domingo, 25 de janeiro de 2015

Noam Chomsky: estamos à beira da total auto destruição? - Carta Maior

Noam Chomsky: estamos à beira da total auto destruição? - Carta Maior



Noam Chomsky: estamos à beira da total auto-destruição?

Existem mais processos de longo prazo apontando na direção,
talvez não da destruição total, mas ao menos da destruição da capacidade
de uma vida decente.





Noam Chomsky, Alternet




Arquivo



O que o futuro trará? Uma
postura razoável seria tentar olhar para a espécie humana de fora. Então
imagine que você é um extraterrestre observador que está tentando
desvendar o que acontece aqui ou, imagine que és um historiador daqui a
100 anos - assumindo que existam historiadores em 100 anos, o que não é
óbvio - e você está olhando para o que acontece. Você veria algo
impressionante.

Pela primeira vez na história da espécie humana,
desenvolvemos claramente a capacidade de nos destruirmos. Isso é verdade
desde 1945. Agora está finalmente sendo reconhecido que existem mais
processos de longo-prazo como a destruição ambiental liderando na mesma
direção, talvez não à destruição total, mas ao menos à destruição da
capacidade de uma existência decente.

E existem outros perigos
como pandemias, as quais estão relacionadas à globalização e interação.
Então, existem processos em curso e instituições em vigor, como sistemas
de armas nucleares, os quais podem levar à explosão ou talvez,
extermínio, da existência organizada.

Como destruir o planeta sem tentar muito

A
pergunta é: O que as pessoas estão fazendo a respeito? Nada disso é
segredo. Está tudo perfeitamente aberto. De fato, você tem que fazer um
esforço para não enxergar.

Houveram uma gama de reações. Têm
aqueles que estão tentando ao máximo fazer algo em relação à essas
ameaças, e outros que estão agindo para aumentá-las. Se olhar para quem
são, esse historiador futurista ou extraterrestre observador veriam algo
estranho. As sociedades menos desenvolvidas, incluindo povos indígenas,
ou seus remanescentes, sociedades tribais e as primeiras nações do
Canadá, que estão tentando mitigar ou superar essas ameaças. Não estão
falando sobre guerra nuclear, mas sim desastre ambiental, e estão
realmente tentando fazer algo a respeito.

De fato, ao redor do
mundo - Austrália, Índia, América do Sul - existem batalhas acontecendo,
às vezes guerras. Na Índia, é uma guerra enorme sobre a destruição
ambiental direta, com sociedades tribais tentando resistir às operações
de extração de recursos que são extremamente prejudiciais localmente,
mas também em suas consequências gerais. Em sociedades onde as
populações indígenas têm influência, muitos tomam uma posição forte. O
mais forte dos países em relação ao aquecimento global é a Bolívia, cuja
maioria é indígena e requisitos constitucionais protegem os “direitos
da natureza”.

O Equador, o qual também tem uma população indígena
ampla, é o único exportador de petróleo que conheço onde o governo está
procurando auxílio para ajudar a manter o petróleo no solo, ao invés de
produzi-lo e exportá-lo - e no solo é onde deveria estar.

O
presidente Venezuelano Hugo Chávez, que morreu recentemente e foi objeto
de gozação, insulto e ódio ao redor do mundo ocidental, atendeu a uma
sessão da Assembléia Geral da ONU a poucos anos atrás onde ele suscitou
todo tipo de ridículo ao chamar George W. Bush de demônio. Ele também
concedeu um discurso que foi interessante. Claro, Venezuela é uma grande
produtora de petróleo. O petróleo é praticamente todo seu PIB. Naquele
discurso, ele alertou dos perigos do sobreuso dos combustíveis fóssil e
sugeriu aos países produtores e consumidores que se juntassem para
tentar manejar formas de diminuir o uso desses combustíveis. Isso foi
bem impressionante da parte de um produtor de petróleo. Você sabe, ele
era parte índio, com passado indígena. Esse aspecto de suas ações na ONU
nunca foi reportado, diferentemente das coisas engraçadas que fez.

