mais, poucos meses antes da
crise estourar os EUA haviam mandado mísseis com ogivas nucleares para
Okinawa. Eram mirados na China durante um período de grande tensão
regional.

Bom, quem liga? Temos o direito de fazer o que
quisermos em qualquer lugar do mundo. Essa foi uma lição daquela época,
mas haviam outras por vir.

Dez anos depois disso, em 1973, o
secretário de estado Henry Kissinger chamou um alerta vermelho nuclear.
Era seu modo de avisar à Rússia para não interferir na constante guerra
Israel-Árabes e, em particular, não interferir depois de terem informado
aos israelenses que poderiam violar o cessar fogo que os EUA  e a
Rússia haviam concordado. Felizmente, nada aconteceu.

Dez anos
depois, o presidente em vigor era Ronald Reagan. Assim que entrou na
Casa Branca, ele e seus conselheiros fizeram com que a Força Aérea
começasse a entrar no espaço aéreo Russo para tentar levantar
informações sobre os sistemas de alerta russos, Operação Able Archer.
Essencialmente, eram ataques falsos. Os Russos estavam incertos, alguns
oficiais de alta patente acreditavam que seria o primeiro passo para um
ataque real. Felizmente, eles não reagiram, mesmo sendo uma chamada
estreita. E continua assim.

O que pensar das crises nucleares Iraniana e Norte-Coreana

No
momento, a questão nuclear está regularmente nas capas nos casos do Irã
e da Coréia do Norte. Existem jeitos de lidar com esse crise contínua.
Talvez não funcionasse, mas ao menos tentaria. No entanto, não estão nem
sendo consideradas, nem reportadas.

Tome o caso do Irã, que é
considerado no ocidente - não no mundo árabe, não na Ásia - a maior
ameaça à paz mundial. É uma obsessão ocidental, e é interessante
investigar as razões disso, mas deixarei isso de lado. Há um jeito de
lidar com a suposta maior ameaça à paz mundial? Na realidade existem
várias. Uma forma, bastante sensível, foi proposta alguns meses atrás em
uma reunião dos países não alinhados em Teerã. De fato, estavam apenas
reiterando uma proposta que esteve circulando por décadas, pressionada
particularmente pelo Egito, e que foi aprovada pela Assembléia Geral da
ONU.

A proposta é mover em direção ao estabelecimento de uma zona
sem armas nucleares na região. Essa não seria a resposta para tudo, mas
seria um grande passo à frente. E haviam modos de proceder. Sob o
patrocínio da ONU, houve uma conferência internacional na Finlândia
dezembro passado para tentar implementar planos nesta trajetória. O que
aconteceu? Você não lerá sobre isso nos jornais pois não foi divulgado -
somente em jornais especialistas.

No início de novembro, o Irã
concordou em comparecer à reunião. Alguns dias depois Obama cancelou a
reunião, dizendo que a hora não estava correta. O Parlamento Europeu
divulgou uma declaração pedindo que continuasse, assim como os estados
árabes. Nada resultou. Então moveremos em direção a sanções mais rígidas
contra a população Iraniana - não prejudica o regime - e talvez guerra.
Quem sabe o que irá acontecer?


No nordeste da Ásia, é a
mesma coisa. A Coréia do Norte pode ser o país mais louco do mundo. É
certamente um bom competidor para o título. Mas faz sentido tentar
adivinhar o que se passa pela cabeça alheia quando estão agindo feito
loucos. Por que se comportariam assim? Nos imagine na situação deles.
Imagine o que significou na Guerra da Coréia anos dos 1950’s o seu país
ser totalmente nivelado, tudo destruído por uma enorme super potência, a
qual estava regozijando sobre o que estava fazendo. Imagine a marca que
deixaria para trás.

Tenha em mente que a liderança Norte Coreana
possivelmente leu os jornais públicos militares desta super potência na
época explicando que, uma vez que todo o resto da Coréia do Norte foi
destruído, a força aérea foi enviada para a Coréia do Norte para
destruir suas represas, enormes represas que controlavam o fornecimento
de água - um crime de guerra, pelo qual pessoas foram enforcadas em
Nuremberg. E esses jornais oficiais falavam excitadamente sobre como foi
maravilhoso ver a água se esvaindo, e os asiáticos correndo e tentando
sobreviver. Os jornais exaltavam com algo que para os asiáticos fora
horrores para além da imaginação. Significou a destruição de sua
colheita de arroz, o que resultou em fome e morte. Quão maravilhoso! Não
está na nossa memória, mas está na deles.

Voltemos ao presente.
Há uma história recente interessante. Em 1993, Israel e Coréia do Norte
se moviam em direção a um acordo no qual a Coréia do Norte pararia de
enviar quaisquer mísseis ou tecnologia militar para o Oriente Médio e
Israel reconheceria seu país. O presidente Clinton interveio e bloqueou.
Pouco depois disso, em retaliação, a Coréia do Norte promoveu um teste
de mísseis pequeno. Os EUA e a Coréia do Norte chegaram então a um
acordo em 1994 que interrompeu seu trabalho nuclear e foi mais ou menos
honrado pelos dois lados. Quando George W. Bush tomou posse, a Coréia do
Norte tinha talvez uma arma nuclear e verificadamente não produzia
mais.

Bush imediatamente lançou seu militarismo agressivo,
ameaçando a Coréia do Norte - “machado do mal” e tudo isso - então a
Coréia do Norte voltou a trabalhar com seu programa nuclear. Na época
que Bush deixou a Casa Branca, tinham de 8 a 10 armas nucleares e um
sistema de mísseis, outra grande conquista neoconservadora. No meio,
outras coisas aconteceram. Em 2005, os EUA e a Coréia do Norte realmente
chegaram a um acordo no qual a Coréia do Norte teria que terminar com
todo seu desenvolvimento nuclear e de mísseis. Em troca, o ocidente, mas
principalmente os EUA, forneceria um reator de água natural para suas
necessidades medicinais e pararia com declarações agressivas. Eles então
formariam um pacto de não agressão e caminhariam em direção ao
conforto.

Era muito promissor, mas quase imediatamente Bush
menosprezou. Retirou a oferta do reator de água natural e iniciou
programas para compelir bancos a pararem de manejar qualquer transação
Norte Coreana, até mesmo as legais. Os Norte Coreanos reagiram revivendo
seu programa de armas nuclear. E esse é o modo que se segue.

