A turma da Lava Jato criou uma fundação
Os doutores da força-tarefa superestimaram sua força e extrapolaram suas tarefas
Elio Gaspari
Em setembro passado, a Petrobras e o governo americano assinaram um acordo pelo qual a empresa encerrou seus litígios com os órgãos reguladores daquele país. Era um espeto de US$ 2,95 bilhões. Nessa negociação acertou-se que o equivalente a R$ 2,5 bilhões seriam pagos às “autoridades brasileiras”.
Em dois momentos o acordo se refere às “Brazilian authorities” como destinatárias do dinheiro.
Em janeiro deste ano, o doutor Deltan Dallagnol e outros 11 procuradores da força-tarefa da Lava Jato de Curitiba assinaram um acordo com a Petrobras pelo qual o dinheiro que deveria ir para as “autoridades brasileiras” foi para uma conta aberta numa agência da Caixa Econômica de Curitiba em nome do Ministério Público Federal.
Seria razoável supor que os R$ 2,5 bilhões fossem para a conta do Tesouro Nacional, nome de fantasia da Bolsa da Viúva, mas, afinal de contas, eles, como os diretores de hospitais, também são autoridades.
Os doutores da força-tarefa superestimaram sua força e extrapolaram suas tarefas. Superestimaram seus poderes colocando sob sua jurisdição um dinheiro que deveria ir para o Tesouro. Exorbitaram suas tarefas quando estabeleceram que metade dos R$ 2,5 bilhões seja transformado num fundo para financiar uma fundação de direito privado.
Ela ainda não existe, mas, segundo os procuradores, seus recursos “serão destinados ao investimento social em projetos, iniciativas e desenvolvimento institucional de entidades idôneas que reforcem a luta da sociedade brasileira contra a corrupção, inclusive para a proteção e promoção de direitos fundamentais afetados pela corrupção, como os direitos à saúde, à educação e ao meio ambiente, dentre outros”. Tudo, enfim.
O ervanário, correspondente ao orçamento da Universidade de Campinas, foi burocraticamente apropriado para sustentar uma fundação de natureza privada. Se essa tivesse sido a combinação da Petrobras com o governo americano, seria o jogo jogado. Em nenhum momento os procuradores de Curitiba ou mesmo a Procuradoria-Geral da República são mencionados no acordo americano.
No item 7 do acordo firmado pelo Ministério Público com a Petrobras, os doutores dizem que “as autoridades norte-americanas consentiram” em que os recursos “sejam satisfeitos com base no que for pago (...) conforme acordado com o Ministério Público Federal”.
Seja qual for o significado desse “satisfeitos”, esse consentimento não consta do acordo. Vá lá que tenham combinado noutra sala. Pode sobrar para o lado americano da combinação.
No item seguinte está escrito que “conforme previsto no acordo com a Security Exchange Commission (a CVM americana) e o Departamento de Justiça, na ausência de acordo com o Ministério Público Federal, 100% do valor acordado com as autoridades americanas será revertido integralmente para o Tesouro norte-americano”.
Isso não consta do texto mencionado. Lá está escrito que o dinheiro voltará para o Tesouro americano se a Petrobras não o entregar às autoridades brasileiras. Nada a ver com “acordo com o Ministério Público Federal”.
A turma da Lava Jato acha que pode tudo. Pode até nomear um procurador aposentado para presidir essa fundação milionária. Talvez possa, mas fica feio.
Serviço: Todos os documentos mencionados neste texto podem ser consultados no site Migalhas.
FACHIN TRAVOU A FESTA
Talvez a turma da Lava Jato possa tudo, mas num caso semelhante ao da apropriação burocrática dos R$ 2,5 bilhões do acordo da Petrobras, o ministro Edson Fachin travou a festa.
O Ministério Público Federal queria destinar o butim amealhado pelo casal de marqueteiros João Santana e Mônica Moura ao Fundo Penitenciário Nacional. Eles deviam R$ 6 milhões em multas e repatriaram US$ 21,8 milhões de contas que mantinham no exterior, alimentadas por empreiteiras.
FACHIN FOI CLARO
“O valor deve ser destinado ao ente público lesado, ou seja, a vítima, aqui compreendida não necessariamente como aquela que sofreu diretamente o dano patrimonial, mas aquela cujo bem jurídico tutelado foi lesado. No caso, a Administração Pública.”
Fachin mandou que o dinheiro da multa também fosse para a Viúva, “cabendo a ela e não ao Poder Judiciário, inclusive por regras rigorosas de classificação orçamentária, definir, no âmbito de sua competência, como utilizará essa receita”.
HARDT NÃO LEU
A defesa de Lula está sendo boazinha com a juíza Gabriela Hardt, que o condenou a 12 anos no processo do sítio de Atibaia. Reclamam porque ela copiou e colou trechos de outra sentença de Sergio Moro.
É pior. A doutora simplesmente não leu o que assinou. Se tivesse lido, não diria que Léo Pinheiro e José Aldemário Pinheiro são duas pessoas diferentes. Léo é o apelido de Aldemário. Esse seria o erro menor.
Na última página de sua sentença, quando colou o trecho da sentença de Moro, ela menciona um “apartamento” quando julgava o caso de um sítio. “Apartamento” era o tríplex do Guarujá.
A juíza não leu o que colou.
VIVANDEIRAS
Seja qual for a leitura que se faça da frase de Bolsonaro —“democracia e liberdade só existem quando a sua respectiva Força Armada assim o quer”—, fica uma pergunta: e quando elas não a querem, o que entra no lugar?
A resposta simples é que se vai para uma ditadura, mas isso não é tudo. Vai-se também para um período de anarquia militar.
Na ditadura das louvações de Bolsonaro, a anarquia instalou-se na madrugada de 2 de abril, quando o general Costa e Silva nomeou-se ministro da Guerra. Sucederam-se sedições. Em 1965, o marechal Castello Branco foi obrigado a editar o Ato Institucional nº 2, que acabou com a eleição para presidente e governadores. Em 1968, Costa e Silva foi (com gosto) levado a baixar o AI-5. Em 1969, impedindo a posse do vice-presidente Pedro Aleixo para instalar a Junta Militar dos “Três Patetas”.
Em outubro de 1977, no último suspiro da anarquia, o ministro Sylvio Frota achou que emparedaria o presidente Ernesto Geisel. Foi demitido.
O então capitão Augusto Heleno, atual ministro do Gabinete de Segurança Institucional, deve se lembrar desses dias, pois era um jovem ajudante de ordens de Frota.
O capitão Bolsonaro deixou o Exército em 1988, com a carreira comprometida por atos de indisciplina. Como paisano, deve evitar uma carapuça lançada em 1964 pelo marechal Castello Branco quando apontou para as “vivandeiras alvoroçadas, (que) vêm aos bivaques bolir com os granadeiros e provocar extravagâncias do Poder Militar”.
PAULO FALARÁ?
A banda chique do PSDB paulista está conformada e acha que em breve seu operador Paulo Vieira de Souza começará a colaborar com a Viúva.
Paulo Preto está na cadeia e já foi condenado a penas que somam mais de um século.
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