sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Viviane Mosé: “Não basta gritar, é preciso propor”

Viviane Mosé: “Não basta gritar, é preciso propor” | Congresso em Foco



Viviane Mosé: “Não basta gritar, é preciso propor”

Atraso do Congresso reflete a atual
incapacidade do brasileiro de elaborar alternativas, diz filósofa. Para
ela, Brasil vive crise moral e ética no setor público e privado














As
manifestações que tomaram conta do país a partir de 2013 revelam que o
brasileiro sabe gritar, mas ainda não consegue propor. O resultado dessa
incapacidade está na eleição de um Congresso Nacional “atrasado”, um
dos mais polêmicos das últimas décadas. O diagnóstico é feito pela
psicóloga, psicanalista e poeta Viviane Mosé, mestra e doutora em
Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Para ela, o atual
momento do país tem forte componente ético: “Temos crise moral e ética,
que envolve o setor público e o privado”.
Sócia da consultoria Usina de Pensamento e comentarista da CBN,
Viviane vê a crise no Brasil como parte de uma crise maior, global,
envolvendo as questões ambiental e econômica.  Para ela, o governo Dilma
tem responsabilidade direta pelo mau momento enfrentado pelo Brasil,
mas está longe de ser o único culpado. As dificuldades da conjuntura, no
seu entender, são frequentemente exageradas.


O mais complexo, na sua visão, é enfrentar a crise estrutural, que
ela relaciona tanto à falta de mecanismos de controle da corrupção
quanto à incapacidade da sociedade de articular os seus interesses.
“Conseguimos gritar, mas não conseguimos propor”, observa.


Na avaliação de Viviane, não adianta mudar os atores e manter o
sistema. “Senão quem hoje clama contra a corrupção será o corrupto de
amanhã”, afirma. A saída, indica Viviane, está na escola: “Temos de
formar cidadãos na educação brasileira”.


A nova edição da Revista Congresso em Foco destaca
a visão de sete pessoas dos mais diversos perfis sobre a atual crise
política e econômica e os caminhos apontados por elas para tirar o país
da atual encruzilhada. Interpretações diferentes à parte, todos
concordam em um ponto: nunca o Brasil viveu uma crise como a atual.


Assine a
revista para saber o que pensam sobre o crise brasileira atual momento
Renato Janine Ribeiro, Denis Rosenfield, Chico Whitaker e Mansueto
Almeida
, entre outros.


Com a palavra, Viviane Mosé:


“Vivemos uma crise das instituições, a corrupção no país é
vergonhosa. Temos crise moral e ética, que envolve o setor público e o
privado. A Lava Jato está mostrando que no Brasil ambos os setores são
muito corruptos. Sabemos que isso é muito antigo e temos de lutar contra
essa situação com todas as armas. Nossa crise é ética, uma crise que
envolve um Estado corrupto.


E não é só o Brasil que está em crise, o mundo também. Há uma crise
ambiental gravíssima, uma crise econômica sem precedentes. Temos 30% de
desemprego em vários países da Europa. Aqui, com 9% de desemprego,
parece que o mundo está desabando. Então, há um exagero na ‘venda’ dessa
crise. Muita gente ganha com isso. Por exemplo: você pode ser contra a
política do governo porque ele é corrupto, e isso é um fato, existe
corrupção séria no governo. Mas alguém pode ser contra o governo só
porque ele investe no social?


É preciso construir sistemas de controle que impeçam que as pessoas
roubem, com o uso da tecnologia e a favor da transparência. O banco
consegue controlar o sistema para que o gerente não roube e uma
multinacional evita que seu diretor financeiro não dê golpes. Então, por
que o Estado brasileiro é tão aberto à corrupção? Porque nasceu para
ser corrupto. Isso vem desde a família real, que distribuía títulos de
nobreza para qualquer um. Isso não é atual. Por que o Brasil não faz uma
reforma administrativa? Não adianta mudar os atores e manter o sistema,
senão quem hoje clama contra a corrupção será o corrupto de amanhã.


Temos de pensar no coletivo e ter consciência de que a gente vive bem
quando está envolvido nesse tipo de processo, o que nos traz a sensação
de pertencimento. Também é importante que não se leia a crise apenas
pelos jornais, porque há muitos interesses envolvidos nisso. E a crise
econômica tem, sim, raízes em políticas errôneas do governo. Mas também
existe a crise dos emergentes, que cresceram muito e estão caindo. O
maior exemplo é a China, o mais bem-sucedido dentre os emergentes, que
também vive uma crise econômica complicada e ainda ajuda a agravar a
nossa.


É preciso tempo. Os problemas que vivemos são históricos. Na
educação, por exemplo, hoje temos uma rede escolar estruturada, mas não
há qualidade no processo educativo. Precisamos de pessoas que arrastem
essa educação para o contemporâneo, que proponham uma educação voltada
para a vida, para a ética, depende de uma mudança pedagógica. Temos de
formar cidadãos na educação brasileira. Não é só investir
financeiramente. As coisas vão mudar quando nós formarmos a escola não
para o mercado, mas para a vida, a ética e a cidadania. Há grupos
organizados na internet, espaços onde os jovens podem exercitar a
cidadania e a participação. Não foi o governo quem criou a crise, ele
contribui para o problema, ao permitir esse desmando político.


As reformas serão feitas pelo Legislativo, mas hoje temos um
Congresso retrógrado. Há um velho hábito de se culpar só o governo,
porque simboliza o pai, mas e o Judiciário? E a corrupção de juízes, por
exemplo? Na verdade, nós não conhecemos o nosso país, nossa organização
política. Não conseguimos agir como cidadãos e mal conhecemos as leis. O
jovem precisa entender que temos três poderes. Nunca deve pedir a um
deputado para quebrar um galho, porque ele existe é para fazer leis.
Precisamos de uma mudança estrutural.


As manifestações que aconteceram no Brasil a partir de 2013 mostram a
nossa impotência política. Conseguimos gritar, mas não conseguimos
propor. O resultado foi um Congresso atrasado. E na sociedade houve até
manifestações a favor do retorno da ditadura militar. Um retrocesso
político. Acabou na radicalização de grupos de esquerda encontrados com
bombas em casa. Não basta gritar, é preciso elaborar.”

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