Então,
em um extremo têm-se os indígenas, sociedades tribais tentando amenizar
a corrida ao desastre. No outro extremo, as sociedades mais ricas,
poderosas na história da humanidade, como os EUA e o Canadá, que estão
correndo em velocidade máxima para destruir o meio ambiente o mais
rápido possível. Diferentemente do Equador e das sociedades indígenas ao
redor do mundo, eles querem extrair cada gota de hidrocarbonetos do
solo com toda velocidade possível.

Ambos partidos políticos, o
presidente Obama, a mídia, e a imprensa internacional parecem estar
olhando adiante com grande entusiasmo para o que eles chamam de “um
século de independência energética” para os EUA. Independência
energética é quase um conceito sem significado, mas botamos isso de
lado. O que eles querem dizer é: teremos um século no qual maximizaremos
o uso de combustíveis fóssil e contribuiremos para a destruição do
planeta.

E esse é basicamente o caso em todo lugar.
Admitidamente, quando se trata de desenvolvimento de energia
alternativa, a Europa está fazendo alguma coisa. Enquanto isso, os EUA, o
mais rico e poderoso país de toda a história do mundo, é a única nação
dentre talvez 100 relevantes que não possui uma política nacional para a
restrição do uso de combustíveis fóssil, e que nem ao menos mira na
energia renovável. Não é por que a população não quer. Os americanos
estão bem próximos da norma internacional com sua preocupação com o
aquecimento global. Suas estruturas institucionais que bloqueiam a
mudança. Os interesses comerciais não aceitam e são poderosos em
determinar políticas, então temos um grande vão entre opinião e política
em muitas questões, incluindo esta. Então, é isso que o historiador do
futuro veria. Ele também pode ler os jornais científicos de hoje. Cada
um que você abre tem uma predição mais horrível que a outra.

“O momento mais perigoso na história”

A
outra questão é a guerra nuclear. É sabido por um bom tempo, que se
tivesse que haver uma primeira tacada por uma super potência, mesmo sem
retaliação, provavelmente destruiria a civilização somente por causa das
consequências de um inverno-nuclear que se seguiria. Você pode ler
sobre isso no Boletim de Cientistas Atômicos. É bem compreendido. Então o
perigo sempre foi muito pior do que achávamos que fosse.

Acabamos
de passar pelo 50o aniversário da Crise dos Mísseis Cubanos, a qual foi
chamada de “o momento mais perigoso na história” pelo historiador
Arthur Schlesinger, o conselheiro do presidente John F. Kennedy. E foi.
Foi uma chamada bem próxima do fim, e não foi a única vez tampouco. De
algumas formas, no entanto, o pior aspecto desses eventos é que a lições
não foram aprendidas.

O que aconteceu na crise dos mísseis em
outubro de 1962 foi petrificado para parecer que atos de coragem e
reflexão eram abundantes. A verdade é que todo o episódio foi quase
insano. Houve um ponto, enquanto a crise chegava em seu pico, que o
Premier Soviético Nikita Khrushchev escreveu para Kennedy oferecendo
resolver a questão com um anuncio publico de retirada dos mísseis russos
de Cuba e dos mísseis americanos da Turquia. Na realidade, Kennedy nem
sabia que os EUA possuíam mísseis na Turquia na época. Estavam sendo
retirados de todo modo, porque estavam sendo substituídos por submarinos
nucleares mais letais, e que eram invulneráveis.

Então essa era a
proposta. Kennedy e seus conselheiros consideraram-na - e a rejeitaram.
Na época, o próprio Kennedy estimava a possibilidade de uma guerra
nuclear em um terço da metade. Então Kennedy estava disposto a aceitar
um risco muito alto de destruição em massa afim de estabelecer o
princípio de que nós - e somente nós - temos o direito de deter mísseis
ofensivos além de nossas fronteiras, na realidade em qualquer lugar que
quisermos, sem importar o risco aos outros - e a nós mesmos, se tudo
sair do controle. Temos esse direito, mas ninguém mais o detém.

