domingo, 27 de dezembro de 2015

Como é que 19 grandes multinacionais planeiam ganhar dinheiro com a crise climática

Como é que 19 grandes multinacionais planeiam ganhar dinheiro com a crise climática | Esquerda



Como é que 19 grandes multinacionais planeiam ganhar dinheiro com a crise climática

De acordo com algumas das
maiores empresas do mundo, futuros desastres também podem apresentar
oportunidades de negócios lucrativos. Artigo de Jeremy Schulman,
publicado em Mother Jones.
As
alterações climáticas terão consequências aterradoras. Os peritos já
previram de tudo, desde ondas de calor mortais e inundações devastadoras
à queda da produção agrícola e até mesmo aumento da instabilidade
política e violência. Mas, de acordo com algumas das maiores empresas do
mundo, esses desastres futuros podem também apresentar oportunidades de
negócios lucrativos.


Numa notável compilação de documentos
entregues a uma organização sem fins lucrativos com sede em Londres
chamada CDP, grandes empresas descrevem o aquecimento global como uma
oportunidade para vender mais armamento para as forças armadas, mais
aparelhos de ar condicionado para os civis em sufoco, e mais
medicamentos para as pessoas atingidas por doenças tropicais. A CDP, que
significa "Carbon Disclosure Project", pede às empresas de todo o mundo
que divulguem informações sobre as suas emissões de gases de efeito
estufa e sobre como a mudança climática terá impacto nas suas operações.
A cada ano, milhares de empresas enviam as suas respostas. Abaixo,
compilamos uma lista de alguns dos mais marcantes e, em alguns casos,
perturbadores, cenários colocados por essas empresas.


É importante ter em conta que estas empresas não anseiam pelo
aquecimento catastrófico. Nos mesmos documentos, assinalam enormes
riscos que a mudança climática representa para a humanidade - e para os
seus lucros. Muitas também tomaram medidas significativas para reduzir
as suas próprias emissões de carbono. Ainda assim, o facto de as
empresas terem passado muito tempo a pensar sobre as oportunidades de negócios que podem surgir com o aquecimento global ressalta o quão colossal será o efeito de uma mudança climática nas nossas vidas.


Defesa e vigilância das fronteiras
Os republicanos recentemente ridicularizaram o presidente Barack
Obama e o senador Bernie Sanders por estes dizerem que a mudança
climática representa uma ameaça à segurança nacional. Mas os políticos
democratas não são os únicos que fazem esta ligação. Em 2014, a CNA Military Advisory Board,
um grupo de generais e almirantes norte-americanos aposentados,
advertiu que o impacto do aquecimento global "vai servir como
catalisador de instabilidade e conflito". Saab, uma empresa de defesa
sueca (e ex-empresa mãe da fabricante de automóveis em dificuldade),
concorda. No documento enviado à CDP, a empresa cita o relatório do CNA
e acrescenta que a mudança climática pode "induzir mudanças nos
recursos naturais como a água, petróleo, etc, que podem resultar em
conflitos no interior dos países já instáveis", bem como a
desflorestação e pesca ilegal e tráfico de droga. A Saab vê esses
perigos como uma oportunidade de negócio que irá resultar num "aumento
do mercado de soluções de segurança civil e militar." Como exemplo, a
empresa aponta o seu Sistema de Radar Erieye, que "trabalha num ambiente
denso de guerra eletrónica hostil" e é "capaz de identificar amigos ou
inimigos".


Raytheon, o fornecedor de serviços de defesa com sede em Massachusetts, advertiu
num documento enviado à CDP em 2012 que a mudança climática pode
"causar desastres humanitários, contribuir para a violência política, e
minar governos fracos". A empresa escreveu que espera assistir ao
aumento da "procura pelos seus produtos e serviços militares à medida
que vão surjindo problemas de segurança na sequência das secas,
inundações e tempestades que resultam da mudança climática". A United
Technologies Corporation, com sede em Connecticut, cita argumentos que
assinalam que uma seca devastadora contribuiu para a instabilidade na Síria. A multinacional refere que helicópteros fabricados pela sua empresa Sikorsky (que já foi vendida à Lockheed Martin)
foram "mobilizados durante deslocamentos populacionais e crises
humanitárias", e que, no ano passado, apoiou os esforços militares dos
EUA para "mitigar deslocamentos populacionais na Síria". Cobham, uma
empresa britânica que fabrica sistemas de vigilância, afirmou num
documento da CDP de 2013 que "as mudanças nos recursos e habitabilidade
dos países [sic] poderiam aumentar a necessidade de vigilância das
fronteiras, devido à migração da população".


Segurança face a "conflitos sociais"
Empresas de segurança privada também veem oportunidades nas
alterações climáticas. A G4S, uma empresa com sede em Londres, que opera
em todo o mundo, disse que à CDP que o clima extremo é uma fonte
potencial de negócios. A empresa implantou centenas de agentes de
segurança para proteger os seus clientes após o furacão Katrina, e enviou representantes para o Nordeste
na sequência da super tempestade Sandy. A G4S também vê oportunidades
financeiras na resposta a desastres humanitários, tais como secas e fome
no mundo em desenvolvimento. Atualmente, a empresa fornece serviços de
segurança nos campos de refugiados no Quénia, que são o lar de centenas de milhares de pessoas, incluindo muitos que fugiram de conflitos e à seca. A G4S diz as Nações Unidas "estimam que o planeta terá 50 milhões de refugiados ambientais". (Aparentemente, as Nações Unidas recuaram nesta previsão particular; de acordo com o seu Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas [PDF], "não há estimativas globais consistentes de deslocamento futuro").


Monitorização, resposta, e reconstrução face a eventos climáticos extremos
De acordo com a Raytheon, os possíveis impactos da mudança climática,
incluindo furacões, tornados, tempestades severas, e elevação dos mares
- poderiam apresentar oportunidades para vender os seus "serviços de
satélites meteorológicos, radares e tecnologias de detecção, resposta a
desastres, segurança interna, e comunicações de emergência, bem como
tecnologias de energia alternativa". Cobham antecipa oportunidades de
fornecimento de câmaras para monitorizar inundações repentinas, "grandes
antenas" para condições climáticas extremas, e sistemas de comunicação
de emergência para "áreas onde as tempestades severas destruíram
infraestruturas de comunicações". A 3M, empresa com base no Minnesota,
diz que vende uma série de produtos que podem ser usados para proteger
edifícios durante condições meteorológicas extremas e para reconstruir
depois de uma tempestade.


Vias de navegação e viagens
Um dos desenvolvimentos climáticos mais marcantes nos últimos anos tem sido a abertura de rotas de navegação do Ártico
que já estiveram obstruídas pelo gelo do mar durante todo o ano. A
Hanjin, uma grande empresa de transporte sul-coreana, reconheceu num
documento da CDP de 2014 que uma nova rota polar seria uma "consequência
trágica" da mudança climática. Mas a empresa acrescentou que o
derretimento do Ártico também traria benefícios ambientais e
financeiros: permitiria ao setor marítimo "reduzir drasticamente as
emissões de CO2 e reduzir o tempo de viagem em 1/3".


O aquecimento global pode ter alguns benefícios para as empresas que
se especializam no transporte de turistas, também. De acordo com a
Carnival, “a mudança na temperatura média poderia abrir novas rotas e
portos" para os seus navios de cruzeiro, enquanto que "alterações na
precipitação [podem] tornar alguns portos mais atraente".


Extração de mais petróleo
As empresas de energia há muito tempo que encaram o degelo no Ártico
como uma oportunidade para extrair petróleo e gás anteriormente
inacessíveis. Isso não tem funcionado bem até agora. Em setembro, a Royal Dutch Shell anunciou
que estava a terminar o seu dispendioso projeto de exploração no
Ártico. Mas a Chevron ainda está otimista. "Se a tendência atual de
aquecimento global for sustentada, o acesso e a economia da produção de
petróleo e gás da Chevron no ártico poderá melhorar", afirma a companhia
petrolífera com sede na Califórnia, no seu documento da CPD. "Os
maiores efeitos estarão associados a uma extensão para o período de
funcionamento de verão, que tendem inicialmente a favorecer o acesso e
os custos das operações de exploração em muitas bacias árticas".


Proteção face a ondas de calor mortais
Num relatório do ano passado, um painel copresidido pelo ex-autarca
de Nova York Michael Bloomberg, o bilionário ambientalista Tom Steyer, e
o ex-secretário das Finanças Henry Paulson advertiram sobre os riscos colocados por temperaturas mais elevadas:


Em meados deste século, o americano médio provavelmente vai ter mais
27 a 50 dias com temperaturas de mais de 35°C a cada ano – duas ou três
vezes mais do que aquilo que tem sido registado nos últimos trinta anos.
Até o final deste século, esse número provavelmente vai chegar a mais
45 a 96 dias com temperaturas acima dos 35°C a cada ano, em média.


Essa é uma oportunidade para a United Technologies, que, além dos
produtos de defesa, fabrica ar condicionado, refrigeração e sistemas de
eficiência energética. "Anualmente, os eventos de calor extremo matam
mais americanos do que quaisquer outros eventos relacionados com o meio
ambiente, e um aumento dos eventos climáticos extremos, como resultado
da mudança climática, está previsto para muitas partes do mundo", afirma
a empresa. "A UTC acredita que mudanças em temperaturas extremas irá
resultar numa necessidade de edifícios e outras estruturas
energeticamente mais eficientes, especialmente refrigeradores e unidades
de refrigeração ... Prevemos que essa procura seja global, com fortes
aumentos em zonas tropicais e algumas zonas temperadas". De acordo com a
UTC, "as vendas de ar condicionado aumentaram mais de 20% por década no
mundo em desenvolvimento entre 1990-2010, em resposta ao aumento das
temperaturas e aumento da riqueza". A UTC acredita que essas tendências
podem levar a 5 mil milhões de dólares face a um novo aumento da procura
nas próximas duas décadas. A Halliburton também vê oportunidades
relacionadas. A empresa de serviços petrolíferos afirma que poderá
registar um aumento das receitas face ao aumento da necessidade de
recursos energéticos para "aumentar a refrigeração e/ou o aquecimento".