É
bem sabido. Pode-se ler na cultura americana principal. O que dizem é: é
um regime bem louco, mas também segue uma política do olho por olho,
dente por dente. Você faz um gesto hostil e responderemos com um gesto
louco nosso. Você faz um gesto confortável e responderemos da mesma
forma.

Ultimamente, por exemplo, existem exercícios militares Sul
Coreanos-Americanos na península Coreana a qual, do ponto de vista do
Norte, tem que parecer ameaçador. Pensaríamos que estão nos ameaçando se
estivessem indo ao Canadá e mirando em nós. No curso disso, os mais
avançados bombardeiros na história, Stealth B-2 e B-52, estão travando
ataques de bombardeio nuclear simulados nas fronteiras da Coréia do
Norte.

Isso, com certeza, reacende a chama do passado. Eles
lembram daquele passado, então estão reagindo de uma forma agressiva e
extrema. Bom, o que chega no ocidente derivado disso tudo é o quão
loucos e horríveis os líderes Norte Coreanos são. Sim, eles são. Mas
essa não é toda a história, e esse é o jeito que o mundo está indo.

Não
é que não haja alternativas. As alternativas somente não estão sendo
levadas em conta. Isso é perigoso. Então, se me perguntar como o mundo
estará no futuro, saiba que não é uma boa imagem. A menos que as pessoas
façam algo a respeito. Sempre podemos.


Tradução: Isabela Palhares

A recessão vai curar o Brasil?

A recessão vai - Carta Maior



A recessão vai 'curar' o Brasil?

A
elevação da Selic em mais meio ponto custará outros R$ 6 bilhões em
juros . É um exemplo do remédio para consertar a perna da girafa que
quebra seu pescoço

por: Saul Leblon




Arquivo





O segundo governo Dilma começou  há 21 dias.


vinte, ele se dedica integralmente  ao propósito de convencer os
mercados (financeiros) e o setor produtivo de que o Brasil tem futuro.

Dito assim parece  trivial.

O Brasil enfrenta desequilíbrios intrínsecos à luta pelo desenvolvimento sob a hegemonia do capital financeiro globalizado.

Mas o faz do alto da quinta maior extensão territorial do planeta.

Praticamente
todo o seu território é habitável, nele vivem mais de 200 milhões de
pessoas; a economia formal inclui  90 milhões de assalariados;  a renda
per capita vinha crescendo  acima de 2% ao ano, em média; desse conjunto
brotou um mercado de consumo de massa  que abrange 53% da população.


engrenagem  tem um encontro marcado com um pico de investimentos em
infraestrutura entre 2015 e 2017 –algo da ordem de R$ 300 bilhões. Uma
espiral de produção de petróleo extraído das maiores reservas
descobertas no século XXI  vai dobrar a oferta nacional em cinco anos.

O pré-sal reúne escala e tecnologia que lhe conferem viabilidade mesmo quando  o xisto norte-americano jogar a toalha.

Em
um planeta açoitado por uma crise de demanda, com o hálito gelado da
deflação soprando o cangote das principais economias ricas, um aparato
com essas características, autossuficiente em alimentos e minerais,
faria inveja a boa parte das nações.

Mas a elite brasileira decidiu que o Brasil é uma girafa de pé quebrado.

-De que adianta uma girafa de pé quebrado?, pergunta, enquanto se prepara para ‘ajustar’ o  pescoço com um facão.

O
aparato midiático, que fala em nome dos funileiros de girafas, exige e
aplaude medidas que agravam os desequilíbrios apontados como
impeditivos  investimento brasileiro.

Os paradoxos em marcha suscitam dúvidas.

Por exemplo: onde é mais importante aplicar os recursos fiscais escassos do país?

No
pagamento de juros cada vez mais abusivos  aos rentistas, como decidiu o
Banco Central nesta 4ª feira ao elevar a Selic de estratosféricos 
11,75% para 12,25%?

Ou na pavimentação acomodatícia de um chão firme para o emprego e o investimento industrial?

A terceira alta seguida da Selic em mais meio ponto custará outros R$ 6 bilhões em juros ao país.

É um exemplo do remédio para ‘consertar’ a perna da girafa que quebra o seu pescoço.

Agora, ela não tem dificuldade apenas para andar; mas também parou de comer.

Adicione-se
ao picadinho em marcha, o corte de salvaguardas trabalhistas e sociais,
como o seguro desemprego e a elevação do custo do crédito ao consumo,
que inibe a demanda e, por tabela, fulmina o investimento.

O  mais notável, porém, é o que vem em seguida.

Apesar 
do adiantado estado de implantação do tratamento  –que já somariam 1%
do 1,2% de arrocho fiscal almejado--  as sondagens são implacáveis:  o
pessimismo empresarial está em alta; as intenções de investimento em
baixa.

Afinal, se o Brasil  avança para ser uma girafa que não anda, nem come, investir para quê e onde?

Desequilíbrios macroeconômicos antecedentes explicam uma parte dos braços cruzados do capital diante das urgências do país.

Um exemplo consensual à esquerda e à direita: o câmbio valorizado.

Nos
últimos dez anos, a demanda brasileira por manufaturados criou um
milhão de empregos –na China, graças à valorização do Real.

O déficit comercial  da indústria  somou meio trilhão de dólares nos últimos 15 anos.

Nas
últimas três décadas, de 1982 a 2012,  a participação da indústria no
PIB  recuou  quase 13%. (uns quatro pontos no ciclo de governos do PT,
quase nove no do PSDB).

Em vez de investir, fabricantes trocaram as máquinas por guias de importação.

Ou venderam sua fatia  do  mercado  local aos fornecedores externos.

Uma
parte do capital apurado foi  para o mercado financeiro; a outra nem
ingressou aqui, desembarcando  direto em paraísos fiscais.

A elite brasileira é detentora da quarta maior fortuna global depositada nesses abrigos do dinheiro frio.

Subjacente ao desmonte industrial há uma mutação ideológica.

Os que renunciam à industrialização abraçam o ideário oposto: filiam-se ao poderoso  partido rentista.

São os novos corneteiros do juro alto.

O
conjunto explica uma parte dos impasses de um governo  que se propõe a
fazer uma aliança de desenvolvimento com aliados que bateram em
retirada.

Não se trata de teoria conspiratória, é um pedaço da história do Brasil dos dias que correm.

