O álbum de fotografias do golpe
Quem ainda tinha dúvidas a respeito do Brasil estar diante de um golpe
travestido de impeachment viu, nesta última semana, uma série de
acontecimentos reveladores. Eles demonstram claramente como, no vazio do
fim da Nova República, seus antigos atores procuram alguma sobrevida,
nem que seja tomando o Palácio do Planalto de assalto.
Depois de anos operando nas sombras, o vice-presidente conspirador
resolveu transformar seu partido-ônibus, ou seja, esse mesmo partido em
que apertando sempre cabia mais um, em uma máquina monofônica organizada
para garantir que ele será, enfim, alçado à Presidência da República
nos próximos meses. Como o sr. Temer sabe que esta é a única e última
oportunidade da sua vida para sair das sombras em que o destino lhe
colocou, ele resolveu deixar às claras sua aliança com o sr. Cunha.
Vimos então, nesta semana, movimentos inacreditáveis para um partido
acostumado à inércia: seu líder da Câmara "moderado" foi deposto, suas
portas foram fechadas para o ingresso de políticos mais alinhados ao
governo que ele quer derrubar. O próximo passo será, ao que tudo indica,
selar a ruptura em janeiro.
Então, como que por acaso, logo depois de descobrirmos que o sr.
Delcídio do Amaral operou fartamente esquemas de corrupção quando
participava da Petrobras no governo FHC, o PSDB, liderado pelo próprio
ex-presidente em seu momento Carlos Lacerda, declarou estar unido para o
golpe. Não, desculpe-me, na verdade não se trata de um golpe, mas de um
impeachment motivado principalmente pela indignação contra a corrupção
que assola este país na última década. De fato, ninguém melhor para
liderar tal indignação do que o partido de Geraldo Alstom Alckmin, de
Marconi Carlos Cachoeira Perillo, partido já comandado por pessoas do
quilate de Eduardo Azeredo, recém condenado a 20 anos de prisão por
idealizar o mensalão. Mensalão que, segundo o próprio Azeredo em
entrevista para esta Folha em 2007, abasteceu as contas de campanha...
De quem? Sim, dele mesmo, do líder da indignação moral nacional: o sr.
Fernando Henrique Cardoso.
Mas, como se diz nos dias que correm, o impeachment é um instrumento que
precisa do povo na rua. E lá se foi o povo manifestar no domingo para
dar a consagração final à moralização nacional. Lá estava também o
trânsfuga do último "Toy Story", o Superpato da Fiesp e de seu
presidente vitalício, que não deixou de anunciar a esperada adesão dos
empresários paulistas, ou do que restou deles, ao golpe. Só que, vejam
só vocês, a manifestação pró-golpe foi menor do que a manifestação
daqueles que a ele se opõem, realizada na última quarta-feira (16). Ou
seja, o argumento do "clamor das ruas" não vai muito longe, será
necessário inventar outro. Nada estranho, já que julgar o governo Dilma
uma das maiores catástrofes da história recente do país não implica,
necessariamente, achar que tudo se ajeitará se tirarmos a personagem da
linha de frente para conservar e aclamar os velhos operadores de sempre.
Para terminar, no mesmo dia em que o STF decidiu conservar o sr. Cunha à
frente do processo de impeachment, a Procuradoria Geral da República
pediu seu afastamento do cargo de deputado por tentar, como nos bons
tempos de gângsteres, intimidar e constranger testemunhas no caso
Petrobras.
É certo que este álbum de fotografias inacreditável de um golpe primário
mostra muito mais do que a inanidade da oposição e a inépcia do
governo. Ele mostra que as saídas para a crise não estão dadas nos
marcos postos pela crise atual. Se o governo conseguir sobreviver a este
golpe, será difícil imaginar o que restará depois. Este é um governo
sem rumo, governo de uma "conciliação" que nunca houve, vítima de suas
próprias escolhas. Ele continuará sem rumo e sitiado. Se, por sua vez, a
oposição der o golpe, este será só o começo de uma das mais profundas
crises institucionais e sociais que o país conhecerá. No poder, estará a
mais crassa casta oligárquica à frente de um governo ilegítimo, com
poderes policiais e repressivos reforçados.
O que se coloca a nós é a tarefa enorme de pensar saídas a partir do
reconhecimento da verdadeira extensão dos problemas e do esgotamento das
práticas de governo da nossa república.
Como costumamos dizer em psicanálise, a primeira condição para sair do problema é reconhecer seu verdadeiro tamanho.
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