Combater a queda da produção agrícola e a fome
Os especialistas alertaram que o aumento das temperaturas e mudanças nos padrões das chuvas podem reduzir o rendimento das colheitas em partes vulneráveis do mundo,
tornando difícil alimentar uma população em crescimento. As empresas de
biotecnologia estão a concorrer para desenvolver produtos que resolvam
este problema. A Monsanto, por exemplo, diz que os seus produtos
poderiam ajudar os agricultores a "responder ao aumento das necessidades
alimentares à medida que os recursos naturais disponíveis tornam-se
mais limitados”. A Bayer observa que a sua divisão de ciências da
colheita está a usar “abordagens químicas e modernas de aperfeiçoamento
de plantas” para resolver os danos agrícolas que se prevê serem causados
por "um aumento da ocorrência de eventos climáticos extremos, como
inundações, secas, calor, frio e tempestades”.


Do lado dos consumidores, a Campbell Soup Company identifica
"crescentes necessidades humanitárias" relacionadas com o clima como uma
oportunidade significativa - que vai permitir à empresa "alavancar os
seus ativos principais para proporcionar resposta a essas necessidades".
Além de doar dinheiro e comida diretamente às causas humanitárias, a
Campbell destaca um programa atual, em que uma das suas marcas doa um batido
para uma criança carente por cada quatro smoothies que vende. Segundo a
Campbell, este tipo de promoções "pode render milhões de dólares à
empresa".


Combater doenças relacionadas com o clima
As alterações climáticas representam uma série de graves riscos para a
saúde pública, e a indústria farmacêutica deu, certamente, conta disso.
A Walmart, por exemplo, acredita que poderá enfrentar uma procura
crescente por medicamentos prescritos devido ao "aumento da exposição ao pólen
ou problemas de saúde causados pelas alterações climáticas" (o grupo
tem o cuidado de referir que vê sobretudo a mudança climática, que um
porta-voz apelida de "desafio urgente e urgente", como um risco).


Várias empresas farmacêuticas acreditam que o aumento das
temperaturas, a alteração dos padrões de precipitação, e a degradação
das condições meteorológicas extremas poderão aumentar a propagação de
doenças tropicais que são transmitidas por mosquitos, como a malária e o
dengue. No seu documento da CDP, a Bayer cita uma estimativa que aponta
que a mudança climática poderá resultar num aumento de 40 milhões a 60 milhões de pessoas que estão a ser expostas [PDF] a estas doenças. A empresa prevê o aumento da procura pelos seus mosquiteiros e outros produtos de controlo do mosquito,
especialmente se a malária atingir o mundo desenvolvido. A
GlaxoSmithKline também prevê que as alterações climáticas poderão afetar
a procura pelos seus produtos anti-malária e observa que, se "as vendas
da empresa subirem 1%, o seu volume de negócios crescerá cerca de £ 300
milhões [cerca de 446 mil dólares]”. Um porta-voz da GSK acrescentou,
no entanto, que a empresa está a desenvolver uma vacina contra a malária
que irá oferecer às crianças africanas a um "preço sem fins
lucrativos", e que, em algumas situações, as mudanças climáticas
poderão, na verdade, reduzir a procura por produtos da empresa.


A Novartis, que produz vários medicamentos para a malária e o dengue,
aponta que forneceu milhões de doses para as autoridades de saúde de
África a um preço sem fins lucrativos. Mas, como refere a empresa, "as
empresas que vendem esses medicamentos vão tornar-se mais rentáveis se
as doenças se espalharem para países mais desenvolvidos e mais ricos”.
Um grupo de especialistas duvida que tal aconteça, pelo menos no caso da
malária. Eles argumentam que fatores como o desenvolvimento económico e
a infraestrutura de saúde pública são muito mais importantes
do que o clima no controlo da malária. Ao ser confrontado com um pedido
de esclarecimentos, um porta-voz da Novartis afirmou que temperaturas
mais elevadas e o agravamento de fenómenos climáticos face à mudança do
clima poderá "levar a grandes inundações, crises e desafios sociais, o
que poderá permitir que doenças vetoriais se espalhem ainda mais". Ainda
assim, acrescentou, a Novartis concorda que é pouco provável que a
malária se espalhe pelo mundo desenvolvido.


As empresas farmacêuticas também enumeram outras ameaças para a
saúde. A GSK adverte que a mudança dos padrões de precipitação e o
aumento dos eventos climáticos extremos poderão "afetar a propagação de
doenças transmitidas pela água" e respiratórias e doenças diarreicas,
criando a necessidade de "uma maior prevenção de doenças e mais
tratamentos de doentes". Estes problemas poderão ser especialmente
graves nos países mais pobres, de acordo com o porta-voz da GSK. No seu
relatório à CDP, a Merck diz que está a investigar os impactos negativos
que as temperaturas mais elevadas poderão ter sobre as vacinas.


Gelados!
O aumento das temperaturas não aumenta apenas a procura por unidades
de ar condicionado e melhores vacinas. De acordo com a Nestlé, também
pode impulsionar as vendas de "produtos refrescantes, como gelados e
água engarrafada”. A Nestlé observa que, em 2014, a Terra experimentou o
seu verão mais quente de que há registo (até 2015, pelo menos) e que
uma série de concessionárias locais da empresa tiveram um bom desempenho
nesse ano. Então, que impacto tem o calor? "O aumento da procura por
água engarrafada e gelados, resultante do aumento da temperatura, pode
traduzir-se em vendas adicionais de CHF 100 milhões por ano", diz a
Nestlé. No caso de não estar familiarizado com a taxa de câmbio para
francos suíços, trata-se de cerca de 100 milhões de dólares.




Artigo publicado em Mother Jones.
Tradução de Mariana Carneiro para o Esquerda.net.




“Não é fácil ouvir alguém chamar um brasileiro como Chico Buarque de ‘merda’, sem que o sangue lhe suba à cabeça”

“Não é fácil ouvir alguém chamar um brasileiro como Chico Buarque de ‘merda’, sem que o sangue lhe suba à cabeça” | O Cafezinho






“Não é fácil ouvir alguém chamar um brasileiro como Chico Buarque de ‘merda’, sem que o sangue lhe suba à cabeça”



Data da foto: 1977
Chico Buarque de Hollanda, cantor e compositor.
por Cacá Diegues no O Globo


Barra Pesada

Esta é minha última crônica de 2015. Vou tirar umas férias de
escrever e só volto a publicar outro artigo no último domingo de
janeiro, dia 31. Nada como encerrar alguma coisa, mesmo que
temporariamente. A gente fica com uma sensação de missão cumprida, mesmo
que nos falte confiança em que a missão seja mesmo essa, que o que
produzimos prestou para alguma coisa.


Só para ficar nas desgraças domésticas, 2015 foi um ano maldito na
lembrança de muita gente (as desgraças internacionais também bateram
recordes de horror, mas deixa pra lá). Não estou falando apenas das más
notícias do mundo concreto, da inflação e do desemprego, da Petrobras e
da Odebrecht, da lama mineira e do fogo amazônico, mas também dos
incômodos políticos que dividiram o país. No momento, o impeachment da
presidente é o mais grave deles.


Já disse aqui e repito que sou totalmente contra o impeachment, ele é
injusto e inconsequente. Injusto porque, independente de sua
administração ser boa ou má, não vejo a presidente tendo cometido nenhum
crime previsto na Constituição que justifique seu impedimento.
Inconsequente porque não vejo no horizonte uma sucessão que seja capaz
de melhorar o país. Temer? Cunha? Renan? Cruzes!


A acusação de “estelionato eleitoral”, de que Dilma Rousseff teria
mentido durante a campanha e feito, neste primeiro ano de seu segundo
mandato, o contrário do que prometera, já virou uma constante cada vez
que elegemos novo governo. Não porque Fernando Henrique, Lula e Dilma
tenham decidido conscientemente mentir durante suas campanhas; mas
porque preferiram ouvir seus marqueteiros, a discutir e seguir os
programas de seus partidos.


A propaganda montada pelos marqueteiros políticos, para “vender” os
candidatos que os contrataram, é que está se tornando um “estelionato
eleitoral” sistemático, onde não se discute nada antes de uma consulta
aos institutos de pesquisa. Não se crê um segundo que um discurso
sincero e correto possa mudar os índices obtidos por esses institutos.
Duda Mendonça, Renato Pereira ou João Santana se tornaram sumidades
programáticas, muito mais importantes do que qualquer ideólogo
respeitável de cada partido. A política no Brasil está se tornando um
sistema de venda de imagens e não de ideias.


Não é assim que está evoluindo a política por aí, na França ou na
Espanha, mesmo na Grécia ou em Portugal, onde forças novas ocupam seu
lugar junto às aspirações do povo, sem ter que vender uma imagem
superficial. Uma aliança de centro-esquerda não derrotou a direita da
Frente Nacional francesa pela força de ilusões; o Podemos e o Cidadãos
não se impuseram nas urnas espanholas através de velhas mensagens que os
marqueteiros repetem.


Não acho que o Brasil esteja bem de vida, muito menos que este seja o
melhor governo possível. Mas é preciso reconhecer que Dilma Rousseff
não fez um só gesto, nem emitiu uma só frase que enfraquecesse o
processo democrático no país. No meio da grave crise política e
econômica que vivemos, podemos nos orgulhar da estabilidade de nossa
democracia.


Uma democracia que está sendo ameaçada por setores radicalizados da
população. Alguma coisa na crise que vivemos, ocasionada talvez pelo
resultado apertado das últimas eleições, fez com que, desta vez, o país
se dividisse radicalmente em dois, sem racionalidade e sem respeito pela
opinião alheia, um puro exercício de ódio. O país está perigosamente
dividido em clãs políticas que não admitem respirar o mesmo ar que o
“inimigo”.


