quinta-feira, 28 de outubro de 2010

DE DENTRO DO TEATRO MACABRO: LEITOR CONTA SUAS EXPERIÊNCIAS NO BANCO DO BRASIL E TRAÇA UM PANORAMA REALISTA DO BRASIL PRÉ E PÓS LULA « Educação Política

DE DENTRO DO TEATRO MACABRO: LEITOR CONTA SUAS EXPERIÊNCIAS NO BANCO DO BRASIL E TRAÇA UM PANORAMA REALISTA DO BRASIL PRÉ E PÓS LULA « Educação Política: "EDUCAÇÃO POLÍTICA VOCÊ FAZ

DE BANCO DO BRASIL EU ENTENDO UM POUCO

Por Raimundo Wilson S. D. Morais(*)

Abram aspas. Antes da chuva de pedras, que fique bem claro: nunca pertenci à classe rica, e pobre não fui. Consegui cursar duas excelentes faculdades (públicas, é claro!), onde só entravam os bafejados pela sorte: ou tiveram formação escolar em ótimas escolas públicas (garanto a vocês que existia); ou vieram de famílias que podiam sustentar boas escolas particulares e dois ou três anos nos famigerados cursinhos pré-vestibular; ou, ainda, trabalhavam em regime de seis horas diárias (também não é piada, eu juro que isso existiu!). Os cursos preferidos pela elite exigiam horário integral: Medicina e Engenharia, nem pensar! Havia, como sempre houve, um limite entre o ideal do sonho e o real do pesadelo. Alguns “sortudos” transpunham esse limite.

Continuem entre aspas. Estudei em bons colégios (particulares e públicos), podia pagar cursinho e trabalhava no Banco do Brasil, uma empresa que só admitia funcionários por concurso público e respeitava o expediente legal de 6 horas diárias de trabalho (perdoem-me, leitores incrédulos, no século XX ainda sobrevivia esse respeito). Consegui cursar a Universidade de São Paulo, em uma época de intensa resistência à repressão dos militares. Ao mesmo tempo, eu fazia parte de uma empresa com um quadro funcional de grande competência, onde a regra (com as exceções, é claro!) era trabalhar para o Brasil e não para um governo.

Prossigam entre aspas. Tudo o que aprendi de importante em minha vida partiu de duas fontes: à Universidade de São Paulo eu devo a teoria e ao Banco do Brasil eu devo a prática. Na USP e no BB foram recrutadas “cabeças pensantes” que ajudaram a sustentar tanto a ditadura militar de ontem quanto a democracia que temos hoje. Que ninguém se iluda: dessas duas instituições foram convocados tanto os cérebros do mal (qualquer que seja a posição ideológica adotada) quanto os do bem! Basta olhar a História e seus atores nos últimos 50 anos. Por causa dessas condições que emolduravam minha formação num meio elitista, Lula nunca seria o presidente de meus sonhos. Sempre acreditei que o cargo mais alto do País jamais deveria ser exercido por militar da ativa ou por civil sem formação universitária. Que soubesse pelo menos se expressar com elegância na língua pátria! Tive que jogar fora meu sonho, é claro!

Preparem-se para fechar aspas. No ano de 1989, Lula não era o ideal sonhado, mas o pesadelo real emergia de modo truculento, no cérebro de um tal de Dom Fernando I, o Caçador. Dele se afirmava ser um colorido pavão, espécime rara que surgiu do nada, ou melhor, foi criado num cinescópio que soltava um som irritante: plim-plim!. Não havia tempo a perder: filiei-me ao Partido dos Trabalhadores. Deposto Fernando I, veio o reinado de Fernando II, o Vaidoso. Dele diziam ser mais um pavão, criado com boa alimentação importada; aparecia em preto e branco, pregava a favor da amnésia (para os outros), e foi feito de encomenda para que o Brasil esquecesse todas as suas cores, doadas para estrangeiros. Ah, sim, esqueçam o que escrevi: no ano de 2010, Dilma não era a candidatura que eu queria no PT. Mas foi a escolhida pelo Partido. É o que basta para ter meu apoio. Aprendemos muito nesses anos, diria o poeta. E tenho horror a pesadelos, caçadores, esquecimentos, estradas com pedágio, corrupção, subidas e descidas de serra. Fechem comas.

Tomei posse no Banco do Brasil em plena ditadura, numa cidade do interior do Piauí, para onde foram transferidos alguns funcionários punidos pelo regime militar. Era tradição do BB dar posse a novos funcionários (salvo algumas exceções de bom apadrinhamento) em lugares distantes, antecipando uma política que os militares apelidariam de “Integrar para não entregar” e que foi lema do Projeto Rondon. Se a intenção de alguns militares era fazer do Projeto Rondon uma espécie de lavagem cerebral na juventude, o resultado foi exatamente o contrário. Havia um ponto muito positivo naquela política: criava-se um quadro de soldados que conheciam muito bem as áreas de combate. Só que esses soldados não estavam nos quartéis, mas nas escolas.