O rentismo não é uma patologia do capitalismo no século XXI.

É um desdobramento inerente à dinâmica de um sistema deixado à própria lógica.

Sem
os contrapesos de forças em sentido contrário, o capitalismo quanto
mais dá certo, mais dá errado. Nos seus próprio termos: corta o pescoço
da girafa para consertar o pé.

O rentismo é o sonho de libertação dos detentores do capital. E o abismo para a sociedade.

É
justamente a realização global desse sonho, decorrente do desmonte do
aparato regulatório do pós-guerra, que levou à captura dos mercados, das
elites, da mentalidade de uma parte da classe média e do horizonte
empresarial –bem como de todo o sistema político-- pela lógica rentista.

A mesma que agora engessa o desenvolvimento brasileiro.

A
dificuldade extrema de injetar racionalidade aos capitais que se
comportam, todos, como capital estrangeiro diante da sociedade, é o
calcanhar de Aquiles do keynesianismo nos dias que correm.

Leia-se, da esquerda desafiada a gerir o sistema sem dispor, ainda, de meios para transformá-lo.

Quando
a abundância de capitais se transforma em um poder antagônico à
abundância dos investimentos requeridos pela sociedade, não há ‘ajuste
técnico’ que conduza ao desenvolvimento.

Quanto mais se recorta a girafa, mais distante fica a sua regeneração. 

Quem
vê no capitalismo apenas um sistema econômico, não a dominação política
intrínseca a sua encarnação social, petrifica-se diante desse paradoxo.

Quando
o governo destina receita para fomentar o pleno emprego (o seguro
desemprego é uma forma de sustentar o mercado de trabalho), é acusado de
gastança fiscal.

Quando corta despesas e a economia é destinada ao pagamento de juros, é virtuoso e austero.

Certamente há distorções a corrigir.

Desonerações salariais sem garantia legal de manutenção do emprego semearam o cinismo patronal.

 Caso
das montadoras: depois de embolsarem  R$ 12 bi em renúncia fiscal,
demitiram 12,4 mil trabalhadores em 2014. Só não acrescentaram mais 800
cabeças ao patíbulo, agora, porque uma greve de dez dias obrigou a Volks
a rever a decisão.

O buraco é mais fundo.

A hipótese de
que se possa injetar racionalidade ao capitalismo brasileiro com a
paradoxal adoção, mesmo parcimoniosa, de sua irracionalidade na gestão
econômica, soa otimista.

Nesse vácuo, o comando da sociedade fica
submetido aos impulsos rentistas se não for afrontado por uma outra
lógica de forças políticas organizadas.

Em resumo: o Brasil não
tem mais (faz tempo que não tem)  um empresariado ao qual se possa
delegar  a retomada de um ciclo de desenvolvimento.

 A coagulação
rentista da sociedade, com uma elite perfeitamente integrada ao
circuito da alta finança global, cobra da  democracia novos instrumentos
de participação popular para dar ao investimento sua finalidade social.

O
economista Thomas Piketty, autor do elogiado ‘O capital no século XXI’,
demonstra como a regressividade rentista promoveu uma mutação em nosso
tempo.

Faz parte dela o ‘murchamento’ produtivo, coroado por uma desigualdade crescente e hereditária, quase um atributo biológico.

Ganhos
financeiros sempre superiores  ao crescimento médio do PIB deslocam à
cepa dos  rentista fatias progressivamente  mais gordas da riqueza 
social.

Cristaliza-se uma oligarquia aleitada na teta dos juros.

Atender
a demanda dessa casta –como faz a ‘solução Levy’-- torna ainda mais
remoto o fim que se alega  perseguir: a retomada do investimento
produtivo.

Pior que isso.

A maximização do retorno
financeiro, ao lado do arrocho sobre a produção e o consumo, contamina
todas as dimensões do cálculo econômico submetendo o investimento já
existente aos padrões de retorno da ganância rentista.

Pressionados
a entregar fatias crescentes do lucro aos acionistas, dos quais
dependem em última instância no cargo, os ‘managers’ corporativos
atendem à ‘república dos dividendos’ em detrimento do lucro retido para
investimento.

Um exemplo do quanto isso custa à sociedade?

A gloriosa gestão tucana da Sabesp.

Eleita
como uma das empresas preferidas dos acionistas estrangeiros, ela
privilegiou a distribuição de dividendos em prejuízo do investimento na
incorporação de novos mananciais.

 Saldo: o  racionamento de fato
no fornecimento de água a uma São Paulo que figura como uma das maiores
concentrações urbanas do planeta.

O baixo incremento da produtividade na economia brasileira também guarda relação com a supremacia da lógica financeira.

Diante
da atrofia do investimento privado em pesquisa e tecnologia,  como o
lucro produtivo pode competir com o retorno do dinheiro a juro?

Maximizando  a exploração da mão de obra.

No caso brasileiro, esse Intento é incompatível  com a existência de um mercado de trabalho que bordeja o pleno emprego.

Uma coisa é negociar com trabalhadores espremidos em filas de desempregados vendendo-se a qualquer preço.

 Outra, fazê-lo  em um mercado em que a demanda por mão-de-obra cresceu mais que a população economicamente ativa.

O
desafio da luta sindical nos próximos meses será justamente impedir o
desmonte dessa fronteira que separa o ganho real de salários da
hegemonia absoluta do capital.

Se além de resistir quiser avançar, o passo seguinte é mais audacioso.

No
ambiente globalizado, a liberdade de  capitais dá ao rentismo um poder
imiscível com a indução do investimento para a construção de uma
democracia social.

Ou seja, controlar a liberdade de capitais está para os trabalhadores assim como destruir o pleno emprego para o capital.

No
limite, a receita conservadora só se viabiliza integralmente com o
esfarelamento do Estado, uma vez que se trata de erradicar a dimensão
pública da gestão da economia.

A marcha dessa radicalização na
Europa coleciona manifestações mórbidas que não deveriam ser encaradas
como um folclore distante.

A tragédia recente em Paris e as eleições gregas do próximo domingo constituem marcadores históricos dessa polarização global.

Vivemos 
um tempo em que a saúde dos mercados e a deriva da sociedade e do seu
desenvolvimento não são realidades contraditórias.

Antes,
exprimem uma racionalidade impossível de se combater sem uma intervenção
política que enquadre os mercados e instrumentalize o Estado para agir
nessa direção.