Chico Buarque foi, esta semana, vítima dessa intolerância burra.
Saindo de um jantar com amigos, ele teve que ouvir, vindos do outro lado
da rua, gritos hostis e grosseiros de jovens que estavam no restaurante
em frente. A quase uníssona acusação era a de sua preferência
partidária, uma escolha pessoal e cívica de cada cidadão livre.
Gentilmente, com a cordialidade que o caracteriza, Chico atravessou a
rua e foi tentar conversar com os rapazes. Mas eles não queriam ouvir
argumentos ou discutir ideias, apenas desqualificavam o interlocutor que
não pensava como eles, uma censura tipicamente autoritária ao
pensamento do outro. O mínimo que ele ouviu foi ser chamado de “seu
merda”. Não é fácil ouvir alguém chamar um brasileiro como Chico Buarque
de “merda”, sem que o sangue lhe suba à cabeça.


Não sou pessimista, não acho que as coisas vão sempre dar
necessariamente errado. Nem acho que vamos precisar de muitos anos para
nos recuperarmos da crise que nos assola. Se alguns princípios básicos
da convivência democrática forem respeitados, se conseguirmos que o ódio
seja substituído pela consciência de que o outro tem direito de ter
outra opinião, se aprendermos a pegar leve na barra pesada, sairemos
dela mais rápido do que imaginamos, sem a falsidade histriônica de uma
“unidade nacional”. De um lado e do outro, vamos precisar da grandeza de
muitos Chico Buarque para cumprir essa meta.


Cacá Diegues é cineasta

sábado, 26 de dezembro de 2015

Seletividade

Seletividade - 26/12/2015 - André Singer - Colunistas - Folha de S.Paulo

Seletividade






André Singer

O pagamento de R$ 60 milhões por parte da Alstom, como indenização por
uso de propina no mandato do pessedebista Mário Covas em São Paulo (Folha,
22/12), a revelação de que a dobradinha Nestor Cerveró-Delcídio do
Amaral remonta ao tempo em que ambos serviam ao governo Fernando
Henrique Cardoso (Folha, 18/12) e a condenação do ex-presidente tucano Eduardo Azeredo a 20 anos de prisão (Folha,
17/12), por esquema análogo ao que levou José Dirceu à cadeia em 2012
(condenado à metade do tempo), confirmam que há dois pesos e duas
medidas no tratamento que a mídia dá aos principais partidos
brasileiros.





Enquanto o PT aparece, diuturnamente, como o mais corrupto da história
nacional, o PSDB, quando apanhado, merece manchetes, chamadas e
registros relativamente discretos. O primeiro transita na área do
megaescândalo, ao passo que o segundo ocupa a dimensão da notícia comum.





Isso não alivia a situação do PT, o qual, como antigo defensor da ética,
tinha compromisso de não envolver-se com métodos ilícitos de
financiamento. No entanto, o destaque desequilibrado distorce o jogo
político, gerando falsa percepção de excepcionalidade do Partido dos
Trabalhadores. A salvaguarda do PSDB pelos meios de comunicação reforça a
tese de que o objetivo é destruir a real opção popular e não regenerar a
República.





Note-se que o acordo feito pela Alstom não inclui os processos "sobre o
Metrô, a CPTM e as acusações de que a multinacional francesa fez parte
de um cartel que agia em licitações de compra de trens", diz este
jornal. Os 60 milhões de reais ressarcidos dizem respeito só ao
"contrato de fornecimento de duas subestações de energia". Será que o
montante completo dos desvios, caso computado, não chegaria a proporções
petrolíferas?





Se a mídia quisesse, de fato, equilibrar o marcador, aproveitaria o
gancho para mostrar que juízes, procuradores e policiais, vistos em
conjunto, têm sido parciais. Enquanto a máquina investigatória avança de
maneira implacável sobre o PT, o PSDB fica protegido por investigações
que andam a passo bem lento. Aposto que se uma vinheta do tipo "e o
metrô de São Paulo?" aparecesse todo dia na imprensa, em poucas semanas
teríamos importantes novidades.





O problema, contudo, pode ser mais grave. Hipótese plausível é que os
investigadores poupem o PSDB exatamente porque sabem que não contariam
com a simpatia da mídia se apertassem o cerco aos tucanos. Conforme
deixa claro o juiz Sergio Moro no artigo de 2004 sobre a "mãos limpas"
na Itália, a aliança com a imprensa é crucial para o sucesso desse tipo
de empreitada. Trata-se de um sistema justiça-imprensa, que aqui tem
agido de modo gritantemente seletivo.



sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Viviane Mosé: “Não basta gritar, é preciso propor”

Viviane Mosé: “Não basta gritar, é preciso propor” | Congresso em Foco



Viviane Mosé: “Não basta gritar, é preciso propor”

Atraso do Congresso reflete a atual
incapacidade do brasileiro de elaborar alternativas, diz filósofa. Para
ela, Brasil vive crise moral e ética no setor público e privado














As
manifestações que tomaram conta do país a partir de 2013 revelam que o
brasileiro sabe gritar, mas ainda não consegue propor. O resultado dessa
incapacidade está na eleição de um Congresso Nacional “atrasado”, um
dos mais polêmicos das últimas décadas. O diagnóstico é feito pela
psicóloga, psicanalista e poeta Viviane Mosé, mestra e doutora em
Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Para ela, o atual
momento do país tem forte componente ético: “Temos crise moral e ética,
que envolve o setor público e o privado”.
Sócia da consultoria Usina de Pensamento e comentarista da CBN,
Viviane vê a crise no Brasil como parte de uma crise maior, global,
envolvendo as questões ambiental e econômica.  Para ela, o governo Dilma
tem responsabilidade direta pelo mau momento enfrentado pelo Brasil,
mas está longe de ser o único culpado. As dificuldades da conjuntura, no
seu entender, são frequentemente exageradas.


O mais complexo, na sua visão, é enfrentar a crise estrutural, que
ela relaciona tanto à falta de mecanismos de controle da corrupção
quanto à incapacidade da sociedade de articular os seus interesses.
“Conseguimos gritar, mas não conseguimos propor”, observa.


Na avaliação de Viviane, não adianta mudar os atores e manter o
sistema. “Senão quem hoje clama contra a corrupção será o corrupto de
amanhã”, afirma. A saída, indica Viviane, está na escola: “Temos de
formar cidadãos na educação brasileira”.


A nova edição da Revista Congresso em Foco destaca
a visão de sete pessoas dos mais diversos perfis sobre a atual crise
política e econômica e os caminhos apontados por elas para tirar o país
da atual encruzilhada. Interpretações diferentes à parte, todos
concordam em um ponto: nunca o Brasil viveu uma crise como a atual.


Assine a
revista para saber o que pensam sobre o crise brasileira atual momento
Renato Janine Ribeiro, Denis Rosenfield, Chico Whitaker e Mansueto
Almeida
, entre outros.


Com a palavra, Viviane Mosé:


“Vivemos uma crise das instituições, a corrupção no país é
vergonhosa. Temos crise moral e ética, que envolve o setor público e o
privado. A Lava Jato está mostrando que no Brasil ambos os setores são
muito corruptos. Sabemos que isso é muito antigo e temos de lutar contra
essa situação com todas as armas. Nossa crise é ética, uma crise que
envolve um Estado corrupto.


E não é só o Brasil que está em crise, o mundo também. Há uma crise
ambiental gravíssima, uma crise econômica sem precedentes. Temos 30% de
desemprego em vários países da Europa. Aqui, com 9% de desemprego,
parece que o mundo está desabando. Então, há um exagero na ‘venda’ dessa
crise. Muita gente ganha com isso. Por exemplo: você pode ser contra a
política do governo porque ele é corrupto, e isso é um fato, existe
corrupção séria no governo. Mas alguém pode ser contra o governo só
porque ele investe no social?


É preciso construir sistemas de controle que impeçam que as pessoas
roubem, com o uso da tecnologia e a favor da transparência. O banco
consegue controlar o sistema para que o gerente não roube e uma
multinacional evita que seu diretor financeiro não dê golpes. Então, por
que o Estado brasileiro é tão aberto à corrupção? Porque nasceu para
ser corrupto. Isso vem desde a família real, que distribuía títulos de
nobreza para qualquer um. Isso não é atual. Por que o Brasil não faz uma
reforma administrativa? Não adianta mudar os atores e manter o sistema,
senão quem hoje clama contra a corrupção será o corrupto de amanhã.


Temos de pensar no coletivo e ter consciência de que a gente vive bem
quando está envolvido nesse tipo de processo, o que nos traz a sensação
de pertencimento. Também é importante que não se leia a crise apenas
pelos jornais, porque há muitos interesses envolvidos nisso. E a crise
econômica tem, sim, raízes em políticas errôneas do governo. Mas também
existe a crise dos emergentes, que cresceram muito e estão caindo. O
maior exemplo é a China, o mais bem-sucedido dentre os emergentes, que
também vive uma crise econômica complicada e ainda ajuda a agravar a
nossa.


É preciso tempo. Os problemas que vivemos são históricos. Na
educação, por exemplo, hoje temos uma rede escolar estruturada, mas não
há qualidade no processo educativo. Precisamos de pessoas que arrastem
essa educação para o contemporâneo, que proponham uma educação voltada
para a vida, para a ética, depende de uma mudança pedagógica. Temos de
formar cidadãos na educação brasileira. Não é só investir
financeiramente. As coisas vão mudar quando nós formarmos a escola não
para o mercado, mas para a vida, a ética e a cidadania. Há grupos
organizados na internet, espaços onde os jovens podem exercitar a
cidadania e a participação. Não foi o governo quem criou a crise, ele
contribui para o problema, ao permitir esse desmando político.