No
entanto, Kennedy aceitou um acordo secreto para a retirada dos mísseis
que os EUA já estavam retirando, somente se nunca fosse à publico.
Khrushchev, em outras palavras, teve que retirar abertamente os mísseis
russos enquanto os EUA secretamente retiraram seus obsoletos; isto é,
Khrushchev teve que ser humilhado e Kennedy manteve sua pose de macho.
Ele é altamente elogiado por isso: coragem e popularidade sob ameaça, e
por aí vai. O horror de suas decisões não é nem mencionado - tente achar
nos arquivos.

E para somar um pouco mais, poucos meses antes da
crise estourar os EUA haviam mandado mísseis com ogivas nucleares para
Okinawa. Eram mirados na China durante um período de grande tensão
regional.

Bom, quem liga? Temos o direito de fazer o que
quisermos em qualquer lugar do mundo. Essa foi uma lição daquela época,
mas haviam outras por vir.

Dez anos depois disso, em 1973, o
secretário de estado Henry Kissinger chamou um alerta vermelho nuclear.
Era seu modo de avisar à Rússia para não interferir na constante guerra
Israel-Árabes e, em particular, não interferir depois de terem informado
aos israelenses que poderiam violar o cessar fogo que os EUA  e a
Rússia haviam concordado. Felizmente, nada aconteceu.

Dez anos
depois, o presidente em vigor era Ronald Reagan. Assim que entrou na
Casa Branca, ele e seus conselheiros fizeram com que a Força Aérea
começasse a entrar no espaço aéreo Russo para tentar levantar
informações sobre os sistemas de alerta russos, Operação Able Archer.
Essencialmente, eram ataques falsos. Os Russos estavam incertos, alguns
oficiais de alta patente acreditavam que seria o primeiro passo para um
ataque real. Felizmente, eles não reagiram, mesmo sendo uma chamada
estreita. E continua assim.

O que pensar das crises nucleares Iraniana e Norte-Coreana

No
momento, a questão nuclear está regularmente nas capas nos casos do Irã
e da Coréia do Norte. Existem jeitos de lidar com esse crise contínua.
Talvez não funcionasse, mas ao menos tentaria. No entanto, não estão nem
sendo consideradas, nem reportadas.

Tome o caso do Irã, que é
considerado no ocidente - não no mundo árabe, não na Ásia - a maior
ameaça à paz mundial. É uma obsessão ocidental, e é interessante
investigar as razões disso, mas deixarei isso de lado. Há um jeito de
lidar com a suposta maior ameaça à paz mundial? Na realidade existem
várias. Uma forma, bastante sensível, foi proposta alguns meses atrás em
uma reunião dos países não alinhados em Teerã. De fato, estavam apenas
reiterando uma proposta que esteve circulando por décadas, pressionada
particularmente pelo Egito, e que foi aprovada pela Assembléia Geral da
ONU.

A proposta é mover em direção ao estabelecimento de uma zona
sem armas nucleares na região. Essa não seria a resposta para tudo, mas
seria um grande passo à frente. E haviam modos de proceder. Sob o
patrocínio da ONU, houve uma conferência internacional na Finlândia
dezembro passado para tentar implementar planos nesta trajetória. O que
aconteceu? Você não lerá sobre isso nos jornais pois não foi divulgado -
somente em jornais especialistas.

No início de novembro, o Irã
concordou em comparecer à reunião. Alguns dias depois Obama cancelou a
reunião, dizendo que a hora não estava correta. O Parlamento Europeu
divulgou uma declaração pedindo que continuasse, assim como os estados
árabes. Nada resultou. Então moveremos em direção a sanções mais rígidas
contra a população Iraniana - não prejudica o regime - e talvez guerra.
Quem sabe o que irá acontecer?


No nordeste da Ásia, é a
mesma coisa. A Coréia do Norte pode ser o país mais louco do mundo. É
certamente um bom competidor para o título. Mas faz sentido tentar
adivinhar o que se passa pela cabeça alheia quando estão agindo feito
loucos. Por que se comportariam assim? Nos imagine na situação deles.
Imagine o que significou na Guerra da Coréia anos dos 1950’s o seu país
ser totalmente nivelado, tudo destruído por uma enorme super potência, a
qual estava regozijando sobre o que estava fazendo. Imagine a marca que
deixaria para trás.

