O três em um do Lula em Guarujá, 25 anos depois
publicado em 4 de janeiro de 2015 às 12:59
por Luiz Carlos Azenha
Se você falar num “três em um” numa rodinha de jovens muitos vão
fazer cara de paisagem. É o mesmo que falar em óleo de fígado de
bacalhau, DKV ou Olivetti.
Em 1989 ter um “três em um” em casa era símbolo de status.
Especialmente aqueles que vinham acompanhados de grandes caixas de som.
Vitrola, toca-fitas e rádio, tudo num mesmo aparelho!
Eu morava, então, em Nova York. Era correspondente da TV Manchete.
Testemunhei um momento histórico, via satélite. A Globo colocou ao
vivo o sinal do debate presidencial entre Lula e Fernando Collor para
ser visto na cidade. Se não me engano, foi num restaurante da rua 46,
então a rua dos brasileiros em Manhattan, hoje tomada por comerciantes
coreanos.
Durante o debate, Collor “acusou” Lula de um pecado imperdoável para
um operário “igualzinho a você” — era o slogan utilizado pela campanha
de Lula: ter um “três em um” sofisticado.
O simbolismo era inescapável: o dirigente sindical teria dirigido as
grandes greves do ABC em busca de vantagens pessoais. Era um
aproveitador. Nos bastidores, dizia-se também que Lula tinha abandonado a
cachaça e aderido ao uísque importado, como se isso fosse um crime
lesa-Pátria.
Na época, ninguém perguntou se Collor também tinha “três em um” em
casa. Logo ele, filhinho de papai da oligarquia alagoana! Era o máximo
da desfaçatez.
Lembrei-me do episódio ao receber, por e-mail, os links de várias reportagens de O Globo e da Folha sobre o triplex do Lula em Guarujá.
O ex-presidente declarou pagamentos feitos à cooperativa responsável pelo imóvel em 2006. Disse ao imposto de renda ter pago R$ 47.695,38 até então. O valor total foi quitado em 2010.
Em nota, o instituto Lula falou em “suposto apartamento”,
já que o ex-presidente nunca ocupou o imóvel e nem assumiu oficialmente
a propriedade. Esclareceu que a primeira dama Marisa Letícia comprou
uma cota do prédio em 2005, da Bancoop, paga em prestações. O casal não
decidiu ainda se fica com o imóvel.
Para turbinar a notícia, a Folha cita
corretores não identificados que avaliaram o apartamento em R$ 1,5
milhão. Minha sugestão é que o Otavinho compre o imóvel por este preço.
Dinheiro certamente não é problema para o dono da Folha. Nem para os bilionários irmãos Marinho, tão interessados no caso.
Independentemente da “avaliação” da Folha estar ou não
correta, é óbvio que o imóvel é compatível com a renda de um presidente
que cumpriu oito anos de mandato, pagou em prestações e hoje viaja o
mundo dando palestras.
A questão aqui é outra: por que sabemos tudo sobre o apartamento de
Lula e absolutamente nada sobre os imóveis de Fernando Henrique Cardoso,
Geraldo Alckmin e Aécio Neves? Em nome de quem está o apartamento que
Aécio ocupa em Belo Horizonte, por exemplo? FHC tem mesmo um apartamento na avenue Foch, em Paris?
A explicação é simples e repetitiva: dois pesos, duas medidas.
Vinte e cinco anos depois, com a perspectiva de Lula se candidatar em 2018, o “três em um” se tornou “triplex”.
É bala na agulha para enredar o ex-presidente com uma das acusadas na
Operação Lava Jato, a empreiteira OAS, que concluiu as obras do
edifício em Guarujá.
O ex-presidente deve estar acostumado.
Em 1989, na reta final da campanha, a ex-namorada de Lula, Miriam
Cordeiro, apareceu no Jornal Nacional e na campanha de TV de Fernando
Collor acusando Lula de ter sugerido a ela que abortasse a filha Lurian,
além de falar mal dos negros.
O jornal O Globo chegou a produzir um editorial justificando a baixaria, intitulado O Direito de Saber. Trecho:
Até que anteontem à noite surgiu nas telas, no horário doQue ironia!
PRN, a figura da ex-mulher de Lula, Miriam Cordeiro, acusando o
candidato de ter tentado induzi-la a abortar uma criança filha de ambos,
para isso oferecendo-lhe dinheiro, e também de alimentar preconceitos
contra a raça negra.
A primeira reação do público terá sido de choque, a segunda é a
discussão do direito de trazer-se a público o que, quase por toda parte,
se classificava imediatamente de ‘baixaria’.
É chocante mesmo, lamentável que o confronto desça a esse nível, mas
nem por isso deve-se deixar de perguntar se é verdadeiro. E se for
verdadeiro, cabe indagar se o eleitor deve ou não receber um testemunho
que concorre para aprofundar o seu conhecimento sobre aquela
personalidade que lhe pede o voto para eleger-se Presidente da
República, o mais alto posto da Nação.
As mesmas Organizações Globo nunca acreditaram que o eleitor
brasileiro tinha o direito de saber que Fernando Henrique Cardoso teve
um caso com uma repórter da emissora, ANTES de ser candidato pela
primeira vez ao Planalto.
Do caso teria nascido uma criança.
Ambos, mãe e filho, viveram “exilados” na Europa, uma notícia que só foi dada pela revista Caros Amigos no ano 2000! O filho, revelou muito mais tarde um exame de DNA, afinal não era, mas sempre foi tratado como herdeiro.
O brasileiro nunca teve — e provavelmente jamais terá — o direito de
saber deste logro histórico! Pelo menos não nas páginas dos jornalões e
nos telejornais da Globo.
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