sábado, 31 de janeiro de 2015

Um advogado a favor da destruição das empresas de construção - Carta Maior

Um advogado a favor da destruição das empresas de construção - Carta Maior



 J. Carlos de Assis*

 Assisti estupefato à entrevista do advogado Modesto Carvalhosa,
apresentado como grande autoridade em Direito Comercial, ao programa
Roda Viva, da Tevê Cultura: o tema em pauta era a punição das grandes
construtoras contratadas pela Petrobras envolvidas na operação Lava
Jato; o tema preferencial do entrevistado foi atacar os partidos da base
aliada do Governo, e especialmente o PT. Até aí nada a objetar.
Entretanto, assinale-se que nesse último caso quem fala não é o
especialista em Direito de Empresas, mas um porta-voz do tucanato que
destila preconceitos contra políticos e o Governo com espantosa
leviandade.

Carvalhosa tem uma noção peculiar de democracia.
Segundo ele, governo democrático era o de Fernando Henrique, pois
Fernando Henrique exercia pessoalmente o governo que, assim, não era do
PSDB. Já os governos Lula e Dilma não são democráticos porque quem
governa é o PT. Isso se manifestaria sobretudo pelo aparelhamento do
Estado e do Governo pelo PT e seus partidos aliados. Com isso, ficamos
em dúvida sobre o papel do partido político numa democracia. Ao que o
advogado quer, o partido escolhe o candidato e conduz a campanha, elege o
presidente e, pronto, sai imediatamente de cena para não conspurcar o
governo com sua participação direta!

Entretanto, examinemos um
pouco mais de perto a questão do aparelhamento. Carvalhosa, um jurista,
confunde Estado com Governo. Estado transcende ao Governo e suas
instituições são mutuamente autônomas. Já Governo se confunde com
Executivo, cabendo a este, uma vez eleito, escolher os seus quadros
auxiliares, ministros etc. É do jogo democrático que o Governo escolha
também os dirigentes de algumas instituições permanentes do Estado,
pois, do contrário, cada uma dessas instituições – e não falo do
Legislativo e do Judiciário – formaria uma casta na sociedade infensa ao
jogo democrático.

A nomeação de ministros e dirigentes de
entidades estatais pelo Governo escolhido pelo povo é uma contingência
da democracia. Não cabe falar em aparelhamento. Não me consta que
Fernando Henrique tenha colocado adversários políticos em postos de
mando no Governo e na direção de entidades estatais. Por outro lado,
também não me consta que os governos do PT – do qual não sou filiado e
ao qual sempre fiz algumas restrições – tenha “aparelhado” a Polícia
Federal, o Supremo Tribunal Federal, a Procuradoria Geral da República
ou a direção de outras instituições que, constitucionalmente, o
presidente nomeia.

Voltando a Carvalhosa, outra observação
espantosa em sua entrevista foi a vinculação do escândalo na Petrobrás
com o chamado “mensalão”. Que a opinião pública brasileira tenha sido
empulhada pela mídia ao ponto de achar que o julgamento do “mensalão”
foi justo é admissível, dada a fragilidade da sociedade diante de uma
imprensa manipuladora. Mas um “jurista” dizer que o mensalão consistiu
em compra de votos, inclusive de parlamentares do próprio PT, com
dinheiro público é um insulto à inteligência por parte de quem teria a
obrigação moral de tomar conhecimento dos autos em sua integralidade.

Voltemos
ao tema central da entrevista: Carvalhosa quer quebrar judicialmente as
empresas com contratos suspeitos com a Petrobras. As empresas, não só
os diretores, tem “culpa”, por isso tem que pagar.  Esse é o foco. Seja
tudo pela luta contra a corrupção: se isso significar a demissão de 500
mil empregados das empreiteiras, e outro milhão de empregados indiretos;
se isso significa sucatear a tecnologia nacional; se isso significa
entregar o mercado de construção e do setor petróleo às ávidas
empreiteiras externas, tudo bem: É uma forma de depurar a sociedade
brasileira dos seus corruptos, matando de fome algumas centenas de
milhares de trabalhadores que não tem absolutamente nada a ver com a
corrupção.

Contrariamente à tese de Carvalhosa, a Presidenta
Dilma teve seu melhor momento nesse episódio ao estabelecer claramente
uma linha política de separação entre corruptos e corruptores, que devem
ser punidos, e empresas, que devem ser preservadas. Felizmente, nesse
caso, o Governo não se omitiu em posicionar-se. Em relação aos corruptos
e corruptores, acho que a Lava Jato nos deve maiores explicações que
vão além de simples delações premiadas. É preciso ter provas, e não
encharcar a imprensa de informações fragmentadas e sensacionalistas. Por
exemplo, a imprensa noticiou amplamente que Cerveró recebeu uma propina
de US$ 40 milhões. É muito dinheiro. Mas onde está a prova?

Enquanto
gente como Carvalhosa quer quebrar as empresas de construção
brasileiras, os Estados Unidos, origem dessa campanha contra a
Petrobras, sabe tratar muito bem suas corporações, cuja corrupção está
longe de ser comparada ao que acontece no Brasil. Por exemplo: o
Citigroup e o Bank America cometeram fraudes bilionárias no mercado
imobiliário; ninguém, pessoalmente, foi punido. As empresas, por sua
vez, aceitaram, cada uma, pagar multa de US$ 20 bilhões para encerrar o
processo – algo que apenas fez cócegas no orçamento delas. Ao lado
disso, tivemos o escândalo da Libor, do Deutche Bank e do UBS (operações
de câmbio), sendo que não vi nenhum luminar jurídico do primeiro mundo
defender a quebra desses bancos. Sintomaticamente, também não li nada a
respeito na imprensa brasileira.

Para não falar que estamos
defendendo a impunidade absoluta das empresas, sugiro que, no caso de
desvios e corrupção comprovados, os responsáveis pessoais sejam
devidamente julgados e punidos, enquanto, para as empresas, sejam
estipulados, além do ressarcimento do dano, uma multa proporcional a sua
capacidade de pagamento sem prejuízo de suas operações. E, uma vez
cumprida a sentença, as empresas estejam livres para contratação pelo
Estado das obras em que estão operando e de novas obras, com o devido
cuidado contra novos atos de corrupção, usando o que me parece ser a
única sugestão válida de Carvalhosa: o instrumento do performance bond,
isto é, o seguro de desempenho do contrato. Do contrário, o prejuízo
para a sociedade e o Estado, em casos de corrupção, será muito maior por
causa da conversão de muitas obras que estão em andamento em elefantes
brancos, assim como em face do retardamento de outras obras urgentes que
temos que fazer.

*Economista, doutor pela Coppe-UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB

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