Essa moldura histórica magnifica a importância da
Política Nacional de Participação Social e da regulação da mídia que
ressoam na mesa do segundo governo Dilma.

Para que tenham peso
nas grandes escolhas da encruzilhada brasileira  é  crucial que o
governo não se satisfaça em  tê-las ali apenas como um aceno de
participação e um ornamento  de democracia.

Enfeitando a mesa, enquanto a machadinha do açougueiro pica a girafa na sala ao lado.

sábado, 24 de janeiro de 2015

O capitalismo do século XXI

Juremir Machado da Silva - Blogs - Correio do Povo


O capitalismo do século XXI

Postado por Juremir em 23 de janeiro de 2015 
 
A coisa mais boba que alguém pode dizer é: não faça críticas, apresente soluções.


Trata-se do ressentimento contra a crítica certeira.


Papel de crítico é criticar. O resto é conversa fiada.


Tem conversa fiada de racista, de homofóbico, de esquerdista e de capitalista.


Exemplo de conversa fiada é aquela do cara que diz “vai precisar cota
para heterossexual, branco e homem no mundo de hoje”. É o lamento do
machista branco e homofóbico contra as críticas que enfrenta.


É assim. Assim vai.


Continua a farra. Cada vez mais, menos é mais. Ou menos tem mais. O
economista francês Thomas Piketty sacudiu a roseira ao provar com
números que o capitalismo não vem distribuindo riqueza, como conta a
mitologia liberal para enganar inocentes, mas concentrando-a cada vez
mais. Até a minha avó, em Palomas, percebia isso, mas não tinha tempo de
formar um bom banco de dados para sustentar a sua tese. Ela via o
estancieiro local ficar mais rico a cada ano e os 300 habitantes do
lugar ficarem sempre mais pobres. Tirava uma conclusão baseada na sua
sabedoria empírica: “Dinheiro chama dinheiro”. Não foi desmentida. O
estancieiro foi viver de rendas.


Depois de Piketty, a Oxfam praticou um ato terrorista: anunciou que
até 2016 a riqueza do mundo estará dividida fraternalmente assim: 1%
mais rico com mais de 50% de tudo e 99% mais pobres com o restante. É o
que se pode chamar de uma divisão justa, clara e incontestável. Alguns,
mais atilados, usam o termo meritocracia para explicar essa partilha
aparentemente desequilibrada da riqueza mundial. Segundo a Oxfam, os
mais aquinhoados lambuzavam-se com 44% do bolo global em 2009. Em 2014,
já dispunham de 49% de tudo que produzem com modesta ajuda dos 99%
restantes da população. Claro que essa divisão ligeiramente enviesada
nada tem a ver com os males, ressentimentos, guerras, insatisfações e
ódios deste mundo. É tudo coincidência. Basta deixar a mão invisível do
capitalismo continuar agindo que um dia os 99% citados entregarão tudo o
que ainda têm.


O que é essa tal de Oxfam? É a Oxford Committee for Famine Relief
(Comitê de Oxford de Combate à Fome). Com um nome desses, não pode ser
confiável. Deve ser coisa de comunistas. Esquerdistas nunca param de
falar nessa história de combate à fome. Não mudam o disco. Na parte
inferior da tabela, essa dos 99%, 20% ficam com 94,5% do que lhes cabe
enquanto os outros 80% regalam-se com os 5,5% restantes. Não é lindo?
Não é justo? Não é assim que se constrói um mundo seguro, feliz e, acima
de tudo, capaz de vencer os piores conflitos?


A solução, então, é o comunismo? O negócio é virar Cuba ou Coreia do
Norte? Essas respostas ou provocações são geniais. Revelam muito do
capital intelectual de quem as pronuncia. Certamente são pessoas que
intelectualmente compartilham algo equivalente ao que sobra em termos
econômicos para o setor menos favorecido dos 99% que atrapalham o
crescimento do 1% em ascensão graças aos seus méritos como
especuladores. Não fossem as intervenções estatais absurdas, o 1%
dominante não teria de esperar até o longínquo ano de 2016 para deter a
maior parte da riqueza universal. Barack Obama tem atrasado esse avanço
com suas políticos assistencialistas anacrônicas de previdência social e
de saúde. Nem vamos falar das suas tentações comunistas quanto à
taxação de grandes fortunas e heranças. Como dizem os liberais, isso
pune quem tem boas ideias e produz mais.


Uau!


A Oxfam produziu o seu relatório para influenciar o 1% do 1% mais
rico que vai a Davos tomar champagne e criticar a desigualdade promovida
pelas políticas estatais que recusam a austeridade. Só cortando gastos
sociais e produzindo desemprego é que se cresce. O Brasil, com Joaquim
Lévy, deve estar no bom caminho.


A propósito, Piketty pulverizou a tentativa do Financial Times de
contestar a validade dos seus dados estatísticos: “ Les données qu’on a
sur les patrimoines sont imparfaites mais d’autres comme les
déclarations de succession sont plus fiables. Je fais cela en toute
transparence, je mets tout en ligne  (…)  Là où le Financial Times est
malhonnête, c’est qu’il laisse entendre que cela change des choses aux
conclusions alors que cela ne change rien”.


Pobres lacerdinhas, tentam de tudo. Perdem sempre.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Santayana e os espinhos sangrentos da “primavera árabe

Santayana e os espinhos sangrentos da “primavera árabe” | TIJOLAÇO



É longo como uma aula.


E é cheio de conteúdo como seria uma aula magnífica.


Poucas vezes pôde-se ler, em português, uma análise mais lúcida do
que está acontecendo no planeta, nesta  “guerra ao terror” que, afinal,
transformou o terror em algo quase onipresente no cenário mundial.


Mas o terror e os protestos contra o terror, como quase tudo neste mundo desigual não é igual entre os homens.


E como quase tudo neste planeta, é criado e manipulado.


Tomo emprestada, portanto, a grande lição de Santayana e a transmito
aos leitores, num período em que minha situação pessoal não me tem
permitido escrever com regularidade.


O terror, o Ocidente e a semeadura do caos

Há alguns dias, terroristas franceses, ligados, aparentemente, à
Al Qaeda, atacaram a redação do jornal satírico parisiense Charlie
Hebdo, em represália pela publicação de caricaturas sobre o profeta
Maomé.