As reformas serão feitas pelo Legislativo, mas hoje temos um
Congresso retrógrado. Há um velho hábito de se culpar só o governo,
porque simboliza o pai, mas e o Judiciário? E a corrupção de juízes, por
exemplo? Na verdade, nós não conhecemos o nosso país, nossa organização
política. Não conseguimos agir como cidadãos e mal conhecemos as leis. O
jovem precisa entender que temos três poderes. Nunca deve pedir a um
deputado para quebrar um galho, porque ele existe é para fazer leis.
Precisamos de uma mudança estrutural.


As manifestações que aconteceram no Brasil a partir de 2013 mostram a
nossa impotência política. Conseguimos gritar, mas não conseguimos
propor. O resultado foi um Congresso atrasado. E na sociedade houve até
manifestações a favor do retorno da ditadura militar. Um retrocesso
político. Acabou na radicalização de grupos de esquerda encontrados com
bombas em casa. Não basta gritar, é preciso elaborar.”

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Os personagens de dois mensalões

Os personagens de dois mensalões



Os personagens de dois mensalões

Por Frederico Vasconcelos

Condenação de Eduardo Azeredo (PSDB) confirma que, em 1998,
os advogados de Itamar Franco (PMDB) já haviam antecipado os esquemas
do mensalão petista.




Valerioduto mineiro





Na sentença que condenou o ex-governador mineiro Eduardo Azeredo
(PSDB) a 20 anos de prisão pelo mensalão tucano –decisão da qual cabe
recurso–, a juíza Melissa Pinheiro Costa Lage registra que o mensalão
petista talvez pudesse ter sido evitado “se os fatos aqui tratados
tivessem sido a fundo investigados quando da denúncia formalizada pela
coligação adversária perante a Justiça Eleitoral”.


Ainda não foi suficientemente realçada a atuação dos advogados do
então candidato Itamar Franco (PMDB-PST), que anteciparam os mecanismos
que hoje são considerados o embrião do mensalão do PT.


Quando a imprensa ainda apurava fatos do mensalão petista, dez anos
atrás, a assessoria de Itamar já conhecia os esquemas de repasses de
dinheiro público e patrocínios fraudulentos por intermédio da SMP&B,
agência de publicidade de Marcos Valério.


A releitura dos fatos mostra que alguns personagens transitaram nos dois “mensalões”.


O esquema do mensalão tucano veio à tona com a transferência de R$ 3
milhões de estatais mineiras à SMPB Comunicação em 1998, empresa de
Marcos Valério, quando Azeredo disputou, sem sucesso, a reeleição ao
governo de Minas Gerais.


Os autos do processo citam o desvio de recursos da Comig (empresa
estatal de mineração) e da Copasa (empresa estatal de saneamento), a
título de apoio, sem licitação, ao “Enduro da Independência”, em 1998.


Rogério Lanza Tolentino, condenado no mensalão petista, era advogado
de Marcos Valério e da SMPB. Ambos também foram condenados no mensalão
tucano.


Tolentino foi juiz do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais,
nomeado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Foi denunciado por
receber dinheiro do valerioduto durante a campanha de 1998. Como juiz
eleitoral, Tolentino votou favoravelmente ao candidato Azeredo em
decisões próximas a depósitos feitos em sua conta e na conta de sua
mulher.


Até 20 dias antes da operação que gerou o mensalão tucano, o
ex-senador Clésio Andrade (PL), então candidato a vice-governador na
chapa de Azeredo, controlava a Holding Brasil, que detinha a maior parte
do capital da SMPB. Para o Ministério Público Federal, a transferência
das quotas da holding de Clésio Andrade foi simulação.


A título de comprovar que encerrara a sociedade com Valério antes da
apuração do mensalão tucano, Clésio Andrade enviou documentos à CPI dos
Correios, que antecedeu a CPI do mensalão petista.


O material foi remetido ao presidente da CPI, senador Delcídio do Amaral (PT).


Clésio Andrade foi vice-governador de Minas no governo Aécio Neves
(PSDB). Difícil imaginar que o esquema denunciado pela coligação de
Itamar Franco ganhasse manchetes em Minas Gerais.

Corrupção na Petrobras começou no primeiro mandato de FHC

"Desorganizada", corrupção na Petrobras começou no primeiro mandato de FHC e rendeu frutos ao PSDB até 2010 - Viomundo - O que você não vê na mídia



“Desorganizada”, corrupção na Petrobras começou no primeiro mandato de FHC e rendeu frutos ao PSDB até 2010

publicado em 22 de dezembro de 2015 às 03:27



Da Redação


O acúmulo de informações sobre a Operação Lava Jato deixa claro:
o Petrolão começou no governo do ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso.


Diz ele que era, então, um esquema “desorganizado”. Ou seja, a
corrupção do PSDB é mais “vadia” que a do PT/PMDB/PP/PSB e outros,
parece sugerir o sociólogo.


É exatamente a mesma lógica utilizada para justificar como legais
doações feitas pelas empreiteiras envolvidas na Lava Jato a Aécio Neves
em 2014, quando aquelas que abasteceram os cofres de Dilma teriam sido
“criminosas”.


“Mas, não tínhamos o que dar em troca, já que não controlávamos o Planalto”, argumentam os tucanos.


Porém, e os contratos fechados pelas mesmas empreiteiras com os
governos paulistas de José Serra e Geraldo Alckmin, totalizando R$ 210
bilhões? E os fechados com os governos de Aécio Neves e Antonio
Anastasia em Minas? Não poderia ter se dado aí o quid-pro-quo?


A lógica do PSDB, endossada pela mídia, deu certo no mensalão: embora
os tucanos tenham amamentado Marcos Valério no berço, com dinheiro
público de empresas estatais como Copasa (Companhia de Saneamento de
Minas Gerais), Comig — hoje Codemig, Companhia de Desenvolvimento de
Minas Gerais — e o extinto Bemge, o banco estadual mineiro, ninguém foi
preso; o ex-presidente nacional do PSDB e senador Eduardo Azeredo foi
condenado em primeira instância a 20 anos de prisão (leia íntegra da sentença aqui), depois de 17 anos! Dificilmente passará um dia na cadeia, já que em 2018 completa 70 anos.


Enquanto isso, o mensalão petista deu no que deu, apesar da
controvérsia sobre se o dinheiro da Visanet, afinal, era ou não público.


Vejamos quais são os fatos que localizam o berço do Petrolão no quintal de FHC:


1. Delcídio do Amaral, ex-líder do governo Dilma no Senado, hoje
preso, assinou ficha de filiação no PSDB em 1998 e foi diretor de Gás e
Energia da Petrobrás em 2000 e 2001, no segundo mandato de FHC, quando
conheceu Nelson Cerveró e Paulo Roberto Costa, que agora se tornaram
delatores. Os negócios entre eles começaram então.


2. As usinas termelétricas construídas às pressas na época do apagão
elétrico — o verdadeiro, não aquele que a Globo prevê desde o governo
Lula –, durante o governo FHC, deram prejuízo à Petrobrás superior
àquele atribuído à compra e venda da refinaria de Pasadena, no governo
Dilma, segundo calculou a Folha de S. Paulo. Mas, vejam que interessante: a Folha apresenta
o senador como sendo do PT quando, à época dos negócios denunciados,
ele tinha ficha de filiação assinada no PSDB e servia ao governo FHC.


Captura de Tela 2015-12-22 às 01.52.14


3. Delcídio é acusado de ter recebido R$ 10 milhões em propina da
Alstom neste período. A Alstom foi operadora do trensalão tucano em São
Paulo, que atravessou os governos Covas, Alckmin, Serra e Alckmin com
uma velocidade superior àquela com que se constrói o metrô paulistano.


4. A Operação Sangue Negro, deflagrada pela Polícia Federal,
refere-se a um esquema envolvendo a empresa holandesa SBM, que operou de
1998 a 2012, envolvendo pagamentos de U$ 46 milhões. Em 1998,
registre-se, FHC foi reeleito para um segundo mandato.


5. Em delação premiada, o ex-gerente da Petrobras, Pedro Barusco,
disse que coletou um total de R$ 100 milhões em propinas desde 1996.
Portanto, desde a metade do primeiro mandato de Fernando Henrique
Cardoso. Barusco, se contou a verdade, atuou no propinoduto durante seis
longos anos sob governo tucano. Por que Lula e Dilma deveriam saber de
tudo e FHC não?


6. Outro delator, Fernando Baiano, disse que seus negócios com a
Petrobrás começaram em 2000, na metade do segundo mandato de FHC.


O curioso é que, em março de 2014, o PSDB acusou o PT, em nota no seu site, de ter tentado bloquear investigações sobre a Petrobrás.


Desde 2009, o PSDB no Senado solicita investigações
sobre denúncias de irregularidades e na direção oposta, o esforço para
aprovar a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a
estatal petroleira foi derrubada pelo governo federal no mesmo ano. 
[…] Em
15 de maio de 2009, o senador Alvaro Dias (PSDB-PR) protocolou um
pedido de abertura da comissão, assinado por 32 colegas de diversos
partidos, incluindo até mesmo alguns de legendas que apoiam o governo. O
requerimento pedia a investigação a fraudes que já haviam sido motivo
de trabalhos na Polícia Federal, Tribunal de Contas da União e
Ministério Público federal. 



Na justificativa, o tucano argumentou que havia indícios de
fraudes em construção e reforma de plataformas de petróleo – em especial
relacionadas a grandes superfaturamentos – e desvios de verbas de
royalties da exploração do petróleo, sonegação de impostos, mal uso de
verbas de patrocínio e fraudes em diversos acordos e pagamentos na
Agência Nacional de Petróleo. 
No entanto, o governo operou
internamente com sua base para engavetar o pedido de CPI. Mas o PSDB
apresentou requerimentos relacionados à Petrobras, no esforço de buscar
respostas às denúncias.
Porém, mais tarde soubemos que foi o ex-presidente do PSDB e
ex-senador Sergio Guerra, já falecido, quem teria recebido R$ 10 milhões
para enterrar a CPI, segundo o delator Paulo Roberto Costa.


