sexta-feira, 22 de março de 2019

Ideologia e reformas



Ideologia e reformas

por Mário Montanha Teixeira Filho
O que espanta nestes tempos de extremismo não é apenas a agressividade das disputas políticas, um fenômeno que se alia a xingamentos generalizados (e generalizantes), brigas e expressões de ódio, a indicar que a sociedade está doente. Mais do que isso, chama a atenção a superficialidade dos discursos propagados pelos “vencedores”. São frases arrumadas sem critério lógico, postas à disposição de vozes repetidoras de verdades absolutas, sempre em defesa dos interesses do mercado, o deus da modernidade.
De algum tempo para cá, o combate à quase-social-democracia produzida pela Constituição de 1988 se tornou muito mais intenso. A eliminação de direitos ocupou a narrativa da ordem, condicionando o futuro nacional a uma estabilidade econômica falsamente concebida e incapaz de coexistir com garantias individuais e coletivas. Saíram de cena os governantes empenhados em anunciar, com maior ou menor grau de sinceridade, medidas de combate à pobreza ou de redução de desigualdades. O que vale, hoje, é a pregação desvairada contra um comunismo de ficção e a favor de teses obscurantistas sustentadas por líderes religiosos de araque, acompanhada da desqualificação de qualquer gesto ou movimento organizado que se apresente como contraposição ao “sistema”.
Michel Temer, o presidente que fez aprovar a reforma trabalhista e o corte de investimentos públicos autorizado pela “PEC do fim do mundo”, cumpriu exemplarmente o papel que lhe cabia na configuração da nova política. No término de um mandato ilegítimo e antipopular, exibiu como troféu o esfacelamento do Direito do Trabalho, convertido em norma de chancela da precarização e do barateamento da mão de obra. Os milhões de empregos prometidos pelas mudanças legislativas não vieram, assim como a intervenção federal no Rio de Janeiro, decretada para acabar com a violência e o tráfico de drogas, se limitou a espalhar terror entre a população pobre.
Curiosamente, a maior apreensão de armas de grande porte jamais realizada pelas forças policiais aconteceu alguns meses após a saída de Temer, a partir de investigações que apontaram os autores do assassinato de Marielle Franco, vereadora que denunciou milicianos que comandam um Estado paralelo na região metropolitana do Rio, e Anderson Gomes, que trabalhava como motorista. O arsenal, porém, não estava escondido em nenhuma favela, em nenhuma comunidade desprovida de serviços básicos, mas na região nobre da Barra da Tijuca, em imóvel vizinho ao local onde mora Jair Messias Bolsonaro, transformado em presidente do Brasil nas eleições facebookianas e whatsappianas de 2018.
A Temer, não obstante os agradecimentos protocolares da elite econômica que se valeu dos seus préstimos, restou a prisão decretada tardiamente no dia 21 de março que passou. O ostracismo imaginado pelo golpista vampiresco, ao que parece, enfrentará percalços motivados pela ingratidão daqueles que o patrocinaram. Ossos do ofício.
Mas a questão a ser retomada é o discurso ideológico, repetido com desenvoltura pelo capitão e seus filhotes numerados em ordem crescente. Bolsonaro não se cansa de afirmar que os brasileiros estão condenados a escolher entre emprego e direitos. Ou que o trabalho das mulheres vale menos do que o trabalho dos homens. Ou que os operários devem destruir os seus próprios sindicatos e buscar a proteção dos patrões. Ou que a tortura e o armamento são meios de combate à violência.
Pois é em torno desses “conceitos” que o governo prepara, em combinação com um Congresso ultraconservador, instituições bancárias e agentes da mídia, o golpe final que transformará a maior parte da população brasileira em cidadãos sem direitos, sem assistência, sem saúde, sem salários e sem aposentadoria: a contrarreforma da Previdência. A esperança, para aqueles que serão massacrados – mesmo para os que ainda não perceberam isso –, é que a ideologia que adorna as palavras oficiais tem prazo de eficácia limitado. Para convencer as massas de que “perder direitos é bom”, o recurso utilizado tem sido a mentira. E esta, como se sabe, não dura para sempre.

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