Doze pessoas foram assassinadas, entre elas alguns dos mais
famosos cartunistas e intelectuais do país, e dois cidadãos de origem
árabe, um deles, estrangeiro, que trabalhava há pouco tempo na
publicação, e um membro das forças de segurança que estava nas
imediações.



Logo em seguida, houve, também, outro ataque, a um supermercado
kosher na periferia de Paris, em que 4 judeus franceses e estrangeiros
morreram.



Dias depois, milhões de pessoas, e personalidades de vários
países do mundo, se reuniram nas ruas da capital francesa, para
protestar contra o atentado, e se manifestar contra o terrorismo e pela
liberdade de expressão.



Na mesma primeira quinzena de janeiro, explodiram carros-bomba, e
homens-bomba, também ligados a grupos radicais islâmicos, no Líbano
(Beirute), na Síria (Aleppo), na Líbia (Benghazi), e no Iraque
(Al-Anbar), com dezenas de mortos, em sua maioria civis.



Mas, como sempre, não seria normal esperar que algum destes fatos
tivesse a mesma repercussão do atentado em Paris, capital de um país
europeu, ou que a alguém ocorresse produzir cartazes e neles escrever Je
suis Ahmed, ou Je suis Ali, ou Je suis Malak, Malak Zahwe, a garota
brasileira, paranaense, de 17 anos, que morreu na explosão de um
carro-bomba, junto com mais 4 pessoas (20 ficaram feridas), no dia 2 de
janeiro, em Beirute.



No entanto, os homens, mulheres e crianças, mortos, todos os
dias, no Oriente Médio e no Norte da África, são tão frágeis e
preciosos, em sua fugaz condição humana, quanto os que morreram na
França, e vítimas dos mesmos criminosos, criados pela onda de
radicalização e rápida expansão do fundamentalismo islâmico, nos últimos
anos.



Raivosas, autoritárias, intempestivas, numerosas vozes se
alçaram, em vários países, incluído o Brasil, para gritar – em
raciocínio tão ignorante quanto irascível – que o terrorismo não tem que
ser “compreendido” e, sim, “combatido”.



Os filósofos e estrategistas chineses ensinam, há séculos, que
sem conhecê-los, não é possível vencer os eventuais adversários, nem
mudar o mundo.



Além disso, não podemos, por aqui, por mais que muitos queiram
emular os países “ocidentais”, em seu ardoroso “norte-americanismo” e
“eurocentrismo”, esquecer que existem diferenças históricas, e de
política externa, entre o Brasil, os EUA, e países da OTAN como a
França.



Podemos dizer que Somos Charlie, porque defendemos a liberdade e a
democracia, e não aceitamos que alguém morra por fazer uma caricatura,
do mesmo jeito que não podemos aceitar que uma criança pereça
bombardeada pela OTAN no Afeganistão ou na Líbia, ou porque estava de
passagem, no momento em que explodiu um carro-bomba, por um posto de
controle em Aleppo, na Síria.



Mas é preciso lembrar que, ao contrário da França, nunca
colonizamos países árabes e africanos, não temos o costume de fazer
charges sobre deuses alheios em nossos jornais, não jogamos bombas sobre
países como a Líbia, não temos bases militares fora do nosso
território, não colaboramos com os EUA em sua política de expansão e
manutenção de uma certa “ordem” ocidental e imperial, e, talvez, por
isso mesmo – graças a sábia e responsável política de Estado, que inclui
o princípio constitucional de não intervenção em assuntos de outros
países – não sejamos atacados por terroristas em nosso território.



As raízes dos atentados de Paris, e do mergulho do Oriente Médio
na maior, e, com certeza, mais profunda tragédia de sua história, não
está no Al Corão ou nas charges contra o Profeta Maomé, embora estas
últimas possam ter servido de pretexto para ataques como o que ocorreu
em Paris.



Elas começaram a se tornar mais fortes, nos últimos anos, quando o
“ocidente”, mais especificamente alguns países da Europa e os EUA,
tomaram a iniciativa de apoiar e insuflar, usando também as redes
sociais, o “conto do vigário” da Primavera Árabe em diversos países, com
a intenção de derrubar regimes nacionalistas que, com todos os seus
defeitos, tinham conquistado certo grau de paz, desenvolvimento e
estabilidade para seus países nas últimas décadas.



Inicialmente promovida, em 2011, como “libertária”,
“revolucionária”, a Primavera Árabe iria, no curto espaço de três anos,
desestabilizar totalmente a região, provocar massacres, guerras civis,
golpes de Estado, e alcançar, por meio da intervenção militar direta e
indireta da OTAN e dos EUA em vários países, a meta de tirar do poder, a
qualquer custo, regimes que lutavam para manter um mínimo de
independência e soberania em suas relações com os países mais ricos.



Quando os EUA, com suas “primaveras” – que não dão flores, mas
são fecundas em crimes e cadáveres – não conseguem colocar no poder um
governo alinhado com seus interesses, como na Ucrânia e no Egito, jogam
irmão contra irmão e equipam com armas, explosivos, munições,
terroristas, bandidos e assassinos para derrubar quem estiver no comando
do país.



O objetivo é destruir a unidade nacional, a identidade local, o
Estado e as instituições, para que essas nações não possam, pelo menos
durante longo período, voltar a organizar-se, a ponto de tentar
desafiar, mesmo que em pequena escala, os interesses norte-americanos.



Foi assim que ocorreu com a intervenção dos EUA e de aliados
europeus como a Itália e a França – contra a recomendação de Brasil,
Rússia, Índia e China, no Conselho de Segurança da ONU – no Iraque, na
Líbia e na Síria.



Durante décadas, esses países – com quem o Brasil tinha, desde os
anos 1970, boas relações – viveram sob relativa estabilidade, com a
economia funcionando, crianças indo para a escola, e diferentes etnias,
religiões e culturas, dividindo, com eventuais disputas, o mesmo
território.



Estradas, rodovias, sistemas de irrigação, foram construídos –
também com a ajuda de técnicos, operários e engenheiros brasileiros –
com os recursos do petróleo, e países como o Iraque chegavam a importar
automóveis, como no caso de milhares de Volkswagens Passat fabricados no
Brasil, para vender aos seus cidadãos de forma subsidiada.