No Estadão:


O ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás Paulo
Roberto Costa afirmou em sua delação premiada que o então presidente
nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra – morto em março deste ano –, o
procurou e cobrou R$ 10 milhões para que a Comissão Parlamentar de
Inquérito da Petrobrás, aberta em julho de 2009 no Senado, fosse
encerrada. Segundo Costa, o tucano disse a ele que o dinheiro seria
usado para a campanha de 2010. 
Aos investigadores da Operação
Lava Jato, Costa afirmou que os R$ 10 milhões foram pagos em 2010 a
Guerra. O pagamento teria ocorrido depois que a CPI da Petrobrás foi
encerrada sem punições, em 18 de dezembro de 2009. O senador era um dos
11 membros da comissão – três integrantes eram da oposição e acusaram o
governo de impedir as apurações. 



A extorsão, segundo Costa, foi para abafar as descobertas de
irregularidades nas obras da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco –
alvo do esquema que levou ao banco dos réus o ex-diretor da estatal e o
doleiro Alberto Youssef. 
A obra era um dos sete alvos suspeitos na Petrobrás que justificaram a abertura da comissão, em julho. […] O
ex-diretor declarou que o então presidente do PSDB estava acompanhado
do deputado federal Eduardo da Fonte (PP-PE), a quem chamou em seu
relato de “operador” 
[…] O delator afirmou que Guerra
relatou a ele que o dinheiro abasteceria as campanhas do PSDB em 2010.
Naquele ano, o presidente do partido foi o coordenador oficial da
campanha presidencial do candidato José Serra. Integrantes da campanha
informaram que o ex-senador não fez parte do comitê financeiro.
Vejam vocês que os tucanos denunciados são graúdos: dois senadores e
ex-presidentes do partido, Eduardo Azeredo e Sergio Guerra. Não é,
portanto, coisa da arraia miúda do PSDB.


No caso de Guerra, supostamente atuou com um operador de outro
partido, demonstrando que o Petrolão obedecia a linhas partidárias tanto
quanto aquela famosa foto de Delcídio (PT) com Romário (PSB), Eduardo
Paes, Pedro Paulo e Ricardo Ferraço (PMDB) celebrando uma “aliança
partidária”.


Nosso ponto é que o mensalão, assim como o trensalão e o petrolão,
são suprapartidários e expressam a destruição do sistema político
brasileiro pelo financiamento privado, aquele que transformou o
presidente da Câmara Eduardo Cunha num traficante de emendas
parlamentares escritas pela OAS e apresentadas por gente como Sandro
Mabel (PMDB) e Francisco Dornelles (PP).


Se é certo que o PT hoje age igualzinho a todos os outros partidos,
também o é que o PSDB não paira ao lado do DEM no panteão da moralidade,
né Agripino?


As informações acima não diminuem ou pretendem diminuir a
responsabilidade de integrantes do PT e de todos os outros partidos
envolvidos no Petrolão: PMDB, PP, PSB e outros.


Porém, servem para demonstrar que o Petrolão floresceu num período em
que, tendo a oportunidade de fazê-lo, o PSDB não fortaleceu as
instituições que poderiam desmontá-lo no nascedouro. Pelo contrário, os
dois mandatos de FHC ficaram famosos pela atuação do engavetador-geral
da República. O presidente se ocupava de coisas mais importantes, como
vender por U$ 3 bilhões uma empresa que valia U$ 100 bi, noutro
escândalo, aquele sim, jamais investigado.

O mensalão tucano

O mensalão tucano - 22/12/2015 - Bernardo Mello Franco - Colunistas - Folha de S.Paulo



O mensalão tucano






BRASÍLIA - A Justiça de Minas Gerais condenou o ex-governador
Eduardo Azeredo a 20 anos e 10 meses de prisão. De acordo com a sentença
da juíza Melissa Pinheiro Costa Lage, o tucano desviou dinheiro público
para financiar sua campanha frustrada à reeleição, em 1998.





O esquema envolveu três estatais mineiras, que fecharam contratos de
fachada para repassar verba de publicidade a políticos. Em valores
atualizados, o rombo foi de R$ 10 milhões. O caso ficou conhecido como
mensalão tucano porque serviu como laboratório para o mensalão do PT. Os
dois escândalos tiveram o mesmo operador: o publicitário Marcos
Valério, da SMP&B.





Azeredo não é um tucano qualquer. Chegou a ser presidente nacional do
PSDB, cargo hoje ocupado pelo senador Aécio Neves. Estava no Senado
quando a Procuradoria-Geral de República o denunciou ao Supremo Tribunal
Federal, em 2007. Dois anos depois, a corte decidiu transformá-lo em
réu.





O mensalão mineiro virou um símbolo da morosidade judicial. O caso se
arrastou no STF até 2014, quando Azeredo renunciou ao mandato de
deputado para escapar da punição. Sob protestos do então ministro
Joaquim Barbosa, que acusou o tucano de "debochar" da Justiça, o
processo voltou à primeira instância.





Na semana passada, Azeredo foi finalmente condenado por peculato e
lavagem de dinheiro, mais de 17 anos depois dos desvios. Graças à
manobra para fugir do STF, ele poderá recorrer em liberdade até que o
caso volte a ser analisado pela corte.





Desde que perdeu a eleição presidencial para o PT, o senador Aécio
repete que não foi derrotado por um partido, e sim "por uma organização
criminosa". Apesar do prontuário de alguns petistas influentes, talvez
seja a hora de virar o disco. Na sentença do mensalão tucano, a juíza
Costa Lage afirma que seu aliado Azeredo também integrou "uma
organização criminosa complexa", montada para assaltar os cofres
mineiros.



Altamiro Borges:

Altamiro Borges: Paulo Skaf e os patos da Fiesp



Skaf e os patos da Fiesp


Por Altamiro Borges



O oportunista Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias de São
Paulo (Fiesp), deve estar com cara de nádega - ou de pato. Excitado com a
conspiração do correntista suíço Eduardo Cunha, que manobrou na Câmara
Federal para acelerar o processo do impeachment de Dilma, ele passou a
pregar abertamente a derrubada da presidenta. Distribuiu bonecos do
"pato" - símbolo da campanha dos sonegadores contra os impostos - na
marcha golpista da Avenida Paulista e ainda fez a Fiesp aprovar um
documento pelo impeachment que relembra o sombrio período em que os
industriais paulistas financiaram o golpe de 1964 e apoiaram os crimes
da sanguinária ditadura militar.

Sua excitação, porém, durou pouco tempo. O Supremo
Tribunal Federal derrotou o golpe do lobista e afastou a possibilidade
do assalto ao poder do vice Michel Temer - que o falso peemedebista
Paulo Skaf jura representar junto ao empresariado. Para piorar sua
situação, o eterno derrotado em eleições - já perdeu duas seguidas para o
governo de São Paulo - ainda foi criticado por seus pares. Segundo a
Folha deste sábado (19), o industrial José Velloso Dias Cardoso, diretor
da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), acha um
equívoco a partidarização da Fiesp.


"Quem se posiciona num tema tão agudo quanto esse, logicamente que há
polarização, e o outro lado vai te enxergar como inimigo, como
adversário... Porque hoje os lados não estão respeitando quem tem a
opinião contrária. Quem se posiciona corre esse risco", afirmou. Ele
lembrou que na Abimaq os dirigentes são proibidos de ter atuação
partidária, diferentemente do que ocorre na Fiesp. A própria Folha
registra que a discussão sobre o tema na entidade não foi tranquilo.
"No decorrer do debate, um dos dirigentes afirmou que a Fiesp não
deveria declarar-se a favor do impeachment, porque iria derrubar pontes
com o governo - e acabou duramente criticado pela maioria dos
presentes".



O oportunista Paulo Skaf, famoso por golpear a democracia na própria
Fiesp e por utilizar os recursos bilionários da entidade para seus
projetos eleitorais, não conta com unanimidade na sua tese golpista do
impeachment de Dilma. O que unifica os empresários paulistas -
principalmente os sonegadores - é a luta contra os impostos. Daí a
campanha do "pato", em que eles tentam envolver os incautos, os
verdadeiros patos, na guerra por menos tributos - para os ricos. Sobre o
tema, vale conferir excelente artigo publicado na Folha  da semana
passada por Laura Carvalho.
*****



Quem paga o pato?

A Fiesp oficializou na segunda-feira seu
apoio ao impeachment da presidente Dilma Rousseff, fundada, segundo ela,
em uma pesquisa que realizou com 0,7% das empresas do Estado.

A
decisão da Fiesp já havia sido antecipada na véspera: símbolo de sua
campanha pela redução de impostos, seu pato serviu para alegrar as
muitas crianças que passeiam pela Paulista aos domingos.

Mas as
ações da federação também servem para deixar clara a origem de vários
dos erros de política econômica cometidos pelo governo Dilma desde seu
primeiro mandato.

Os dados apresentados por Rodrigo Orair no
"Texto para Discussão" número 2.117 do Ipea (Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada) mostram que a carga tributária brasileira, que subiu
cinco pontos percentuais –de 27% para 32% do PIB– entre 1995 e 2002,
chegou ao patamar de 33,7% em 2007, mas se manteve relativamente estável
desde então.

O estudo esclarece, entretanto, que o que aumentou a
arrecadação entre 2005 e 2014 foram os tributos sobre a folha de
pagamentos e os rendimentos do trabalho, devido à expansão da massa
salarial e do nível de emprego formal no período. Os impostos sobre o
lucro das empresas e sobre bens e serviços, ao contrário, contribuíram
para uma redução da carga tributária de 2,3 pontos percentuais.

Na
realidade, o setor empresarial foi o maior beneficiado pela expansão
fiscal do primeiro governo Dilma Rousseff, que se deu essencialmente
pela via das desonerações tributárias e outras formas pouco criteriosas
de subsídios às suas margens de lucro. Desonerações que, diferentemente
dos numerosos itens aprovados no ajuste fiscal de 2015, que já bateram
–direta ou indiretamente– no bolso dos trabalhadores, ainda não foram
eliminadas pelo Congresso.

