A devastação do trabalho de hoje é a ruína do amanhã
Vinícius Torres Freire, na Folha, aborda uma situação terrível, na qual poucos reconhecem a gravidade que tem, não apenas para a situação econômica presente, mas para suas projeções no futuro – nada distante – das estruturas previdenciárias e nos direitos sociais da população. Tinha tratado disto aqui.
Num ótimo texto, Freire mostra como é no trabalho precário crescente que se apóia a magra estagnação da situação do emprego no Brasil que, “quebrando o galho” hoje vai criando uma fogueira para amanhã.
Cinzas no mundo do trabalho
Vinicius Torres Freire, na Folha
A discussão do futuro das
aposentadorias faz a gente lembrar que existem trabalhadores que
dificilmente têm condições de contribuir para o INSS, por exemplo. De
costume, a situação do trabalho é um assunto mais raro no debate público
mais geral.
No entanto, é o caso de prestar
atenção no que se passa, até porque um dos pilarzinhos da quase
estagnação econômica, as estacas dessa palafita, é o consumo, que em
parte grande depende da recuperação de emprego e salário.
Há cheiro de queimado no mundo do trabalho:
1) Emprego e salário desaceleram desde o terceiro trimestre do ano passado;
2) A precarização aumenta;
3) Setores em que houve grande
devastação do trabalho, mal se recuperam (construção civil) ou têm
sintomas de resfriado (indústria);
4) Não há decisões de políticas
públicas que tratem da grande desgraça do emprego, de um setor ainda em
recessão, o da construção civil;
5) O ritmo de criação de emprego
formal desacelera e começa a ficar relevante a quantidade de empregados
pelo regime de trabalho intermitente, o que suscita pelo menos uma
dúvida séria sobre a qualidade do trabalho oferecido com carteira
assinada.
Uma das categorias de emprego que
crescem de modo mais rápido e relevante é o “por conta própria”, 23,9
milhões das 92,5 milhões de pessoas ocupadas. Destas “por conta”, 19,2
milhões não têm CNPJ. São informais de quase tudo.
Com razão, a gente se preocupa com o
que vai ser das pessoas formalmente empregadas por trabalho
intermitente. Por ora, são cerca de 10% dos novos empregos formais. Foi
assim em 2018 (cerca 50 mil empregos intermitentes); foi assim em
janeiro de 2019.
Não sabemos mesmo se essas pessoas de
fato estão trabalhando, quanto ganham, como fica sua situação na
Previdência (há um vácuo jurídico). Mas, repita-se, foram 50 mil
contratados por essa invenção da reforma trabalhista. De um ano para cá,
apareceram mais 400 mil pessoas ocupadas na categoria “por conta
própria sem CNPJ”.
As estatísticas não são diretamente
comparáveis (o intermitente aparece nos registros do Caged, o “por
conta” nas amostras da Pnad do IBGE). Mas é possível notar a diferença
de ordem de grandeza e a relativa indiferença do público em relação aos
“por conta sem CNPJ” (para nem falar dos empregados sem carteira
assinada)
Temos, pois, um problema de
conjuntura que mal deixou de ser dramático combinado a uma bomba armada
de gente desprotegida pela Previdência.
A criação de emprego formal cresceu
ao ritmo anual de 1,2% em janeiro de 2019. Para refrescar a memória, a
construção civil chegou a perder 33% de seus empregos formais. As
indústrias extrativa e de transformação, algo na casa de 14%.
Os “por conta própria”, empregados
sem CLT e mesmo empregados sem CNPJ são ainda parcelas crescentes do
conjunto dos empregados. Não sabemos bem o que fazem os “por conta” nem
de suas preferências de trabalho _são dos mais mal pagos. Para alguns
otimistas, não se trata apenas de arranjo conjuntural, bico na crise,
mas de gente que prefere se empregar de outro modo, “novas modalidades
de trabalho que não são emprego”.
Por outro lado, sabemos é que
empresas estão ociosas, com medo de contratar, de investir. Pode ser que
algumas tenham se renovado e, estruturalmente mais enxutas, precisem de
menos trabalho, tudo mais constante.
Seja qual for a combinação de crise
de conjuntura e problemas estruturais, mesmo manter esse ritmo de
crescimento ínfimo pode ficar difícil.
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