Na Líbia de Muammar Kadafi, segundo o próprio World Factbook da
CIA, 95% da população era alfabetizada, a expectativa de vida chegava,
para os homens, segundo dados da ONU, a 73 anos, e a renda per capita e o
IDH estavam entre os maiores do Terceiro Mundo, mas esses dados nunca
foram divulgados normalmente pela imprensa “ocidental”.



Pode-se perguntar a milhares de brasileiros que estiveram no
Iraque, que hoje têm entre 50 e 70 anos de idade, se, naquela época,
sunitas e xiitas se matavam aos tiros pelas ruas, bombas explodiam em
Basra e Bagdá todos os dias, como explodem hoje, a qualquer momento,
também em Trípoli ou Damasco, ou milhares de órfãos tentavam atravessar
montanhas e rios sozinhos, pisando nos restos de outras crianças, mortas
em conflitos incentivados por “potências” estrangeiras, ou tentavam
sobreviver caçando, a pedradas, ratos por entre escombros das casas e
hospitais em que nasceram.



São, curdos, xiitas, sunitas, drusos, armênios, cristãos maronitas, inimigos?


Antes, trabalhavam nos mesmos escritórios, viviam nas mesmas
ruas, seus filhos frequentavam as mesmas salas de aula, mesmo que eles
não tivessem escolhido, no início, viver como vizinhos.



Assim como no caso de hutus e tutsis em Ruanda, e em inúmeras
ex-colônias asiáticas e africanas, as fronteiras dos países do Oriente
Médio foram desenhadas, na ponta do lápis, ao sabor da vontade do
Ocidente, quando da partilha do continente africano por europeus,
obedecendo não apenas ao resultado de Conferências como a de Berlim, em
1884, mas também à máxima de que sempre se deve “dividir para comandar”,
mantendo, de preferência, etnias de religiões e idiomas diferentes
dentro de um mesmo território ocupado pelo colonizador.



Eram Saddam Hussein e Muammar Kadafi, ditadores? É Bashar Al Assad, um déspota sanguinário?


Quando eles estavam no poder, não havia atentados terroristas em seus países.


E qual é a diferença deles e de seus regimes, para os líderes e
regimes fundamentalistas islâmicos comandados por xeques e emires, na
mesma região, em que as mulheres – ao contrário dos governos seculares
de Saddam, Kadafi e Assad – são obrigadas a usar a burka, não podem sair
de casa sem a companhia do irmão ou do marido, se arriscam a ser
apedrejadas até a morte ou chicoteadas em caso de adultério, e não há
eleições, a não ser o fato de que esses regimes são dóceis aliados do
“ocidente” e dos EUA?



Se os líderes ocidentais viam Kadafi como inimigo, bandido,
estuprador e assassino, por que ele recebeu a visita do
primeiro-ministro britânico Tony Blair, em 2004; do Presidente francês
Nicolas Sarkozy – a quem, ao que tudo indica, emprestou 50 milhões de
euros para sua campanha de reeleição – em 2007; da Secretária de Estado
dos EUA, Condoleeza Rice, em 2008; e do primeiro-ministro italiano
Silvio Berlusconi em 2009?



Por que, apenas dois anos depois, em março de 2011 – depois de
Kadafi anunciar sua intenção de nacionalizar as companhias estrangeiras
de petróleo que operavam, ou estavam se preparando para entrar na Líbia
(Shell, ConocoPhillips, ExxonMobil, Marathon Oil Corporation, Hess
Company) esses mesmos países e os EUA, atacaram, com a desculpa de criar
uma Zona de Exclusão Aérea sobre o país, com 110 mísseis de cruzeiro,
apenas nas primeiras horas, Trípoli, a capital líbia, e instalações do
governo, e armaram milhares de bandidos – praticamente qualquer um que
declarasse ser adversário de Kadafi – para que o derrubassem, o
capturassem e finalmente o espancassem, a murros e pontapés, até a
morte?



Ora, são esses mesmos bandidos, que, depois de transformar, com
armas e veículos fornecidos por estrangeiros, a Líbia em terra de
ninguém, invadiram o Iraque e, agora, a Síria, e se uniram para formar o
Estado Islâmico, que pretende erigir uma grande nação terrorista
juntando o território desses três países, não por acaso os que foram
mais devastados e destruídos pela política de intervenção do “ocidente”
na região, nos últimos anos.



Foram os EUA e a Europa que geraram e engordaram a cobra que
ameaça agora devorar a metade do Oriente Médio, e seus filhotes, que
também armam rápidos botes no velho continente. Serpentes que, por
incompetência e imprevisibilidade, depois da intervenção na Líbia, a
OTAN e os EUA não conseguiram manter sob controle.



Os Estados Unidos podem, pelo arbítrio da força a eles concedida
por suas armas e as de aliados – quando não são impedidos pelos BRICS ou
pela comunidade internacional – se empenhar em destruir e inviabilizar
pequenas nações – que ainda há menos de cem anos lutavam
desesperadamente por sua independência – para tentar estabelecer seu
controle sobre elas, seu povo e seus recursos, objetivo que, mesmo
assim, nunca conseguiram alcançar militarmente.



Mas não podem cometer esses crimes e esses equívocos,
diplomáticos e de inteligência, e dizer, cinicamente, que o fizeram em
nome da defesa da Liberdade e da Democracia.



Assim como não deveriam armar bandidos sanguinários e assassinos
para combater governos que querem derrubar, e depois dizer que são
contra o terrorismo que eles mesmos ajudaram a fomentar, quando esses
mesmos terroristas, além de explodir bombas e matar pessoas em Bagdá,
Damasco ou Trípoli, todos os dias, passam a fazer o mesmo nas ruas das
cidades da Europa ou dos próprios Estados Unidos.



O “terrorismo” islâmico não nasceu agora.


Mas antes da balela mortífera da Primavera Árabe, e da Guerra do
Iraque, que levou à destruição do país, com a mentirosa desculpa da
posse, por Saddam Hussein, de armas de destruição em massa que nunca
foram encontradas – tão falsa quanto o pretexto do envolvimento de Bagdá
no ataque às Torres Gêmeas, executado por cidadãos sauditas, e não
líbios, sírios ou iraquianos – não havia bandos armados à solta,
sequestrando, matando e explodindo bombas nesses 3 países.



