Por Luis Costa Pinto, para o Jornalistas pela Democracia -
Há vasto rol de motivos por meio dos quais poder-se-ia celebrar a prisão de Michel Temer. O mais cristalino deles seria a sua participação como co-conspirador no golpe parlamentar de 2016.
Vice-presidente de Dilma Rousseff e presidente nacional do MDB, Temer sucumbiu ao açulamento do facínora Eduardo Cunha. Depois de concordar com o roteiro traçado para o impeachment sem crime de responsabilidade tornou-se seu fiador. Foi o maior articulador da derrubada de um governo constitucional. O auxílio animado e pragmático de Moreira Franco, Geddel Vieira Lima, Henrique Eduardo Alves, Eliseu Padilha e Aécio Neves conferiu precisão suíça (com e sem fundos) às engrenagens da máquina golpista.
Cunha já está sentenciado. Da cadeia aguarda julgamento de uma penca de crimes comuns. Henrique Eduardo Alves, idem. Mas encontra-se em prisão domiciliar. Geddel está na Papuda. Padilha e Aécio acordam todos os dias antes das 6h com a angústia dos culpados – sabem que se o interfone tocar àquelas alturas será a parafernália da PF e do MP intimando-os para o ajuste de contas que não tardará.
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Tendo-se convertido em co-autor da barbaridade que foi a deposição de uma presidente pela imputação de um crime fiscal tipificado e datado com validade exclusiva para a finalidade de fundamentar juridicamente o impeachment de 2016, só por isso Temer mereceria o desprezo e o asco da História. As pedaladas fiscais eram praticadas por todos os antecessores de Dilma e seguem sendo executadas pelos sucessores. Ele ajudou a construção da jabuticaba contábil que levaria à usurpação da cadeira presidencial.
Enquanto era vice decorativo, conforme sua própria definição em missiva referenciada no rodapé dos livros de História, Temer empregou amigos para influenciar pessoas e – diz-se – seguir fazendo caixa político e entesouramento pessoal. A Secretaria Nacional de Aviação Civil, a Secretaria Nacional de Portos, o Ministério da Agricultura, o Ministério da Saúde, a Caixa Econômica Federal, a Infraero e diretorias da Petrobras, do Banco do Brasil e do BNDES estavam sempre disponíveis para as reinações daquele modus operandi bem canhestro de fazer política.
Antes disso, numa viagem regressiva à biografia mediana de Temer como político paroquial paulista ascendido à condição de chefe partidário de uma sigla notabilizada pelo poder dos clãs regionais e não por um projeto de poder republicano, carguinhos em portos e em delegacias da Receita Federal e a máquina da Agricultura financiavam a estrutura temerista. Era temerário, com o perdão do trocadilho infame. Contudo, foi dessa forma que ele se sustentou nos governos de José Sarney e de Fernando Henrique Cardoso, além dos dois mandatos de Lula. Esforçanva-se para não ser enxergado e escondia-se por trás das eficazes movimentações financeiras do coronel Lima (também preso na última quinta-feira).
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Sempre se soube em Brasília que o passeio de Michel Temer pelo jardim maldito das ilegalidades – desde as constitucionais até o mais mundano dos trocos para fiscais sanitários e aduaneiros – um dia levá-lo-ia em cana. O erro patético e infantil de se deixar gravar no subsolo do Palácio Jaburu pelo empresário Joesley Batista fora incompatível com o cargo que exercia então – aquele usurpado de Dilma – mas congruente com a dimensão rastaquera de sua personagem política.
Ainda assim, com toda a ficha corrida que possui no tribunal do Juízo Final, a prisão de Michel Temer pelas volantes da Lava Jato foi uma ignomínia contra o Direito, contra o Estado Democrático e contra as liberdades individuais. E é por isso que os jagunços que a executaram merecem repulsa e revide – dentro das regras do jogo político.
Provecto, quase octogenário, Temer precisa conhecer os crimes que lhe são imputados e defender-se deles no rito que a Justiça estabelece. Cassou-se esse direito do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, construiu-se um direito penal exclusivo para julgar e sentenciar Lula antes que ele pudesse se submeter ao julgamento das urnas. Muitos dos que reclamam agora das barbaridades contra o emedebista calaram (ou até celebraram) a celeridade criminosa do tribunal de exceção de Curitiba e da 2ª instância de Porto Alegre esgrimida como vingança contra o petista. Aliás – como vingança, não: como exibição de recalques. Dessa vez, com Temer, reproduzem-se as violências perpetradas contra Lula.
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Temer teve mais de uma oportunidade para fugir do país e escapar do acerto de contas com a lei. Ele é cidadão libanês, assim como seu filho caçula e a mulher Marcela, que receberam a cidadania libanesa em 2018. O Líbano não tem acordo de extradição com o Brasil. Fechadas as urnas do ano passado, configurada a vitória de Jair Bolsonaro e de seu discurso de faxina étnica contra a política e os políticos, Temer recebeu diversos estímulos e incentivos para fugir antes de passar a faixa àquele que não era seu sucessor – não era ele quem deveria estar na cerimônia de transmissão da faixa. Recusou-se à fuga. Resignou-se ao devido processo legal. Imaginou-se imune às vinganças mais torpes de alas partidarizadas e infantilizadas do Ministério Público e da 1ª instância judicial. Resultado dessa fé: foi preso antes que pudesse apresentar sua defesa, sua versão dos fatos, para a imputação de crimes que macularão para sempre seu prontuário.
Temer não tem biografia. Perdeu-a em definitivo em abril de 2016, quando foi o sujeito oculto das negociações da aprovação do impeachment sem crime de responsabilidade de Dilma Rousseff. Impeachment do qual era, claro, beneficiário óbvio e ululante. Ao entregar o coração da Democracia numa bandeja aos coveiros irresponsáveis da política, assim contribuindo para a ascensão de aventureiros como Jair Bolsonaro e Sérgio Moro, que trazem consigo hordas de ativistas judiciais e extrajudiciais cuja atuação se dá à margem do Estado de Direito e dos ritos constitucionais, Michel Temer fundiu ele próprio as barras do cárcere em que foi metido. Os estratos da sociedade que foram recalcadamente hostis a Lula, a Dilma e ao PT precisam fazer uma autocrítica e depois que todos se unam pela restauração democrática. Há riscos, mas o país vale a luta.
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