Lava-Jato dá resposta política ao STF
Maria Cristina Fernandes - VALOR
Para ir à posse do presidente Jair Bolsonaro, aceitou carona do governador do Rio, Wilson Witzel. Nove dias depois, tuitou: "Alguns países estão democraticamente mudando a orientação de seus governos, de esquerda (viés mais populista) para centro-direita (viés mais técnico). Respeitemos a vontade da maioria e aguardemos o cumprimento das propostas. Críticas prematuras são claramente oportunistas".
Antes que o primeiro mês de governo Bolsonaro terminasse, achou por bem pedir mais paciência aos seus 140 mil seguidores: "O Brasil está mudando, rapidamente e para melhor. Lamentavelmente, essa mudança não é instantânea. Assim, ainda por algum tempo, haveremos de conviver com forças retrógradas comprometidas com o modelo superado".
Sumiu por um mês e, no fim de fevereiro, retuitou uma nota pública do Ministério Público do Rio em resposta ao ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, que acusara os procuradores de terem colocado a Receita no seu encalço. No início de março, deu novamente as caras para defender o pacote de Moro: "Em determinadas circunstâncias, que só podem ser avaliadas casualmente e pelas autoridades competentes, a POLÍCIA DEVE usar a força e, eventualmente, até mesmo MATAR. Isso não é novidade. Está na lei".
São indícios insuficientes de que Bretas agiu como braço auxiliar do governo em sua queda de braço com o Supremo e com o Congresso. Parecem mais robustas as evidências de que o juiz se valeu da prisão do ex-presidente Michel Temer, dada como certa por alguns de seus mais próximos amigos desde sua saída do poder, para reforçar as barricadas da Lava-Jato na disputa com o STF.
Há duas passagens no mandado de prisão de Temer que corroboram a empreitada. A primeira é a que censura a investigação de ofício por colocar em risco, em sua visão, a parcialidade do judiciário: "Nenhuma investigação deve ser inaugurada por autoridade judiciária, em respeito ao sistema penal acusatório consagrado em nosso texto constitucional". O Supremo decidiu, de ofício, e sem sorteio de relator, investigar ameaças e xingamentos contra seus ministros nas redes sociais. Se a prerrogativa fosse estendida a todo internauta xingado na rede, as varas judiciais não fariam outra coisa.
A segunda passagem do mandado que sugere uma briga interna corporis é aquela em que Bretas citou a decisão recente do Supremo que restringiu a competência de julgamento de crimes de corrupção e caixa 2 em campanhas para a Justiça Eleitoral: "Não seria possível a um investigado, sem fazer prova a respeito, mediante uma singela alegação de que além de crimes comuns haveria cometido também crime de competência da Justiça Eleitoral, dar causa às mudanças de atribuições e de competência em uma competência ou processo judicial". Acrescentou ainda que o próprio Temer eximira o coronel João Batista Lima, o amigo também preso e acusado de operar propinas em contratos da Eletronuclear, de ter atuado na arrecadação de recursos para campanha.
Se não há dúvidas de que Bretas mostrou ter lado na disputa entre Lava-Jato e Supremo, parece precipitado concluir que a prisão beneficia o governo Jair Bolsonaro. A operação deu-lhe, no limite, um fôlego. O presidente amarga queda acentuada de popularidade e mostrou-se refém dos militares do governo com uma reforma que tira benefícios com uma mão e devolve com a outra. Ganhou, com a prisão, a vitrine de que, sob seu governo, o Brasil prossegue no combate à corrupção.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, cuja mulher é enteada do ex-ministro Moreira Franco, também preso na operação, entrou em rota de colisão com Moro e com o general Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo, ao rejeitar o pacote anticorrupção e o decreto que barra nomeações de fichas-suja. Como está em suas mãos a tramitação da reforma da Previdência, projeto em que o governo deposita suas apostas de retomada do crescimento, Maia barganha o recuo do governo perfilado ao lado do STF contra a Lava-jato.
Ao longo das gestões Dilma Rousseff e Michel Temer, a operação foi o escoadouro dos impasses. Quando tudo parecia travado na disputa entre Congresso e Executivo, vinha a Lava-jato e desempatava o jogo. No governo Dilma, o resultado foi o impeachment. No de Temer, a eleição de Bolsonaro.
A Lava-jato e suas prisões acionaram mecanismos de desmonte. Um governo, no entanto, só funciona pela montagem de maiorias e consensos. O que ainda está por se provar é que, na condição de aliada majoritária de Jair Bolsonaro e de sua enrolada família, a Lava-jato será capaz manter de pé uma base parlamentar que, por enquanto, ainda é a baliza de aprovação de projetos governamentais.
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