Hoje, como resultado da desastrada e criminosa intervenção
ocidental, o terror do Estado Islâmico, o ISIS, controla boa parte dos
territórios e da sofrida população síria, iraquiana e líbia, e, a partir
deles, está unindo suas conquistas em torno da construção de uma nação
maior, mais poderosa, e extremamente mais radical do ponto de vista da
violência e do fundamentalismo, do que qualquer um desses países jamais o
foi no passado.



O ataque terrorista à redação e instalações do semanário francês
Charlie Hebdo, e do Mercado Kosher, em Vincennes, Paris, foram crimes
brutais e estúpidos.



Mas não menos brutais, e estúpidos, do que os atentados
cometidos, todos os dias, contra civis inocentes, entre muitos outros
lugares, como a Síria, o Iraque, a Líbia, o Afeganistão.



Quem quiser encontrar as sementes do caos que também atingiram,
em forma de balas, os corpos dos mortos do Charlie Hebdo poderá
procurá-las no racismo de um continente que acostumou-se a pensar que é o
centro do mundo, e que discrimina, persegue e despreza, historicamente,
o estrangeiro, seja ele árabe, africano ou latino-americano; e no
fundamentalismo branco, cristão e rançoso da direita e da extrema
direita norte-americanas, cujos membros acreditam piamente que o Deus
vingador da Bíblia deu à “América” do Norte o “Destino Manifesto” de
dirigir o mundo.



Em nome dessa ilusão, contaminada pela vaidade e a loucura,
países que se opuserem a isso, e milhões de seres humanos, devem ser
destruídos, mesmo que não haja nada para colocar em seu lugar, a não ser
mais caos e mais violência, em uma espiral de destruição e de morte,
que ameaça a sobrevivência da própria espécie e explode em ódio,
estupidez e sangue, como agora, em Paris, neste começo de ano.

Quem sai no retrato

Quem sai no retrato -| Observatório da Imprensa | Observatório da Imprensa -



Os jornais de quinta-feira (22/1) refletem uma circunstância
corriqueira na relação da imprensa com o poder político e reproduzem o
estado de guerra que domina o ambiente midiático. As manchetes e outros
títulos de destaque nas primeiras páginas procuram exacerbar as
dificuldades da economia nacional, ao mesmo tempo em que tentam colocar o
problema de abastecimento de água em São Paulo na conta das mudanças
climáticas.
O conjunto de notícias e opiniões que os diários apresentam como a
síntese do período induz o leitor a acreditar que o Brasil é um comboio
em direção ao abismo, e que o condutor, o ministro da Fazenda Joaquim
Levy, está tomando as providências para reduzir a velocidade e desviá-lo
de volta para o trilho do desenvolvimento. A presidente da República,
responsável pela estratégia que o ministro deve administrar, é citada
quase exclusivamente no meio de declarações sobre o escândalo da
Petrobras.
Há espaço, ainda, para a fotografia do presidente reeleito da Bolívia,
Evo Morales, envergando a bata tradicional na cerimônia indígena que
antecede sua posse. Com exceção do Estado de S. Paulo, os jornais
expõem na primeira página a imagem de Morales junto a xamãs nativos,
acompanhada de textos que mal dissimulam o preconceito. No Globo, o título do conjunto é: “Dom Evo I”. Na Folha de S.Paulo, o título chega próximo da zombaria: “Pelos poderes de Evo”, diz o jornal paulista.
A imprensa não suporta essa coisa de indígena fora de reservas,
ocupando palácio de governo e resolvendo problemas centenários de seus
países.
Como se vê, há uma série de elementos a serem observados nas escolhas
dos editores. Um dos aspectos mais interessantes é o posicionamento que a
imprensa faz dos principais protagonistas da cena pública.
Evo Morales, que vai para seu terceiro mandato com um histórico de
êxitos na recuperação da economia e da autoestima dos bolivianos, é
retratado como uma aberração excêntrica, numa América Latina cuja elite
se imagina europeia. A presidente do Brasil vira personagem secundária
na crônica do poder. Por outro lado, o governador de São Paulo,
responsável direto pela crise que ameaça o bem-estar de milhões de
cidadãos, é retirado de cena quando deveria estar respondendo perguntas
incômodas, porém cruciais.
Racionamento de fato
Se a imprensa aprova as medidas anunciadas pelo governo federal, o
destaque vai para o ministro da Fazenda. Se a imprensa se vê na
contingência de reconhecer o descalabro na gestão dos recursos hídricos e
no sistema de distribuição de energia em território paulista, o foco
vai para auxiliares do segundo ou terceiro escalão. O governador Geraldo
Alckmin aparece apenas para criticar a empresa responsável pela gestão
da energia, AES Eletropaulo, numa clara manobra para criar um novo foco
de atenção e desviar do Palácio dos Bandeirantes o olhar crítico do
público.
O isolamento da presidente Dilma Rousseff no noticiário sobre medidas
econômicas (que a imprensa apoia) vem acompanhado de comentários que
amplificam supostas reações de dirigentes de seu partido às medidas
anunciadas pelo ministro da Fazenda. Assim, o leitor é induzido a pensar
que Joaquim Levy conduz a economia à revelia da presidente e contra a
orientação do partido que a reconduziu ao poder.
No caso paulista, quem vai para a frente da batalha comunicacional é o presidente da Sabesp, Jerson Kelman, que em artigo na Folha de S.Paulo
tenta convencer o cidadão de que não há racionamento de água, mas pode
vir a acontecer. Aproveita para reconhecer que a principal causa da
crise hídrica é a fartura de vazamentos na tubulação. São 64 mil
quilômetros de tubos enterrados sob o asfalto da região metropolitana,
uma extensão correspondente a uma volta e meia em torno do planeta.
O presidente da Sabesp só não explica por que seu chefe, o governador
Geraldo Alckmin, não exigiu que a empresa corrigisse essa deficiência
desde a primeira vez que ocupou o Palácio dos Bandeirantes, em 2001. E a
Folha de S.Paulo esquece que publicou no dia 12 de outubro de 2003, um domingo (ver aqui),
uma reportagem na qual alertava para o fato de que, se nada fosse feito
para reduzir as perdas, a região metropolitana só teria água até o ano
de 2010.
Nada foi feito. Tudo que sai dos mananciais do sistema Cantareira se
perde nos vazamentos. A Sabesp raciona a água, a imprensa faz o
racionamento dos fatos.
Leia também
Um caso de simpatia quase amor – L.M.C.