Além disso, assim como em quase todos
os países da OCDE, até 1995 também se tributavam dividendos no Imposto
de Renda de Pessoa Física (IRPF) no Brasil. De acordo com outra pesquisa
recente de Orair e Gobetti do Ipea, essa isenção de IRPF sobre os
lucros convertidos em renda pessoal é o principal fator que explica por
que os brasileiros que ganham mais de R$ 1,3 milhão por ano pagam apenas
6,7% em impostos, em comparação a uma média de 11,8% pelos que ganham
entre R$ 162,7 mil e R$ 325,4 mil.

Uma reforma tributária que
vise reduzir impostos sobre o consumo e a produção, e elevar impostos
progressivos sobre a renda e o patrimônio, seria muito bem-vinda. O
mesmo vale para uma política industrial estratégica.

Esses não
parecem, no entanto, ser os verdadeiros alvos da campanha "Não vou pagar
o pato", da Fiesp, que, aliás, vem sendo muito eficaz no cumprimento de
seu objetivo. O pato quem vem pagando é o resto da população, ora
cedendo suas fatias no bolo cada vez menor do Orçamento público, ora
sofrendo as consequências da atuação política da entidade.

A
federação pode não ter sido tão sincera quando, acusada pela Comissão
Nacional da Verdade de seu envolvimento com os crimes da ditadura
militar, declarou, por meio de nota oficial, que sua atuação tem se
pautado pela defesa da democracia e do Estado de Direito.

Seus
membros mais afoitos devem ser avisados de que, desta vez, podem não
contar com o apoio nem do governo americano nem de nossas Forças Armadas
para o desmonte das instituições democráticas brasileiras.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Um salva vidas para a hipocondria informativa

Um salva vidas para a hipocondria informativa | Observatório da Imprensa 



Um salva vidas para a hipocondria informativa

Por Roxana Tabakman em 14/12/2015 na edição 880
As informações médicas que são
divulgadas todo dia deixam ao público confuso. A proliferação de fontes
de noticias e o fato das pessoas estarem utilizando referências não
tradicionais em matéria de informação sobre saúde geram ansiedade
crescente e, na sequência, a sensação de que estamos nos afogando em
informação. Em alguns casos, pela própria natureza do assunto, as
pessoas acabam desenvolvendo uma espécie de hipocondria informativa.


São os tempos atuais e não há mais volta possível para o passado.
Neste contexto, a curadoria de conteúdos é vista como um dos possíveis
remédios para o tratamento desta prolongada situação de mal-estar
informativo que ameaça se transformar num problema crônico
contemporâneo.



O curador seria, basicamente, alguém que monitore a informação que se
divulga no mundo digital, selecione o essencial, edite e contextualize
as histórias, e finalmente as deixe disponíveis para o usuário.
Idealmente, uma pessoa que se informe dos assuntos de saúde a traves de
bons curadores além de ficar atualizada em questões médicas ficaria
blindada contra boatos, rumores e informações irresponsáveis. As fontes
escolhidas pelos curadores teriam muito a ganhar, porque aumentariam os
seus índices de leitura e compartilhamento. A ideia é boa. O problema
que enfrentam os novos profissionais da comunicação é como fazer com
rigor e responsabilidade essa curadoria.


O conteúdo


Há muitas ferramentas para monitorar a informação digital e a
disponibilidade infinita e’ uma tentação. O curador tem a sua disposição
conteúdo de jornais, revistas, rádio, TV, blogs, programas no Youtube,
sites e redes sociais de empresas de midia, ONGs, governo, hospitais,
universidades do pais e do estrangeiro. A lista é quase infinita.


Pessoas que antes conformavam a audiência agora estão envolvidas na
produção de notícias, e o conteúdo criado por usuários, sejam
individuais, coletivos, pagos ou voluntários acrescenta um degrau maior
de complexidade. No Brasil, por exemplo, estão contabilizados ao menos
450 blogs de saúde, segundo Priscila Torres, do Blogueiros da Saúde
que ao ser consultada pelo Observatorio da Imprensa, disse que “a
grande maioria das pessoas que produzem blogs é formada por pacientes ou
familiares. Estamos fazendo um grande trabalho na formação dos
blogueiros para que produzem conteúdo com responsabilidade e
conhecimento”.


O excesso de material informativo coloca muito peso nos ombros dos
que fazem a escolha sobre o que é essencial para os objetivos a serem
atingidos. Como ter certeza que a pequena amostra selecionada representa
o que há de melhor para o público? Como não cair nos mesmo problemas
que afetam a cobertura sobre saude na grande mídia?


O dinheiro não é o único fator que suja a informação. No caso da
medicina e qualidade de vida, os médicos ou cientistas nem sempre sabem
explicar de maneira clara e atrativa. E os jornalistas, até os que
assinam na grande mídia, nem sempre passam por treinamentos que permitam
superar os complexos desafios éticos e técnicos das matérias de saúde.
Um curador vira o juiz responsável por distribuir informações geradas
por pessoas que ele não conhece, que estão mais o menos preparadas, são
mais ou menos espertas, estão mais ou menos informadas e, o mais difícil
de verificar, são mais ou menos resistentes a pressões econômicas.


Pode-se escolher divulgar apenas o trabalho dos melhores, se limitar a
traduzir do idioma original textos produzidos por repórteres céticos e
bem informados que não são simples amplificadores de ideias e de dados
alheios, e que muitas vezes trabalham nas grandes grifes midiáticas. Mas
o jornalismo de qualidade é ,no mundo todo, uma atividade em crise de
adaptação a um novo modelo de produção de informações.


Para Robert Lee Hotz, profissional de referência no jornalismo científico pelo seu trabalho no The Wall Street Journal,
está cada dia mais difícil estar bem informado. “Há mais aceso a
notícias de ciência, e menos jornalismo bom”, resume. “A tecnologia não
mudou a ciência que reportamos, mas alterou a maneira como a empacotamos
e a possibilidade de viver de jornalismo científico. O que a sua vez
diminui a qualidade.” (Mais detalhes da entrevista aqui)


Um bom curador seria como um vigia no qual depositamos a nossa
confiança. Como qualquer editor trabalha no escuro, tem que aprender a
conviver com uma voz interior que o lembre que aquelas notícias pontuais
que ele escolheu hoje, de entre muitas outras, amanhã podem acabar não
sendo verdadeiras. Na área de medicina isso e ainda mais marcante,
porque ao escolher levar uma informação ao seu público, o que predomina é
a novidade. Se o curador não quer se arriscar, terá que recomendar
apenas aqueles fatos cientificamente aceitos, evitar a tentação do
“furo”jornalístico ou logo acabará perdendo a confiança do seu público. O
trabalho rigoroso de seleção de informação científica se desenvolve, em
maior ou menor grau, no difícil terreno de comunicar incertezas.


E bom esclarecer que curar conteúdo não é, em termos simples,
aproveitar-se do trabalho dos outros. Há bastante literatura sobre o
compartilhamento ético. Para a pesquisadora Livia Vieyra
“direcionar o leitor para a íntegra da entrevista, por meio de link no
final da matéria é a forma mais correta de curadoria digital, pois o
conteúdo é reescrito ao mesmo tempo em que instiga o leitor a conferir o
restante da entrevista no veículo original.


O que é um bom conteúdo?


Dependendo dos objetivos do projeto de curadoria, ele pode informar,
ensinar, inspirar, divertir, vigiar, emocionar ou uma mistura de todos
eles. Ter toda a informação do mundo disponível jna distância de um
toque traz o risco de algumas armadilhas. Por exemplo, a tentação de
mostrar sempre que puder os dois lados da moeda. Se há uma matéria a
favor da terapia de reposição hormonal após a menopausa, e’ fácil achar
uma outra que defenda a posição contrária, por citar um exemplo.
Oferecer as distintas visões sobre um mesmo assunto, em tese , aumenta a
credibilidade do veiculo de informação. Infelizmente, em saúde, esse
falso equilíbrio é, às vezes, um presente de grego.


Está comprovado que dar espaço a opiniões contrapostas pode deixar as
pessoas mais confusas. Há também pesquisas que mostram que mesmo
deixando claro o peso das evidências, quando se oferecem pontos de vista
diferentes, estes são vistos como alternativas equivalentes. Pode
sugerir que há uma controvérsia quando não é assim, o que há é apenas
“achismo” ou boato de um lado, e ciência do outro. Na época que no Reino
Unido se perguntavam se as crianças podiam desenvolver autismo depois
de tomar uma vacina, mesmo com a maioria dos jornais dando informações
corretas, o fato de seguir a regra de ouvir os dois lados acabou dando
destaque a informações erradas o que gerou uma redução no índice de
vacinação e um aumento no caso das doenças a serem evitadas. A
responsabilidade que se assume ao querer mostrar “os dois lados” não
deve ser negligenciada.


Curadoria é, portanto, um trabalho que exige conhecimento, trabalho e
sobre tudo tempo, que se traduz em dinheiro. Mas há uma grande vantagem
que o curador tem frente ao editor clássico: a sua não é uma porta de
sentido único. `A diferença dos sistemas tradicionais de comunicação,
ele dispõe hoje de uma rede protetora, pois é retroalimentado por uma
comunidade de receptores que corrigem e sugerem. Isso gera uma curadoria
final por decantação: a rede permite a evolução permanente da
informação.


Modelos


Há muitos modelos curadoria de notícias médicas, como se destaca nos exemplos a seguir:


A página Your Health News Review (Sua
revisão de notícias de saúde, em trad. livre) que todo dia avalia as
notícias divulgadas nas principais mídias de EUA pode ser uma bom norte
para os curadores. O aceso do 24 de novembro de 2015, por exemplo, tinha
na tela de entrada o link a nove matérias. A avaliação dos curadores e
expressada de forma simples e de leitura rápida: de 1 a 5 estrelas. O
usuário pode ler as notícias, se orientando pela recomendação e conhecer
nos comentários sobre os quais a nota está baseada.