Tenha em mente que a liderança Norte Coreana
possivelmente leu os jornais públicos militares desta super potência na
época explicando que, uma vez que todo o resto da Coréia do Norte foi
destruído, a força aérea foi enviada para a Coréia do Norte para
destruir suas represas, enormes represas que controlavam o fornecimento
de água - um crime de guerra, pelo qual pessoas foram enforcadas em
Nuremberg. E esses jornais oficiais falavam excitadamente sobre como foi
maravilhoso ver a água se esvaindo, e os asiáticos correndo e tentando
sobreviver. Os jornais exaltavam com algo que para os asiáticos fora
horrores para além da imaginação. Significou a destruição de sua
colheita de arroz, o que resultou em fome e morte. Quão maravilhoso! Não
está na nossa memória, mas está na deles.

Voltemos ao presente.
Há uma história recente interessante. Em 1993, Israel e Coréia do Norte
se moviam em direção a um acordo no qual a Coréia do Norte pararia de
enviar quaisquer mísseis ou tecnologia militar para o Oriente Médio e
Israel reconheceria seu país. O presidente Clinton interveio e bloqueou.
Pouco depois disso, em retaliação, a Coréia do Norte promoveu um teste
de mísseis pequeno. Os EUA e a Coréia do Norte chegaram então a um
acordo em 1994 que interrompeu seu trabalho nuclear e foi mais ou menos
honrado pelos dois lados. Quando George W. Bush tomou posse, a Coréia do
Norte tinha talvez uma arma nuclear e verificadamente não produzia
mais.

Bush imediatamente lançou seu militarismo agressivo,
ameaçando a Coréia do Norte - “machado do mal” e tudo isso - então a
Coréia do Norte voltou a trabalhar com seu programa nuclear. Na época
que Bush deixou a Casa Branca, tinham de 8 a 10 armas nucleares e um
sistema de mísseis, outra grande conquista neoconservadora. No meio,
outras coisas aconteceram. Em 2005, os EUA e a Coréia do Norte realmente
chegaram a um acordo no qual a Coréia do Norte teria que terminar com
todo seu desenvolvimento nuclear e de mísseis. Em troca, o ocidente, mas
principalmente os EUA, forneceria um reator de água natural para suas
necessidades medicinais e pararia com declarações agressivas. Eles então
formariam um pacto de não agressão e caminhariam em direção ao
conforto.

Era muito promissor, mas quase imediatamente Bush
menosprezou. Retirou a oferta do reator de água natural e iniciou
programas para compelir bancos a pararem de manejar qualquer transação
Norte Coreana, até mesmo as legais. Os Norte Coreanos reagiram revivendo
seu programa de armas nuclear. E esse é o modo que se segue.

É
bem sabido. Pode-se ler na cultura americana principal. O que dizem é: é
um regime bem louco, mas também segue uma política do olho por olho,
dente por dente. Você faz um gesto hostil e responderemos com um gesto
louco nosso. Você faz um gesto confortável e responderemos da mesma
forma.

Ultimamente, por exemplo, existem exercícios militares Sul
Coreanos-Americanos na península Coreana a qual, do ponto de vista do
Norte, tem que parecer ameaçador. Pensaríamos que estão nos ameaçando se
estivessem indo ao Canadá e mirando em nós. No curso disso, os mais
avançados bombardeiros na história, Stealth B-2 e B-52, estão travando
ataques de bombardeio nuclear simulados nas fronteiras da Coréia do
Norte.

Isso, com certeza, reacende a chama do passado. Eles
lembram daquele passado, então estão reagindo de uma forma agressiva e
extrema. Bom, o que chega no ocidente derivado disso tudo é o quão
loucos e horríveis os líderes Norte Coreanos são. Sim, eles são. Mas
essa não é toda a história, e esse é o jeito que o mundo está indo.

Não
é que não haja alternativas. As alternativas somente não estão sendo
levadas em conta. Isso é perigoso. Então, se me perguntar como o mundo
estará no futuro, saiba que não é uma boa imagem. A menos que as pessoas
façam algo a respeito. Sempre podemos.


Tradução: Isabela Palhares

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