Às vezes você tem que ouvir o premiê da China para entender a economia do Brasil

Às vezes você tem que ouvir o premiê da China para entender a economia do Brasil



Às vezes você tem que ouvir o premiê da China para entender a economia do Brasil




Postado em 22 jan 2015

É extraordinário.


Às vezes você tem que ouvir o premiê da China para entender a
economia do Brasil, tamanha a carga de má informação e análise
tendenciosa da mídia brasileira.


Em Davos, o premiê chinês Li Keqiang definiu falou sobre a
desaceleração de seu país. Nos anos do milagre chinês, o crescimento
bateu em 14% ao ano.


Para 2015, a  expectativa é 7%. O universo treme, hoje, diante do
fantasma de uma China sem vigor suficiente para empurrar a economia
mundial.


“O arrefecimento da China é parte do ajuste da economia mundial.”


Troque a China pelo Brasil e você terá o diagnóstico da economia nacional.


É uma verdade simples e incontestável: o arrefecimento do Brasil é parte do ajuste da economia mundial.


Mas quantas vezes você viu isso?


Ao longo da campanha, com seu peculiar cinismo demagógico, Aécio disse copiosas vezes o contrário.


Era como se o Brasil fosse um caso isolado de baixo crescimento numa economia global intrepidamente aquecida.


Nesta mistificação, Aécio recebeu a contribuição milionária de colunistas econômicos como Míriam Leitão e Carlos Sardenberg.


Gosto de dizer que um dos propósitos do jornalismo é jogar luzes onde
existem sombras. O que o jornalismo econômico fez foi o inverso: mais
sombras onde já havia sombras criadas por Aécio.


Não se trata de negar erros que possam ter sido cometidos na política
econômica. Mas de assentar o debate na base a partir da qual a
discussão pode ficar séria: a economia mundial vive desde 2008 uma crise
séria, e o Brasil é parte do todo.


Num primeiro momento, depois de 2008, os países emergentes pareceram a
salvação do mundo. Mas com o correr do tempo ficou claro que não era
bem assim.


Também os emergentes passaram a sofrer: China, Brasil, Índia e Rússia.


Na raiz da crise iniciada em 2008 estava a ressaca do thatcherismo, a
doutrina conservadora da premiê britânica Margaret Thatcher.


Moda nos anos 1980, e copiado no Brasil na década seguinte por FHC, o
thatcherismo defendia coisas como a desregulamentação do mercado
financeiro.


Entregues à própria ganância, os grandes bancos do mundo foram fazendo operações cada vez mais arriscadas.


Uma hora a realidade se impôs e a festa acabou.


A quebra espetacular e em dominó de muitos daqueles bancos foi a senha para a crise que pôs de joelhos a economia global.


No Brasil, a ortodoxia thatcherista ressurgiu no debate graças a Armínio Fraga, o ex-futuro ministro da economia de Aécio.


Fraga é Thatcher desde antes de nascer.


O eleitorado disse não ao thatcherismo. Disse 54 milhões de vezes
não. Mas Dilma parece não ter achado bem isso, ainda que vitoriosa com
uma campanha que negava a ortodoxia, e colocou Joaquim Levy para
comandar a economia.


Este é um bom debate: por que essa concessão ao conservadorismo econômico batido nas urnas?


Mas, enquanto for invocada a falácia do
“Brasil-estagnado-num-mundo-próspero-e-feliz”, estaremos condenados a
debates que apenas emburrecem os que os levam a sério.

domingo, 18 de janeiro de 2015

Demorou ...

Demorou para Francisco ser atacado pela imprensa

Demorou para Francisco ser atacado pela imprensa

 Postado em 17 jan 2015

 por : Paulo Nogueira



 Francisco está certo e eles errados

Francisco está certo e eles errados

Finalmente a mídia começou a criticar o Papa Francisco.

Demorou, visto que o papa representa o exato oposto daquilo pelo que se batem os donos das grandes empresas jornalísticas.

Desde o primeiro momento de seu pontificato, Francisco tomou o partido dos pobres. Em quase todos os seus pronunciamentos, ele investe contra a desigualdade social.

Francisco captou magistralmente o Zeitgeist, o espírito do tempo. Com sua pregação vigorosa e ainda assim bem humorada pela igualdade ele retirou o Vaticano das sombras da irrelevância em que sucessivos papas inoperantes o atiraram.

O motivo encontrado pela mídia para atacá-lo foram suas declarações sobre os limites da liberdade de expressão, no rastro do caso do jornal Charlie Hebdo.

Evidentemente, Francisco está certo e seus críticos errados.

A liberdade de expressão tem limites. Isso não significa aprovar o massacre dos cartunistas, como aliás fez questão de dizer Francisco.

Mas que há limites, isso é inegável.

Há cem anos, aproximadamente, o juiz americano Oliver Wendell Holmes, da Suprema Corte, colocou isso brilhantemente.

Você não pode gritar fogo num auditório cheio e depois alegar liberdade de expressão, escreveu Holmes. (Outra frase de Holmes que colide com nossos barões da sonegação: “Imposto é o preço que pagamos por uma sociedade civilizada.”)

Hoje, na maior parte dos países ocidentais desenvolvidos, você pode ser enquadrado como defensor do terrorismo caso diga ou escreva certas coisas.

Indo para o mundinho cotidiano das redações das companhias jornalísticas brasileiras, a liberdade de expressão de cada jornalista significa a concordância com a essência das ideias dos donos.

É uma regra não escrita, e não admitida pelos colunistas, mas é perfeitamente entendida, respeitada, acatada e seguida.

É o chamado colunismo patronal, ou chapa branca, ou pelego. Ironicamente, os colunistas patronais são aqueles que mais lançam acusações contra jornalistas independentes do mundo digital.

É como se estivessem olhando o espelho. Sua função é defender os interesses econômicos dos patrões e amigos.

O papa já manifestou desprezo por este tipo de mídia. Ele sabe quanto ela contribuiu para a desigualdade econômica, da qual tira um proveito indecente.

Francisco é uma voz poderosa contra tudo isso. Por isso é atacado. Quanto mais ele for atacado, melhor ele estará fazendo o precioso trabalho de combater a iniquidade que envergonha o Brasil e, de forma geral, a humanidade.

Que venham mais pancadas contra ele por parte dos colunistas patronais, portanto.