Destaco algumas recomendações: Fototerapia para a depressão (The Washington Post, 4*), duas matérias sobre os efeitos do café na saúde (CNN: 3*, STAT
5*) e uma sobre Mais uma vantagem do aleitamento materno (5*).
Apresentado como reportagem exemplar, e ponderado com cinco estrelas, um
texto do The Philadelphia Inquirer trata de uma pesquisa feita
sobre um grupo de médicos e pacientes que ganham dinheiro se o paciente
toma todo dia seu comprimido contra o colesterol. O usuário também pode
ler, seguindo o mesmo esquema de recomendação fundamentada, comunicados
de imprensa de universidades, publicações cientificas e companhias.


O projeto é extraordinário em mais de um sentido. O aceso é de graça
mas, nos bastidores do site, há uma equipe de mais de 45 pessoas
comprovadamente independentes da indústria. Os revisores conformam um
equipe multidisciplinar da qual fazem parte jornalistas, médicos,
pesquisadores e pacientes que representam ,segundo eles ,“centenas de
anos de experiência” em avaliação de evidências. Uma redação de luxo que
desde 2006 avaliou mais de 2100 matérias, sendo que cada uma passa por
três revisores.


Como é feita a seleção? As palavras que acendem a luz vermelha são
“milagre”, “cura”, “isto poderia levar a” e similares. Mas os critérios
de análise para medicamentos o terapias novas estão bem definidos: vão
desde o custo/benefício até a comparação com tratamentos alternativos.
(ver lista completa aqui
). Cada quesito pode ter três resultados, (satisfatórios, não
satisfatório ou não aplicável) e depois o valor final é visualizado em
gráficos. São muito exigentes. Em 2014, avaliaram 2015 produtos
jornalísticos, muitos deles de veículos que a grande maioria dos brasileiros tem como referência de qualidade (The New York Times, Reuters Health, a revista Time) e apenas o 15% teve nota máxima.


Não aceitam publicidade, nem apoio da indústria medica. O editor
chefe Gary Schwitzer, também diretor do Centro de Comunicação e saúde da
Escola de Saúde pública da Universidade de Minnesota, respondeu por
e-mail às minhas perguntas. Disse que se financiam com uma doação de 1,3
milhões de dólares (anos 2015-2016) de uma fundação privada. “Estimamos
acabar o ano com 375.000 visitantes únicos. Em anos anteriores nunca
tínhamos tido mais de 250.000.” Pedimos que Schwitzer avaliasse as
notícias médicas publicadas nos EUA na última década: “nós identificamos
muitos conteúdos que classificamos como picos de excelência, mas cada
vez mais nos deparamos com o pior jornalismo que já foi feito. O cenário
é de montanhas com vales, mais estes são cada vez mais largos e
profundos.”


O projeto alemão de curadoria de matérias de saúde Medien-doktor.de foi lançado em maio de 2013, inspirado no baseado no Your Health News Review
e em outros similares de Austrália e Hong Kong. Mas acrescentou uma
diferença importante: a avaliação diária é feita por jornalistas
especializados em ciência e saúde. Em consequência, incorporaram aos
critérios médicos outros quatro princípios puramente jornalísticos:
atualidade, relevância, qualidade na apresentação e precisão
jornalística.  A proposta é destacar bons exemplos para mostrar como se
faz bom jornalismo. “Os usuários se perguntam que matérias podem
acreditar e em quais não. Nós pretendemos encontrar respostas a estas
perguntas.”


Também na frequência diária, o britânico Behind the lines. Your guide to the Science that makes the News
(Detrás das linhas. Seu guia para as noticias científicas, em trad.
Livre) reporta uma única matéria divulgada pela mídia do Reino Unido (no
Daily mail, The Guardian, BBC, The Independent, etc.) com a crítica correspondente. Eu fiz um aceso no dia que examinaram uma matéria do BBC News
sobre se seria recomendável para a saúde que o celular tivesse um modo
“dormir”. Os curadores analisam as limitações da pesquisa original, e
conferem se as conclusões batem com o publicado na matéria. Oferecem
muito conteúdo extra: o link para o relatório científico original, as
ferramentas para entendê-lo, matérias dos outros veículos sobre o mesmo
assunto, mais informação sobre o tema de saúde em foco (nesse caso um
vídeo com uma reportagem sobre insônia e um teste para conhecer a
qualidade do próprio sono). O trabalho é financiado pelo Sistema
Nacional de Saúde (NHS), um órgão do governo britânico.


Recomendações básicas


Entre os trabalhos referenciais comentados, e o caos de navegar sem
bússola, há algumas possibilidades intermediárias para oferecer ao
público um meio de atravessar o mar de conteúdos digitais sobre saúde
sem se afogar.


O trabalho colaborativo e voluntario de indivíduos em rede que saibam
pesquisar, conheçam o assunto tratado ou ao menos tenham o suficiente
domínio da estatística e do método científico para opinar ou fazer
sugestões é a estratégia seguida pelo chileno Observatorio de Prensa Cientifica.
Qualquer jornalista, estudante ou cientista pode propor uma matéria com
o link ao trabalho a divulgar. Mas o jornalista deve prover a resposta a
cinco perguntas pré determinadas e o cientista a duas.


As primeiras servem para julgar a fonte, a linguagem e o benefício
para a sociedade, e o cientista tem que responder pelo conteúdo. Nascido
de ambiente acadêmico (Centro de Comunicación de la Ciencia de la
Universidad Andres Bello) o usuário vai consumir a notícia matéria
seguro de que ela conta com o aval de um cientista da área. Mas o
Observatório também quer intensificar a interação entre jornalistas e
cientistas. Trata-se de uma preocupação oposta a do projeto Stat News, uma publicação irmã do The Boston Globe, cujo objetivo é monitorar o que os cientistas dizem à imprensa. Acaba de nascer com uma seção nova The watchodogs. Onde a equipe do Stat News promete investigar o que chama de lado escuro das pesquisas científicas.


Outro exemplo interessante é Vox.com. Aproveitam o material
que está disponível grátis na internet mas acrescentam valor. O
resultado pode se conferir na seção de Ciência e Saúde. Fiz um aceso no
dia que publicaram a matéria “As Dietas mais pesquisadas no Google” (trad. Livre). Observaram o amplo material do Google
sobre os métodos de emagrecimento mais procurados e, provavelmente,
seguidos da década 2005- 2015 com um olhar inteligente. E o acompanharam
de um texto explicativo titulado (em trad. livre) “8 fatos para prevenir uma loucura


Mais simples. Há ainda uma opção mais simples, que é recomendar
leitura, audição ou visualização sem acrescentar nada ao já difícil
trabalho de fazer escolhas. Veículos digitais como o Stat fazem sugestões diárias para o seu público. Quando acessei, as recomendações eram três: uma matéria do Boston Globe (sobre o debate da segurança dos jalecos brancos nos profissionais de saúde), uma da revista britânica Nature (história sobre os animais geneticamente modificados na China) e uma programa de rádio Science Friday (sobre remédios).


No mundo real, os níveis de liberdade do curador para todos nesse quesito é bastante variável. O site M de mulher
da Editora Abril por exemplo, oferece aceso a informação de saúde que
provem fundamentalmente do conteúdo de outros veículos da mesma empresa:
Saúde e vital, Boa forma, Elle, Bebê’.


Curadoria automática


Consumir apenas o que foi selecionado de acordo com o interesse
pessoal é uma tentação para quem não tem tempo e sofre de ansiedade
informativa.  As grandes empresas digitais e os editores acreditam e
apostam neste tipo de comportamento, como faz o Facebook, com o seu aplicativo Instant Articles.


A curadoria automática, baseada em algoritmos, é diferente da
agregação automática de conteúdos por palavra-chave, pois é uma
plataforma que inclui conteúdos de publicações (da imprensa. blogs,
portais, etc) e não simplesmente justapõe trechos. Há muitos sistemas de
curadoria automatizada e quase todas elas tem suas limitações.  :


Fiz um teste cm o Feedly.com (apenas em inglês) e fui convidada a
selecionar as fontes de informação que pretendia seguir. Depois de
descartar as fontes que considerei pouco confiáveis, como a de um blog
pessoal de um homem que se definia como “pai e vegetariano”, acabei me
limitando as que já recebo diariamente em minhas redes sociais (BBC
Health, CNN Health e outras) . O dia que fiz o teste no Yahoo Saúde,
tive uma experiência ainda mais limitada: as três matérias destacadas e
as 15 não destacadas, vinham todas de uma mesma agência de notícias, a
francesa AFP.  Mesmo sendo um texto em português , não havia nenhum
conteúdo referente ao Brasil. Das 18 recomendações mostradas na tela,
apenas uma era da América Latina (denúncia de perseguições aos defensores do aborto)


Faz alguns anos, o site chileno Mata-sanos que produz conteúdo de medicina próprio, fez um teste para oferecer aos seus leitores a plataforma Scoop.it
. O assunto escolhido para a prova foi “Como as tecnologias da
informação mudaram a relação médico paciente”. Meses depois o
abandonaram porque, segundo os responsáveis pelo site chileno, “o
conteúdo era majoritariamente em inglês, e isso ficava fora de nosso
foco”. Fiz também meu teste com o algoritmo curador de Scoop.it ,
coloquei como focos de interesse saúde, medicina e qualidade de vida, e
não tive problemas com a língua, tinha material em portugués. No
instante vi na tela muitos links escolhidos, na teoria, para satisfazer o
meu interesse. Destaco duas: “Ciência é motor da produtividade agrícola
e da melhoria da qualidade de vida”, do site do Centro de Informações
em Biotecnologia, e “5 práticas sexuais consideradas sujas que fazem bem
a saúde” do Youtube.


Para efeito de comparação, me cadastrei como interessada em matérias de saúde em português também na revista Clipboard
uma das que oferece o serviço de publicações pessoais. Recebi na minha
tela muitas matérias, de poucas fontes e com conteúdo diversificado. O
universo informativo abarca desde atualidade sobre a microcefalia até
uma técnica para mudar a cor dos olhos, esta última de um site que não
passaria nenhuma das rígidas avaliações citadas no começo deste artigo.


