quarta-feira, 13 de março de 2019

Marielle expôs as entranhas do poder das milícias



Desvendar a relação com as milícias é questão de honra para os Bolsonaro

Fernanda Mena, na Folha: Marielle expôs as entranhas do poder das milícias

publicado 13/03/2019
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Créditos: Duke
O  blog Conversa Afiada reproduz trechos de artigo de Fernanda Mena na Fel-lha:

Caso Marielle expõe as entranhas do poder


(...) A chave para a ausência de um desfecho consolidado, passados 12 meses, no entanto, é evidência da escalada de poder das milícias no país, de acordo com o sociólogo José Cláudio Souza Alves, autor do estudo “Dos Barões ao Extermínio: a História da Violência na Baixada Fluminense” (Ed. Sepe).

Souza Alves pesquisa milícias da Baixada Fluminense há 26 anos e explica que os grupos de extermínio da região estão na origem dessas organizações e que seu poderio emana de uma dupla vinculação: tanto com estruturas legais como com aquelas ilegais.

Formados em boa parte por policiais e ex-policiais, as milícias conquistaram dimensão política ao eleger representantes e obter nomeações para postos estratégicos que beneficiam seus esquemas. O relatório da CPI das milícias já apontava para sete políticos envolvidos com essas organizações criminosas. Ao menos cinco foram presos.

Para Souza Alves, é a ligação com o Estado que garante às milícias “poder, informação, proteção e impunidade”. “Milícias não são um Estado paralelo. Elas são o próprio Estado.”

O caso Marielle e Anderson, em que as milícias parecem estar em todas as pontas, pode ilustrar essa premissa.

Um delator, considerado testemunha-chave do caso, apontou o vereador Marcello Siciliano (PHS) e o miliciano Orlando Curicica, hoje num presídio de segurança máxima, como mandantes do crime. Eles negaram a acusação, e chegaram a procurar a Anistia Internacional dizendo-se pressionados a assumir o duplo assassinato.

O então secretário de Segurança do Rio, general Richard Nunes, também chegou a afirmar que Marielle teria sido morta por supostamente ameaçar o esquema de grilagem de terras operado por uma milícia na zona oeste do Rio.

O governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), escreveu em seu perfil numa rede social que um dos cinco presos na operação “Os Intocáveis”, deflagrada em janeiro deste ano pela Polícia Civil e Ministério Público, era suspeito de envolvimento nas mortes de Marielle e de Anderson.

A operação teve como alvo milicianos que atuam na grilagem de terras na zona oeste do Rio de Janeiro. Surpreendente é o fato de dois dos alvos da operação terem sido homenageados pelo então deputado Flávio Bolsonaro (PSL) com moção de louvor e honrarias da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

Um deles, o ex-capitão da PM Adriano Magalhães Nóbrega, hoje foragido, foi apontado pela operação como um dos líderes da milícia de Rio das Pedras que opera esquema de grilagem de terras, entre muitos outros. Ele também seria chefe do grupo de extermínio Escritório do Crime, suspeito de estar associado à execução de Marielle e Anderson.

Nóbrega foi celebrado pelo hoje senador Flávio Bolsonaro com moção de louvor por seu “brilhantismo e galhardia”, em 2003, e com a Medalha Tiradentes, a mais alta honraria da Alerj, em 2005.

Mais: até novembro do ano passado, a mãe e a mulher de Nóbrega trabalhavam no gabinete de Flávio Bolsonaro, que atribuiu as contratações a seu ex-assessor, Fabrício Queiroz, amigo de longa data do presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL).

Queiroz, que foi policial militar, já estava sujo. Ele é suspeito de comandar rachadinhas no gabinete do filho zero um do presidente. O esquema retém parte dos salários de funcionários nomeados de um gabinete. Queiroz atribuiu a movimentação de R$ 7 milhões, valor incompatível com sua renda, a negócios particulares de compra e venda de automóveis.

O jogo de empurra-empurra e esconde-esconde, no entanto, não desata o nó que amarrou milicianos suspeitos de envolvimento na morte da vereadora com o gabinete do filho do presidente da República.

Em dezembro passado —portanto, antes de o Brasil conhecer Queiroz, Nóbrega e o Escritório do Crime—, a suspeita de que uma organização criminosa estivesse travando as investigações do atentado que matou a vereadora e seu motorista levaram a Polícia Federal a entrar no caso.

Na ocasião, o então ministro da Segurança Raul Jungmann definiu o processo de apuração do crime como “uma aliança satânica entre a corrupção e o crime organizado”.

Se a morte de Marielle Franco já era um caso de interesse nacional antes de reveladas as tenebrosas relações entre milicianos e o filho zero um do presidente, agora sua resolução deveria ser também questão pessoal e de honra para a família Bolsonaro.

Fernanda Mena
Jornalista, foi editora da Ilustrada. É mestre em sociologia e direitos humanos pela London School of Economics.

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