Como se sabe, generais são poucos, e dificilmente morrem em combate. Já os soldados rasos são milhares, e só por sucessivos golpes da sorte (e outros golpes) chegam ao generalato. Os recrutas vivem e aprendem no teatro da guerra, pela simples razão de estarem em pé, na frente, enquanto os generais estão atrás, deitados em berço esplêndido. Ao alocar funcionários recém-empossados e funcionários “subversivos” na mesma cidade do interior do Piauí (e de outros estados), o BB aproximou a gasolina da fagulha. Num repente, começaram a nascer sindicatos em lugares “nunca dantes imaginados na História deste país”.

Os leitores já devem ter percebido que, entre comas e mais comas, prestei uma homenagem. A região em que trabalhei, no Piauí, seria a escolhida por Lula, muitos anos depois, para dar início ao combate à miséria. O quadro funcional do Banco do Brasil do meu tempo não existe mais, mas o BB está de volta ao cenário, abarrotado de recursos, como parceiro importante de um governo que tirou da fome e da miséria cerca de 30 milhões de irmãos nossos, cujo defeito maior era a pobreza que não lhes permitiu dar sequer um passo à frente. Em 2010, o perigo está de volta: a privatização do BB, da Petrobrás e da Caixa Econômica Federal não significa apenas o sonho tucano de “fazer caixa” rapidamente: é o pesadelo real da volta da miséria e da exclusão dos “azarados”.

Os argumentos para a privatização, a serem utilizados desta vez, farão de Dom Fernando I, o Caçador de Marajás, apenas um pobre coitado, sem qualquer maldade. E farão de Dom Fernando II, o Vaidoso, apenas um velhinho medroso, esquecido e abandonado pelos ex-comparsas. Tudo pode ser tão rápido, que até quem não viver verá. A “privataria” não terminou o serviço até 2002 porque nem de longe sonhava que em 2003 Lula chegaria ao poder. Além disso, os sócios dos tucanos queriam sua parte no butim. Tucanos, segundo o dicionário, são aves sociais, vivem em pequenos bandos e pilham ninhos de outras aves. Plumagens de cores vivas lhes dão aparência, que chama a atenção, escondendo a feiúra de um bico desproporcional. Tucano é só bico, nada mais, mas perigoso para a sobrevivência das outras aves. Enganam bem.

A grande força do Banco do Brasil residia na inegável competência de seus funcionários. A fraqueza residia no fato de que o BB raramente era dirigido por funcionários de carreira. Os militares de 1964 perceberam que o quadro funcional do BB era formado basicamente por pessoas que trabalhavam para o País, e não para um governo. Destruíram-no, pulverizando o funcionalismo: a partir deste, criaram o Banco Central do Brasil e o Banco Nacional de Habitação, retirando do BB o controle eficiente dos gastos públicos. Estava aberta a porteira. Antes, toda a sociedade sabia por onde passavam os recursos desviados. Pouco a pouco, o BB foi se transformando em mero “caixa pagador” de rombos e roubos. Desvios e roubos o BB pagava. Toda – pasmem! – toda a política econômica da ditadura se aproveitou da estrutura de credibilidade do Banco do Brasil.

O processo de destruição do BB foi um desmonte muito bem calculado: quebrando os salários do funcionalismo, abria-se espaço para um novo quadro, moralmente podre. E como os cargos de direção do Banco eram preenchidos por indicação política, a redemocratização do Brasil cobrou seu preço. Na década seguinte, sem qualquer constrangimento, nomeava-se para a Diretoria da Área Internacional do BB, Ricardo Sérgio de Oliveira, o arrecadador de fundos para a campanha de José Serra ao Senado. O maior banco do País estava podre. Na década seguinte, Lula foi eleito. A Polícia Federal descobriu que, por trás das privatizações do governo FHC, havia algo não muito bem contado, envolvendo o maior fundo de pensão do Brasil, a PREVI

O resto da história é bem conhecido. Toda vez que a Polícia Federal chega perto da Operação Banestado, Ricardo Sérgio, Opportunity, PREVI, José Serra e outros da trupe, aquele plim-plim irritante nos obriga a tampar os ouvidos, mas o cheiro fica impregnado. O último delegado da PF a chegar bem perto do fedor se chama Protógenes. De faro apurado, espero que dirija a Polícia Federal, se Dilma for eleita. Infelizmente não poderei cooperar com Protógenes: saí do BB exatamente quando Ricardo Sérgio, o “tesoureiro” de campanha de José Serra, obrigava a PREVI a jogar dinheiro fora, e a ajudar na destruição de empresas nacionais. Acompanhei tudo, de dentro do teatro macabro.

Não nos enganemos, o jogo é de campeonato. Conheço a PREVI e o BB a fundo: não só as instituições, mas também as peças do tabuleiro que foram movimentadas nos últimos 40 anos. O que escrevi aqui é um milésimo do que sei. O que está na mesa não são apenas os US$100 bilhões da PREVI e outros tantos de BB, CEF, Petrobrás, que O perigo de hoje é a indecência tucana, que implora pela volta do Brasil rachado em dois: sortudos e azarados, ou, se preferirem, nobreza e plebe. Chega! Queremos classe média, num estado laico, livre, igual e fraterno!

(*) O autor foi funcionário do Banco do Brasil até 1997. Cursou Economia e Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (graduação e licenciatura plena em Sociologia).

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