Na minha experiência pessoal, portanto, os algoritmos curadores de
conteúdo são por enquanto dessas ideias que só funcionam bem na teoria.
Mesmo se fosse impecável, se tivesse algum tipo de filtro de qualidade
eficaz e eficiente, há uma razão importante pela qual não é boa ideia
abrir mão dos curadores humanos. O algoritmo reduz uma pessoa ao que
acha são as suas preferências e, em termos práticos, isso significa que a
sua visão do mundo vai se estreitando cada vez mais.


O curador profissional


Provavelmente, o que se verá os próximos anos será combinações mais
ou menos sucedidas de curadorias compartilhadas entre algoritmos e’
intervenções profissionais multidisciplinares. Modelos que aproveitem a
rapidez, memória infinita e visão estendida das máquinas, sem deixar de
lado o olhar humano.


Qualquer cidadã conectado já e curador de informação. De todas as
notícias de remédios ou tratamento novos, de toda as evidencias que se
difundem diariamente de que algo produz ou cura o câncer, de todas as
recomendações para emagrecer com saúde, só alguns deles são escolhidos
pelas pessoas para serem amplificados. A diferença no critério dos
curadores dará as chances das novidades serem verdadeiras, as
perspectivas realmente originais e a opinião de qualidade.


Atrair público a um produto que consiga um balanço economicamente
sustentável da excelência e o desafio. Outros processos nos quais um
curador profissional poderá mostrar a diferença com o leigo continuam,
depois da seleção, na editorialização, na hierarquização do conteúdo, na
representação de forma acessível seja por meio da narrativa, de
infográficos ou ambos. Em poucas palavras, na criação de um produto novo
que vai ser compartilhado. Finalmente, o curador é chamado a intervir
no que constitui o foco de monetização do jornalismo digital, o
engajamento.


“Curar não é gerar conteúdo novo, é muito mais do que colar
informação“, resume Anita Howart, da Universidade Brunel de Londres em “Exploring a curatorial turn in journalism
. “Envolve representar de maneiras imaginativas, reformulando o
conteúdo existente em novas configurações. Neste sentido, a curadoria
representa uma forma de criatividade crescentemente comum na era das
mídias sociais, a de misturar e reimaginar o material existente para
criar algo novo.” Para Anita, o que diferencia o curador de outros
profissionais das redações é o volume, a natureza e a verificação do
material com o que trabalha.


O mundo comunicacional se divide entre os pessimistas, que encaram a
curadoria de conteúdos como um sintoma da agonia do jornalismo, e os
otimistas que a enxergam como uma nova maneira de exercer a profissão,
fazendo circular conhecimento com práticas novas. Os otimistas acreditam
que é uma maneira de dar um novo impulso a imprensa por meio da
recirculação de conteúdos gerando novas audiências. Qualificam a
curadoria como uma forma de evitar a perda de diversidade na mídia
tradicional. Celebram uma maneira de deixar de consumir mais do mesmo,
com garantia de qualidade.


A curadoria de conteúdo é o futuro? Há quem pensa que depois da explosão dos websites e o boom
das redes que geraram um dilúvio de dados, vem a terceira onda, a dos
filtros. Gary Schwitzer, jornalista com 40 anos de experiência em saúde,
e que nove anos atrás criou o Your Health News Rewiew faz a
seguinte analogia: “Os consumidores de notícias de saúde tem sede de um
pequeno gole de informação completa, equilibrada, e precisa para
enfrentar a variedade de decisões relativas a saúde que devem enfrentar.
Mas com o fluxo de informação a alta pressão que recebem, é como tentar
beber da mangueira dos bombeiros. Os consumidores estão se afogando, e
nós tentamos atirar um salva-vidas para eles”.


***


Roxana Tabakman  é bióloga,  jornalista e autora do livro “A saúde na
mídia (Medicina para jornalistas, jornalismo para médicos)”. Ed.
Summus.


domingo, 20 de dezembro de 2015

Pré-Sal: quem desdenha quer vender. Baratinho, quase doado...

Pré-Sal: quem desdenha quer vender. Baratinho, quase doado... - TIJOLAÇO | “A política, sem polêmica, é a arma das elites.”



Pré-Sal: quem desdenha quer vender. Baratinho, quase doado…

monteiro


Ontem à tarde, postei aqui
algumas reflexões sobre a crise provocada pelos preços do petróleo e a
advertência de que havia gente “se aproveitando disso para ver se
convence os trouxas de que o petróleo não é mais o “ouro negro” e
consegue que o entreguemos de mão-beijada”.


Não deu tempo nem de esfriar: O Globo sai hoje com um editorial dizendo que “o pré-sal pode ser um patrimônio inútil”.


Com o petróleo barato e os altos custos da extração no pré-sal (uma
mentira, que tenta confundir o volume de investimento – alto – com o
custo de produção, baixo, pela quantidade de petróleo que gera, com
médias perto de 30 mil barris diários) para concluir que “foi erro
crasso do lulopetismo, movido a ideologia, suspender por cinco anos os
leilões, a fim de instituir o modelo de partilha no pré-sal, com alta
intervenção do Estado”.


Perdemos, porque deixamos de atrair, bilhões de dólares, dizem.


Das duas, uma: ou O Globo nos crê burros por não entregarmos
por uns poucos bilhões aquilo que vale trilhões ou crê que as
multinacionais do petróleo são mais asininas ainda, porque pagariam
bilhões por um “patrimônio inútil”.


Não há nada de novo entre os vendilhões do Brasil.


Há dois anos postei e posto de novo o que imaginava Monteiro Lobato,
nos anos 40, quando teimavam em dizer que o Brasil não tina petróleo e
ele se dedicava, à falta de muitos adultos que o acreditassem, explicar
para as crianças o que seria do Brasil quando estes facínoras forem,
afinal, desmascarados.


Em seu “O Poço do Visconde” deu o nome de “caxambueiros ” aos que
descriam de nossa capacidade de explorar petróleo. E conta que o povo
pegou estes marotos e “os fez passear pela cidade com caraças de burro
na cabeça — e no fim da passeata os jogou na lama dos mangues para serem
comidos pelos sururus”.


Que me perdoem os “politicamente corretos”, mas ainda é pouco para quem vende a sua pátria.

A contribuição milionária da imprensa para ampliar a crise econômica

A contribuição milionária da imprensa para ampliar a crise econômica. Por Paulo Nogueira



A contribuição milionária da imprensa para ampliar a crise econômica.

Só notícias ruins
Só notícias ruins
Existe uma expressão em inglês chamada self fulfilling prophecy. Numa tradução livre, profecia auto-realizável. O termo foi cunhado em 1949 pelo cientista social americano Robert Merton.


É mais ou menos o seguinte.



Você tanto fala numa coisa com bases falsas que ela acaba se tornando
realidade. Um exemplo comumente citado é o de alguém que, ao acordar,
já fala que vai ter um mau dia. Se ele colocar isso na cabeça, acabará
por criar as condições para que seu dia seja, efetivamente, ruim.


O Brasil vive um momento de profecia auto-realizável. Tanto a mídia,
por motivações políticas, gritou que o Brasil vivia um inferno econômico
que as coisas, efetivamente, se complicaram.


Não há economia que resista a maciços ataques de catastrofismo.


Seria um ano difícil, sem dúvida. O Brasil vinha de dez anos de
crescimento ininterrupto, e não há vento que sempre bata para um só lado
na economia.


Adicionalmente, a crise global começou a cobrar – enfim – seu preço
do Brasil. Mundo afora, o dólar estourou, para ficar num caso.


Mas a imprensa se apressou em atribuir o drama do dólar apenas ao
Brasil. Não era o universo em convulsão. Era o Brasil. Quer dizer, era o
governo Dilma.


Demorou semanas para que alguém, na mídia, mostrasse a floresta, e não a árvore: o dólar crescera diante de todas as moedas, do euro ao yuan chinês.


Agora, imagine. Você é empresário, e está submetido a uma corrente interminável de previsões apocalípticas.


O que você faz?


Vai para a defesa, naturalmente. Isso significa demitir, cortar investimentos e coisas do gênero.


Pronto. A profecia se auto-realizou.


Os rugidos negativistas da mídia encontraram o parceiro ideal numa
oposição obcecada em derrubar Dilma, e cassar assim 54 milhões de votos,
a qualquer preço.


Projetos fúnebres para o país – as apropriadamente chamadas pautas
bombas – foram aprovados com a execução de Eduardo Cunha e a
contribuição milionária do PSDB de Aécio.


A crise política nascida abjetamente do desejo sujo de dar um golpe
na democracia acabou piorando, também, a crise econômica. Mais uma vez,
era a profecia auto-realizável em ação.


Ainda haveria um outro fator para dar dimensões muito maiores a um
problema que poderia ser relativamente pequeno: a Lava Jato, com seu
espalhafato.


Segundo a BBC, a Lava Jato pode ter tido um impacto negativo no PIB
de 2,5 pontos. Uma recessão de coisa de 1% negativo pode chegar a menos
3,5%. Grandes corporações ficaram imobilizadas com a Lava Jato.


Alguém terá feito a conta do custo benefício da Lava Jato? Moro pegou uma calculadora? Duvido.


Haveria uma forma de enfrentar a corrupção no mundo do petróleo sem o custo devastador que se apresentou? Muito provavelmente.


E o ciclo pode continuar. O economista Gustavo Loyola, presidente do
Banco Central na era FHC, está no noticiário dizendo que a crise
econômica vai até 2018.


É bom que se desconfie dessa previsão, muito mais fundada na política do que nos fundamentos econômicos.


Até porque, se ela se propagar, poderemos perfeitamente estar, neste
final de 2015, começando a fabricar uma crise que cederá apenas em 2018.


A isto o professor americano Merton deu, em meados do século passado, o nome de profecia auto-realizável.